1) O documento analisa a tentativa de construção de uma identidade nacional brasileira através do Romantismo e expressões culturais, tomando como exemplo a canção "Índios" da banda Legião Urbana.
2) Discorre sobre a colonização portuguesa no Brasil e a sobreposição da cultura europeia à cultura indígena, vista como inferior. A educação foi usada para perpetuar a cultura colonizadora.
3) Apresenta características do Romantismo como escapismo, fé, retorno ao passado e cult
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A IDEIA DA CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE NACIONAL ATRAVÉS DA CANÇÃO ÍNDIOS, DE LEGIÃO URBANA: UMA ANÁLISE
1) O documento analisa a tentativa de construção de uma identidade nacional brasileira através do Romantismo e expressões culturais, tomando como exemplo a canção "Índios" da banda Legião Urbana.
2) Discorre sobre a colonização portuguesa no Brasil e a sobreposição da cultura europeia à cultura indígena, vista como inferior. A educação foi usada para perpetuar a cultura colonizadora.
3) Apresenta características do Romantismo como escapismo, fé, retorno ao passado e cult
1) O documento analisa a tentativa de construção de uma identidade nacional brasileira através do Romantismo e expressões culturais, tomando como exemplo a canção "Índios" da banda Legião Urbana.
2) Discorre sobre a colonização portuguesa no Brasil e a sobreposição da cultura europeia à cultura indígena, vista como inferior. A educação foi usada para perpetuar a cultura colonizadora.
3) Apresenta características do Romantismo como escapismo, fé, retorno ao passado e cult
A IDEIA DA CONSTRUO DE IDENTIDADE NACIONAL ATRAVS DA
CANO NDI OS, DE LEGIO URBANA: UMA ANLISE
Ana Ceclia Tiburtius Franco Universidade Federal de Pernambuco
INTRODUO
Este trabalho prope-se a realizar um exame crtico do processo de tentativa de construo de uma identidade de carter nacional atravs do Romantismo, assim como atravs das vrias correntes artstico-intelectuais que contriburam por meio de expresses culturais para o estabelecimento de um panorama poltico-social atual deste pas. Para tanto, como forma de auxlio ao entendimento do dito exame, ter-se- a anlise da letra da cano ndios, da banda Legio Urbana.
1. EMBASAMENTO TERICO
1.1. Colonizao O costume de sobrepujar um povo, seus valores e crenas / costumes em relao a outro remonta aos primrdios da civilizao, em que um dado grupo, por meio do cultus, seja como forma de cultivar a terra ou ainda cultuar os mortos / antepassados, busca estabelecerse em novas paragens para no s usufruir do que a terra pode oferecer atravs do cultivo / plantio (segundo uma perspectiva econmica), mas tambm para se ter um vnculo (solo, aporte) para o estabelecimento de uma memria coletiva que deve ser mantida / cultivada e que, atravs da cultura (conjunto de prtica, tcnicas, smbolos e valores, a incluir a linguagem), deve ser repassada s novas geraes com o intuito de firmar um estado de coexistncia social. (BOSI, 1992). Dentro dessa perspectiva, enquadra-se a expanso colonialista europeia que, poca do sc. XVI, fundamentava-se numa concepo europeizante de superioridade segundo a qual haveria naes detentoras no s de uma estrutura de produo industrial, mas tambm de outros fatores (com respaldo cientfico, inclusive: superioridade de raa, de clima, de situao geogrfica...) que deveriam se sobrepor a outras, fornecedoras de matrias-primas e outros materiais. Da, ento, de onde surgiria o colonialismo e, por tabela, aquilo que Nelson Werneck Sodr (1984) cunharia de ideologia do colonialismo, estabelecida atravs da transplantao cultural, ou seja, o puro decalque, nos mbitos poltico e artstico, dos moldes externos, em que se daria, consequentemente, uma desvalorizao do local, nativo. Essa desvalorizao seria a prpria motivao de se desconsiderar a cultura indgena local do Novo Mundo, sendo, no caso das terras brasileiras, um retrato do sistema colonial de produo baseado na gerao de riquezas e trabalho escravo / servil. Vale ressaltar que, durante o perodo inicial da colonizao, o ato do escambo realizado entre ndios e europeus teria sido um modo encontrado pelo colonizador de obter a riqueza local (o pau-brasil, de cuja madeira era extrada uma tinta muito utilizada na poca para tingir tecidos) do ndio em troca de objetos de menor valor, assim tirando dos povos indgenas o que, de fato, eles no possuam. Para os colonizadores, ainda que oferecesse um custo menor em relao s especiarias do Oriente, ainda assim a extrao do pau-brasil, dentro do sistema do comrcio ultramarino, contribua para a balana comercial favorvel das metrpoles, num conjunto de ideias e prticas econmicas conhecido por Mercantilismo (ARRUDA; PILETTI, 2003). O carter essencialmente extrativista dos recursos naturais (pau-brasil, basicamente) da colnia pela metrpole portuguesa se manteve nas primeiras dcadas da colonizao, perodo em que a terra de Vera Cruz era sistematicamente invadida por saqueadores oriundos de outras metrpoles europeias, da a construo de feitorias (algumas francesas, alis) ao longo da costa. Como forma de manter o monoplio e garantir a hegemonia econmica sobre estas terras, o governo de Portugal decide enviar uma expedio para uma colonizao efetiva, mas apenas algumas dcadas aps a primeira vinda, por volta de 1530. Ainda em relao ao mencionado anteriormente, segundo percebe-se a sobreposio de uma cultura perante a outra, tem-se o que afirma Bosi (1992): cultura supe uma conscincia grupal operosa e operante que desentranha da vida presente os planos para o futuro, ao que acrescenta: O presente se torna mola, instrumento, potencialidade de futuro. Acentua-se a funo da produtividade que requer um domnio sistemtico do homem sobre a matria e sobre outros homens. Aculturar um povo se traduziria, afinal, em sujeita-lo ou, no melhor dos casos, adapt-lo tecnologicamente a um certo padro tido como superior. (BOSI, 1992, p. 17) Tem-se, assim, a sujeio da cultura indgena (tida como inferior) a uma outra, europeia (dita superior), cabendo a esta ser preservada e perpetuada, a ser mantida num estado de coexistncia social atravs da educao. Num primeiro momento da colonizao lusitana nas Amricas, a educao se d por meio dos membros da Companhia de Jesus que, se de incio direcionavam o saber que detinham catequizao dos nativos, posteriormente seriam subjugados presso dos bandeirantes e fora do Exrcito colonial, restando apenas a opo de prover educao humanstica a jovens de famlias abastadas. (BOSI, 1992, p. 25). Vale destacar que o carter cristianizador da expanso portuguesa encontraria nos bandeirantes, isto , nos prprios portugueses, um ponto de embate frontal e cruel, tendo estes e os jesutas travado grandes disputas pelo ndio, fosse para extermin-lo ou convert-lo ao Cristianismo. Sobre isso, afirma Anchieta serem os portugueses os maiores inimigos da catequese, tendo ocorrido incidentes j no primeiro sculo de catequizao, como no relato da fuga dos ndios de So Tom: Subitamente se alvoroou toda aquela gente de So Tom, e andava to revolta que parecia andar o Demnio entre eles. Pregavam pelas ruas: Vamo-nos, vamo-nos antes que venham estes Portugueses. Vendo o Padre Gaspar Loureno tal alvoroo, f-los ajuntar, falando a eles, dando-lhes a entender quo mal faziam em deixar a igreja por mentiras que lhes diziam, e eles chorando respondiam: No fugimos da igreja nem da tua companhia, porque, se tu quiseres, ir conosco, viveremos contigo no meio desses matos ou serto, que bem vemos que a lei de Deus boa, mas estes Portugueses no nos deixam estar quietos, e se tu vs que to poucos que aqui andam entre ns tomam nossos irmos, que podemos esperar, quando os mais vierem se no que a ns mulheres e filhos faro escravos?, mostrando alguns deles os perigos e aoites que em casa de Portugueses tinham recebido, e isto diziam com muitas lgrimas e sentimento. (BOSI, 1992, p. 32) revelia de embates sociais e agitaes como descrito acima, ainda por muito tempo por boa parte da Histria do pas haveria a tentativa de afirmao de uma identidade de carter nacional, em especial atravs de manifestaes artstico- intelectuais, persistindo at os dias atuais. 1.2. Romantismo
Amplo e diverso, o Romantismo levado em considerao a extremos opostos, pois se por um lado ele confundido com meras manifestaes literrias, por outro so vistas caractersticas romnticas na totalidade da Histria da Civilizao. Considerado como a busca de novos valores por meio da quebra de um padro esttico vigente e resultado de rebelio e inconformismo, o Romantismo seria, na realidade, um movimento cultural situado historicamente e s como tal pode ser entendido. (BORNHEIM, 2005). Assim, conforme afirma Coutinho (1978) e para fins de elucidao neste trabalho, tem-se o Romantismo como um movimento esttico-potico peculiar de um estilo de vida e de arte dominante da cultura ocidental, tendo prevalecido entre a metade do sculo XVIII e a metade do sculo XIX. Inspirado num retorno ao passado medieval e nos moldes vigentes ento, realizou-se em contraposio a um modelo neoclssico setecentista. Em oposio ao racionalismo do perodo anterior, neoclassicista, o Romantismo vai passar a exaltar a imaginao e o sentimento, a individualidade subjetiva, em que o sujeito romntico busca o relativismo em vez do absolutismo, tendendo a idealizar a realidade, e no reproduzi-la. Por razes de natureza didtica, tendo-se em vista o foco deste trabalho ser a ulterior anlise da letra da cano ndios, seguem, abaixo, apenas algumas das caractersticas elencadas por Coutinho (1978) como traos peculiares do Romantismo:
Escapismo. Desejo de fuga para um mundo ideal(izado), feito imagem e semelhana das emoes e dos desejos do indivduo, conforme a prpria imaginao deste; F. Para o indivduo romntico, seria a f, e no a razo, que comandaria o esprito; Retorno ao passado. Voltando-se para a natureza e volvendo ao passado, o romntico idealiza uma civilizao diferente da atual; Exagero. Em busca de uma realidade utpica, busca fugir para um mundo de perfeio e sonho em um lugar longnquo, no passado ou o futuro; Culto da natureza. Exaltada no Romantismo, a Natureza torna-se paisagem preponderante, extica (exotismo), um lugar de refgio, resguardado da civilizao, puro porque intocado pela sociedade. Vale frisar, neste tpico, a ideia do bom selvagem de Rousseau, cuja concepo merece um tratamento a parte:
Em oposio ao pensamento cartesiano que encerra a interioridade do indivduo no cogito, Rousseau defende a natureza, isto , o sentimento interior, como fator bsico da vida individual. Para Rousseau, a razo estaria subjugada ao sentimento, sendo inferior a este, e no mais pautaria a natureza como algo externo, objetivo e matematizado tal como preconizado pelos enciclopedistas. A natureza, ento, deveria ser compreendida a partir da interioridade e seria isenta mcula humana, estranha e anterior cultura, divinamente pura, podendo da revelar o Absoluto. Amalgamado a essa natureza interior e sem contato com a civilizao externa, o indivduo primitivo de Rousseau no prescindiria da cultura (BORNHEIM, 2005). No Brasil, o Romantismo assumiu um carter peculiar nacionalista sob forma de Indianismo, sendo mesmo uma tendncia universal daquele. O ndio, que remonta concepo de indivduo imagem e semelhana do europeu segundo os enciclopedistas, tambm retratado de forma idealizada tanto na literatura quanto na poltica jesutas (SODR, 1984), da tendo o nativismo brasileiro estabelecido o ndio como smbolo de independncia espiritual, poltica, social e literria. Em se tratando do mbito literrio, com respeito questo poltica de uma nao que visava firmar a sua autonomia, pode-se dizer que se encontram traos de crtica social atrelada questo indgena j no Quinhentismo com os registros jesutas de Pe. Anchieta. No Romantismo como movimento literrio propriamente dito no Brasil, destacam-se Gonalves Dias na poesia e Jos de Alencar na prosa, cabendo ao segundo maior prevalncia em termos de tentativa de formao de uma identidade nacional. Defensor de uma linguagem tipicamente romntica no sentido de estar desatrelada de amarras formais, em que prevalece o uso de uma linguagem libertada, simples, sem nfase, ainda que rica, Alencar desvincula da lngua nacional a ideia de reproduo de uma outra, europeia, lusitana, sendo o seu romantismo pelo menos lgico, ao tentar ao mesmo tempo uma nova linguagem de um novo ideal de criao literria (SODR, 1984, p. 33). Para Helena (2006), a busca pela construo de um ideal nacional em Alencar ganha maior relevncia: Tematizar a articulao da vida selvagem, a individualidade pretrita e, a partir dela, representar o Brasil, como eu social, foi o desafio que Jos Alencar tomou a seu cargo. Suas obras, que por vezes surpreendem pela perspiccia disfarada de histrias palatveis, do forma e contedo representao do pas nascente, buscando construir a memria do cidado que ocuparia o lugar das mitologias da origem, na construo da histria ptria. Preside esta empresa a inteno de dizer o que era ser brasileiro no sculo XIX. (HELENA, 2006, p. 91).
Essas mesmas caractersticas romnticas de desapego s formas estruturais e busca de uma identidade prpria nacional seriam posteriormente resgatadas no movimento modernista cujo expoente mximo foi a Semana de Arte Moderna de 22. Nessa poca, de acordo com Nicola (2003), o nacionalismo adquire diversos aspectos, os quais que melhor se alinham com a proposta de outrora do Romantismo so: volta s origens; pesquisas de fontes quinhentistas; busca de uma lngua tipicamente nacional, brasileira; valorizao do ndio verdadeiramente brasileiro. Tem-se, ainda, o nacionalismo crtico, consciente, alinhado com as esquerdas da poca, que procurava denunciar a realidade brasileira de ento. Mrio de Andrade chegaria a se referir a Jos de Alencar como um irmo de cruzada (SODR, 1984, p. 32).
1.3. Identidade O conceito bsico que se tem de memria a de experincias particulares, individuais, ntimas, adquiridas por meio da experincia de cada indivduo. Contudo, conforme j atestava Halbwachs nos idos dos anos 20/30, a memria deve ser entendida tambm, ou sobretudo, como um fenmeno coletivo e social, ou seja, como um fenmeno construdo coletivamente e submetido a flutuaes, transformaes, mudanas constantes. (POLLAK, 1992). Se situarmos a afirmao acima dentro do que fora mencionado anteriormente na referncia ao cultus, temos que cada h memrias que so mantidas em detrimento de outras, pois se h colonizao e sobreposio de um povo perante o outro, que dizer da memria do povo subjugado, a ser mantida em um momento de alteraes to drsticas de valores e parmetros como os vividos atualmente? Em relao a isso, afirma Hall (1992): [...] as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, esto em declino, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivduo moderno, at aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada "crise de identidade" vista como parte de um processo mais amplo de mudana, que est deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referncia que davam aos indivduos uma ancoragem estvel no mundo social.
Dentro dessa perspectiva, h que se considerar o caso dos indgenas no sculo XX, em pleno fenmeno de globalizao, que vm a prpria memria coletiva, que se j no era enaltecida (muito pelo contrrio, era marginalizada, no fossem as diversas manifestaes artstico-intelectuais e poltico-sociais - como o caso dos irmos Villas- Boas - que buscassem preserv-la), esmiuada por valores que, se j no so reconhecidos pelos prprios colonizadores como prpria deles, que dir de suas prprias? As supostas crises de identidade, ento, seriam um fator a mais a contribuir para desestruturao de um iderio de afirmao perante a sociedade, o que pode ter levado grande onda de suicdios ocorrida por volta dos anos 80 na regio de Dourados (MS), pois j que no se reconhecem mais como ndios, os descendentes dos povos nativos se deparam com uma sociedade marcadamente europeizante, fundada sob os moldes de uma perspectiva histrica eurocentrista, que, por questes etnolgicas, dificilmente jamais os aceitar como indivduos brancos. De sua parte, a sociedade dos brancos no mais das vezes s vai tomar conhecimento da existncia das verdadeiras condies de vida dos povos indgenas na (ps-) modernidade quando h relatos de eventos que denotam algum grau de psicopatologia social (no caso, o suicdio). o que ocorre, por exemplo, no relado presente no artigo Suicdio entre povos indgenas: um panorama estatstico Brasileiro (Oliveira; Neto, 2002) do caso do grupo dos Sorowah, visto como a situao mais crtica j descrita. Esse grupo tnico, afastado das vias de navegao, ainda vivia da agricultura de subsistncia, caa, pesca e coleta (Kroemer, 1985 apud Oliveira; Neto, 2002) por volta dos anos 70, tendo permanecido isolado at o fim desta dcada, quando, enfim, foram "foram localizados pelas notcias de conflitos com sorveiros [...] que haviam invadido seu territrio". (Oliveira; Neto, 2002). Recentemente, a questo da carta de ameaa de suicdio coletivo dos Guarani- Kaiow que ganhou notoriedade ao ser noticiada nas redes sociais mais populares do pas (Twitter e Facebook) levou uma gama de usurios de diversas contas (como so chamados os espaos que cada pessoa possui em tais redes cibernticas) passar a se designar, nominalmente, Guarani-Kaiows, ao que alude a jornalista Eliane Brum em seu artigo Sobrenome: Guarani Kaiowa (27/11/2012), no qual questiona a verdadeira motivao por trs dessa iniciativa: A questo mais complexa do que pode parecer a princpio: afinal, o que ser ou o que torna algum um algum? O que seria, por exemplo, ser brasileiro e o que torna algum brasileiro? No caso das redes sociais, o que significaria este Sou Guarani Kaiowa?. Se analisada sob a ptica da teoria do Uncanny (tambm conhecido pelo termo em alemo Unheimlich,), a questo suscitada pelo evento Guarani-Kaiow poderia ser analisada conforme um novo prisma - j que se por uncanny entende-se aquilo que seria o oposto do que familiar, a suscitar uma sensao de desconforto ao se sentir ao mesmo tempo atrao e repulsa por um objeto a um mesmo tempo familiar e estranho segundo o qual brancos e ndios representariam os dois lados de uma mesma sociedade, na qual, se por um lado h uma classe muito bem estabelecida, firmada em moldes europeus que para estas terras foram transplantados, que, ainda assim, busca uma conexo maior com o prprio solo que habita, de outro h uma verdadeira nao nativa procura de afirmao dos prprios valores, em que a memria e cultura de seus povos sejam preservadas para geraes vindouras ou o que vier a existir delas.
2. ANLISE DA CANO
Escrita por Renato Russo, vocalista da banda Legio Urbana, a cano ndios foi lanada em 1986, no disco de nome Legio Urbana Dois. Seguindo a tendncia romntica do grupo, a cano, como o prprio ttulo j sugere, se volta para a questo indgena segundo uma perspectiva em conformidade com o Indianismo, tema recorrente no Romantismo brasileiro. De modo a melhor servir ao propsito deste trabalho de anlise crtica de questo social tendo-se por base o aporte terico apresentado acima, a interpretao da cano se dar por vezes atravs de determinado nmero de versos e, por outras, at mesmo por meio de estrofes. Assim, de forma didtica, facilitando a compreenso da interpretao, por parte do leitor.
Quem me dera, ao menos uma vez: Frase imprecativa, denota o desejo do eu-lrico em idealizar a realidade que vive. Presente em boa parte da cano como o incio das estrofes desta, a repetio deste verso serve para acentuar a ideia da vontade de se querer ver realizado o desejo do eu- lrico;
Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem/ Conseguiu me convencer que era prova de amizade/ Se algum levasse embora at o que eu no tinha. [...] Esquecer que acreditei que era por brincadeira/ Que se cortava sempre um pano-de-cho/ De linho nobre e pura seda. Neste trecho, percebe-se uma clara referncia prtica de escambo realizada entre nativos e colonizadores, em que o eu-lrico, apresentando-se na posio do indgena, deixa a entender, como muitos historiadores chegam a sugerir, que o ato de troca de objetos, entre os nativos, pressupunha o estabelecimento de uma relao de amizade. H que destacar o ressentimento de se descobrir no s a diferena de valores entre os objetos permutados como tambm os valores que so conferidos a eles (do indgena retirado o que ele suponha no possuir de fato, os bens naturais ou, ainda: retirado absolutamente tudo do indgena, deixando-o mais desfalcado do que de fato ele jamais poderia estar, pois de si foi tirado aquilo que ele sequer detinha / possua), a indicar a falta de considerao e ateno por parte do colonizador ao tratar com o indgena;
Explicar o que ningum consegue entender Que o que aconteceu ainda est por vir E o futuro no mais como era antigamente De incio, o ndio se v atnito diante da chegada de gente com vestes, costumes e falar diferentes dos seus a desembarcar de construes (naus) jamais vistas por ele antes (no consegue explicar aquilo que ningum entende). Mais tarde, d-se o incio da colonizao e o nativo v, num primeiro momento, a dizimao de seus prprios povos para, em seguida, ver extinguir-se a prpria cultura, sobrepujada por uma outra, dita superior, a qual dever ser repassada de maneira dominante s futuras geraes. Se a cultura tira das entranhas do presente o futuro, tal como afirma Bosi, o indgena, ento, j no v, desde o primeiro instante da colonizao, o seu futuro, pois a cultura europeia estabelece o seu presente naquele dado momento;
Provar que quem tem mais do que precisa ter Quase sempre se convence que no tem o bastante O Mercantilismo era um prottipo do sistema econmico capitalista, em que a balana comercial das ento metrpoles europeias deveria estar sempre favorvel para si. Era o acmulo primitivo de capital, na realidade feito atravs do acmulo dos recursos naturais extrados das colnias. Como deteria maior poder econmico a metrpole que detivesse o maior nmero de recursos acumulados, quanto mais um pas europeu pudesse deter recursos para si, melhor;
Fala demais por no ter nada a dizer O colonizador, ao querer conferir legitimidade colonizao, ao utilizar como desculpa a expanso martima e o dever de expanso da f crist do imprio portugus, na verdade estaria se favorecendo de argumentos vazios para justificar os atos vis que ento realizaria para acumular riquezas para a metrpole;
Que o mais simples fosse visto Como o mais importante Valorizao do ideal romntico de vida simples, tambm caro aos rcades. Poderia ser tambm interpretado como uma valorizao do culto natureza, pois se a natureza seria um local puro, intocado pelas mculas da sociedade, emblema da vida simples, em harmonia com a natureza, que o ndio levava antes da chegada dos colonizadores, o trecho ento denotaria o desejo do indgena em querer retornar ao estilo de vida levado antes da chegada do colonizador, num desejo de retorno ao passado. Desejo este porque mesmo da vontade pelo eu-lrico da existncia de uma civilizao diferente daquela atual;
Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente Um dos tipos de objeto mais utilizado pelos colonizadores para realizar trocas com os nativos quando da prtica do escambo, o espelho, neste caso, serviria como um meio de veicular a ideia do uncanny (unheimelich), pois ao posicionar o espelho com o intuito de querer ver a prpria imagem refletida (e, metaforicamente, a imagem da realidade ideal na qual estaria inserido), o nativo apenas conseguiria visualizar a imagem de um outro, com quem compartilharia primordialmente a condio humana, mas do qual se distinguiria fundamentalmente em razo dos anseios que procurasse ver realizados, os quais, para o indgena, seria a destruio de um sonho de projeo da prpria cultura no futuro, a submisso do prprio povo perante um outro, destrutivo, doentio em sua ganncia por terras e acmulo de riquezas.
Entender como um s Deus ao mesmo tempo trs E esse mesmo Deus foi morto por vocs Sua maldade, ento, deixa Deus to triste. Numa clara referncia catequizao jesuta do incio da colonizao para a converso do gentio ao Cristianismo, qual se seguiu o horror da perseguio dos portugueses bandeirantes (vide o relato da fuga de So Tom, anteriormente), responsveis por resgatar os ndios para que estes voltassem a realizar o trabalho escravo / servil a que eram subjugados pelos colonizadores mais abastados, o trecho tambm remete grande culpa judaico-crist de ter libertado Barrabs em vez de Jesus, ao lavar as mos como assim o fizera Pncio Pilatos (E esse mesmo Deus foi morto por vocs).
Eu quis o perigo e at sangrei sozinho Entenda Assim pude trazer voc de volta pra mim Quando descobri que sempre s voc Que me entende do incio ao fim. Numa livre interpretao, pode-se considerar o trecho acima uma meno ao espao de tempo inicial em que a colnia esteve sem uma ocupao efetiva dos colonizadores (de 1500 a 1530) at quando se d um retorno definitivo, motivado muito mais por questes econmicas, polticas e sociais eurocentristas que mesmo pela vontade de desenvolvimento das terras e do povo colonizados. importante destacar os dois ltimos versos do trecho (Quando sempre s voc / Que me entende do incio ao fim), nos quais o eu-lrico se vale de ironia para ressaltar como , sobretudo, a perspectiva europeizante que prevalece, pois a narrativa de descoberta de novas terras e a descrio dos povos indgenas que nelas habitavam se d por meio de registros feitos pelos colonizadores segundo um ponto de vista prprio deles.
E s voc que tem a cura pro meu vcio De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda no vi. Em consonncia com o trecho anterior, este ainda mantm o tom de ironia em que se tem subentendida a motivao da afirmao da superioridade europeia pela submisso de povos nativos a suas metrpoles. Ressalte-se, tambm, a desiluso do eu-lrico no papel do indgena em perceber que a memria a ser cultivada para as geraes vindouras no seria a de seu povo, da a sensao de ter perdido algo que estaria por vir, pois o seu presente no permite uma projeo para o futuro.
Acreditar por um instante em tudo que existe E acreditar que o mundo perfeito E que todas as pessoas so felizes. Num misto de exagero utpico e escapismo, o eu-lrico busca tentar acreditar em um mundo imagem e semelhana de suas emoes.
Fazer com que o mundo saiba que seu nome Est em tudo e mesmo assim Ningum lhe diz ao menos obrigado. Pode-se interpretar o pronome demonstrativo masculino seu como uma aluso ao Deus cristo, assim permitindo entender que o trecho se trata de uma referncia ao poder de onipresena que atribudo a esse Deus e a revelao, pelo eu-lrico, do desejo de querer fazer a sociedade tomar cincia (ou, ao menos, ratificar a crena) desse poder. Realizando um contraste com a primeira parte do trecho, o eu-lrico demonstra descontentamento e ressentimento com a realidade que vive, ao levar compreenso de que falta sociedade valores como cordialidade. Vale lembrar que a cordialidade seria uma caracterstica tpica do homem medieval, modelo para os romnticos.
Como a mais bela tribo Dos mais belos ndios No ser atacado por ser inocente. Tem-se, aqui, a concepo do bom selvagem de Rousseau, inerente ideia de realidade idealizada do eu-lrico.
Tentei chorar e no consegui. Ainda representando a figura do indgena, o eu-lrico deixa subentendida a ideia de que estaria num estado emocional de completo desespero, da a vontade de verter lgrimas e no realiz-la. Numa livre interpretao, seria aceitvel dizer que esse estado emocional seria decorrente de uma crise de identidade, situao que remete aos tempos atuais, pois se, no desenrolar de toda a Histria deste pas, o nativo no viu a valorizao, de fato, de sua cultura, muito menos se dar agora, j que mesmo os colonizadores no tm certeza da sua prpria, dada a globalizao. Importante frisar que uma crise de identidade poderia ser tida como um dos fatores para levar ao suicdio, infelizmente, uma prtica comum entre os indgenas brasileiros.
CONCLUSO
Diante de tudo quanto fora exposto at aqui, somos levados a crer que a construo de uma identidade nacional perpassa todo o imaginrio daqueles que buscam refletir quanto validade da legitimao cultural de um povo, em especial o seu. Assim, portanto, tem-se que, ainda que o Brasil carea de iniciativas que procurem valorizar de fato o local, ainda que de algum modo transplantado para estas terras e daquele modo classificado, as manifestaes artstico-intelectuais bem como as poltico-sociais mostram-se alinhadas com a aspirao da construo de um futuro sedimentado em realizaes presentes.
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Disco: Legio Urbana - Dois Gravadora: EMI Music (Brasil) N catlogo: 31C 064 422961 Formato: Vinil, LP, 33 RPM Pas: Brasil Lanamento: 1986 Gnero: Rock Estilo: Rock; ps-punk Crditos: Produtor - Mayrton Bahia
Quem me dera, ao menos uma vez Ter de volta todo o ouro que entreguei a quem Conseguiu me convencer que era prova de amizade Se algum levasse embora at o que eu no tinha.
Quem me dera, ao menos uma vez Esquecer que acreditei que era por brincadeira Que se cortava sempre um pano-de-cho De linho nobre e pura seda.
Quem me dera, ao menos uma vez Explicar o que ningum consegue entender Que o que aconteceu ainda est por vir E o futuro no mais como era antigamente.
Quem me dera, ao menos uma vez Provar que quem tem mais do que precisa ter Quase sempre se convence que no tem o bastante Fala demais por no ter nada a dizer.
Quem me dera, ao menos uma vez Que o mais simples fosse visto Como o mais importante Mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente.
Quem me dera, ao menos uma vez Entender como um s Deus ao mesmo tempo trs E esse mesmo Deus foi morto por vocs Sua maldade, ento, deixa Deus to triste.
Eu quis o perigo e at sangrei sozinho Entenda Assim pude trazer voc de volta pra mim Quando descobri que sempre s voc Que me entende do incio ao fim.
E s voc que tem a cura pro meu vcio De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda no vi.
Quem me dera, ao menos uma vez Acreditar por um instante em tudo que existe E acreditar que o mundo perfeito E que todas as pessoas so felizes.
Quem me dera, ao menos uma vez Fazer com que o mundo saiba que seu nome Est em tudo e mesmo assim Ningum lhe diz ao menos obrigado.
Quem me dera, ao menos uma vez Como a mais bela tribo Dos mais belos ndios No ser atacado por ser inocente.
Eu quis o perigo e at sangrei sozinho Entenda Assim pude trazer voc de volta pra mim Quando descobri que sempre s voc Que me entende do incio ao fim.
E s voc que tem a cura pro meu vcio De insistir nessa saudade que eu sinto De tudo que eu ainda no vi.
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente Tentei chorar e no consegui.