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Hamilton William dos Santos

A progressividade de regime
na lei dos crimes hediondos

Tese de Láurea
Orientador: Professor Doutor David Teixeira de Azevedo

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


São Paulo
2009
2

Hamilton William dos Santos


A progressividade de regime na lei dos crimes hediondos
Tese de Láurea
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Grau Pretendido: Bacharel em Direito
Área de Concentração: Direito Penal e Criminologia
Orientador: Professor Dr. David Teixeira de Azevedo

São Paulo

2009
3

DEDICATÓRIA

Ao Professor David Teixeira,


pela paciência e críticas a esta tese de láurea

A Nuno Cobra, pelas sábias e

revigorantes palavras em seu ―A Semente da Vitória‖


4

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6

1. LEI 8.072/90 E PROIBIÇÃO À PROGRESSIVIDADE DE REGIME ................................ 6

1.1 Antecedentes ................................................................................................................. 8

1.1.1 Processo legislativo penal ............................................................................................... 9

1.1.2 Clamor público .............................................................................................................. 10

1.1.3 Empreendedores morais: rule enforcement e criadores de normas ........................... 11

1.1.4 Altos índices de violência ............................................................................................. 12

1.2 Edição da Lei dos Crimes Hediondos: controle penal dos pobres? ............................... 14

1.3 Conseqüências da redação original da § 1º do 2º da Lei 8.072/90 ................................ 20

1.3.1 Emergência das facções criminosas ............................................................................. 20

2. PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO .................................................................... 23

2.1 Política legislativa penal: conceito e racionalidade ...................................................... 24

2.2 Política legislativa penal brasileira .............................................................................. 25

2.4.1 Seleção ideológica do tipo penal hediondo .................................................................. 29

3. ANÁLISE DOS TIPOS PENAIS CONSIDERADOS HEDIONDOS ................................ 33

3.1 Homicídio em atividade típica de grupo de extermínio ................................................ 34

3.2 Homicídio Qualificado ................................................................................................ 36

3.3 Latrocínio ou roubo qualificado pela morte ................................................................. 37

3.4 Extorsão qualificada pela morte .................................................................................. 38

3.5 Extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada .................................................... 38


5

3.6 Estupro e atentado violento ao pudor ........................................................................... 39

4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFRINGIDOS PELA LEI 8.072/90 ....................... 41

4.1 Princípio da individualização da pena .......................................................................... 41

4.2 Princípio da não-culpabilidade .................................................................................... 45

4.3 Princípio da proporcionalidade .................................................................................... 47

4.4 Princípio da humanidade da pena ................................................................................ 48

4.4.1 Lei 8.072/90 e a desumanização da pena ..................................................................... 49

5. POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA E ALTERAÇÃO LEGISLATIVA ......... 50

5.1 Jurisprudência conflitante nos Tribunais quanto à vedação de progressão de regime .... 50

5.1.1 Tribunal de Justiça de São Paulo .................................................................................. 50

5.1.2 Superior Tribunal de Justiça ......................................................................................... 54

5.1.3 Supremo Tribunal Federal ............................................................................................ 57

5.2. Alteração legislativa: Lei 11.464/2007 ....................................................................... 66

6. LEI PENAL NO TEMPO E SUA APLICAÇÃO RETROATIVA ..................................... 67

6.1 Retroatividade da lex mitior: Lei 11.464/2007 ............................................................. 68

6.2 Irretroatividade da lex gravior: Lei 11.464/2007 .......................................................... 69

6.3 Retroatividade da jurisprudência mais favorável .......................................................... 70

7. CONCLUSÕES ................................................................................................................ 72

8. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 75
6

INTRODUÇÃO

Esta Tese de Láurea objetiva demonstrar como a redação do § 1º do art. 2º da Lei


8.072/90, que proibiu a progressão de regime aos condenados por prática de crimes hediondos e
seus assemelhados, exerceu e ainda exerce influência no sistema penal brasileiro.

Na introdução serão mostrados os antecedentes da criação da lei, os trabalhos legislativos


de sua feitura, e, a seguir, serão verificadas algumas das conseqüências advindas do trabalho le-
gislativo. No capítulo dois, será analisado o processo legislativo brasileiro, refletindo sobre polí-
tica legislativa penal, a seletividade ideológica na escolha dos tipos penais considerados hedion-
dos, e o modo como a Lei dos Crimes Hediondos, ao aumentar o poder punitivo estatal e o con-
trole social sobre os cidadãos, acabou por subverter os princípios da lesividade e da intervenção
mínima.

O Capítulo três será dedicado à análise dos tipos penais considerados hediondos pela Lei
8.072/90, nomeadamente, o homicídio, quando praticado em atividades típicas de grupo de ex-
termínio; homicídio qualificado; o latrocínio ou roubo qualificado pela morte; a extorsão qualifi-
cada pela morte; a extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; o estupro; o atentado vio-
lento ao pudor e o estupro de vulnerável, este incluído pela Lei 12.015, de 10 de agosto de 2009.

No capítulo quatro, serão cuidados os princípios constitucionais infringidos pela Lei


8.072/90, a saber, o da individualização da pena, o da não-culpabilidade, o da proporcionalidade
e o da humanidade da pena.

O capítulo cinco será dedicado à análise da evolução jurisprudencial, com atenção a al-
guns julgados do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de
Justiça de São Paulo, à luz da discussão sobre a inconstitucionalidade da proibição de progressão
de regime determinada pelo §1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Ao final da análise dos julgados de
cada tribunal, proceder-se-á a uma síntese panorâmica dos mesmos. Além disso, será analisada
também a Lei 11.464/07, que, dentre outras alterações, revogou o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90,
permitindo aos condenados por crimes hediondos e assemelhados a progressão de regime fechado
para o semi-aberto, após cumpridos 2/5 da pena, se réu primário, e 3/5 da pena, se reincidente.
No Capítulo seis será analisada a lei penal no tempo e sua aplicação retroativa, isto é, será
7

procedida à análise da Lei 11.484/07 como Lex mitior, Lex gravior, bem como a retroatividade da
jurisprudência mais favorável.

Finalmente no Capítulo sete, será concluído o trabalho de Tese de Láurea em cinco itens
referentes à temática desenvolvida em todo o trabalho.
8

1. LEI 8.072/90 E PROIBIÇÃO À PROGRESSIVIDADE DE REGIME

1.1 Antecedentes

A Lei dos Crimes Hediondos foi editada em 25 de julho de 1990, de modo a regulamentar
o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal. Um dos objetivos da Lei 8.072/90 era definir o
que seria o crime hediondo, já que o referido inciso da Constituição não o fizera. Todavia, dada a
pressão social e o contexto altamente emocional em que foi criada, esta lei acabou sendo produto
não de uma racionalidade legislativa, mas de decisões emocionais do legislador infraconstitucio-
nal, influenciado pela pressão da sociedade civil organizada e da mídia. A bem ver, não se ponde-
rou sobre a real necessidade, a precisa adequação e a correta aplicabilidade dos dispositivos cria-
dos com vistas à suposta redução dos índices de violência e criminalidade no Brasil. O que se viu
foi o precipitar de uma legislação, feita de sufoco e emergência, após os seqüestros de Abílio Di-
niz e Roberto Medina, em 1990, tudo contido em uma manifesta ideologia da Lei e da Ordem.
como bem precisou Alberto Silva Franco,

―O Movimento da Lei e da Ordem depositou seus ovos de serpente no texto


constitucional e gestou a categoria do crime hediondo. Além de criá-la, o
legislador constituinte equiparou-a a outras espécies criminosas (tortura,
terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins), eliminou garantia
processual de alta valia (fiança), vedou causas extintivas de punibilidade
expressivas (anistia e graça), e, afinal, atribuiu ao legislador ordinário a
incumbência de formular tipos e cominar penas, de caráter hediondo, numa luta
contra o crime, sem descanso, mas fadada ao insucesso, por seu irracionalismo e
por sua passionalidade e unilateralidade‖ 1.

Influenciados pela criminalidade crescente e pelo ideário do Movimento de Lei e Ordem,


os legisladores pátrios e os defensores da repressão penal, ao redigirem o §1º do art. 2º da Lei
8.072/90, partiram do pressuposto de que a sociedade se dividia em vilões e mocinhos, e que os
instintos violentos daqueles deveriam ser combatidos por meio de leis mais pesadas e severas.
Desse modo, far-se-ia justiça aos cidadãos de bem, aos senhores do asfalto, não praticantes de
delitos de nenhuma natureza.2.

1
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT. 605p. p.89
2
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 4.ed. São Paulo : RT. 2000.p.84.
9

1.1.1 Processo legislativo penal

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Congresso Nacional a exclusividade para le-


gislar em matéria penal (Artigo 22, I, e artigo 48), de modo que a lei penal deve ser o ―resultado
do debate democrático, cujos procedimentos legislativos têm idoneidade para ponderar e garantir
os interesses da liberdade individual e da segurança pública‖. 3 Nesse sentido, o Poder Legislativo
é, para Mariângela Gomes, o ―centro dialético da maioria e da minoria‖4, e deve salvaguardar as
liberdades do indivíduo contra os arbítrios do Estado punitivo. Além disso, segundo ela,

―(...) constata-se (...) que as características substanciais, sociológicas e políticas


dos órgãos do Poder Legislativo fazem com que ele se apresente muito mais sen-
sível em relação à perene exigência de que, na utilização do instrumento penal,
haja uma ponderação entre a necessidade do intervento punitivo e a dignidade da
pessoa humana‖5

Neste aspecto, no que se refere ao Poder Legislativo Brasileiro, não raro, os legisladores
pátrios exercem as funções legislativas não de modo ‗ponderado‘ entre a necessidade de punir e
de respeitar a dignidade da pessoa humana. Ao contrário, muitas vezes agem sob forte emoção e
dominados pela comoção pública, atendendo às pressões midiáticas do dia, às dos grupos sociais
economicamente bem situados. Tais pressões sobre o Legislativo visam a que os legisladores a-
provem projetos de lei penais mais fortes, severos e compressivos dos direitos e garantias funda-
mentais. Poder-se-ia dizer que ocorre freqüentemente no Processo Legislativo Penal brasileiro,
como na Lei 8.072/90, um desvirtuamento da ―concepção da pena como ultima ratio‖6.

Alberto Silva Franco defende a idéia de que ―a circunstância de ser a etiqueta de delin-
qüente pendurada, de preferência, em pessoas que pertencem(..)‖ às classes menos favorecidas,
―(...)expressa apenas o exercício da atividade de seleção das instituições oficiais de controle soci-
al‖. 7

3
Nilo Batista apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O valor normativo da jurisprudência penal, Tese
apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007.p.15
4
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.15
5
Pallazo apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.15
6
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.17
7
FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.85.
10

Para Zaffaroni8, este ―ato e o efeito de sancionar a lei penal material que incrimina ou
permite a punição de certas pessoas‖ se constituiria na ―criminalização primária‖, realizada pelas
agências políticas, no caso, o Congresso Nacional. A criminalização secundária é realizada pelas
―agências secundárias de criminalização (policiais, promotores, advogados, juízes, agentes peni-
tenciários)‖, momento em que a ação punitiva do Estado será exercida sobre pessoas selecionadas
por este sistema punitivo. Como estas agências de criminalização secundária possuem limitações
operacionais, elas promovem uma seleção de quem será criminalizado e de quem será vitimizado.
Os criminalizados serão, via de regra, aqueles indivíduos que a) cometem transgressões grossei-
ras, de fácil detecção; e b) sem acesso ao poder político e econômico e aos meios de comunicação
de massa, ou seja, as que causem menos problemas. No entanto, frisa o autor, ao lado da crimina-
lização desses segmentos sociais, ―(...) que só faz reforçar ainda mais os preconceitos racistas e
de classe (...)‖, ―(...) se espalha, impune, todo o imenso oceano de ilícitos dos outros segmentos,
que os cometem com menor rudeza ou mesmo com refinamento‖9.

O que se verifica é que, sob o impulso da opinião pública e emprestando um caráter pro-
mocional ao direito penal, utilizado no discurso consensual da luta contra o crime, o legislador
fez a categorização de alguns delitos como crimes hediondos, e, com a relação a eles, estabeleceu
injustificavelmente restrição quanto à progressão de regime, numa política criminal às avessas.
Para Francisco de Assis Toledo, é ―lamentável que um legislador desatento e mal assessorado
tenha retirado da Administração da Justiça esse precioso instrumento de manutenção da discipli-
na no interior dos estabelecimentos penais, (...) porque, sem o benefício do sistema progressivo, o
condenado só terá um caminho para antecipar a liberdade: a rebelião ou a fuga‖.

1.1.2 Clamor público

Em fins da década de oitenta e início da de noventa, o Brasil passou por momentos de


comoção pública, nos quais se instaurou um sentimento de insegurança coletiva, por meio de i-
magens midiáticas de conteúdo impactante de seqüestros de homens preeminentes da sociedade
brasileira. Imagens e comentários que adentravam as residências durante semanas, quando não
meses de cativeiro, tornando a opinião pública mais suscetível a aceitar soluções de emergência

8
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito Penal Brasileiro. Primeiro Volume: Teoria Geral do Direito Penal.
3.ed. Rio de Janeiro : Revan, 2006.660p. p.43.
9
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.48
11

ao problema da criminalidade. Estes momentos são propícios a que os empreendedores morais 10


procedesse à criminalização primária, por meio de projetos de lei no Congresso Nacional, e, pos-
teriormente, à criminalização secundária, por meio da atuação seletiva das polícias, do Judiciário,
do Ministério Público, etc. Dessa forma, criou-se no inconsciente coletivo a necessidade de ‗me-
didas urgentes e severas‘ contra os altos índices de criminalidade.

1.1.3 Empreendedores morais: rule enforcement e criadores de normas

O termo ‗Moral Entrepreneur‘ foi cunhado primeiramente por Howard Becker, no livro,
‗Outsiders: estudos de sociologia do desvio‘. Segundo ele, os empreendedores morais consistiri-
am num grupo de pessoas com um interesse específico em um tema, os quais procuram criar
normas gerais, por meio de uma cruzada moral. Os empreendedores morais procuram fazer uso
de retórica que ressoe como padrão moral hegemônico e dominante, a fim de atingir seus objeti-
vos. Por outro lado, como frisa Howard Becker 11, as aspirações desses empreendedores podem
ter também motivações humanitárias, como, por exemplo, os que lutaram pela edição da Lei Se-
ca, Leis pelos Direitos Civis, pelo fim do Tráfico de Escravos, a favor dos Direitos da Mulheres,
Leis a favor da União Civil entre Homossexuais, Leis a favor do Abolicionismo. E pode haver
empreendedores morais cuja essência de sua causa seja reiteradamente derrotada ao tentar de se
impor como lei geral, como é o caso dos que têm defendido a descriminalização 12 da maconha e
do aborto no Brasil.

No caso da Lei dos Crimes Hediondos, é notável a quantidade de empreendedores morais


por trás da inclusão de certos tipos penais nesta lei. Já em sua origem, os sequestros de Abílio
Diniz e Rubens Medina contribuíram para a própria aceleração da legislação ―hedionda‖ e a in-
clusão do seqüestro como modalidade de crime hediondo. A seguir, Glória Perez e seus asseclas
fizeram uma cruzada moral na mídia e lobby intenso no Congresso Nacional pela inclusão do

10
Cf. BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de
Janeiro : Zahar, s.d. p.153-168.
11
BECKER, Howard. op.cit. p.153-154.
12
AZEVEDO, David Teixeira de. Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. São Paulo : Malheiros,
1998.173p. David Teixeira, citando René Ariel Dotti, faz uma distinção importante entre descriminalização e
despenalização, notando que, ―enquanto a descriminalização caminha para a exclusão do ordenamento jurídico-
penal de condutas típicas, desvestindo-as de ilicitude ou inserindo-as em outros domínios do universo jurídico
proibido, a despenalização significa a excogitação de respostas jurídicas outras, dentro do direito punitivo, que
não a pena privativa de liberdade.‖ p.153
12

homicídio qualificado no rol dos hediondos, após o assassinato de Daniela Perez, sua filha. Não
que o seqüestro e o homicídio qualificado não sejam crimes abomináveis contra os quais não se
deva criar leis. Mas é necessário o mínimo de racionalização, pesquisa baseada na realidade soci-
al, em dados estatísticos confiáveis, e na natureza do injusto para se criarem leis sem que isso fira
garantias e direitos fundamentais como a da individualização da pena, o princípio da proporcio-
nalidade e o da humanidade da pena 13. Caso contrário, gera-se uma aberração, a infringir a Carta
Política ao negar a progressão de regime aos condenados pela prática de hediondos e seus asse-
melhados. Mas este é tradicionalmente o papel de parte dos ‗moral entrepreneurs‘. De acordo
com o Dicionário Online de Ciências Sociais, outros exemplos de empreendedores morais seri-
am: MADD (Mães contra dirigir embriagado), o movimento pró-vida, o lobby das armas, grupos
contra a pornografia, o lobby antitabagista, Emily Murphy14.

Zaffaroni vê o papel dos empreendedores morais da seguinte forma:

―A reivindicação contra a impunidade dos homicidas, dos estupradores, dos la-


drões e dos meninos de rua, dos usuários de drogas etc., não se resolve nunca com
a respectiva punição do fato, mas sim com urgentes medidas punitivas que atenu-
am as reclamações na comunicação ou permitem que o tempo lhes retire a centra-
lidade comunicativa‖.15

1.1.4 Altos índices de violência

A realidade fática pode não ser bem como desenham alguns empreendedores morais, e o
observador um pouco mais atento e informado notará que os altos índices de violência presentes
no Brasil não se encaixam numa visão simplista da realidade. Como nota Loïc Wacquant em
―Toward a dictatorship over the poor?, ―A sociedade brasileira permanece caracterizada por dis-
paridades sociais vertiginosas e pobreza em massa, que juntas alimentam o inexorável crescimen-

13
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.51. Para Zaffaroni, este ponto de vista talvez fosse tido como
utópico, uma vez que ―a seletividade é estrutural, e, por conseguinte, não há sistema penal no mundo cuja regra
geral não seja a criminalização secundária em razão da vulnerabilidade do candidato (...)‖. ―Por isso, a
criminalização corresponde apenas supletivamente à gravidade do delito (conteúdo injusto do fato); esta só é
determinante quando, por configurar um fato grotesco, eleva a vulnerabilidade do candidato‖.
14
Tradução livre de ―MADD (Mothers Against Drunk Driving), the pro-life movement, the gun lobby, anti-
pornography groups, Emily Murphy, and the anti-tobacco lobby would all be examples of moral entrepreneurs.‖
(Online Dictionary of the Social Sciences)
15
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.45
13

to da violência criminal que tem se tornado a principal fonte de críticas das grandes cidades 16‖.
Adicione-se a isto, a propagação e disseminação de armas de fogo, a ascensão do crime organiza-
do com vínculos com o tráfico internacional de drogas, ―a atuação subterrânea delituosa de [al-
gumas] agências policiais‖ com criminosos de alta periculosidade, a situação de vulnerabilidade
das comunidades em que estes criminosos atuam, resultando na disseminação da violência, de
chacinas, do tráfico de drogas, e da corrupção de alguns agentes públicos com a formação de mi-
lícias e o conseqüente aumento do descrédito e da descrença da sociedade em algumas forças de
segurança pública17.

Nessa linha de idéias, a criminalidade da marginalidade é potenciada pela criminalidade


do centro dos detentores do poder, e, assim, titularizadas por pessoas de grande ―status‖ sócio-
cultural e com ramificações político-institucionais. Como bem fixou a criminologia radical ou da
reação social, a distribuição desigual de oportunidades, a marginalização da maior parcela dos
membros da comunhão social apenas formalmente pertencentes à sociedade de consumo, mas a
quem se nega o efetivo acesso a tais bens, cria uma legião de desviados, assim filtrados e etique-
tados pelas instâncias sociais de controle. Com efeito, como assegura Zaffaroni, ―se considerar-
mos que os criminalizados, os vitimizados e os policizados (ou seja, todos aqueles que sofrem as
conseqüências desta suposta guerra) são selecionados nos estratos sociais inferiores, cabe reco-
nhecer que o exercício do poder estimula e reproduz antagonismos entre as pessoas desses estra-
tos mais frágeis, induzidas, a rigor, a uma auto-destruição‖18.

Os índices de impunidade no Brasil, as denominadas cifras negras e cifras douradas, são


suficientemente altas para facilitar e mesmo incentivar a prática de todos os tipos de delitos, in-
clusive os tipificados como hediondos. Apenas um exemplo ilustra bem este fato: em 26 de julho

16
Tradução livre de ―Brazilian society remains characterized by vertiginous social disparities and mass poverty,
which together feed the inexorable growth of criminal violence that has become the main scourge of the big
cities‖. In: WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in
Brazil. Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p.199
17
Esta descrença e percepção do envolvimento de alguns agentes públicos com ilicitudes, quando deveriam
combatê-las em prol da sociedade, talvez seja uma das razões de haver uma clara sub-notificação de delitos
sofridos pelas pessoas no Brasil. De um estupro, a um simples assalto a um arrastão a um prédio de alto luxo, as
pessoas normalmente preferem não fazer um Boletim de Ocorrência, talvez com receio de que as informações
transmitidas a agentes policiais poderiam ‗vazar‘, e, desse modo, estariam colocando em risco suas vidas e a de
seus familiares. É como a testemunha de uma chacina que evita testemunhar e entrar no Programa de Proteção às
Testemunhas, por saber da notória e histórica participação de agentes policiais neste tipo de organização.
18
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.58
14

de 1990, um dia após a edição da Lei 8.072/90, onze pessoas sumiram na Favela do Acari, no Rio
de Janeiro, e moradores informaram depois que homens que se identificavam como policiais e-
ram os responsáveis pelo sumiço daquelas pessoas que nunca mais foram encontradas. Ninguém
foi punido por isso, apesar do rigor da novel legislação. Se invertida a equação, isto é, se os desa-
parecidos desempenhassem o papel social dos estratos diferenciados social, cultural, econômica e
politicamente, o rigor da legislação recém aprovada se abateria sobre os autores do fato delituoso
de modo impiedoso.

No que se refere à corrupção, é oportuno lembrar a atuação de cinco policiais da polícia


civil do Estado de São Paulo no caso Abadia, o narcotraficante mais procurado do mundo. Presos
em agosto de 2009, eles são acusados de seqüestrar pessoas ligadas a Juan Carlos Ramíres Aba-
dia e extorquir vastas somas de dinheiro de comparsas do narcotraficante, como condição para
não prendê-lo.

1.2 Edição da Lei dos Crimes Hediondos: controle penal dos pobres?

Os níveis de acesso à justiça no Brasil são baixos quando comparados a população total
do país e aqueles que efetivamente vão buscar guarida nas instâncias judiciais para pôr termo às
suas demandas. Diversos fatores contribuem para que os cidadãos abram mão de um direito que
lhes é constitucionalmente garantido: morosidade da justiça, falta de informação, baixos níveis de
educação da população em geral; descrença na eficácia da justiça como meio para resolver a de-
manda do cidadão médio; receio de sofrer um revés; falta de condições financeiras para constituir
um bom advogado; a percepção bastante disseminada na sociedade de que a Justiça tem um viés
decisório elitista; o baixo índice de aprovação de bacharéis no exame da OAB, que se reflete nu-
ma descrença social nas habilidades do advogado de bem servir a sociedade, o medo de sofrer
represálias daqueles contra quem se opõe uma demanda, etc.

A Lei 8.072/90 não contribuiu para minorar a percepção de que, no Brasil, quem tem
condições financeiras para constituir bom e caro advogado não raro consegue se safar das garras
da Justiça, ou, ao menos, ver reduzida e abrandada sua pena pelo Poder Judiciário. Nesse sentido,
a criminalização primária relativa à Lei dos Crimes Hediondos poderia ser vista como uma forma
de se exercer um controle penal maior sobre os pobres, criminalizando as condutas de seguimen-
tos selecionados pelas agências de criminalização secundária.
15

Estas pessoas seriam mais suscetíveis à severidade imposta, por exemplo, pela proibição
da progressão do regime, devido ao fato de que: ―a) suas características pessoais se enquadram
nos estereótipos criminais; b) sua educação só lhes permite realizar ações ilícitas toscas e, por
conseguinte, de fácil detecção e c) porque a etiquetagem suscita a assunção do papel correspon-
dente ao estereótipo, com o qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo (a profecia
que se auto-realiza).‖19 Estes são os vulneráveis à criminalização secundária.

Há inúmeros condenados no Brasil que já cumpriram suas penas privativas de liberdade


há anos, mas que, no entanto, ainda estão presos. Há outros envolvidos com a Justiça Criminal
que estão presos sem processo; sem acusação formal; ou à espera de um julgamento. Há ainda
aqueles que têm direito à progressão de regime fechado para o semi-aberto, mas permanecem no
regime fechado20. Em um ano, o Conselho Nacional de Justiça, por meio de seu Mutirão Carcerá-
rio, analisou 27.956 processos em todo o Brasil e libertou 4.860 presos, o que corresponde a
17,3% dos processos analisados pelo CNJ. Somente no Rio de Janeiro, onde a polícia anda arma-
da com fuzis e o BOPE com seu Caveirão aterroriza as populações das favelas, tratando indiscri-
minadamente criminosos e não criminosos como bandidos, 605 presos foram liberados pelo Mu-
tirão do CNJ, ou 12,4% de todos os liberados. Este índice foi o maior de todas as unidades da fe-
deração onde ocorreram os mutirões. No Espírito Santo, conhecido pela atuação de grupos de ex-
termínio e por prisões em abjeto estado de conservação, o número dos condenados com direito à
liberdade foi de 578 pessoas, ou 11,8% do total de liberados.

Diante desse quadro, há que se convir com Zaffaroni que

―a comunicação social divulga uma imagem particular da conseqüência mais no-


tória da criminalização secundária – a prisonização – ensejando a suposição cole-
tiva de que as prisões seriam povoadas por autores de fatos graves (―delitos natu-
rais‖) tais como homicídios, estupros etc., quando, na verdade, a grande maioria
dos prisonizados o são por delitos grosseiros cometidos com fins lucrativos (deli-
tos burdos contra a propriedade e o pequeno tráfico de tóxicos, ou seja, a obra
tosca da criminalidade)‖.21

19
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.47
20
Cf. http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/sistema_carcerario/consolidada_mutires.060809.pdf
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090815/not_imp419085,0.php
21
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit.p.47.
16

Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – InfoPen, do Minis-


tério da Justiça, havia 359.981 internados no sistema penitenciário brasileiro em dezembro de
2007. Desse total, 154.430, ou 42,9%, estavam em regime fechado, 59.324, ou 16,4%, em regime
semi-aberto, 19.847, ou 5,5%, em regime aberto, e 123.924, ou 34,4% composta por presos pro-
visórios. Com relação ao grau de instrução dos internados, segundo o InfoPen, 29.724, ou 8,1%,
era composto de analfabetos, 52.332, ou 14,3%, de presos alfabetizados, 163.233, ou 44,7%, ti-
nham ensino fundamental incompleto, 43.846, ou 12%, possuíam ensino fundamental completo,
34.145, ou 9,3%, tinham ensino médio incompleto, 24.838, ou 6,8%, possuíam ensino médio
completo, 3.434, ou 0,9%, possuíam ensino superior completo, 1.586, ou 0,43%, possuíam ensino
superior completo e apenas 57 internados, ou 0,01% possuíam nível de pós-graduação.

Procedendo-se a uma análise desses dados, percebe-se que a população prisional no Brasil
é composta em sua vasta maioria de pessoas ou completamente analfabetas ou analfabetas fun-
cionais. A quantidade de encarcerados no Brasil é inversamente proporcional ao nível de escola-
ridade, corroborando a percepção social de que as decisões judiciais no Brasil possuem um viés
elitista, socioeconômico e étnico-racial, uma vez que, de acordo com o InfoPen, quando se consi-
deram a raça e a etnia dos presos, tem-se os seguintes dados: 199.842 presos são negros (pardos e
pretos), 137.436 da raça branca, 2.234 da raça amarela e 31 da raça indígena 22.

De fato, quando se analisa os inúmeros casos de corrupção descobertos, seja em Brasília


ou em outras partes do Brasil, nos crimes do colarinho branco, em que os acusados geralmente
são pessoas com nível superior, que evadem somas estratosféricas do erário, a quantidade de pes-
soas que realmente acaba cumprindo pena de prisão é baixíssima. Um exemplo clássico são as
operações da Polícia Federal deflagradas em anos recentes contra sofisticadas e complexas ope-
rações criminosas das quais, descobriu-se, pessoas da alta sociedade brasileira fazem parte, polí-
ticos, empresários, industriais, comerciantes, etc. Contudo, pouquíssimos acabam recebendo uma
condenação e ficando presos, como ilustrado pelos dados do InfoPen.

Como a maioria dessas operações acabam recebendo grande destaque na mídia televisiva,
à qual a maioria dos brasileiros tem acesso diário, o fato desse tipo de criminoso, de um outro

22
http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm
Clicar em Brasil /dez/07/
17

estrato social, sair impune, malgrado as vastas somas de dinheiro evadidos dos cofres públicos, a
sociedade fica com a sensação incômoda de que justiça, no Brasil, ―é para pobre‖, termo muito
usado no cotidiano das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras. Esta mesma mídia televi-
siva instila nos telespectadores, ao mesmo tempo, a necessidade deles adquirirem cada vez mais
bens de consumo, como pré-requisito para fazer parte da sociedade de consumo. Todavia, como o
brasileiro médio é pobre, o fato de não conseguir obter os tais bens de consumo acaba gerando
neles frustração, a qual, somada às imagens a que têm acesso das impunidades com relação aos
acusados de crimes do colarinho branco, acaba se tornando terreno fértil à alienação, à gestação
de organizações criminosas, ao florescimento do tráfico ilícito de entorpecentes, à violência nas
grandes cidades, aos arrastões, à crueldade contra os João Hélios, às balas perdidas, às milícias,
etc.

Daí, concluir-se que uma manifestação na Orla de Ipanema ou Copacabana clamando por
―PAZ‖, após um crime bárbaro contra um membro da classe média carioca, deva ser considerada
como inócua, uma vez que a gênese da violência bárbara existente no país está inscrita no próprio
modo como a sociedade brasileira tem se estruturado durante séculos: hierárquica, desigual e au-
toritariamente. A menos que a sociedade repense seriamente sua estrutura e tome medidas para
sua alteração gradativa, não há muita perspectiva para coibir a violência, restando apenas a certe-
za de que companhias de segurança privada continuarão sendo uma boa aposta de lucratividade
no Brasil.

A Lei 8.072/90 só veio a piorar este cenário, uma vez que proibia, até 2007, a progressão
de regime àqueles que cometessem crimes hediondos e seus assemelhados. Como esta lei infrin-
gia, na redação de vários tipos penais, o princípio da taxatividade, ficou claro que os mais afeta-
dos pela referida lei seriam os menos instruídos e sem contar com advogado suficientemente há-
bil para decodificar as ambigüidades e nuances do referido diploma legal. Estava montado o am-
biente para o controle social dos pobres, refletido na superpopulação carcerária, nos rebeliões e
motins, nas mortes e nas condições inumanas nas prisões, distritos policiais e cadeias públicas
nacionais.
18

De acordo com Renato Sérgio de Lima 23, em pesquisa conduzida pela Fundação Seade, a
pedido da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, ―nota-se que enquanto os ne-
gros representavam cerca de 26% da população paulista, em 1999, eles totalizavam cerca de 44%
da população carcerária em São Paulo‖.

―há consenso [em vários estudos científicos] quanto aos efeitos discriminatórios
provocados pelo funcionamento das agências encarregadas de conter a criminali-
dade: a intimidação policial, as sanções punitivas e a maior severidade no trata-
mento dispensado àqueles que se encontram sob tutela e guarda nas prisões reca-
em preferencialmente sobre ‗os mais jovens, os mais pobres e os mais negros‘.
São estes os grupos justamente desprovidos das imunidades que costumam bene-
ficiar com menor rigor punitivo cidadãos procedentes das classes médias e eleva-
das da sociedade envolvidos em crimes, até mesmo em complexas organizações
criminais, como aponta a literatura especializada internacional‖ 24.

Exemplos de crimes bárbaros em larga escala ocorridos entre o início da década de 1990,
a maioria deles contra negros25, pobres, favelados, avolumam. A questão racial26 nos crimes con-
tra a vida e na interpretação judicial dos delitos invariavelmente é ignorada, sob o pretexto de ser
esta questão menor ou inexistente no Brasil. Sobre este tema, Renato Sérgio de Lima 27 sintetiza
que ―qualquer análise sobre questões raciais no Brasil deve começar por notar que o racismo no
Brasil é um tabu‖. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em estudo condu-
zido em 2003, fez a seguinte constatação com relação ao modo como o Judiciário lida com esta
questão:

―numa sociedade em que, historicamente, o comportamento daqueles que vivem


na pobreza é criminalizado — e os negros são, demograficamente, mais numero-
sos entre os pobres —, eles acabam por ser duplamente discriminados. Afinal,
imagens sociais sobre crimes e criminosos associam atributos raciais e pobreza ao
maior cometimento de crimes violentos, mesmo não existindo estudos que com-
provem esta associação. Assim, os negros não são discriminados apenas pela cor,
mas também pela origem social e, por conseguinte, a exclusão social é reforçada
pelo preconceito e pela estigmatização. Nesse processo, sendo os negros vistos

23
LIMA, Renato Sérgio de. Atributos raciais no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal Paulista. São Paulo
Perspec., São Paulo, v. 18, n. 1, Mar. 2004.
24
ADORNO, Sergio. Discriminação racial e justiça criminal em São Paulo. Novos Estudos. Cebrap. São Paulo,
Cebrap,43: 45-63, novembro 1995.
25
Como salienta Sergio Adorno, ―As sanções alcançam preferencialmente grupos sociais singulares, como negros e
migrantes, comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos brancos, procedentes das classes média e alta da socie-
dade‖. In: ADORNO, Sérgio. Crise no sistema de justiça criminal. Cienc. Cult., São Paulo, v. 54, n. 1, June 2002.
26
Cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Eugenia social. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 4-5, out. 2004.
27
LIMA, Renato Sérgio de. Atributos raciais no funcionamento do Sistema de Justiça Criminal Paulista. São Paulo
Perspec., São Paulo, v. 18, n. 1, Mar. 2004 .
19

como indivíduos ‗perturbadores da ordem social‘, são eleitos alvos preferenciais


das agências de controle social‖ 28.

Além disso, nota Lima que,

―Os resultados da pesquisa são incontestáveis em apontar a maior punibilidade


para negros, tanto se considerarmos a sua progressiva captação e manutenção pe-
lo sistema (mais condenados do que indiciados), como se levarmos em conta a ca-
tegoria prisão no processo: além de serem mais presos em flagrante (do que indi-
ciados por portaria, como a maioria branca), seus processos correm num prazo
menor, o que é indicativo de maior incidência de prisão processual29‖.

Nessas circunstâncias, pode-se inferir que a criminalização secundária acaba afetando de


modo indelével mais os negros e os pobres, de modo que estes grupos selecionados pelo sistema
punitivo por sua vulnerabilidade acabaram por ser os mais atingidos pela severidade da proibição
de progressão de regime da Lei dos Crimes Hediondos. Shecaira afirma 30 que,

―O primeiro passo para que se reconheça a questão racial como algo relevante em
nível nacional é entendê-la como de responsabilidade de todos que lutam pela e-
dificação de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Para isso é necessário o
rompimento do histórico silêncio sobre a questão racial por parte dos estudiosos,
partidos políticos, intelectuais, universitários e operadores do Direito. Mais do
que isso: é preciso nos conscientizar [de] que estamos diante de um problema
concreto que precisa ser conhecido e enfrentado. Por trás das crenças religiosas,
em uma suposta e inexistente igualdade, há sempre um modo de pensar e de sen-
tir, hábitos e práticas culturais, valores que se originam de uma série de instintos
obscuros, os quais escondem a verdadeira eugenia social que ainda campeia no
Brasil. Temos que derrubar esses fantasmas e isso é um dever moral‖.

De se notar, as chacinas de Acari (1990), Carandiru (1992), Candelária (1993), Vigário


Geral (1993), Nova Iguaçu (2005), etc. Crimes Hediondos, muito dos quais resultaram da ―atua-
ção subterrânea delituosa das agências policiais 31‖, com o encobrimento e a conivência de outras
agências de criminalização secundária, resultando em impunidade 32. Nessas circunstâncias, para
Dom Mauro Morelli, da Diocese de Duque de Caxias e São João do Meriti,

28
LIMA, Renato Sergio de et alii. Raça e Gênero no Funcionamento da Justiça Criminal. Boletim do IBCCRIM,
n.125, p.4, abr. 2003.
29
LIMA, Renato Sergio de et alii, Raça e Gênero no Funcionamento da Justiça Criminal. Boletim do IBCCRIM,
n.125, abr. 2003, p. 4.
30
Cf. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Eugenia social. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.12, n.143, p. 4-5, out. 2004.
31
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.54.
32
Cf. Nesse sentido: http://www.terra.com.br/istoe/1852/brasil/1852_rotina_barbarie.htm
20

“Há policiais que servem com justiça e respeito, tarefa quase impossível. A polí-
cia existe para perseguir, punir e exterminar quem não é, não sabe e não tem, as-
sim como o Código Penal, o Código Civil e tudo o mais garantem cidadania para
quem é, sabe e tem.‖

1.3 Conseqüências da redação original da § 1º do 2º da Lei 8.072/90

De acordo com a redação original do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, ―a pena prevista nes-
te artigo será cumprida em regime integralmente fechado‖. A redação dada a este parágrafo teve
conseqüências nefastas e indeléveis para o sistema prisional e carcerário brasileiro, com um au-
mento de rebeliões, motins, emergência das facções criminosas e superpopulação carcerária.

Quando se alude ao fracasso e à fragilidade da política legislativa penal brasileira, faze-


mo-lo sob dois pontos de vista: um, próximo do que defende Alberto Silva Franco 33, segundo o
qual houve falta de ―técnica legislativa‖ na confecção da Lei 8.072/90; e outro, do que pensa Zaf-
faroni34, cuja linha de pensamento poderia ser interpretada no sentido de que não seria bem falta
de técnica legislativa o ocorrido na confecção da Lei dos Crimes Hediondos, sendo este o papel a
ser exercido pelas agências políticas (parlamentos, executivos) no processo de criminalização
primária, ou seja, sancionar leis que incriminem ou permitam a punição de certos indivíduos se-
lecionados por meio de estereótipos, critério principal de seletividade secundária.

1.3.1 Emergência das facções criminosas

A Lei dos Crimes Hediondos, ao proibir a progressão de regime aos condenados por cri-
mes daquela natureza, acabou criando um problema sério nas prisões: o fortalecimento e a emer-
gência de facções criminosas como o Comando Vermelho, o Primeiro Comando da Capital e o
Terceiro Comando, cujas bases se situavam no eixo Rio-São Paulo, mas cuja influência pervasiva
se expandia por todos os Estados da federação e por órgãos do Executivo, Judiciário e Legislat i-
vo, além de possuir vínculos com o narcotráfico internacional. Uma conseqüência natural dessa
emergência, foram os motins e rebeliões, que atingiram seu ápice em 18 de fevereiro de 2001,
quando o PCC coordenou em 29 penitenciárias do Estado de São Paulo uma megarrebelião, a
maior do Brasil. O objetivo era protestar contra a transferência de alguns líderes da facção crimi-

33
FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.85.
34
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op.cit. p.43 e 46
21

nosa para penitenciárias de segurança máxima no interior do estado. Este fato serviu para mostrar
o poder que a facção adquirira no estado mais rico da federação. A rebelião foi controlada à épo-
ca, mas nos anos seguintes rebeliões continuariam a ser a tônica nos presídios brasileiros, com
todos os custos associados a elas.

Neste momento, tivessem nossos legisladores sido sábios o suficiente para ler nas entreli-
nhas, teriam percebido que a Lei 8.072/90 não estava surtindo o efeito desejado. Mas o pior ainda
estava por vir. Em 12 de maio de 2006, o mesmo PCC deu início a uma onda de violência em to-
do Estado de São Paulo, aterrorizando moradores, policiais civis e militares, acadêmicos, jorna-
listas, as demais forças de segurança, a sociedade civil, comerciantes, empresários, industriais,
etc. Os ataques visavam policiais militares, civis e agentes penitenciários, e, entre os dias 12 e 14
de maio de 2006, ―52 pessoas foram mortas: 35 policiais civis e militares, integrantes de guarda
metropolitanas e agentes de segurança de penitenciária, três civis, e 14 suspeitos de envolvimento
nos crimes35‖. Fato é que São Paulo, que nunca para, ficou aterrorizada com o escopo, a rapidez e
a força dos ataques aos meios de transporte público e às agências de criminalização secundária do
Estado, e teve que parar ante o toque de recolher imposto pela facção na cidade. As empresas ti-
veram enormes prejuízos. As ruas historicamente congestionadas da metrópole ficaram vazias em
plena luz do dia e as pessoas só queriam chegar às suas casas, porto seguro, ante a falência do
Estado em prover a segurança necessária aos seus cidadãos. Os ataques tiveram repercussão in-
ternacional36. Este era um sinal claro de que, entre outras medidas equivocadas, a Lei 8.072/90,
que proibia a progressão do regime, não estava sendo suficiente para coibir a ação delituosa de
facções como o PCC.

Estes fatos demonstram que a criação de leis mais severas não basta para resolver o pro-
blema da criminalidade. É necessário haver políticas públicas que envolvam a comunidade, o Es-
tado, as agências de criminalização secundária, arte, cultura e esporte de alto nível ou não, e que
se coíba a corrupção e a impunidade que grassam em várias esferas da sociedade brasileira. Nesse
sentido, a edição da Lei 11.464/2007, com a autorização para a progressão de regime e alteração
dos prazos para concessão das mesmas, já veio tarde. Dom Mauro, num desabafo após a Chacina

35
Cf. http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121459.shtml
36
Cf. http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/4771455.stm
22

de Nova Iguaçu, em 2006, na qual foram assassinadas trinta pessoas, disse: ―A corrupção, a im-
punidade e o cinismo da classe política, que visa seus próprios interesses, são o caldo de cultura
da violência generalizada. Mata-se por qualquer preço e sem escrúpulo. Nossas elites são insen-
síveis, insaciáveis, insensatas e insanas‖.

De se notar que, do ponto de vista da política criminal, o combate às criminalidades se dá


não somente por meio das vias formais, tais como, polícias, Ministério Público, Poder Judiciário,
Defensoria Pública, instituições e estabelecimentos prisionais, mas também por intermédio das
instâncias materiais, isto é, a família, a comunidade, a escola, etc. 37. Daí a necessidade de a mo-
delo de combate à criminalidade não ser imposto pelas instâncias da Lei e da Ordem à família, à
comunidade e à escola, sob pena de a sociedade não se reconhecer naquelas ações, as quais aca-
bam por entrar em descrédito social. Este parece ser o caso da política de tolerância zero da Polí-
cia carioca, que há décadas tem tido o hábito de invadir morros, favelas e comunidades pobres da
cidade perpetrando verdadeiros massacres contra as populações daquelas áreas de risco e em situ-
ação de guerra. É de conhecimento público que a corrupção e o autoritarismo inerentes a estas
ações somente geram alienação, desestruturação social, estigmatização, preconceito social e raci-
al contra aquelas populações, e mais violência do tráfico contra os homens do ‗asfalto‘ e as forças
de segurança pública.

É ilusório utilizar-se do Direito Penal da severidade, imaginado que seus artigos de lei
restarão mais eficazes para resolver o problema da alienação sócio-econômica cotidiana, do que
um equacionamento claro, objetivo e realista das reestruturações a serem feitas no âmbito da edu-
cação, do mercado de trabalho, da cultura, do esporte, da qualidade de vida, da infra-estrutura
urbana e do maior acesso à justiça e à cidadania nas cidades brasileiras.

37
Cf. DOTTI, René Ariel. Crimes hediondos e a progressão do regime de execução da pena privativa de liberdade.
Revista dos Tribunais, v.851, p.403-517, set./2006.
23

2. PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO

O processo legislativo brasileiro tem suas origens no processo legislativo clássico, cujas
premissas básicas foram delineadas por Montesquieu em seu ―O Espírito das Leis‖ e por Hamil-
ton, Jay e Madison em ―Os Federalistas‖. Em sua obra, Montesquieu propôs a divisão tripartite
dos poderes em Executivo, Judiciário e Legislativo, como forma de pôr freios e contrapesos ao
absolutismo e salvaguardar as liberdades do indivíduo. Sendo assim, ao Poder Legislativo caberia
fazer as leis e seu poder estaria a cargo do Parlamento, o qual seria composto de uma Câmara Al-
ta e de uma Câmara Baixa. Esta com a finalidade de representar o povo; e aquela, a nobreza, con-
trabalançando, desse modo, o poder da Câmara Baixa 38.

No caso brasileiro, o Parlamento seria o Congresso Nacional, onde estão os representantes


do povo. De acordo com a idéia original de ―Os Federalistas‖, ―a necessidade de um Senado não
é menos indicado pela propensão de toda assembléia singular e numerosa ceder ao impulso de
paixões súbitas e violentas e deixar-se levar por líderes facciosos a resoluções imoderadas e per-
niciosas‖39. Em síntese, originalmente caberia ao Senado Federal o papel de contrapeso à ação
dos membros da Câmara Baixa. Mas a experiência tem mostrado que no Brasil está idéia original
de ―Os Federalistas‖ tem sofrido constantes alterações e adaptações.

No que se refere à Lei dos Crimes Hediondos, coube ao Poder Legislativo, instância de
criminalização primária, fazer uma lei carregada de emocionalismo, atendendo aos anseios das
classes sociais mais privilegiadas por um endurecimento das penas aos condenados por extorsão
mediante seqüestro, por exemplo, à propaganda e sensacionalismo midiáticos na exposição da
violência, e, conseqüentemente, ao clamor público decorrente dessa ―pressão social‖ por altera-
ções nas leis penais. Todavia, se para os Federalistas caberia ao Senado contrabalançar os impul-
sos de ―repentinas e violentas paixões das assembléias singulares e numerosas‖, no Brasil, a Câ-

38
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. op.cit. p.59
39
Cf. HAMILTON, Alexander or MADISON, James. The Federalist Papers. Washington : Library of Congress,
1992. http://thomas.loc.gov/home/histdox/fed_62.html ―The necessity of a senate is not less indicated by the
propensity of all single and numerous assemblies to yield to the impulse of sudden and violent passions, and to be
seduced by factious leaders into intemperate and pernicious resolutions‖
24

mara Alta não parece ter agido com a devida cautela e prudência no sentido de evitar o mal mai-
or, qual seja, a edição de lei que viria a ser bastante nefasta à vida dos cidadãos 40.

2.1 Política legislativa penal: conceito e racionalidade

A Política Legislativa Penal tem por objetivo, a partir de uma premissa constitucional his-
toricamente determinada, criar, aplicar e fazer cumprir as leis, no âmbito do Estado. Segundo E-
rik Wolf41, lembrado por David Teixeira de Azevedo42,cumpre à política jurídica colocar em re-
levo os métodos e pautas, de acordo com os quais o ordenamento jurídico pode levar a cabo seus
fins da melhor maneira possível. A política, como sabedoria de governo e administração do povo,
implica a sensibilidade de captação dos valores sociais e interesses coletivos, sua hierarquização,
afirmação, reavaliação e reescalonamento, visando à promoção do bem público.

Para Díez Ripollés,43 ―(...) com a legislação penal nos movemos no campo do controle so-
cial jurídico sancionador‖, de modo que ela se constituiria na ―(...) capacidade para elaborar, no
âmbito desse controle social, uma decisão legislativa que atenda a dados relevantes da realidade
social e jurídica sobre os quais ela incide‖. O mesmo autor nos ensina ainda que

―(...)A racionalidade legislativa penal seria o ponto de chegada de uma teoria da


argumentação jurídica, a ser desenvolvida no plano do procedimento legislativo

40
Digno de nota é perceber quão desconectados alguns legisladores pátrios estão das reais percepções daqueles que
lhes podem fornecer insights e feedbacks à tomada de decisão e correção de equívocos, como o da edição da Lei
8.072/90. De acordo com relatos de funcionários e agentes penitenciários do sistema prisional brasileiro ao ILA-
NUD, eles foram unânimes em associar a ―formação da superpopulação carcerária‖ com a Lei dos crimes hediondos.
Tivessem os legisladores procurado saber a opinião de quem estava lidando com fugas e rebeliões constantes nos
presídios, nos anos seguintes à edição de lei tão polêmica, teriam corrigido mais rapidamente o erro de se proibir a
progressão do regime aos condenados por crimes hediondos e equiparados – correção feita, a propósito, somente em
2007, com a lei 11.464. Uma população carcerária maior implica em maiores gastos e custos para o Estado, uma vez
que a criticada privatização do sistema carcerário ainda não chegou aos níveis de mercado e profissionalismo do caso
norte-americano. O problema da privatização é que a uma empresa de segurança e administradora de presídios lista-
da na bolsa de valores, por exemplo, interessa o lucro. E este será resultante do maior número possível de encarcera-
dos. Nesse sentido, para uma empresa com este perfil, quanto mais severas e restritivas as leis penais, maiores os
retornos para os acionistas. Por outro lado, o Estado não tem condições de manter um contingente enorme de presos
nas prisões em condições dignas, ou seja, conforme pede a Carta Magna, a legislação especial e as convenções inter-
nacionais sobre Direitos Humanos, de sorte que a ele não deveria interessar ter leis mais severas, que servem princi-
palmente para transformar pessoas comuns em criminosas de alta periculosidade, sem quase nenhuma chance de
inserção na sociedade. Neste sentido, confira: EDITORIAL: A quem interessa industrializar a prisão? Boletim IBC-
CRIM: São Paulo, n. 201, p. 1, ago. 2009. http://www.g4s.com/ , http://www.geogroup.com/
41
WOLF, Eric. El caracter problematico y necesario de la ciencia del derecho, Abeledo-Perrot, sem data, p. 59.
42
AZEVEDO, David Teixeira de. Do arrependimento eficaz, dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, 1989, inédita, p. 9.
43
DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Op.cit. p.91-92
25

penal, que garantisse decisões legislativas suscetíveis de obter acordos sociais por
sua adequação à realidade social na qual são formuladas‖44

As leis criadas devem, para tanto, atender a vários princípios de cunho e estatura constitu-
cional a fim de garantir a liberdade dos cidadãos, como o da taxatividade e o da legalidade. As
leis precisam ser claras, precisas e universais, a fim de que façam valer o princípio da legalidade,
―valor supremo e atributo inafastável do indivíduo‖. 45

2.2 Política legislativa penal brasileira

Toda ordem jurídica é inspirada em valorações e as leis penais deveriam ser a expressão
de um consenso social que autorizasse, para tutela de alguns bens fundamentais, a coerção esta-
tal. Nestas circunstâncias, as decisões legislativas penais acabam sendo o reflexo desse suposto
consenso, muitas vezes artificialmente criado pelos meios de comunicação social e pelo discurso
aliciador da segurança e da ordem. O Direito Penal, por sua vez, através da interpretação das leis
penais, fornece aos magistrados um sistema para a tomada de decisões. O Poder Legislativo sina-
liza quais comportamentos sociais serão tidos como socialmente condenáveis, elenca os bens ju-
rídicos relevantes a este propósito e as sanções que recairão sobre os que desobedecerem às leis
penais. Para fugir a uma legislação autoritária e de emergência, como a Lei 8.072/90, alguns
princípios, incorporados de maneira explícita na Constituição, ou de maneira menos manifesta,
balizam a atuação do legislador e também do aplicador da norma jurídica.

2.3 Princípios da intervenção mínima, da lesividade e controle social

De acordo com o princípio da intervenção mínima, o ius puniendi estatal deve dirigir-se
somente à afronta a bens jurídicos relevantes, a fim de proteger a convivência, interesses funda-
mentais, bem como a liberdade. A expansão do controle social penal não deve inspirar a ação es-
tatal. Antes de se optar pela intervenção penal estatal, deve-se verificar se outras formas mais efi-
cazes e menos custosas de defesa de bens jurídicos fundamentais ainda não foram testadas com
sucesso. Isto porque, a edição de uma lei, como a dos crimes hediondos, pode, num primeiro

44
DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais: teoria e prática. Trad. Luiz Regis Prado. São
Paulo : RT, 2005. p.93
45
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O valor normativo da jurisprudência penal, Tese apresentada à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007.p.8.
26

momento, transmitir à sociedade uma falsa noção de ―segurança‖, mas, posteriormente, transfor-
mar-se em uma lei social, econômica e politicamente traumática e custosa à sociedade como um
todo46. Prova disso é que, afligindo princípios fundamentais próprios de um Estado Democrático
de Direito, a nova legislação não foi suficiente para promover a redução dos índices de criminali-
dade no país. Daí a importância do princípio da intervenção mínima.

A tentação de utilização do magistério penal, porém é grande e alicidadora, como salienta


Alberto Silva Franco,

―com uma maioria nas Casas do Congresso e um Diário Oficial é sempre possível, ao Po-
der Executivo tangenciar os princípios da legalidade e da exclusiva proteção de bens jurí-
dicos e apelar ao Direito Penal para o equacionamento de todo e qualquer conflito social,
transformando-o assim num expediente corriqueiro, de uso comum47‖.

Um tipo de conduta que o princípio da lesividade proíbe de ser incriminado é aquele re-
presentativo de simples desviação, ou seja, aquele reprovado moralmente pela sociedade, - como,
por exemplo, o beijo lascivo, tipificado até o advento da Lei 12.015/2009 como crime hediondo e
passível de uma punição de acordo com sua ―hediondez‖-, mas que não afetam bem jurídico al-
gum. Afinal, como bem nota Regis Prado, o bem jurídico possui uma ―função individualizadora‖,
utilizada ―como critério de medida da penal, no momento concreto de sua fixação, levando-se em
conta a gravidade da lesão ao bem jurídico (desvalor do resultado)‖48. Daí decorre que o poder
punitivo estatal somente deve se abater sobe a liberdade individual caso um bem jurídico valora-
do como relevante tenha sido atingido.

46
Nessa linha de pensamento, é importante notar o aumento vertiginoso de rebeliões, fugas e do contingente de pre-
sos nos presídios, penitenciárias e cadeias públicas brasileiros. Segundo dados do ILANUD, em 2005, 75,8% dos
presos cumpriam pena em regime fechado; somente em 2002 ocorreram mais de 4.400 fugas do sistema prisional;
ocorreram mais de 230 rebeliões no sistema penitenciário; e entre 1995 e 2003 houve um aumento de 163,4% no
número de vagas em unidades prisionais, que passou de 68.597 para 180.726. Em 1995, a taxa de encarceramento
por 100 mil habitantes no país era de 95,5, segundo dados do DEPEN e do IBGE. Em 2003, quando foi instaurado o
Regime Disciplinar Diferenciado, esta taxa era de 181,6 por 100 mil habitantes nos presídios, delegacias e cadeias
públicas brasileiros. Como bem relata um condenado primário por crime hediondo, “(...) Pra quem vive nessa vida,
pode ser hediondo aí 10 vezes mais perigoso, mais forte, mais cadeia, mais severo (...) pela convivência que eu tive
com esse povo, com essas pessoas, elas não param. Qualquer lei que colocar, o crime não pára (...)”. Cf. ILANUD.
A lei dos crimes hediondos como instrumento de política criminal. São Paulo : ILANUD, 2005. 106p. p.62-64,
p.96. Cabe aqui, ainda, fazer uma distinção importante: população carcerária é composta por indivíduos encarcerados
em cadeias públicas, presídios e distritos policiais, ao passo que a população prisional não leva em conta os indiví-
duos sob custódia nos distritos policiais.
47
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4.ed. São Paulo : RT, 2000. 518p. p.65.
48
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileito. 2.ed. São Paulo : RT, 2001. p.83.
27

Ao definir os tipos penais hediondos da Lei 8.072/90, os legisladores não levaram em


consideração nem o princípio da intervenção mínima nem o da lesividade. Na verdade, como
bem observa Franco 49, o que houve foi uma ―etiquetagem‖ dos tipos já previstos no Código Penal
ou em leis penais especiais para a Lei 8.072/90.

No caso específico do beijo lascivo e do toque corporal, atentado violento ao pudor, e,


portanto, crimes hediondos, até o advento da Lei 12.015/0950, constituíam-se em verdadeiro dis-
parate jurídico, ofendo o princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Como observou Díez
Ripollés, citado por Alberto Silva Franco.

―Como se consegue distinguir uma carinhosa demonstração de afeto em relação a


uma menor, que inclua prolixos contatos corporais, de uma ação sexual com a
mesma aparência externa; ou como distinguir-se uma exploração ginecológica na
qual o médico entra em contato com as partes íntimas da mulher, de uma ação se-
xual em que o autor intenta manusear os órgãos genitais da vítima? Nestas e em
outras hipóteses, a averiguação de que foi realizada uma conduta sexual, ou não,
carece de referências seguras.‖51

Ademais, à época da equiparação, o então deputado Roberto Jefferson, jogando para a


platéia, afirmava haver equiparação entre o crime de estupro e o atentado violento ao pudor. Este
seria, nas palavras do então eminente deputado, ―uma forma de estupro‖. Segundo Jefferson, a
alcunha de crime hediondo não deveria se restringir à ―extorsão mediante seqüestro (...) que a-
grava as famílias mais abastadas‖. Para ele, a lei deveria considerar como hediondos crimes que
afetassem não somente os abastados, para não transmitir à sociedade como um todo a ideia de
que se estaria tentando proteger ―a camada mais rica da população‖. Daí terem ―as lideranças de

49
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.93.
50
Importante notar que em 10 de agosto de 2009, foi promulgada a Lei 12.015, segundo a qual não mais existe o tipo
penal atentado violento ao pudor, mas tão somente Estupro de Vulnerável. Além disso, o Título VI, outrora chamado
―Dos Crimes Contra os Costumes‖, agora se chama ―Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual‖. E nele se encontra o
crime de estupro, que anteriormente só podia ser alcunhado a vítimas do sexo feminino. Com a redação dada pela Lei
12.015/09, dá-se a entender que ambos os sexos podem ser vítimas de estupro. Antes, o tipo penal estava descrito no
art.213 do CP como ―constranger mulher à conjunção carnal...‖. Com a nova redação, ficou assim: ―constranger al-
guém à conjunção carnal...‖.
51
Díez Rippolés apud FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.232
28

todos os partidos‖ decidido fazer ―uma legislação mais ampla‖ e democrática, que resultou na Lei
8.072/9052.

2.4 Opção político-criminal na escolha dos delitos hediondos: seletividade ideológica

Para René Ariel Dotti, ―a política criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras
através dos quais o Estado procura prevenir e reprimir as infrações penais, além de propor condi-
ções para a harmônica integração social do condenado‖53.

José Carlos de Oliveira Robaldo afirma 54 ser a ―Política Criminal (...) o elo de ligação a-
xiológica entre a Criminologia e a Dogmática Penal‖, ou seja, a Criminologia, por meio de coleta
de dados estatísticos criminais e da análise da realidade penal, promove um juízo de valor prévio
sobre esta realidade. À Política Criminal, caberia dar, a partir da Constituição Federal, ―(...) por
meio das ‗proposições político-criminais‘, o tom valorativo final à Dogmática Penal, (...), ‗o tem-
pero axiológico‘ na busca de soluções justas, necessárias, adequadas e úteis para o caso concreto
com dignidade penal e o menor custo social possível‖ 55. É a Política Criminal quem confere um
sentido de legitimação ao controle social pela via penal.

Criminologia, Política Criminal e Direito Penal possuem, dessa forma, uma relação de in-
terdependência que deve ser vista em seus mínimos detalhes, sob pena de se editarem leis como a
8.072/90, sem uma análise de sua efetiva repercussão social. A preocupação antecedente mesmo
aos trabalhos legislativos, e, com mais ênfase, durante o desenvolvimento do processo legislativo,
deve ser, a partir de um enfoque e constatação criminológica, pensar a oportunidade político-
criminal da legislação, sua pertinência para tutela de bens jurídicos fundamentais, seu respeito à
ordem axiológica constitucional, a necessidade de utilização do instrumental penal e a antecipa-
ção, o quanto possível, das consequências da legislação. Nada disso ocorreu com a edição da de-

52
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.91 Na verdade, a tese de que se procurou fazer uma lei menos elitista com a
edição da Lei 8.072/90 não se sustenta, se emprestarmos o argumento de Zaffaroni de que às instâncias de
criminalização primária (Congresso Nacional) cabe exatamente o papel de ceder às investidas e pressões dos
empreendedores morais, a fim de editar leis que serão, posteriormente, utilizadas seletivamente pelas agências de
criminalização secundária contra certos indivíduos selecionados.
53
Cf. DOTTI, René Ariel. Crimes hediondos e a progressão do regime de execução da pena privativa de liberdade.
Revista dos Tribunais, v.851, p.403-517, set./2006.p.405
54
Cf. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Controle difuso de constitucionalidade da norma penal: reflexões
valorativas. São Paulo : Premier Máxima, 2008. (Coleção de direito e ciências afins) p.43-86.
55
Cf. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Op.cit. p.52.
29

nominada lei dos crimes hediondos e a inclusão ou exclusão dos crimes em seu rol. Afinal, ao
Direito Penal Moderno cabe ―a) a proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais; b) as finali-
dades preventivas das penas; c) o respeito aos direitos e garantias individuais. 56‖

Um dos motivos pelos quais houve bastante demora em se declarar a inconstitucionalida-


de do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90 se deve à ausência de estatísticas criminais na maioria dos
estados brasileiros. Para aferir o quão eficaz tal proibição teria tido sobre a redução dos índices de
criminalidade e sobre a reincidência, teria sido imprescindível haver estatísticas criminais consis-
tentes sobre os índices de criminalidade em cada estado brasileiro durante o período posterior à
edição da lei. Isto ocorreu em poucos Estados, entre os quais São Paulo, o que acabou se tornan-
do não somente um problema de análise criminológica, como também de Política Criminal, e
serviu para que, após a promulgação da Lei 8.072/90, se continuasse a editar leis penais ferindo
direitos fundamentais.

2.4.1 Seleção ideológica do tipo penal hediondo

Está bem documentado na doutrina as tendências ao autoritarismo 57 que podem ser


percebidas na confecção de certas leis penais no Brasil, como a dos crimes hediondos, o que, para
Loïc Wacquant, significa um gerenciamento autoritário da ordem social 58. Num Estado fundado
sob bases patrimonialistas, como é o caso brasileiro, em que o homem cordial, avesso por
natureza e inclinação ao conflito, tem uma grande ascendência na sociedade, selecionar
ideologicamente qual delito irá compor o rol dos crimes hediondos e assemelhados acaba se
tornando mera conseqüência histórica do modo como se estruturam as relações sociais no Brasil.

Cabe ao legislador, força é reconhecer, uma tarefa de grande envergadura e dificuldade.


Não é missão fácil, como observa Alberto Silva Franco, a do legislador:

―Dimensionar corretamente o bem jurídico a ser tutelado, verificar se esse bem


tem dignidade penal e se a conduta, que o agride, é merecedora de pena,
proporcionar adequadamente a sanção penal em função do conglomerado de tipos

56
Cf. ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Op.;cit.p.51
57
Nesse sentido, confira, FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. 2007, p.100-102. Veja também, ADORNO, Sérgio.
58
Cf. WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil.
Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p. 200. ―The authoritarian management of the social order‖.
30

penais já estruturados, tudo isso constitui tarefa inafastável de um legislador no


Estado Constitucional de Direito‖59.

A bem ver, se há uma ideologia a orientar a escolha dos modelos incriminadores e a


joeirar entre aquelas condutas desviantes as que devem ser incluídas no conceito de ilícito penal,
e, dentro deste, na definição de crimes hediondos, parece evidente que a inclusão no referido rol
decorre, muitas vezes, senão exclusivamente, de infrações criminais do ― jornal do dia‖, isto é,
que têm uma visibilidade midiática forte, como, por exemplo, o seqüestro de um Medina, um
Diniz, um Salles, um Martinez; ou ainda a ocorrência da última chacina, que pode ser a da
Candelária, do Carandiru ou de Vigário Geral; ou também para tentar – sem sucesso - aplacar de
vez os instintos criminosos e violentos de um assassino como o de Daniela Perez. Nunca é
demais lembrar Alberto Silva Franco, para dizer ter-se constituído em dado momento histórico
brasileiro a extorsão mediante sequestro o delito da moda, e, assim, do apelo a uma política
criminal repressora:

―A extorsão mediante seqüestro é, inquestionavelmente, o fato criminoso que, na


atualidade, mais se presta à manipulação ideológica. Nenhum delito tem ocupado
tanto os meios de comunicação de massa. Jornais, revistas, emissoras de
radiodifusão e de televisão atribuem um particular destaque ao crime e ajudam,
desse modo, a formar uma opinião pública que é, emotivamente, mobilizada para
efeito de exigir sanções de extrema gravidade para seus autores‖ 60.

Com efeito, o crime de extorsão mediante seqüestro seguido de morte foi incluído na Lei
8.072/90 devido aos sucessivos casos de seqüestro ocorridos no final da década de 80 e início da
de 90 no Brasil. Em 7 de novembro de 1986 Antonio Beltran Martinez, então vice-presidente do
Bradesco, foi seqüestrado, sendo libertado depois de 41 dias no cativeiro. O resgate pago
totalizou US$4 milhões. A polícia nada descobriu a respeito. Todavia, Jocecyr Cuoco, um dos
policiais que participavam das investigações, foi preso por extorquir os suspeitos 61. Outro
seqüestro bastante divulgado foi o do publicitário Luís Salles, que ficou 65 dias no cativeiro.
Após sua família ter pago US$2,5 milhões aos seqüestradores, Salles foi libertado. Por fim,
houve o seqüestro de Abílio Diniz, que terminou com a rendição dos dez criminosos que o
mantiveram como refém, tendo sido todos condenados a penas que variavam de oito a quinze

59
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.106.
60
Cf. FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.332.
61
Cf. Revista Veja, 27 de junho de 1990.
31

anos.62. Estes fatos contribuíram de forma notável para que se aumentasse a pressão no
Congresso Nacional a fim de que o mesmo aprovasse a Lei 8.072/90. Nessas circunstâncias de
tomada de decisão eivada de emoção, a Lei de Execução Penal, que, dentre outros, afirma que a
pena será cumprida em regime progressivo (art.112 63), acabou não servindo de balizadora ao
legislador da Lei dos Crimes Hediondos.

Todavia, a proibição da progressão do regime não seria o fator a acabar com ou reduzir os
índices de marginalidade e criminalidade no país, já que estas têm raízes mais profundas. De
acordo com Wacquant, existe no Brasil, um vínculo próximo entre hierarquia de classe e
estratificação étnico-racial e a discriminação de cor endêmica na polícia brasileira e nas
burocracias judiciais.64Talvez todos estes fatores alimentem os constantes ciclos de violência há
muito característicos do Brasil. Ainda assim, duas décadas de ditadura militar continuam a pesar
severamente no funcionamento das forças públicas, e na mentalidade coletiva. Disso resulta que
vastos contingentes das variadas classes sociais tendam a identificar a defesa dos direitos
humanos com tolerância à bandidagem.65

Essa conformação mental em que o rigor da lei e da pena implicam no estabelecimento da


ordem e na única possibilidade de uma convivência social pacífica, resulta, inevitavelmente,
numa política penal de tolerância zero com relação à criminalidade, com a consequente violação
do princípio constitucional da individualização da pena, e, pior, com a mais viva convicção de
não se estar, com isso, a ferir direito fundamental do indivíduo salvaguardado

62
Cf. Revista Veja, 27 de junho de 1990.
63
LEP, ―Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regi-
me menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regi-
me anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as
normas que vedam a progressão‖.(Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) ―Art. 33 § 2º, CP - As penas pri-
vativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os
seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso‖: (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
64
Cf. WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil.
Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p. 199. Tradução livre para: ―the close alignment between
class hierarchy and ethnoracial stratification and the color discrimination endemic to the Brazilian police and
judicial bureaucracies‖.
65
Cf. WACQUANT, Loïc. Toward a dictatorship over the poor? Notes on the penalization of poverty in Brazil.
Punishment and society, v.5, p.297-205, Apr. 2003.p. 200. Tradução livre para: ―Two decades of military
dictatorship continue to weigh heavily on the functioning of public force, as well as on collective mentalities,
with the result that a broad spectrum of social classes tends to identify the defence of human rights with tolerance
of bandidagem”.
32

constitucionalmente, nem tampouco os direitos humanos. Este seria o preço, supostamente justo,
pago para impedir o florescimento e a expansão da ‗bandidagem‘ no país e manter uma sociedade
ordeira e feliz. Uma miragem e utopia. O sempre lembrado Alberto Silva Franco bem
surpreendeu essa tarefa do legislador – muitas vezes consentida pelos membros da comunhão
social, devidamente manipulados pelos meios de comunicação – de construir a legislação de
afogadilho, sem rigor, num suposto eficientismo penal.

―A improvisação, o caos, a carência de rigor científico, o conúbio com os meios


de comunicação social, a preocupação em dar uma tutela penal fortemente
antecipada geraram o uso simbólico do Direito Penal e proclamaram a atuação do
controle penal em nome do eficientismo que só tem cabimento ao preço da
violação de garantias, formais ou substanciais.‖ 66

Assim, quando bem examinados os tipos penais incluídos no rol dos crimes hediondos, a
conclusão a que se chega é a de que se constituem em infrações criminais escolhidas sem critério,
sem observância da verdadeira relevância do bem jurídico objeto de proteção, mais voltado a um
direito penal do autor do que do que a um direito penal do fato, sem olhos de ver uma correta
hierarquização de bens jurídicos, em franca desobediência ao princípio constitucional não escrito
da razoabilidade ou da proporcionalidade.

66
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.106
33

3. ANÁLISE DOS TIPOS PENAIS CONSIDERADOS HEDIONDOS

David Teixeira de Azevedo sintetizou o clima de desalento com relação à redação original
da Lei dos crimes hediondos, criticando a prevalência da defesa do patrimônio, na legislação
hedionda, em relação à vida e à dignidade da pessoa humana.

"O caráter emocional da legislação e sua absoluta carência de coerência lógica e


proporcionalidade punitiva podem ser constatados nos denominados delitos hedi-
ondos. Por distorção dessa legislação, (...) o delito de extorsão mediante seqüestro
em sua forma qualificada por decurso do tempo (art.159, §1º) viu uma conseqüência
jurídica em certa medida mais rigorosa (12 a 20 anos de reclusão) que o homicídio doloso
(art.121, §2º, CP). Com essas normas valorou-se a vida em igual ou menor escala que a
liberdade e o patrimônio, como se o fim supremo da existência e o objetivo fundamental
da sociedade não fossem a manutenção da vida e da dignidade da pessoa humana, e sim o
patrimônio enquanto expressão da liberdade do cidadão‖.67

Na mesma esteira caminhou Alberto Silva Franco, enfatizando a imprudência, a imodera-


ção e insensatez na formulação da legislação hedionda.
"Cominar, no mínimo legal, a pena de extorsão mediante seqüestro de que
resultou morte no dobro da pena mínima prevista para o homicídio qualificado;
equiparar, do ponto de vista punitivo, o estupro ao atentado violento ao pudor;
prescrever, na pauta penal mínima, para o estupro e para o atentado violento ao
pudor sanção punitiva superior à do homicídio simples; permitir que a quantidade
menor de pena, no tipo básico de extorsão mediante seqüestro (oito anos), seja
quatro vezes superior à quantidade fixada para a lesão corporal gravíssima que
resultou, para a vítima, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, são
exemplos aberrantes da total ausência de sensatez, prudência, de moderação, de
estabilidade mental e emocional na formulação de um diploma legal‖. 68

Depreende-se ainda dessas críticas de Franco à má redação da Lei 8.072/90, que a mesma
afronta o princípio da taxatividade, uma vez que os respectivos tipos penais não fornecem ―uma
descrição do fato punível apta a tornar facilmente reconhecida a correspondência, ao tipo
incriminador, de uma conduta capaz de ser realizada concretamente.‖ 69 Assim, a falta de clareza e
precisão na redação dos artigos da Lei 8.072/90, tornaria o apenado pela prática de crimes
hediondos, ou assemelhados, mais vulnerável a eventuais arbítrios do julgador.

No fundo, talvez um dos motivos da divergência jurisprudencial sobre a


constitucionalidade do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, tanto no STF, STJ e TJs, tenha sido devido

67
AZEVEDO, David Teixeira de. Op.cit. p.93.
68
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.361.
69
Padovani apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.17
34

à lesão ao princípio da taxatividade 70. A falta de clareza e precisão da lei não balizou a atividade
interpretativa judicial, como se espera de toda lei, pelo que os magistrados tinham liberdade para
interpretá-la ora no sentido de conferir a progressão de regime aos condenados por crimes
hediondos e seus assemelhados, ora para optar pela concessão da progressão de regime; ou para
decidir que os tipos básicos de estupro e atentado violento ao pudor deveriam ser julgados como
hediondos; ou em sentido contrário.

Segundo Madrid Conesa, citada por Mariângela Gomes,

―O risco de desigualdade na aplicação do direito resta diminuído quando as normas são


redigidas com clareza e precisão, propiciando uma interpretação mais simples e unívoca –
de onde se pode apreender que a possibilidade de exclusão de arbitrariedade por parte dos
juízes penais resulta diretamente proporcional ao cumprimento do requisito da
taxatividade quando da formulação das leis‖.71

3.1 Homicídio em atividade típica de grupo de extermínio

A Lei n. 8.930, de 6 de setembro de 1994, incluiu na Lei 8.072/90 o art. 1º, homicídio
(art. 121, CP), definindo como modalidade de delito hediondo, quando praticado em atividade
típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado.
(art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V, CP). Como se sabe, no homicídio, tanto em sua forma simples

quanto na qualificada, o bem jurídico protegido é a vida humana, direito assegurado no art. 5o,
caput, da Constituição Federal.

O homicídio praticado em ações típicas de grupo de extermínio, que o qualifica como


hediondo, denota maior reprovabilidade da conduta típica e maior intensidade de injusto. Em
ações de grupo de extermínio, vários fatores inerentes à consecução desse crime contribuem para
esta maior reprovabilidade: a premeditação, a frieza da ação, o conluio, a escolha do local e da
hora – geralmente locais ermos e à noite -, os requintes de crueldade (não raro, ocorrem

70
Alberto Silva Franco, afirma, nesse sentido, que ―discute-se se o caráter de hediondez deve ser atribuído tanto ao
tipo básico, quanto ao tipo qualificado de estupro. A Lei 8.072/90, ao etiquetar os crimes que considerou
hediondos, acostou ao art. 213 a expressão caput, o que dava a impressão de ter o legislador penal admitido que o
referido tipo contivesse algum parágrafo. Com a Lei 8.930/94, a questão, em princípio, ficou superada, em face
da exclusão dessa palavra. Tal exclusão adensou a corrente jurisprudencial que considerava não estar o estupro,
no seu tipo básico, incluído entre os crimes hediondos.‖ In Franco, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São
Paulo : RT, 2007.p.323.
71
Madrid Conesa apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.18.
35

decaptações a fim de dificultar a identificação das vítimas), os métodos usados para intimidar
vítimas e seus familiares, as dificuldades para se investigar e punir este tipo de delito, a
abrangência e as ramificações desse tipo de organização criminosa. 72

O homicídio praticado em ações típicas de grupo de extermínio foi incluído no rol dos
crimes hediondos após as chacinas da Candelária e de Vigário Geral, no início da década de
1990. Foi a forma encontrada pelos legisladores de responder à sociedade, chocada com a
atrocidade daqueles crimes73. O problema é que tal resposta não veio acompanhada por um
agravamento nos mínimos e máximos de pena aos condenados por delitos dessa natureza. Nesse
sentido, as palavras de Alberto Silva Franco,

―Não será obviamente porque se incluiu uma nova modalidade típica no rol dos
crimes hediondos que os esquadrões da morte ou os grupos de extermínio
deixarão de existir. Não será, por certo, com a inserção da nova modalidade de
homicídio simples entre os delitos daquela categoria, que se irão impedir novos
massacres, principalmente, em áreas excluídas da lei penal, por interesses
recíprocos da Polícia e de associações criminosas. No máximo, o processo
tipificador poderá exercer uma função puramente simbólica tão do agrado de
estruturas políticas autoritárias e inconseqüentes‖74.

Outra crítica feita por Franco refere-se à falta de clareza e precisão na redação do inc. I do
art. 1º da Lei 8.072/90, ferindo desse modo o princípio da taxatividade 75, segundo o qual as leis
penais devem ser escritas de forma clara, precisa e objetiva, a fim de que tanto o julgador quanto
os cidadãos possam compreendê-las. Dessa forma, preserva-se a liberdade do indivíduo, uma vez
que uma lei precisa deixa pouca margem à interpretação do julgador, trazendo desse modo maior
segurança jurídica aos julgamentos.

72
Segundo Ivan Jerônimo da Silva, Policial, Investigador Chefe da Seccional de Taboão da Serra em São Paulo, a
Scuderie Le Coq, mais conhecida como ―Esquadrão da Morte‖, ―atuava como polícia paralela. Tinha pelo menos
oitocentos associados, entre os quais foram identificados trinta e cinco advogados, vinte e um delegados de polícia,
noventa policiais civis, noventa e um policiais militares, um juiz, um promotor, policiais rodoviários federais, um
coronel da reserva do Exército, fiscais da Receita Estadual, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, dois
deputados estaduais e seis vereadores‖. http://media.folha.uol.com.br/cotidiano/2009/03/08/grupo_de_exterminio.pdf
Para Alberto Silva Franco, há três aspectos que singularizam os esquadrões da morte ou os grupos de extermínio:
eles se constituem em uma reunião de pessoas que possuem ―um vínculo associativo permanente para fins crimino-
sos, uma predisposição comum entre os associados para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contí-
nua vinculação entre os associados para a concretização de um programa delinquencial‖. (FRANCO, 2000:262).
73
Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4.ed. São Paulo : RT, 2000. 518p. p.262
74
Cf. FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.263
75
Cf. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.18.
36

Para Franco, neste inciso, a expressão ―atividade típica de grupo de extermínio‖ é vaga, já
que não existe no Código Penal nem na legislação especial tipo penal com tal descrição. Ade-
mais, afirma o doutrinador, não se sabe, lendo a redação dada ao referido inciso, o que o legisla-
dor quis dizer com ‗grupo‘ e ‗extermínio‘. Qual o número mínimo para se formar um ‗grupo‘?
Três? Do mesmo modo como é composta a quadrilha ou bando? Ou quatro? São perguntas que,
de acordo com Franco, não são respondidas, ficando ao arbítrio do julgador determinar o que é e
de quantas pessoas é composto um grupo de extermínio. Isto tem reflexos na hora da condenação,
já que se o julgador de um Tribunal X determina para um caso concreto ser suficiente a presença
de três elementos para compor um ―grupo de extermínio‖, estes três indivíduos serão singulariza-
dos e apenados com a severidade da Lei dos Crimes Hediondos. Por outro lado, se outro julgador,
de um Tribunal Y, considera ser de quatro o número mínimo de pessoas necessárias para compor
um ‗grupo de extermínio‘, aquele grupo de três que fora considerado ‗grupo de extermínio‘ no
Tribunal X não teria sido apenado nos termos da severidade da lei dos crimes, tivesse sido julga-
do por um julgador do Tribunal Y76.

3.2 Homicídio Qualificado

O homicídio doloso qualificado, tentado ou consumado, é considerado hediondo, de


acordo com a Lei 8.072/90, em seu artigo 1º, inciso I. Foi incluído pela Lei 8.930, de 6 de
setembro de 1994 no rol dos crimes hediondos, por conta do assassinato da atriz Daniela Perez,
cuja mãe, a autora de novelas Glória Perez, levou a cabo intensa campanha nos meios de
comunicação, junto à sociedade civil, além de fazer lobby intenso no Congresso Nacional, a fim
de que esta modalidade de homicídio fosse incluída no rol dos hediondos. Para Alberto Silva
Franco,

―A inclusão do homicídio na lista dos crimes hediondos não serviu para nada:
nem para alterar o desequilíbrio punitivo provocado pela Lei dos Crimes Hedion-
dos, já que não houve, em sua redação, nenhuma mudança da cominação penal,
nem para reduzir as ações criminosas contra as quais o diploma legal foi prepara-
do‖77.

76
Leal apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.124
77
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.103.
37

O grande problema em se colocar o homicídio qualificado como hediondo, segundo Fran-


co, se deve à desproporcionalidade entre as penas impostas a quem, de um lado, comete este cri-
me, e, de outro, o de latrocínio e o de extorsão mediante seqüestro. Enquanto o mínimo de pena
para a extorsão mediante seqüestro qualificada pela morte é de vinte e quatro anos, e do latrocínio
vinte anos, o do homicídio qualificado permaneceu em doze anos, uma vez que foi mantido na
Lei 8.072/90 com as mesmas balizas penais do art. 121 do CP78

3.3 Latrocínio ou roubo qualificado pela morte

A inclusão do crime de latrocínio no inciso II, do art. 1º da Lei n. 8.072/90, foi feito pela
mencionada Lei 8.930/94. O bem jurídico tutelado no latrocínio ou roubo qualificado pela morte
é o patrimônio e a vida, a liberdade individual e a integridade corporal. Segundo, Luiz Regis
Prado, a ―grave ameaça é a violência moral, promessa de fazer mal à vítima, intimidando-a,
atemorizando-a, viciando sua vontade, devendo ser grave, de modo a evitar a reação contra o
criminoso‖. Com relação à violência física, esta ―consiste no emprego de força contra o corpo da
vítima, antes ou durante o roubo, cerceando sua liberdade de ação e não só de vontade(...)‖ 79.

É pacífico na doutrina ser o latrocínio crime preterdoloso 80, com dolo no antecedente e
culpa no conseqüente. O indivíduo faz uso da violência física para subtrair a coisa alheia móvel
da vítima não intentando a morte da mesma, mas esta sobrevém no curso de sua ação. Neste caso,
o qualificador deve ser dado a título de culpa 81. A pena de reclusão para estes crimes é de 20 a 30
anos.

Anteriormente à edição da Lei 12.015/09, que revogou o art. 224 do CP, criticava-se mui-
to o dispositivo da Lei 8.072/90, por afrontar o princípio da individualização da pena. Segundo o
art.9º da lei dos crimes hediondos, a pena para o delito de latrocínio, na forma consumada e ten-
tada, deveria ser acrescida de metade, respeitando-se o limite superior de 30 anos, em caso de ví-

78
FRANCO, Alberto Silva, op.cit. p.356.
79
PRADO, Luiz Regis. Op.cit. p.418. v.2.
80
PRADO, Luiz Regis. Op.cit. p.426. v.2; FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.360.
81
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4.ed. São Paulo : RT, 2000. 518p. p.270. Franco defende,
inclusive, este ponto de vista, sinalizando que o tipo adequado para o latrocínio não seria o esculpido no § 3º do
artigo 157, do CP, mas sim o do art.121, § 2°, I e V, pois, segundo ele, o homicídio neste caso foi por ―motivo
torpe‖ e para ―assegurar a execução, ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime‖, no caso o roubo
simples. ―A lei 8.072/90 não altera, conceitualmente, o § 3º do artigo 157 do Código Penal. Dá-lhe, apenas, um
tratamento penal mais rigoroso, sintonizando-o com o da extorsão qualificada‖.
38

tima ser alienada ou débil mental, e o agente ter consciência desse fato; não ser maior de quatorze
anos; ou se a vítima não pudesse, por qualquer outra causa, oferecer resistência. A crítica se devia
ao fato de que, ao aumentar a pena estipulada, chegar-se-ia a uma equivalência entre o máximo e
o mínimo da pena cominada em abstrato, ferindo, portanto, o art. 5º, XLVI, da CF82.

3.4 Extorsão qualificada pela morte

A extorsão qualificada pela morte, como capitulada no art. art. 158, § 2º; foi incluída
igualmente pela Lei 8.930/94.Trata-se de delito complexo que atinge a vida e o patrimônio. O
agravamento da pena neste tipo de delito se dá pela maior gravidade do injusto, manifestado pelo
desvalor da ação e do resultado, pois do fato resultou lesão corporal de natureza grave, com
resultado morte. A pena para este tipo de crime é de reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.

3.5 Extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada

A extorsão mediante sequestro, na modalidade qualificada, como capitulada no art. art.


159, Caput, e §§ 1º, 2º, 3º, do CP, também foi incluída no rol dos hediondos pela Lei 8.930/94.
Também é um crime o complexo que atinge a liberdade individual da pessoa e seu patrimônio. O
bem jurídico tutelado é, portanto, o patrimônio e a vida.

Após a promulgação da Lei 8.072/90 o número de seqüestros diminuiu drasticamente no


Rio de Janeiro, de acordo o ILANUD 83. Por outro lado, seu número ficou relativamente estável
em São Paulo, com tendências de crescimento. Se comparado a outros tipos de delito, como por
exemplo, o roubo a mão armada, o seqüestro ocorre em pequena quantidade no Brasil e não se
justifica sua inclusão no rol dos crimes hediondos. Para Franco, ―o seqüestro extorsivo é literal-
mente mostrado como um problema social mais ingente que, por exemplo, a mortalidade infantil
ou mortalidade acidentária, no trabalho ou no tráfego viário‖. 84

Os sujeitos passivos desse tipo de delito são pessoas de classes sociais A e B, de quem,
acreditam os criminosos, podem ser extraídos altos valores de resgate. Exemplos no cotidiano

82
Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. p.427. v.2; FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.379-381.
83
Cf. ILANUD. A lei dos crimes hediondos como instrumento de política criminal. São Paulo : ILANUD,
2005. 106p. p.41
84
Cf. FRANCO, Alberto Silva. op.cit. p.332
39

nacional desse tipo de delito não faltam, mas se torna mais ilustrativo falar de um seqüestrado
que não morreu devido a este tipo grave de delito, pois foi por intermédio do irmão desse seqües-
trado que a Lei dos Crimes Hediondos foi editada.

Roberto Medina, publicitário, foi seqüestrado em 1990 e sua família pagou US$ 4 mi-
lhões aos seqüestradores. Desse valor, US$1,5 milhão ficou nas mãos de policiais do Rio de Ja-
neiro, segundo fontes ligadas ao caso, pondo a nu os subeterrâneos da criminalidade, em que, não
raro, criminosos, forças de segurança pública e agentes públicos se interrelacionam 85. Assim, en-
quanto a Lei 8.072/90 vem ao mundo, apregoando punições mais severas 86, o criminalidade con-
tinua se movimentando, ramificando e arquitetando novos delitos hediondos. O fato de a visada
legislativa ainda ser em prol da severidade das penas, talvez seja um indicador do porquê extor-
sões mediante seqüestro continuem a ocorrer no Brasil, com sua costumeira subnotificação.

3.6 Estupro e Atentado violento ao pudor

A Lei 8.072/90 foi alterada em 10 de agosto de 2009, com a promulgação da Lei


12.015/09, na qual foi revogado87 o tipo penal atentado violento ao pudor. Na verdade, o AVP foi

85
Cf. Revista Veja, 27 de junho de 1990.
86
De acordo com Zaffaroni, ―O operador da agência policial deve apresentar um discurso duplo, que é conservador
e moralista para o público e justificador (racionalizador) internamente‖. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al.
Op.cit. p.56
87
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior
de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.‖ (NR)
Com relação ao crime de estupro, a única alteração em relação ao Código Penal vigente antes da Lei
12.015/09 se refere ao máximo de 30 anos de pena de reclusão em caso de estupro do qual resulte morte. Anterior-
mente o mínimo era 12 anos e o máximo 25 anos; Com a nova lei, o mínimo continua em 12 anos e o máximo subiu
para 30 anos.
Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não
pode oferecer resistência.
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
40

encapsulado no tipo penal estupro, tornando-se um modelo típico único. Além disso, o crime de
estupro sofreu alterações e foi criado o art. 217-A, estupro de vulnerável, que tipifica a conduta
de ―ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 anos‖. Este
tipo penal estipula aos seus infratores penas de reclusão de 8 a 15 anos. Se da conduta resultar
lesão corporal de natureza grave, pena mínima de reclusão de 10 anos e máxima de 20. Se resul-
tar morte, pena de reclusão de 12 anos e máxima de 30 anos. Este tipo penal foi incluído no inci-
so IV, do art. 1º da Lei 8.072/90, no lugar do atentado violento ao pudor.

Em síntese, antes da Lei 12.015/09, somente mulheres poderiam ser sujeitos passivos do
crime de estupro, ao passo que com a nova lei, qualquer pessoa poderá sê-lo. Enquanto antes o
tipo penal estava descrito como ―constranger mulher, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal...‖ agora ele está descrito como ―constranger alguém...‖. A pena para quem co-
meter este delito é de reclusão de seis a dez anos. Se esta conduta tiver como resultado lesão cor-
poral grave ou se a vítima for menor de 18 anos ou maior de 14 anos, a pena de reclusão é de oito
a doze anos; e se resultar morte, pena de reclusão de doze a trinta anos.

§ 4o Se da conduta resulta morte:


Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.‖
41

4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFRINGIDOS PELA LEI 8.072/90

Segundo Regis Prado, ―os princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria pe-
nal, limitando o poder punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamen-
tais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo pautas de interpretação e
de aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de um Estado demo-
crático e social de Direito.‖88

Desse forma, Regis Prado sintetiza, de modo preciso, o papel desempenhado pelos princí-
pios no Direito Penal. No que se refere à Lei dos Crimes Hediondos, há quatro princípios centrais
infringidos pela Lei n. 8.072/90: o da individualização da pena, o da não-culpabilidade, o da pro-
porcionalidade e o da humanidade da pena 89.

Procederemos abaixo a uma análise mais detida dos quatro princípios supracitados:

4.1 Princípio da Individualização da pena

De acordo com Regis Prado, ―a proibição de progressão de regime prisional aos condena-
dos por crime hediondo afronta o princípio individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI,
da CF, cabendo ao juiz da execução penal decidir caso a caso os pedidos dessa natureza‖ 90

Esculpido no art. 5, XLVI, da Constituição Federal, o princípio da individualização da


pena preconiza que a pena deve ser compatível e ajustada finamente à culpabildiade do agente e
também deve ser proporcional à lesão ao bem jurídico tutelado, como, de resto, a medida de se-
gurança deve sê-lo em relação ―à periculosidade criminal do agente91‖. Este princípio está in-
cluído entre os direitos e garantias fundamentais do indivíduo. A individualização da pena ex-
pressa-se em três fases92: legal, judicial e executória.

88
Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6.ed. São Paulo : RT, 2006. 782p. V.1. p.128.
89
Cf. DOTTI, René Ariel; PEREIRA, Paulo Maurício; MOREIRA, Rômulo de Andrade; CARVALHO, Alexandre
Victor e MARCHI Jr., Antônio Padova; LOPES, Jair Leonardo
90
TJSP - 6º Gr. – Rev. 004500983.3/4 – rel. Vico Mañas – j.20.09.2006 – RT 856/567. In: Cf. FRANCO, Alberto
Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.605p. p.272.
91
Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6.ed. São Paulo : RT, 2006. 782p. V.1. p.139.
92
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 2.ed. São Paulo : RT, 2007. p.32
42

Ao legislador ordinário, foi concedido o poder de regular tal individualização principal-


mente na fase legislativa, em que fixa, valorando principalmente o bem objeto de proteção e sua
relevância social, os extremos penológicos. Em grandes traços o legislador pode trabalhar na in-
dividualização e dispor a respeito, por exemplo, das circunstâncias do crime e das hipóteses de
aumento e diminuição da reprimenda. ―A individualização no plano legislativo assim, em grandes
traços será feita na elaboração da norma penal, dentro dos critérios de proporcionalidade fixados
de antemão pelo constituinte93‖.

Na individualização judicial ou judiciária, o juiz, ao prolatar a sentença, determina a


quantidade de pena que conferirá a este ou aquele réu, levando em consideração as circunstâncias
judiciais descritas no art. 59 do Código Penal, de plúrimo conteúdo e expressão.

Na individualização executória, o juiz de execuções individualizará a aplicação da pena-


base para cada condenado, observando o exposto no art. 5 º da LEP94, de modo a estar equipado
para decidir pela concessão ou não de livramento condicional ou de indulto coletivo ou individu-
al, com o decorrer do cumprimento da pena. É terminantemente vedado ao legislador, todavia,
suprimir a individualização em suas fases, ao não se permitir o ajuste da reprimenda ao agente
concreto, na circunstancialidade concreta do fato delituoso, equalizando todos autores e partícipes
da infração criminal, como se todos os agentes não construíssem sua própria e diferenciada per-
sonalidade, e como se o ―tratamento penológico‖ não repercutisse de diversas maneiras no ho-
mem condenado. É o que ocorreu quando da redação do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, em que se
proibiu a progressão de regime aos condenados por crime hediondo ou seus assemelhados. Como
garantia constitucional fundamental, a individualização da pena não pode ser descaracterizada
pela ação do legislador infraconstitucional, esvaziando seu conteúdo 95.

Marcão96 afirma que ―só o fato de a lei estabelecer o regime integralmente fechado para
as hipóteses que elenca não exclui nem aniquila o processo de individualização judicial‖, o que
parece não ser exato. Para Nucci, o princípio da individualização da pena se interrelaciona com

93
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza, op.cit. p.38
94
LRP, ―Art. 5º Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a
individualização da execução penal‖.
95
Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.605p. p.228.
96
Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Progressão de regime e crimes hediondos ou assemelhados. Revista IOB Direito
Penal e Processo Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007. p.211.
43

outros princípios do Direito Penal, tais como o da legalidade, isonomia, proporcionalidade, res-
ponsabilidade pessoal e da culpabilidade e da humanidade.

No que se refere ao da legalidade, esculpido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal,


segundo o qual, ―ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei‖, reside a idéia de que não há crime sem pena ou lei prévias. Mas, segundo Nucci, do prin-
cípio central da legalidade acabam derivando outros, o da taxatividade, anterioridade e irretroati-
vidade da lei penal, que também se interconectam com o da individualização da pena.

Assim, para que haja a individualização da pena, é necessário que o tipo penal incrimina-
dor seja taxativo, ou seja, preciso; respeite o princípio da anterioridade (―não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal‖), de modo que individualização da
pena legítima é aquela em que a lei cominadora da pena tenha sido fixada de antemão; e, por fim,
que seja respeitado o subprincípio da irretroatividade da lei penal in pejus. (art. 5, XL, CF).

Com relação ao princípio da isonomia, art.5, Caput, o direito deve tratar todos os cidadãos
de forma igualitária, e, quando necessário, os desiguais desigualmente, o que, para Nucci, é uma
―fórmula mais próxima do ideal de isonomia material e não meramente formal‖97. Dessa forma, a
relação entre o princípio da isonomia e o da individualização da pena seria o de que, em ambos,
deve-se tratar os desiguais desigualmente e tratá-los de modo igual perante a lei.

No que tange ao princípio da proporcionalidade, tanto normas infraconstitucionais quanto


princípios constitucionais devem ser aplicados de modo equilibrado. Cada sanção penal deve tu-
telar um bem jurídico de modo proporcional à ofensa consumada. Assim, a um crime de latrocí-
nio não deve aplicada uma pena de multa. Nesse sentido, a Carta Magna afirma que ―a lei regula-
rá a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da li-
berdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de
direitos‖. Esta gradação é a sinalização de que as penas devem respeitar o princípio da proporcio-
nalidade, hierarquizando-se a severidade da resposta punitiva segundo a intensidade do injusto e
de acordo com a culpa individual.

97
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. op.cit. p.32
44

Quanto ao princípio da responsabilidade pessoal e da culpabilidade, dispõe a Constituição


Federal, em seu art. 5º, XLV, que ―nenhuma pena passará da pessoa do condenado‖, de sorte que
individualiza-se a pena quando se afirma que somente o indivíduo condenado é quem será apena-
do pela ofensa feita a certo bem jurídico tutelado.

Por fim, no que se refere ao princípio da humanidade, estabelece a Constituição Federal


que ―não haverá penas cruéis, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados e de banimento‖, bem
como o fato de que os presos devem ter ―assegurado o respeito à sua integridade física‖ (art. 5,
XLVII, XLIX). A relação entre o princípio da individualização da reprimenda e o da humanidade
está em que cada apenado deve ser considerado individualmente na aplicação de penas, as quais
deverão ser, sobretudo, humanas, independentemente do potencial ofensivo do crime cometido.

Feitas estas considerações, o que se percebe é que o § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, ao
proibir a progressão de regime, violou, no fundo, não somente o princípio da individualização,
mas todos os outros a ele relacionados (humanidade, responsabilidade pessoal, proporcionalida-
de, isonomia, legalidade).Nesse sentido já se manifestaram os tribunais, em especial o Superior
Tribunal de Justiça, na pena do Ministro Paulo Medina:

“Penal e processo penal. Homicídio qualificado. Crime hediondo Progressão


de regime prisional. Direito do condenado.
A vedação à execução progressiva da pena, nos moldes em que dispõe a Lei
8.072/1990, é discriminatória, por isso, violadora dos princípios constitucionais
da legalidade, da individualização, da isonomia e da humanidade da pena.
A equiparação, aparentemente justificável por força da carga retórica do vocábulo
‗hediondo‘, é manifestamente incompatível com o princípio da isonomia, porque
representa a inversão de sentido do tratamento jurídico igualitário, e, na prática,
revela-se como critério absolutamente imprestável à efetivação da justiça em cada
caso concreto.
O cumprimento da pena é essencial à realização de sua finalidade, não podendo o
legislador retirar do juiz essa tarefa, deixando um certo grupo de condenados à
margem da progressão, sem ferir de morte, dentre outros, o princípio constitucio-
nal da isonomia.
A leitura da Lei dos Crimes Hediondos revela que todos os condenados têm direi-
to à individualização da pena, com base nos critérios contidos no Código Penal
Brasileiro.
Recurso a que se nega provimento98.‖

98
Cf. STJ – HC 564.707/RS - 6º T. – Rel. Min Paulo Medina – DJU 1 06.03.2006
45

4.2 Princípio da não-culpabilidade

De acordo com o art. XI, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ―toda pessoa
acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade
tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido assegu-
radas todas as garantias necessárias à sua defesa‖.

O princípio da não-culpabilidade esculpido no art. 5º, LVII, da Carta Magna afirma que
―ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória‖.
Nesse sentido, a redação do art. 2º, II, da Lei 8.072/90, válida até o advento da Lei 11.464/07, em
que se negava a liberdade provisória aos condenados por crimes hediondos, era claramente aten-
tatória ao princípio da não-culpabilidade. Afinal, como bem relata o Juiz Tourinho Neto, ―negan-
do a provisória, na verdade, está-se decretando a preventiva, pois, para a mesma ser concedida ou
negada, tem-se, por determinação do parágrafo único do art. 310 do CPP, que examinar os requi-
sitos do art.312 do mesmo código‖. 99

Segundo o art. 5, XLIII, fica proibida somente a concessão de graça ou anistia aos conde-
nados por crimes hediondos e equiparados, de modo que o originalmente disposto na Lei
8.072/90, proibindo a concessão de liberdade provisória aos condenados por este tipo de delito se
afigurava claramente inconstitucional. Na verdade, como bem frisa Moreira100, ―no Processo Pe-
nal a regra é a liberdade, admitindo-se excepcionalmente a prisão provisória em casos de extrema
e comprovada urgência e necessidade (daí também a mácula ao princípio da proporcionalidade,
implícito na Constituição)‖. Tanto assim, que o art.312 do CPP afirma taxativamente que decreta-
se a prisão preventiva como forma de se ―garantir a ordem pública, a ordem econômica, por con-
veniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
da existência do crime e indício suficiente de autoria‖. Fora desses casos, não há falar em impedir
a liberdade provisória, ainda que o condenado o tivesse sido pela prática de crime hediondo.

99
Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. As alterações na lei dos crimes hediondos. Revista IOB Direito Penal e
Processo Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007. p.196.
100
Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. As alterações na lei dos crimes hediondos. Revista IOB Direito Penal e
Processo Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007. p.192-93.
46

Pode falar com Amico que ―admitir a liberdade provisória descrita no art. 310 do CPC em
nada altera o quadro de violência desmedida que a sociedade enfrenta, mas possibilita ao magis-
trado aferir, no caso concreto e diante do princípio da presunção da inocência (CF, art. 5º, LVII),
quando, efetivamente, estão presentes os pressupostos e requisitos da prisão cautelar (art. 312,
CPC), para que ela, só assim, subsista‖ 101

E essa falta de aviso do legislador infraconstitucional não ficou reservada à legislação que
definiu os crimes hediondos. Rômulo de Andrade Moreira 102 nota, de modo preciso, que na Lei
9.613 de 1998103, que dispõe sobre os crimes de ‗lavagem‘ ou ocultação de bens, direitos e valo-
res; a prevenção da utilização do sistema financeiro para determinados ilícitos, o legislador infra-
constitucional também infringiu preceitos constitucionais, ao proibir, para os crimes disciplinados
naquela lei, a concessão de liberdade provisória. Ademais, tanto a Lei de Tóxicos (Lei
11.343/2006) quanto o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), vedavam expressamente a
concessão de liberdade provisória. Com o advento da Lei 11.464/2007 estas vedações foram der-
rogadas, deixando espaço ao juiz para exercer livremente sua convicção, caso a caso. 104. Segundo
Marcão105, ―é indiscutível o cabimento, em tese, de liberdade provisória, sem fiança, em se tra-
tando de crime de tráfico de drogas e delitos equiparados, previstos na Nova Lei de Tóxicos. A
opção legislativa neste sentido restou clara‖.

Tudo está a demonstrar que o desacertado processo legislativo que culminou com a Lei
dos Crimes Hediondos, a qual proibiu, em seu art. 2º, II, a liberdade provisória aos condenados
pela prática de crimes hediondos, não serviu de lição. O mesmo erro, a mesma lesão a princípios
constitucionais foi cometida na Lei 9.613/98. Moreira enfatiza ainda ser mais grave e ―atentatório
à Constituição Federal‖ a proibição da liberdade provisória no caso desta Lei ―pois tais crimes

101
Cf. AMICO, Carla Campos. Inovações decorrentes da Lei 11.464/07. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 176, p.
2-3, jul. 2007.
102
Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. As alterações na lei dos crimes hediondos. Revista IOB Direito Penal e
Processual Penal, Porto Alegre , v.8, n.44, p.192-211, jun/jul.2007.p.198.
103
―Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de senten-
ça condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.‖ (Lei 9.613/98)
104
Cf. AMICO, Carla Campos. Inovações decorrentes da Lei 11.464/07. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 176, p.
2-3, jul. 2007.
105
Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Lei No.11.464, de 28 de março de 2007: novas regras para a liberdade provisória,
regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. ICP, p.5-7, maio
2007.
47

sequer estão elencados no dispositivo constitucional e também não estão equiparados aos crimes
hediondos pela Lei 8.072/1990‖106.

O mau exemplo contaminou, como se viu, a edição posterior de leis penais, a proibição da
concessão de liberdade provisória inscrita no art. 2 º da Lei 8.072/90 levou a que equívocos se-
melhantes na Lei 9.034/95; na Lei 9.455/97; na Lei 9.613/98; na Lei 10.826/03; e na Lei
11.343/06. Contudo, com o advento da Lei 11.464/07, seus reflexos, no que se refere à autoriza-
ção de concessão da provisória, acabaram se irradiando para aquelas leis.

4.3 Princípio da proporcionalidade

Uma importante decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul lançou luz sobre a
ofensa ao princípio da proporcionalidade. Julgando recurso em um crime de atentado violento ao
pudor, a corte gaúcha afirmou ferir ―o princípio da proporcionalidade o mesmo apenamento ao
estupro, ao atentado violento ao pudor sem qualquer espécie de cópula e a prática de atos libidi-
nosos menos intensos. Os delitos de estupro e atentado violento ao pudor possuem igual apena-
mento: 6 a 10 anos de reclusão. O legislador de 1990 não considerou no processo de tipificação
criminal o princípio da proporcionalidade. Assim, por exemplo, manter conjunção carnal ou ou-
tro tipo de relação sexual, bem como qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal, por
mais simples que seja, [tinha] a mesma reprovabilidade jurídica‖ 107.. À vista desses argumentos,
realizou o tribunal a adequação típica em sede recursal, dando assim provimento parcial ao recur-
so da defesa. Este julgado ilustra bem o papel reformador exercido pela jurisprudência sobre le-
gislação, uma vez que, como se afirmou, a Lei 12.015/2009 revogou o tipo penal atentado violen-
to ao pudor, encapsulado no de estupro.

De acordo com o princípio da proporcionalidade, deve sempre haver equilíbrio entre o


grau de injusto próprio do delito e as penas cominadas para eles. Este equilíbrio deve vir tanto do
legislador, quando cria a lei, quanto do juiz, quando a aplica ao caso concreto. Nesta justa medi-
da, deve-se observar a gravidade do ilícito praticado, o desvalor da ação e do resultado, bem co-

106
Cf. MOREIRA, Rômulo de Andrade. Op.cit. 198.
107
Cf. TJRS – ACR 70010325355 - 7º C. Crim. – Rel. Nereu José Giacomolli – j. 03.03.2005 In: PRADO, Luiz
Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6.ed. São Paulo : RT, 2006. 782p. V.1. p.139
48

mo a pena imposta ao condenado. O princípio da proporcionalidade procura desse modo contri-


buir para que a justiça seja materialmente feita 108. Afinal, poena debet commensurari delicto.

4.4 Princípio da humanidade da pena

O princípio da humanidade da pena tem seu fundamento material na dignidade da pessoa


humana, esculpido no art.1º, III, da Constituição Federal. A idéia subjacente é a de que a ativida-
de punitiva do Estado não deve criar, aplicar ou executar penas que violem a dignidade da pessoa
humana. Já é clássica a frase presente no art. III, da Declaração dos Direitos do Homem, de 1948,
segundo a qual ―todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal‖. Esta Decla-
ração tem tido uma influência perene na Constituição de 1988, quando esta afirma, por exemplo,
em seu art. 5º, III, que não se deve submeter ninguém ―a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante‖. A Constituição Federal acolheu ainda preceitos a favor da dignidade da pessoa hu-
mana, impedindo, em seu art. 5 º, XLI, ―penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos força-
dos, de banimento e cruéis‖. Este diploma legal estipulou, ainda, no art. 5º, XLVIII, que as penas
deverão ser ―cumpridas em estabelecimentos distintos‖, conforme a ―natureza do delito, a idade e
o sexo do apenado‖, bem como, no inciso XLIX, que os presos devem ter assegurada ―sua inte-
gridade física e moral‖. De outro lado, como bem nota Franco 109, a outra face do princípio da
humanização da pena se encontra no da individualização da pena, em sua fase executória, a fim
de que cada caso seja considerado individualmente no momento em que o condenado for levado
ao presídio para expiar sua pena.

De acordo com a Lei de Execução Penal, ao Estado caberia conferir ―assistência ao preso
e não internado (...), objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em socieda-
de‖. A assistência que o Estado deveria fornecer, inclusive ao egresso dos presídios, deveria ser,
em tese, ―material, à saúde, jurídica, social, educacional e religiosa‖. Se cumprida, esta assistên-
cia atenderia ao princípio da humanização da pena.

108
Cf. PRADO, 2006, passim.
109
Cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007.605p. p.59
49

4.4.1 Lei 8.072/90 e a desumanização da pena

Para Scarance a pena privativa de liberdade é um mal necessário, enfatizando, todavia,


que a pena deve ter um sentido preventivo positivo, no sentido de induzir os cidadãos a agirem
conforme a lei.

Como visto até agora, a Carta Política de 1988 previu a categoria dos crimes hediondos,
os quais precisavam ser tipificados com vistas a impor, a quem os cometesse, penas mais rigoro-
sas. A Lei 8.072/90 veio para cumprir esta missão, e o fez de modo, por assim dizer, desastrado,
uma vez que em certo sentido foi de encontro com o princípio constitucional da humanidade da
pena, bem como contra o disposto na Lei de Execução Penal, contribuindo para superpopulação
carcerária formada nos presídios brasileiros pós Lei dos Crimes Hediondos.

Em termos de custos e benefícios, superpopulação carcerária significa: 1. Maior visibili-


dade negativa na mídia sobre as deficiências do sistema penitenciário brasileiro devido às rebeli-
ões, fugas, motins, assassinatos e condições desumanas e degradantes vigentes nas prisões; 2.
Maior número de rebeliões; 3. Maior número de fugas; 4. Emergência de poderosas facções cri-
minosas como PCC, CV e Terceiro Comando, com ramificações em todas as esferas do governo;
5. Receber pesadas críticas de juristas, juízes, promotores, advogados, pareceristas, desembarga-
dores, e da comunidade jurídica em geral; 6. Maiores custos financeiros, estruturais e com pesso-
al, uma vez que seria necessário construir mais presídios para atender a uma demanda sempre
crescente. 7. Permanência ou aumento dos índices de criminalidade no país, inclusive dos crimes
chamados hediondos, com variações para cima e para baixo, variando de região para região. 8.
Pesadas críticas de organismos internacionais de defesa dos direitos humanos como a Human Ri-
ghts Now, a Anistia Internacional, etc., alarmados com a carga aflitiva imposta aos encarcerados
nos presídios, cadeias públicas e distritos policiais brasileiros. 9. Uma maior dificuldade de res-
socializar os apenados encarcerados, uma vez libertos da cadeia, com a óbvia constatação de que
este indivíduo estigmatizado tem grandes possibilidades de reincidir e retornar ao sistema carce-
rário.

Em suma, proibir a progressão de regime contribuiu de modo indelével para o aumento


exponencial da população carcerária no Brasil, bem como para chamar a atenção de observadores
nacionais e internacionais para uma questão, que, de problemática, passara a crônica.
50

5. POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA E ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

5.1 Jurisprudência conflitante nos Tribunais quanto à vedação de progressão de regime

De um lado, os Tribunais brasileiros sempre tiveram um posicionamento contraditório, no


que se refere não somente à vedação da progressão de regime estipulada pelo §1º do art. 2º da Lei
8.072/90, como também na proibição à concessão de liberdade provisória aos condenados por
crimes hediondos.

Nota Marcão110 que os Tribunais sempre tiveram posições contraditórias e opostas quanto
a se deveriam ou não concedê-la ao réu preso em flagrante e denunciado pela prática de crimes
hediondos. Isto até o advento da Lei 11.464/2007. Tanto STF, quanto STJ e TJSP mantinham de-
cisões conflitantes a este respeito, ora não admitindo a concessão de liberdade provisória, ora a
admitindo.

Para o escopo de nosso trabalho, contudo, importa analisar a trajetória histórica das con-
traditórias decisões dos Tribunais brasileiros com relação à proibição de progressão de regime
determinado pelo §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, sem se esquecer da advertência de Gomes, se-
gundo a qual

―A existência de um grande número de decisões contraditórias entre si torna ex-


plícita a insuficiência das garantias oferecidas ao cidadão por meio do princípio
da legalidade entendido em seu modo formal clássico, e conduz à conclusão de
que não é apenas o legislador que, através da utilização de técnica legislativa de-
feituosa aumenta a insegurança dos cidadãos, mas são também os tribunais os
responsáveis por esse efeito quando interpretam as normas penais. 111‖

5.1.1 Tribunal de Justiça de São Paulo

As decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo abaixo reproduzidas ilustram bem a dis-
cussão jurisprudencial sobre o tema. A terceira delas, dissentindo da orientação do Supremo Tri-
bunal Federal, enfocou com muita precisão a matéria sob a ótica constitucional.

110
Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Lei No.11.464, de 28 de março de 2007: novas regras para a liberdade provisória,
regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. ICP, p.5-7, maio
2007.
111
Cf. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Op.cit. p.114.
51

―É cabível impetração de mandado de segurança pelo Ministério Público contra


ato de juiz que concedeu progressão para o regime semi-aberto a condenado por
crime hediondo, tendo em vista que a decisão do STF, proferida em sede de con-
trole difuso de constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, não tem eficá-
cia erga omnes, permanecendo válida e aplicável a norma que veda a progressão
de regime prisional a tal espécie delitiva112‖.

―A proibição de progressão de regime prisional aos condenados por crime hedi-


ondo afronta o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI,
da CF, cabendo ao juiz da execução penal decidir caso a caso os pedidos dessa
natureza.113‖

―É inconstitucional o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 ao determinar o cumprimento


da pena em regime integralmente fechado aos condenados por crimes hediondos.
A Constituição Federal (art. 5º, XLVI) estabelece a individualização da pena, cujo
conceito é o de ajustar a reprovação, atentos aos requisitos da suficiência e neces-
sidade, em termos de quantidade e qualidade, à pessoa do condenado, de acordo
com sua culpa. A inflexibilidade do regime penitenciário impede a individualiza-
ção da sanção, circunstância que afronta o preceito constitucional. Ademais, a
possibilidade de progressão de regime prisional tem por objetivo atingir a finali-
dade de retribuição e prevenção especial da pena, razão pela qual a imposição de
sistema integralmente fechado para o cumprimento da expiação representa exces-
so desproporcional de prisão em relação ao fato praticado, além de não se prestar
ao cumprimento do objetivo de capacitar o apenado ao retorno do convívio soci-
al.114‖

Progressão do regime: inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90


(antes do julgamento do HC 82.959-7)
―a r.sentença determinou que a pena fosse integralmente em regime fechado, em
razão do comando da Lei 8.072/90. Tem decidido o Supremo Tribunal Federal
que esse preceito legal não ofende a Constituição Federal: ‗O art. 2º, § 1º, da Lei
8.072/90, que prevê o cumprimento da pena em regime integralmente fechado pa-
ra os crimes hediondos e a eles equiparados, não é inconstitucional, pois a própria
Constituição Federal deferiu ao legislador ordinário regulamentar a matéria‘ (HC
76.617-9-SP, rel. Min Carlos Velloso). Ressalvando, porém, respeitosamente, mi-
nha opinião pessoal sobre a total incompatibilidade do dispositivo da Lei
8.072/90 com o princípio da individualização da pena previsto no inciso XLVI da
Constituição Federal, e com o sistema progressivo estabelecido pelo art. 33 do
Código Penal, penso que o regime integral fechado não pode prevalecer. A Cons-
tituição Federal assegura, no seu art. 5º, inciso XLVI, que a lei regulará a indivi-
dualização da pena. Individualizar a reprovação penal é ajustá-la, considerando o
conceito de suficiência e necessidade, em termos de quantidade e qualidade, à
pessoa do condenado, de acordo com a sua culpa. Se o regime penitenciário é ú-
nico e inflexível, não há individualização e o conseqüente cumprimento do pre-
ceito constitucional. O Código Penal estabeleceu no seu art. 33, § 2º, uma pro-
gramação para a execução das penas privativas de liberdade, regulando a transfe-

112
Cf. TJSP – 11º Câm. Crim. – MS 945072-30 – rel. Silveira Lima 0 j.24.05.2006 – RT 853/574
113
Cf. TJSP - 6º Gr. – Ver. 004500983.3/4 – rel. Vico Mañas – j. 20.09.2006 – RT 856/567
114
Cf. TJSP – 1º Câm. Crim. – Ac 446.779-3/8 – rel. Márcio Bártoli – j.15.08.2005 – RT 843/567
52

rência do condenado de regime a cada tempo, objetivando, assim, atingir a finali-


dade de retribuição e prevenção especial da sanção. O sistema integralmente fe-
chado representa um excesso desproporcional de prisão, em relação ao fato prati-
cado, e não serve para cumprir esse objetivo, conforme escreveu Manoel Pedro
Pimentel, ao tempo da reforma da Parte Geral de 1984: ‗Demorou algum tempo
para se perceber que a prisão não pode cumprir satisfatoriamente todas estas tare-
fas, não, pelo menos, simultaneamente. O sistema instituído para fazer funcionar
a prisão fechada é o próprio instrumento da negação dessa possibilidade de trans-
formá-la em estabelecimento penal adequado para atingir-se todas as finalidades
para o cumprimento da pena‘(O drama da pena de prisão, Reforma penal, Saraiva,
p.54). Em recente publicação, Miguel Reale Jr. Afirma que a prisão revelou-se to-
talmente imprópria para preparar o apenado para retornar ao mundo livre: ‗É que
o cárcere não reproduz em tamanho pequeno a vida em sociedade, mas configura
um mundo próprio, levando, inexoravelmente, ao esgarçamento da personalidade.
Ao ser submetido o encarcerado ao processo de prisonização, há um código de
conduta ditado não pela Administração Penitenciária, mas sim pelo poder real da
cadeia, exercido pelos líderes deste universo isolado, composto por pessoas es-
tigmatizadas em face dos ‗homens bons‘ que vivem em liberdade, dificilmente
sua personalidade se manterá íntegra, dificilmente sua individualidade, condição
de saúde mental, será resguardada. O mundo real da cadeia deixará, inevitavel-
mente, suas danosas marcas. A prisão vem a constituir uma estrutura social diver-
sa da existente na sociedade livre. Tem, portanto, regras próprias, códigos de hon-
ra específicos do meio carcerário, formas de assunção de poder real caracteristi-
camente suas, construindo-se uma subcultura carcerária, como anotam Muñoz
Conde e Garcia Áran, que facilita o surgimento de ‗máfias carcerárias‘, em tudo
se contrapondo a qualquer processo de acomodação às normas prevalentes na vi-
da social. Ademais, sofre com o choque de prisonização, destacado por Augusto
Thompson, que se dá na sua entrada naquele mundo‘(Instituições de Direito Pe-
nal, Parte Geral, II, 2003, p.6/7). Sobre a necessidade de observação da progres-
são do regime prisional, deve ser transcrita a declaração de voto vencido do Min.
Marco Aurélio no julgamento do habeas corpus acima citado, destacando que ob-
servar a evolução do regime prisional representa atender aos princípios da huma-
nização da pena e da recuperação do condenado, e não à idéia errônea de atenua-
ção ou concessão de benefício indevido: ‗A progressividade do regime está umbi-
licalmente ligada à própria pena, no que, acenando ao condenado com dias me-
lhores, incentiva-o à correção de rumo, e, portanto, a empreender um comporta-
mento penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura inserção no meio
social. O que se pode esperar de alguém que, antecipadamente, sabe da irrelevân-
cia dos próprios atos e reações durante o período no qual ficará longe do meio so-
cial e familiar e da vida normal a que tem direito um ser humano; que ingressa em
uma penitenciária com a tarja da despersonalização? Sob este enfoque, digo que a
principal razão de ser da progressividade no cumprimento da pena não é só a mi-
nimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao que inicialmente
sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a liberdade. Está,
isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da sociedade, que, dia
menos dia, receberá de volta aquele que inobservou a norma penal, e, com isto,
deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. A ela não interessa
receber de volta um cidadão que enclausurou, embrutecido, muito embora o que
53

tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de recuperá-lo,
objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo vem demons-
trando, a não mais poder, ser uma utopia‘ (Revista dos Tribunais,v.759/539).115

Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90


―Não é inconstitucional a vedação legal da progressão em casos de crimes hedi-
ondos ou equiparados. Sobre ser evidente que o princípio da individualização da
pena (que se refere à natureza e quantidade e não à forma de execução dela) não
obsta maior ou menor rigor legislativo para tal ou qual infração, segundo o supe-
rior entendimento do legislador ordinário, cumpre ressaltar que o art. 5º, XLIII, da
CF, às expressas, relegou à lei ordinária a tarefa de dispensar maior severidade no
tratamento aos autores de crimes hediondos, ou a estes equiparados. Embora seja
norma de caráter geral aquela que prevê a viabilidade da progressão no regime
prisional, a norma especial, tendo em conta a natureza mais grave de alguns deli-
tos, assim como a maior perniciosidade de seus agentes, pode, certamente, desti-
nar a estes um tratamento mais severo, negando-lhes alguns benefícios ou benes-
ses, em princípio destinados aos autores de crimes menos graves ou que não re-
clamam mais onerosa contraprestação. Como sempre pode, aliás, e sem causar
qualquer escândalo, cominar penas maiores ou menores para crimes mais ou me-
nos graves. Essa, aliás, é a razão do entendimento firmado pelo STF, entendimen-
to que, hoje, já se acreditava insusceptível de afrontas ou contra-argumentações,
tal a freqüência de reiteração com que acabou proclamado nos tribunais‖. 116

―A vedação legal de progressão de regime prisional aos crimes considerados he-


diondos ou a eles equiparados não ofende o princípio constitucional da individua-
lização da pena, uma vez que o art. 5º, XLIII, da CF relegou, expressamente, ao
legislador ordinário a tarefa de dispensar maior severidade no tratamento aos au-
tores de delitos com a pecha da hediondez. 117‖

Esta oscilação da jurisprudência paulista, com franca maioria concluindo pela constitu-
cionalidade da proibição de progressão de regime, refletiu-se no próprio sistema penitenciário,
como não poderia deixar de ser. De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenci-
ária de São Paulo, analisados pelo ILANUD 118, desde 1984 o Estado de São Paulo tem visto uma
tendência de evolução em suas taxas de encarcerados por 100 mil habitantes. São Paulo possuía
em 2003, 59% da população prisional do país, segundo dados do DEPEN. O Judiciário paulista é
descrito na pesquisa do ILANUD como tendo historicamente aplicado penas mais severas não
somente aos condenados por crimes hediondos, como também aos por roubo. Aos condenados

115
Cf. TJSP – 1º Câm. Crim. – AP 437.309-3/3 – rel. Márcio Bártoli – j. 09.05.2005.
116
Cf. TJSP – RA 207.965-3/3 – rel. Canguçu de Almeida – j.12.12.1996. In: FRANCO, Alberto Silva. Crimes
hediondos. 6.ed. São Paulo : RT, 2007. pp.605. p.216.
117
Cf. TJSP – AP –rel. Oliveira Passos – j. 21.02.2001 – RT 790/589
118
Cf. ILANUD, 2005, passim.
54

por este crime, tem sido imposto o regime fechado ao invés do semi-aberto em São Paulo, de a-
cordo com a pesquisa.

Este cenário é decorrente da ideologia punitiva do Judiciário paulista, cujas reiteradas de-
cisões prestigiam o inconstitucional § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Trata-se, evidentemente, de
uma excrescência jurídica o argumento repetidas vezes lançado de que ―o art. 5º, XLIII, da CF
relegou, expressamente, ao legislador ordinário a tarefa de dispensar maior severidade no trata-
mento aos autores de delitos com a pecha da hediondez‖. Na verdade, como depois o próprio E-
grégio Tribunal de Justiça de São Paulo veio a perceber, aquele dispositivo da Lei 8.072/90 feria
sobremaneira o princípio da individualização da pena e teve sua inconstitucionalidade declarada
pelo STF no HC 82959-7.

De se destacar ainda que a análise dos acórdãos do Egrégio Tribunal paulista revela que,
mesmo após a declaração de inconstitucionalidade feita pelo STF àquele dispositivo da Lei
8.072/90, o TJSP ainda manteve certo posicionamento contrário à concessão de progressão de
regime aos condenados por hediondos e assemelhados, sob o argumento de que a decisão do Pre-
tório Excelso tivera efeito inter partes apenas. Talvez este seja um dos motivos pelos quais a po-
pulação prisional do Estado de São Paulo represente mais da metade da população prisional bra-
sileira.

5.1.2 Superior Tribunal de Justiça

A oscilação jurisprudencial também pôde ser surpreendida junto ao Superior Tribunal de


Justiça, corte em que também ganhou posicionamento majoritário a plena constitucionalidade do
dispositivo da lei hedionda que vedava a progressão de regime. Os acórdãos citados abaixo ilus-
tram o posicionamento do Tribunal superior, começando pela reformulação do entendimento da
Corte, após o julgamento do HC 82.959 pelo Supremo Tribunal Federal:

―No julgamento do HC 82.959, o Excelso Pretório declarou a inconstitucionali-


dade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90; tal orientação, em que pese tomada em caso
concreto e desprovida de efeito erga omnes, passou a ser adotada por ambas a
Turmas do STF, bem como pelas duas Turmas Criminais deste STJ, sempre à u-
nanimidade‖119

119
Cf. STJ – 6º T. – HC 51.249 – rel. Helio Quaglia Barbosa – J. 25.04.2006
55

Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90

Crime hediondo. Regime fechado. Impossibilidade


“Penal. Recurso especial. Art.12 da Lei 6.368/1976. Crime equiparado a hedion-
do. Regime integralmente fechado. Lei n. 8.072/90
I – A Lei n. 8.072/1990, em seu art. 2º, § 1º, não é inconstitucional. (Plenário do
Pretório Excelso).
II – Os crimes hediondos e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura,
estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no
art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, sendo, portanto, vedada a progressão do regime
prisional de cumprimento de pena. (Precedentes).
III – A Lei n.9.455/1997, que admitiu a progressão do regime prisional para os
crimes de tortura, não afetou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, que continua a re-
gular o regime prisional dos demais crime hediondos. (Precedentes do STJ e Sú-
120
mula 698/STF). Recurso provido. ‖

―A questão posta em destaque envolve tema relevante, seja o regime prisional de


cumprimento de pena nas condenações pela prática de crimes hediondos, na for-
ma inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Em sucessivos julgamentos proferi-
dos no âmbito desta Turma, sempre afastei a tese de inconstitucionalidade do
mencionado dispositivo da Lei 8.072/90, acentuando que, embora tal preceito te-
nha se afastado da orientação estabelecida pelo Código Penal, bem como da sis-
temática da Lei de Execuções, que prevê a execução da pena privativa de liberda-
de em forma progressiva, com a transferência de um regime rigoroso para outro
mais brando, não se lhe podia proclamar como afrontosa à Constituição. É que a
Carta Magna conferiu ao legislador ordinário competência para dispor sobre a in-
dividualização da pena, sem indicar nortes, nem estabelecer princípios ou restri-
ções. Por mais que se critique o citado dispositivo legal, não se lhe pode apontar
qualquer vício de inconstitucionalidade, já que se trata de norma da mesma hie-
rarquia do Código Penal e da Lei das Execuções Penais. De modo contrário, situ-
a-se o questionado preceito na linha filosófica da própria Carta Magna, que, em
seu art. 5º, XLIII, vedou a concessão de fiança, graça e anistia aos agentes de
crimes hediondos, como tráfico de entorpecentes e drogas afins. Todavia, não se
pode negar o absurdo do conteúdo da mencionada regra, que conflita com a regra
básica do sistema, seja, o art. 59, do Código Penal. Segundo o mencionado cânon,
o juiz, no exercício de individualização da pena, após aferir um leque de circuns-
tâncias de natureza subjetiva – culpabilidade, antecedentes, conduta social e per-
sonalidade do agente – e de natureza objetiva – motivos, circunstâncias e conse-
qüências do crime -, fixará aquela aplicável dentre as cominadas, em quantidade
que for necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. E, após essa
operação, definirá o regime inicial de cumprimento da pena. Este o ciclo comple-
to de individualização da pena, o qual não deve ser excessiva, nem demasiada-
mente branda, mas justa, adequada e idônea, em qualidade e quantidade suficien-
tes para reprimir a prática do delito e promover a tutela da sociedade. E a relevân-
cia da definição do regime prisional decorre do sentido e da função da pena, que
não deve ser concebida como instrumento de castigo, conforme as velhas teorias

120
Cf. STJ – Resp 770.931/MG - 5º T. – rel. Min. Felix Fischer – DJU 1 19.12.2005.In: MARCÃO, Renato. Livra-
mento condicional em crimes hediondos e assemelhados após a declaração de inconstitucionalidade do regime inte-
gral fechado. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, n.37, p.20-31, abr./mai. 2006. p.30.
56

do malum propter malum, mas como visualizada nos tempos modernos, quando
se prima pelo realce da sua função de recuperação moral e social do réu. Já pre-
conizava Roberto Lira na alvorada do Código Penal, em 1942, que ‗individualizar
uma pena e adaptá-la à espiritualidade do réu e a educação deste deveria ser, não
já mera questão de administração penitenciária, mas a intervenção na vida do réu,
desde o momento do delito até a extinção da pena, com unicidade de critério edu-
cativo consciente da espiritualidade‘ (Comentários ao Código Penal, vol.2, p.34,
Forense, Rio, 1942). E, em outra passagem, arremata o nobre penalista pátrio: ‗Só
depois de reabilitado o réu e reincorporado à vida do trabalho, a obra do juiz se
consumaria‘(op.cit., p.35). Com vistas a essa reabilitação, o Código Penal prevê,
no art. 33, as espécies de regime prisional – fechado, semi-aberto e aberto -, e do
cumprimento da pena, a exame criminológico para a individualização da execu-
ção, bem como a forma de ocupação laboral nos diversos regimes. Todo esse pre-
cioso sistema foi renegado pelo questionado preceito, inserido numa lei desprovi-
da de qualidade técnico-científica, produto de um momento de exploração emo-
cional conseqüente de atos isolados de interesse da mídia, sem o crivo daqueles
que laboram na área do Direito. 121‖

―Os condenados pela prática de crime hediondo devem cumprir a pena integral-
mente em regime fechado, ante a expressa norma do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90,
considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal122‖

Crime hediondo. Regime fechado. Progressão. Impossibilidade


―Penal. Habeas corpus. Art. 157, § 3º, in fine, c/c art.14, II, do Código Penal.
Crime hediondo. Progressão de regime.
I – Latrocínio, em qualquer de suas formas, consumado ou tentado, é crime hedi-
ondo, devendo, na execução da pena privativa de liberdade, incidir a regra do art.
2º, § 1º, da Lei 8.072/90.
II – A Lei 8.072/1990, em seu art. 2º, § 1º, não é inconstitucional. (Plenário do
Pretório Excelso).
III- Os crimes hediondos e os a eles assemelhados, excetuando-se os de tortura,
estão sujeitos, em sede de execução da pena privativa de liberdade, ao disposto no
art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, sendo, portanto, vedada a progressão do regime pri-
sional de cumprimento de pena (Precedentes).
IV – A Lei nº 9.455/1997, que admitiu a progressão de regime prisional para os
crimes de tortura, não afetou o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, que continua a regu-
lar o regime prisional dos demais crimes hediondos. (Precedentes STJ e Súmula
698/STF).
Ordem denegada.‖ 123

O que se pôde verificar, ao proceder-se a uma análise dos acórdãos do STJ foi que a 5º T.
e a 6º T. deste Tribunal mantinham firme posicionamento a favor da constitucionalidade da proi-
bição de progressão de regime. Não raro, um dos argumentos utilizados para justificar a ‗consti-

121
Cf. STJ - 6º T. – HC 11.931 – voto: Vicente Leal – j. 29.03.2000. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.217.
122
Cf. STJ - 6º T. – Respe.363.811 – re. Hélio Quaglia Barbosa – j. 25.08.2004 – DJU 13.09.2004, p.298
123
Cf. STJ – HC 44.253/SP – 5º T. – rel. Min. Felix Fischer – DJU 1 13.03.2006. In: Marcão, Renato. Livramento
condicional em crimes hediondos e assemelhados após a declaração de inconstitucionalidade do regime integral fe-
chado. Revista IOB Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, n.37, p.20-31, abr./mai. 2006. P28-29.
57

tucionalidade‘ do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, era a existência de precedentes no Pretório Ex-


celso. Nada ou pouco se falava sobre o modo como este dispositivo feria o princípio da individu-
alização da pena. Outro argumento comum utilizado nos acórdãos do STJ era o de que a Lei
9.455/97 não derrogara este dispositivo da Lei 8.072/90 quanto à proibição de progressão de re-
gime, muito embora o crime de tortura seja o mais grave dentre todos os hediondos e assemelha-
dos. Por conseqüência lógica, o disposto pela Lei 9.455/97, qual seja, a concessão da possibilida-
de de progressão de regime aos que praticassem crime de tortura, deveria ser válido também para
os demais crimes hediondos e assemelhados124. Mas não foi este o entendimento do STJ, uma vez
que já havia jurisprudência sumulada – Súmula 698 STF, revogada com a edição da Lei
11.464/07- no STF, afirmando não se estender ―aos demais crimes hediondos a admissibilidade
de progressão de regime na execução da pena aplicada ao crime de tortura‖.

Por fim, após o julgamento do HC 82 959-7 ter declarado a inconstitucionalidade da proi-


bição de progressão de regime na Lei 8.072/90, as aludidas Turmas do STJ começaram a consi-
derar o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 inconstitucional também, no mesmo mimetismo irrefletido.

5.1.3 Supremo Tribunal Federal


A (in)evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal até a edição da Súmula 698
foi marcadamente pela supressão dos direitos fundamentais do cidadão, contaminada a Suprema
Corte pela idéia expansionista e punitiva do direito penal. A análise dos diversos julgados da Cor-
te indica que, muito embora esta Súmula tenha sido prejudicada pela Lei 11.464/07, sua edição
em 24.09.2003 foi um sinalizador da tendência das decisões jurisprudenciais no Supremo Tribu-
nal Federal de considerar constitucional a proibição de progressão de regime nos crimes hedion-
dos e assemelhado. Nesse sentido, resta claro o magistério de Chiarloni, citado por Mariângela
Gomes, segundo o qual ―a cristalização dos entendimentos judiciais através de uma automática
imitação dos precedentes que vêm do passado, e a recusa em acolher o novo que se afirma na so-

124
Cf. TELES, Ney Moura. A lei No.9.455/97 revogou o art. 2 da Lei dos crimes hediondos. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, n.20, p.119-127, out./dez.1997. Neste artigo, Teles faz uma análise precisa sobre a incoerência
de não se considerar que a Lei 9.455/97, que lida com o mais grave dos crimes tipificados no art. 5, XLIII, da CF,
qual seja, o de Tortura, não tenha derrogado a Lei dos Crimes Hediondos.
58

ciedade, podem ser fonte não mais de aumento, mas de diminuição de credibilidade e autorida-
de‖125.

Dessa forma, pode-se dividir as decisões do Supremo quanto à progressão de regime na


Lei 8.072/90 em duas fases: a primeira, de 1990 até o julgamento do HC 82.959-7 em
23.02.2006, favorável à constitucionalidade do referido dispositivo. E a segunda, após o julga-
mento do HC 82.959-7, favorável à inconstitucionalidade do referido dispositivo.

Sabe-se que a edição de súmulas busca uniformizar a jurisprudência e tornar as decisões


judiciais mais previsíveis, garantindo a segurança jurídica dos cidadãos. Dessa forma, evitar-se-ia
―casuísmos e disparidade de tratamento desprovidos de fundamento jurídico, de acordo com o
mais genuíno sentido do princípio da legalidade‖ 126. Contudo, a presente súmula, ao pacificar na
mais alta corte do país a proibição de progressão de regime aos condenados por crimes hedion-
dos, não contribuiu para que valesse o princípio da individualização da pena disposto na Consti-
tuição Federal. Este fato acabou criando um paradoxo, qual seja, o STF, responsável por ser o
guardião da Constituição, estava a editar súmula contrária ao disposto na mesma. A Súmula 698,
como acima se aludiu, foi revogada pela Lei 11.464/07, que permitiu a progressão de regime na
Lei dos Crimes Hediondos.

Progressão do regime: inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 –


HC 82959-7

―Na 2º Turma, tive oportunidade de relatar caso igual e, na ocasião, examinei e


decidi alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2 º, da Lei 8.072, de 1990,
que teria, segundo se dizia, violado o preceito constitucional que determina que o
juiz que faça a individualização da pena (HC 69.377 – MG). Minha resposta foi
negativa. Entendi que o dispositivo não estaria a infringir a Constituição, sob tal
aspecto. Tenho meditado a respeito do tema. Creio, tal como afirmou o Sr. Minis-
tro Francisco Rezek, que a denominada lei dos crimes hediondos, no ponto, pres-
tou desserviço ao Direito Penitenciário, porque ela retira a esperança dos presos,
dos sentenciados, e um preso sem esperança acaba se revoltando, já que não terá
sentido, para ele, o bom comportamento.Não sei se essas últimas rebeliões, ocor-
ridas nos presídios, têm sido influenciadas por esse dispositivo que estamos a e-
xaminar. Entretanto, repito, não vejo inconstitucionalidade no dispositivo legal
objeto de argüição. Reporto-me, repito, ao voto que proferi, na Turma, no HC
69.377 – MG, em que examinei a questão. Destaco do aludido voto: ‗(...) Susten-

125
Chiarloni apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.126.
126
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.124
59

ta, ainda, o impetrante, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90


(Lei dos Crimes Hediondos), que determina o cumprimento de pena em regime
fechado. Também, nesta parte, não tem razão o impetrante, pois o dispositivo im-
pugnado é compatível com os incisos XLVIII e XLVI do art. 5º da Constituição
Federal. Dispõem as normas constitucionais: ‗XLIII – a lei considerará crimes i-
nafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilíci-
to de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hedi-
ondos, pro eles respondendo os mandantes, os executores e os que, poden-
do,evitá-los, se omitirem; XLVI – a lei regulará a individualização da pena e ado-
tará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de
bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direi-
tos‘. A Lei 8.072/90, ao estabelecer a obrigatoriedade do regime fechado, em na-
da prejudica a individualização da pena, procedida de acordo com as regras do
art.59 do Código Penal. Se o juiz fixou a pena atendendo à culpabilidade, aos an-
tecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circuns-
tâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, não se
pode negar que individualizou a pena. O fato de não ter podido, livremente, fixar
o regime inicial, por força de lei, não caracteriza inconstitucionalidade. A Lei
8.072/90 estabeleceu, apenas, exceção à regra do § 2º do art. 33 do Código Pe-
nal127‘‖

Progressão do regime: inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90


(antes do julgamento do HC 82.959-7)

Entendo que a Lei 8.072/90 com contraria o princípio constitucional da individua-


lização da pena, no que se refere a progressão de regime de cumprimento. E, no
caso, com a vinda à baila da lei que definiu os crimes de tortura, houve a derroga-
ção dessa lei, no particular, já que se tem um grande sistema. Eis as razões que
tenho sustentado: ‗Pena. Regime. Descumprimento. Da inconstitucionalidade do
§ 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, de 25 de julho de 1990. Esta matéria conduziu-me
a afetar, na forma prevista no art. 22 do Regimento Interno, o presente caso a este
Plenário. É que tenho como relevante a argüição de conflito do § 1º do art. 2º, da
Lei 8.072/90 com a Constituição Federal, considerando quer o princípio isonômi-
co em sua latitude maior, quer o da individualização da pena, previsto no inciso
XLVI do art. 5º da Carta, quer, até mesmo, o princípio implícito segundo o qual o
legislador ordinário deve atuar tendo como escopo maior o bem comum, sendo
indissociável da noção deste último a observância da dignidade da pessoa huma-
na, que é solapada pelo afastamento, por completo, de contexto revelador de espe-
rança, ainda que mínima, de passar-se ao cumprimento da pena em regime menos
rigoroso. Preceitua o parágrafo em exame que nos crimes hediondos definidos no
art. 1º da citada Lei, ou seja, nos de latrocínio, extorsão qualificada pela morte,
extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao
pudor, epidemias com resultado morte, envenenamento de água potável ou de
substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, genocídio, tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e, ainda, terrorismo, a pena será
cumprida integralmente em regime fechado. No particular, contrariando-se con-
sagrada sistemática alusiva à execução da pena, assentou-se a impertinência das
regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, distinguindo-se en-

127
STF – HC 82959-7 – voto: Carlos Veloso – j.23.02.2006 – DJU 01.09.2006
60

tre cidadãos não a partir das condições sócio-psicológicas que lhes são próprias,
mas de episódio criminoso no qual, por isto ou por aquilo, acabaram por se en-
volver. Em atividade legislativa cuja formalização não exigiu mais do que uma li-
nha, teve-se o condenado a um dos citados crimes como senhor de periculosidade
ímpar, a merecer ele, o afastamento da humanização da pena que o regime de
progressão viabiliza, e a sociedade, o retorno abrupto daquele que segregara, já
então com as cicatrizes inerentes ao abandono de suas características pessoais e à
vida continuada em ambiente criado para atender a situação das mais anormais e
que, por isso mesmo, não oferece quadro harmônico com a almejada ressocializa-
ção. Tenho o regime de cumprimento da pena como algo que, no campo da exe-
cução, racionaliza-a, evitando a famigerada idéia do ‗mal pelo mal causado‘ e que
sabidamente é contrária aos objetivos do próprio contrato social. A progressivida-
de do regime está umbilicalmente ligada à própria pena, no que acenando ao con-
denado com dias melhores, incentiva-o à correção de rumo, e, portanto, a empre-
ender um comportamento penitenciário voltado à ordem, ao mérito e a uma futura
inserção no meio social. O que se pode esperar de alguém que, antecipadamente,
sabe da irrelevância dos próprios atos e reações durante o período n o qual ficará
longe do meio social e familiar e da vida normal a que tem direito um ser huma-
no; que ingressa em uma penitenciária com a tarja da despersonalização? Sob este
enfoque, digo que a principal razão de ser da progressividade no cumprimento da
pena não é si a minimização desta, ou o benefício indevido, porque contrário ao
que inicialmente sentenciado, daquele que acabou perdendo o bem maior que é a
liberdade. Está, isto sim, no interesse da preservação do ambiente social, da soci-
edade, que, dia menos dia, receberá de volta aquele que inobservou a norma penal
e, com isto, deu margem à movimentação do aparelho punitivo do Estado. A ela
não interessa receber de volta um cidadão que enclausurou, embrutecido, muito
embora o que tenha mandado para detrás das grades com o fito, dentre outros, de
recuperá-lo, objetivando uma vida comum em seu próprio meio, o que o tempo
vem demonstrando, a não mais poder, ser uma utopia. Por sinal, a Lei 8.072/90
ganha, no particular, contornos contraditórios. A um só tempo dispões sobre o
cumprimento da pena no regime fechado, afastando a progressividade, e viabiliza
o livramento condicional, ou seja, o retorno do condenado à vida gregária antes
mesmo do integral cumprimento da pena e sem que tenha progredido no regime.
É que, pelo art. 5º da Lei 8.072/90, foi introduzido no art. 83 do Código Penal
preceito assegurando aos condenados por crimes hediondos, pela prática de tortu-
ra ou terrorismo e pelo tráfico ilícito de entorpecentes, a possibilidade de alcança-
rem a liberdade condicional, desde que não sejam reincidentes específicos em
crimes de tal natureza – inciso V. Pois bem, a Lei em comento impede a evolução
no cumprimento da pena e prevê, em flagrante descompasso, benefício maior, que
é o livramento condicional. Descabe a passagem do regime fechado para o semi-
aberto, continuando o incurso nas sanções legais a cumprir a pena no primeiro.
No entanto, assiste-lhe o direito de ver examinada a possibilidade de voltar à so-
ciedade, tão logo transcorrido quantitativo superior a dois terços da pena. Con-
forme salientado pela melhor doutrina, a Lei 8.072/90 contém preceitos que fa-
zem pressupor a observância de uma coerente política criminal, mas a edição sob
o clima de emoção, como se no aumento da pena e no rigor do regime estivessem
os únicos meios de afastar-se o elevado índice de criminalidade. Por ela, os en-
quadráveis nos tipos aludidos são merecedores de tratamento diferenciado daque-
le disciplinado no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, ficando sujeitos
não às regras relativas aos cidadãos em geral, mas a especiais, despontando a que,
fulminando o regime de progressão da pena, amesquinha a garantia constitucional
61

da individualização. Diz-se que a pena é individualizada porque o Estado-Juiz, ao


fixá-la, será compelido, por norma cogente, a observar circunstâncias judiciais, ou
seja, os fatos objetivos e subjetivos que se fizeram presentes à época do procedi-
mento criminalmente condenável. Ela o é não em relação ao crime considerado
abstratamente, ou seja, ao tipo definido e lei, mas por força das circunstâncias
reinantes à época da prática. Daí cogitar o art. 59 do Código Penal que o juiz, a-
tentando à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias do crime, bem como ao comportamento da
vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e pre-
venção do crime, não só as penas aplicadas dentre as cominadas (inciso I), como
também o quantitativo (inciso II), o regime inicial de cumprimento da pena priva-
tiva de liberdade – inicial, e, portanto, provisório, já que passível de modificação
até mesmo para dotar-se o regime mais rigoroso (inciso III) – e a substituição da
pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. Dizer-
se que o regime de cumprimento da pena não está compreendido no grande todo
que é a individualização preconizada e garantida constitucionalmente é olvidar o
instituto, relegando a plano secundário a justificativa socialmente aceitável que o
recomendou ao legislador de 1984. É fechar os olhos ao preceito que o junge a
condições pessoais do próprio réu, dentre as quais exsurgem o grau da culpabili-
dade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, alfim, os próprios fatores
subjetivos que desaguaram na prática delituosa. Em duas passagens, o Código
Penal vincula a fixação do regime às circunstâncias judiciais previstas no art. 59.
Todavia, ao que tudo indica, teve-se presente, quando da edição da Lei 8.072/90,
que faltaria aos integrantes do aparelho judiciário, aos juízes, aos tribunais, o zelo
indispensável à definição do regime e sua progressividade, e aí alijou-se do crivo
mais abalizado que pode haver a definição respectiva. Assentar-se, a esta altura,
que a definição do regime e modificações posteriores não estão compreendidas na
individualização da pena é passo demasiadamente largo, implicando restringir ga-
rantia constitucional em detrimento de todo um sistema, e, o que é pior, a trans-
gressão a princípios tão caros em um Estado Democrático como são os da igual-
dade de todos perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do
Estado sempre voltada ao bem comum. A permanência do condenado em regime
fechado em todo o cumprimento da pena não interessa a quem quer que seja, mui-
to menos à sociedade, que um dia, mediante o livramento condicional, ou, o mais
provável, o esgotamento dos anos de clausura, terá necessariamente que recebê-lo
de volta, não para que este torne a delinqüir, mas para atuar como um partícipe do
contrato social, observados os valores mais elevados que o respaldam. Por último,
há que se considerar que a própria Constituição Federal contempla as restrições a
serem impostas àqueles que se mostrem incursos em dispositivos da Lei 8.072/90,
e dentre eles não é dado encontrar a relativa à progressividade do regime de cum-
primento de pena. O inciso XLIII do rol das garantias constitucionais – art. 5º -
afasta, tão somente, a fiança, a graça e a anistia, para, em inciso posterior (XLVI),
assegurar, de forma abrangente, sem excepcionar esta ou aquela prática delituosa,
a individualização da pena. Como, então, entender que o legislador ordinário o
possa fazer? Seria a mesma coisa que estender aos chamados crimes hediondos, e
assim enquadrados pela citada lei, e imprescritibilidade que o legislador constitu-
cional somente colocou às ações relativas a atos de grupos armados, civis ou mili-
tares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inciso XLIV). Inda-
ga-se: é dado ao legislador comum fazê-lo? A resposta somente pode ser negati-
va, a menos que se coloque em plano secundário a circunstância de a previsão
constitucional estar contida no elenco das garantias constitucionais, conduzindo,
62

por isso mesmo, à ilação no sentido de que, a contrario sensu, as demais ações fi-
cam sujeitas à regra geral da prescrição. Destarte, tenho como inconstitucional o
preceito do § 1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, no que dispõe que a pena imposta pela
prática de qualquer dos crimes nela mencionados será cumprida, integralmente,
em regime fechado128‖.

Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90


(HC 82.959-7)

―No que se refere à possibilidade de progressão, rememoro que o instituto da in-


dividualização da pena foi constitucionalizado com a Constituição de 1946 no ser
art. 141, §29. A redação foi a seguinte: A lei regulará a individualização da pena.
Essa mesma redação foi repetida nas Cartas subseqüentes (Constituição Federal
de 1969, art.153, §23; Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLVI). O constituin-
te deixou ao legislador ordinário a regulação e a disciplina do instituto. Surgiram,
então, as Leis 7.209/84 e 7.210/84. A primeira alterou a Parte Geral do Código
Penal e cuidou da individualização da pena; a segunda tratou da individualização
da execução penal. É importante ressaltar, porém, que, antes dessa normatização,
a individualização da pena sempre foi observada. Isso porque o Código Penal
sempre dispôs de normas que equacionavam a operação de correspondência entre
a responsabilidade do agente e a punição. O legislador ordinário discriminou as
sanções cabíveis, fixou as espécies delituosas, formulou o preceito sancionador
das normas incriminadoras, ligando a cada um dos fatos típicos uma pena que va-
ria de um mínimo a um máximo claramente determinados. Estabeleceu circuns-
tâncias qualificadoras, atenuantes e agravantes e instituiu os preceitos que regu-
lam o aumento e a diminuição das penas. Ao juiz, portanto, dentro de tais limita-
dores, cabe a tarefa meticulosa de graduar a pena em face do contato com o cri-
minoso e do imediato conhecimento de sua personalidade, incluindo a perquirição
de sua maior ou menor periculosidade. O arcabouço da individualização da pena é
constituído por um complexo de normas e conta com as atuações legislativa e ju-
dicial, culminando com a sentença condenatória, resultado da ponderação que o
juiz faz dos elementos subjetivos e objetivos do crime em relação a cada réu. O
juiz transforma em coação concreta o preceito sancionador abstrato da norma pe-
nal. Surge, então, o título executivo penal, que, como se viu, levou em considera-
ção as circunstâncias personalíssimas do acusado. A individualização, porém, não
se esgota no título executivo penal. Ela prossegue na fase executória, visto que a
pena será cumprida em estabelecimentos penais distintos de acordo coma nature-
za do delito, a idade e o sexo do apenado. É o que dispõe a Constituição, no seu
art.5, inciso XLVIII. Ao longo da execução, serão também observados procedi-
mentos disciplinares previstos em legislação específica. E, aqui, novamente, a in-
dividualização do apenado determinará o curso da execução. É difícil, portanto,
admitir, dentro desse grande complexo de normas que constituem o arcabouço do
instituto da individualização da pena e de sua execução, que a restrição na aplica-
ção de uma única dessas normas, por opção de política criminal, possa afetar todo
o instituto. E mais, que possa essa restrição representar afronta à norma constitu-
cional que instituiu a individualização da pena, ou seja, imaginar que o todo fica-
ria contaminado porque uma determinada parcela foi objeto de restrição. Por isso,

128
Cf. STF - 2º T. – HC 80.947-7 – voto vencido: Marco Aurélio – j. 21.11.2000 In: FRANCO, Alberto Silva.
Op.cit. p.223.
63

com a devida vênia, não considero eivada de inconstitucionalidade a norma que


restringiu a aplicação da regra da progressividade no regime prisional. O legisla-
dor ordinário que instituiu essa progressividade, em 1984, com o advento da Lei
de Execução Penal (art. 112), poderia até mesmo desconstituí-la. E, se pode o le-
gislador desconstituí-la, pode, também, restringi-la, negando a sua aplicação aos
crimes hediondos. Nada mais faz o legislador do que seguir a trilha do constituin-
te, que discriminou determinados delitos, privando seus autores de alguns delitos
penais. É o caso, no art. 5º, da Constituição Federal, dos incisos XLII, XLIII e
XLIV, que tratam dos delitos de racismo, tortura, tráfico, terrorismo e grupos ar-
mados. O instituto da individualização da pena não fica comprometido apenas
porque o legislador não permitiu ao juiz uma dada opção. A escolha do juiz em
matéria de pena está submetida ao princípio da legalidade. Há crimes punidos a-
penas com privação de liberdade. Não pode o juiz substituir essa pena de privação
de liberdade por restritiva de direitos ou prestação pecuniária. Essa limitação, no
entanto, não compromete a individualização da pena. Bem a propósito, diz o tópi-
co da ementa do HC 69.603, lavrada pelo Ministro Paulo Brossard: à lei ordiná-
ria, disse Sua Excelência, ‗compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julga-
dor poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador
ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitu-
cional, que, nos crimes hediondos, o cumprimento da pena será em regime fecha-
do, significa que ele não quis deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qual-
quer discricionaridade ao juiz na fixação do regime prisional‘. Muitas crítica fo-
ram feitas à Lei 8.072/90. Até mesmo com relação ao nome da lei. Mas como
lembrou o Ministro Francisco Rezek n HC 69.657, também sobre o mesmo tema:
‗Não somos uma Casa Legislativa. Não temos a autoridade que tem o legislador
para estabelecer a melhor disciplina. Nosso foro é corretivo e só podemos extirpar
do trabalho do legislador ordinário – bem ou mal avisado, primoroso ou desastra-
do – aquilo que não pode coexistir com a Constituição. Permaneço fiel à tese do
Ministro Luís Gallotti: ‗A inconstitucionalidade não se presume, a inconstitucio-
nalidade há de representar uma afronta manifesta do texto ordinário ao texto mai-
or‘ Deixo de acolher as ponderações do Ministro Gilmar Mendes, que, com seu
brilo invulgar de scholar, ainda assim não me consegue fazer aderir à sua propo-
sição de uma declaração de inconstitucionalidade modulada, de sorte a apenas a-
branger as hipóteses futuras (purê prospectivity), ou seja, as sentenças ainda não
proferidas, com ressalva dos casos já decididos. Se adotarmos tal solução, não
poderemos aplicá-la ao paciente deste habeas corpus. Mas essa proposição nos
cria um problema insolúvel. Tudo porque, em controle difuso, como é o caso pre-
sente, ou a declaração de inconstitucionalidade serve à solução da controvérsia ou
ela nem se pode colocar. No controle difuso, não se produz interpretação consti-
tucional, a menos que ela seja útil ao caso. Não se define o status de constitucio-
nalidade de uma regra jurídica, senão quando ela esteja sendo aplicada ao caso
concreto E, se não for para se aplicada no caso presente, a declaração de inconsti-
tucionalidade não tem substrato válido, já que esta não é hipótese de controle abs-
trato. A alternativa, portanto, seria fazer valer para a hipótese presente, a nova in-
terpretação limited prospectivity. Essa proposta, porém, não supera outro obstácu-
lo lógico. Se as sentenças já publicadas ficam resguardadas da nova interpretação,
pelo bom motivo de que os juízes que as proferiram não poderiam prever que a
jurisprudência assente na Casa – e tantos anos após a promulgação da nova Cons-
tituição – se fosse reverter dessa sorte, como executar dessa salvaguarda a senten-
ça condenatória do caso presente? O juiz que a prolatou, tanto quanto o TJSP, en-
contravam-se na mesma situação fática de insciência ou imprevisibilidade de to-
64

dos os seus demais colegas. As propostas de solução inspiradas no direito ameri-


cano não encontram aplicação. Nem é preciso lembrar que lá o controle de consti-
tucionalidade só se faz por via difusa, enquanto entre nós vigora sistema muito
mais complexo, que concilia as formas difusa e concentrada de controle. Para que
a inconstitucionalidade da norma pudesse ser reconhecida com efeitos limitados,
seria necessário que a Corte a analisasse em ação direta. Por isso, entendo que de-
clarar a inconstitucionalidade, com temperamento, desse artigo para aplicar a in-
terpretação inovadora a este caso concreto seria exercício de voluntarismo que
nada nos autoriza fazer. Sirvo-me de citação que fez o Ministro Gilmar Mendes
do prof. Rui Medeiros, parq quem ‗a delimitação da eficácia da decisão de in-
constitucionalidade não é fruto de mero ‗decisionismo‘ do órgão de controle‘ (A
decisão de inconstitucionalidade, p.746-747). A Corte estaria se avocando um ar-
bítrio excessivo ao ‗selecionar‘ quais réus serão beneficiados retroativamente por
seu novo entendimento. Por isso, com vênias ao Ministro Gilmar Mendes, não me
parece aplicável aqui a doutrina da limitação de efeitos da declaração de inconsti-
tucionalidade. Mantenho, por isso, quanto ao tema da progressão do regime, o en-
tendimento tradicional desta Corte e rejeito a alegação de inconstitucionalidade
do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90.129‖

Progressão do regime: constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90

―A norma legal em questão (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90) ajusta-se a quanto pres-
creve o ordenamento constitucional, que porque os únicos limites materiais que
restringem essa atuação do legislador ordinário não foram respeitados (CF, art. 5º,
XLVII) – não se trata de pena de morte, de pena perpétua, de pena de trabalhos
forçados, de pena de banimento ou de pena cruel -, quer porque o conteúdo da re-
gra mencionada revela-se adequada à filosofia de maior severidade consagrada,
em temas de delitos hediondos, pelo constituinte brasileiro (CF, art. 5º, XLIII). A
progressividade do processo de execução das penas privativas de liberdade, de
outro lado, não se erige à condição de postulado constitucional, pelo legislador
ordinário, não ofende o princípio da individualização penal. A opção feita pelo
legislador ordinário, consubstanciada no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, fundamen-
ta-se em critérios cuja razoabilidade e legitimidade são inquestionáveis. A ratio
subjacente à definição legislativa ora questionada encontra apoio em fatores que
não se revelam conflitantes com o nosso sistema de direito constitucional positi-
vo.‖130.

―O princípio constitucional da individualização das penas, que é de aplicabilidade


restrita, concerne, exclusivamente, à ação legislativa do Congresso Nacional, em
conseqüência, constitui o seu único destinatário. O princípio em causa não se di-
rige a outros órgãos do Estado, pois, no caso, o legislador – a quem se dirige a
normatividade emergente do comando constitucional em questão -, atuando no
plano normativo, e no regular exercício de sua competência legislativa, fixou em
abstrato, a partir de um juízo discricionário que lhe pertence com exclusividade, e
em função da maior gravidade objetiva dos ilícitos referidos, a sanção penal que
lhes é imponível. A par dessa individualização in abstracto, o legislador – ainda

129
STF – HC 82959-7 – voto: Ellen Gracie – j. 23.02.2006 – DJU 01.09.2006
130
Cf. STF-HC70.939-rel. Celso de Mello – j.04.02.1994 – RTJ 177/1.242. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit.
p.216
65

com apoio em sua competência constitucional – definiu, sem qualquer ofensa a


princípios ou valores consagrados pela Carta Política, o regime de execução per-
tinente às sanções impostas pela prática dos delitos referidos. A fixação do quan-
tum penal e a estipulação dos limites, essencialmente variáveis, que oscilam entre
um mínimo e um máximo, decorrem de uma opção legitimamente exercida pelo
Congresso Nacional. A norma legal em questão, no ponto em que foi impugnada,
ajusta-se a quanto prescreve o ordenamento constitucional, porque os únicos limi-
tes materiais que restringem essa atuação do legislador ordinário não foram des-
respeitados (CF, art. 5º, XLIII). A progressividade no processo de execução das
penas privativas de liberdade, de outro lado, não se erige à condição de postulado
constitucional. A sua eventual inobservância, pelo legislador ordinário, consubs-
tanciada no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, fundamenta-se em critérios cuja razoabi-
lidade e legitimidade são inquestionáveis. A ratio subjacente à definição legislati-
va ora questionada encontra apoio em fatores que não se revelam conflitantes
com o nosso sistema de direito constitucional positivo. Não conheço individuali-
zação in abstracto. A mim me parece que a individualização in abstracto é con-
tradictio in terminis. Individualização da pena, enquanto as palavras puderem ex-
primir idéias, é a operação que tem em vista o agente e as circunstâncias do fato
concreto e não a natureza do delito em tese. Estou convencido também que esva-
zia e torna ilusório o imperativo constitucional da individualização da pena a in-
terpretação que lhe reduza o alcance ao momento da aplicação judicial da pena, e
o pretende, de todo, impertinente ao da execução dela. De nada vale individuali-
zar a pena no momento da aplicação, se a execução, em razão da natureza do cri-
me, fará que penas idênticas, segundo os critérios da individualização, signifi-
quem coisas absolutamente diversas quanto à sua efetiva execução. E não ilide
essa minha convicção o inc. XLVIII, do art. 5º, que diz respeito ao estabelecimen-
to penitenciário em que se cumprirá a privação da liberdade, e não às formas al-
ternativas do aprisionamento propiciadas pelo regime legal de progressão das pe-
nas.131‖

―Ainda conforme o entendimento do Pleno, inalterado até a presente data, o regi-


me integralmente fechado, previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 é constitucio-
nal.132‖.

―Nos crime hediondos a pena deve ser cumprida em regime integralmente fecha-
do. O Plenário deste Tribunal decidiu que não há inconstitucionalidade no § 1º do
art. 2º da Lei 8.072/90. Precedentes do STF.133‖

Depreende-se da análise dos acórdãos supracitados que um dos argumentos utilizado pe-
los Ministros do Pleno, no que se refere à constitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, o
da inquestionável ―razoabilidade e legitimidade‖ da vedação da progressão de regime aos conde-
nados por crimes hediondos. Isto, antes do julgamento do HC 82 959-7. Como se viu, outro ar-

131
Cf. STF – HC –rel. Paulo Brossard – RJDTACrim 21/428. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.215.
132
Cf. STF - 1º T. – HC 84.600-0 – rel. Joaquim Barbosa – j.20.10.1998 – DJU 20.08.2004, p.50. In: FRANCO,
Alberto Silva. Op.cit. p.218
133
Cf. STF - 2ºT. – HC 77.747-3 – rel. Nelson Jobim – j. 20.10.1998 – DJU 17.11.2000, p.10. In: FRANCO,
Alberto Silva. Op.cit. p.218
66

gumento era o de que o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90 não estava a infringir o princípio da indivi-
dualização da pena, argumento repetido em vários julgados, firmando, desse modo, jurisprudên-
cia na Suprema Corte, o que acabou por influenciar de modo indelével outros tribunais em todo o
país. Dada esta influência, ainda que alguns tribunais brasileiros considerassem que §1º do art. 2º
da Lei 8.072/90 infringia claramente o princípio da individualização da pena, e que o Direito Pe-
nal do Terror não iria contribuir para reduzir os índices de violência e criminalidade no país, não
raro acabavam se ―despersonalizando‖, tornando-se voto vencido, a fim de se ajustar à jurispru-
dência dominante e seguir o direcionamento que a mais alta corte do país estava dando para ques-
tão tão sensível e complexa.

5.2. Alteração legislativa: Lei n. 11.464/2007

A Lei 11.464, de 28 de março de 2007, alterou os §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei 8.072/90, ao


pôr fim não somente ao regime integralmente fechado de cumprimento de pena, como também ao
alterar os prazos para progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelha-
dos, que necessitam, com esta alteração legislativa, cumprir 2/5 da pena, em caso de o apenado
ser primário, e de 3/5, em caso de reincidente, para progredir do regime fechado para o semi-
aberto.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, no HC 82 959-7 de 23.02.2006, em sede de con-


trole de constitucionalidade difuso, teve efeito inter partes. Desse modo, surgiu a controvérsia em
alguns tribunais inferiores quanto a se deveriam ou não acatar a decisão de inconstitucionalidade
de progressão de regime, uma vez que aquela decisão do Pretório Excelso não tivera efeito erga
omnes. Alguns tribunais seguiram o direcionamento do STF; outros não; estes, utilizando a seu
favor não somente o argumento do efeito inter partes da decisão do STF, como também o de que
o Senado Federal não suspendera a execução do §1º do art. 2º, da Lei 8.072/90, declarado incons-
titucional em decisão definitiva do STF, conforme dispõe o art.52 da Constituição. A preocupa-
ção desses tribunais era de evitar que criminosos comuns e os de crimes hediondos e assemelha-
dos passassem a receber igual tratamento, por força do art.112 da Lei de Execução Penal, ou seja,
que a eles fosse permitido, indistintamente, progredir do regime mais severo para o mais brando
após cumprir 1/6 (um sexto) da pena. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, no voto condu-
tor da Ministra Laurita Vaz, julgou que
67

―Com a publicação da Lei 11.464/07, restou, de vez, afastado do ordenamento ju-


rídico, pelo legislador ordinário, o regime integralmente fechado antes imposto
aos condenados pro crimes hediondos, assegurando-lhes a progressividade do re-
gime prisional de cumprimento de pena‖.134

Desse modo, a Lei 11.464/07, decorrente do julgamento do HC 82.959-7, significou a um


só tempo a revogação dos referidos dispositivos da lei dos crimes hediondos e da Súmula 698 do
STF, com profundas implicações para a preservação do princípio da individualização da pena, da
legalidade, da proporcionalidade da humanidade e da exclusiva proteção dos bens jurídicos dis-
postos constitucionalmente, bem como para se definir o alcance da novel legislação.

Mariângela Gomes, citando Perez Luño, ensina que

―a liberdade de ação do ser humano e a conseqüente possibilidade de calcular os


efeitos de seus atos são incompatíveis com as normas que estendam sua validade
a condutas anteriores à sua promulgação.(...) A garantia de imparcialidade da lei,
por meio de previsões desvinculadas de casos concretos (abstração) e dirigidas a
todas as pessoas que vierem a praticar as condutas objeto da regulação (generali-
dade), somente pode ser cumprida se as normas atuarem para o futuro, pois se se
voltarem para o passado invadem situações e comportamentos suscetíveis de i-
dentificação, fazendo com que a lei deixe de ser abstrata e geral‖ 135.

Este viria a ser o debate a ser travado, após a edição da Lei 11.464/07, a fim de definir se
o referido diploma legal se constituía em Lex mitior, retroagindo em benefício do réu condenado
pela prática de crimes hediondos, ou se Lex gravior, não podendo, portanto, retroagir a fim de
beneficiá-lo, assunto a ser discutido no próximo capítulo.

134
STJ – Pet.4.422 – rel. Laurita Vaz – j.10.05.2007
135
Perez Luño apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.125.
68

6. LEI PENAL NO TEMPO E SUA APLICAÇÃO RETROATIVA

6.1 Retroatividade da lex mitior: Lei 11.464/2007

Segundo Alberto Silva Franco, surgiram duas correntes a respeito da retroatividade da Lei
11.464/07. A primeira afirmava ser o novo diploma legal mais favorável ao acusado, já que antes
da decisão com efeito inter partes de inconstitucionalidade da progressão de regime pelo STF,
vigia a proibição de progressão de regime. Como o efeito de tal decisão não era erga omnes, ar-
gumentava esta corrente que a Lei 11.464/07 seria mais favorável ao condenado, já que permitia
a progressão de regime, e, portanto, deveria retroagir a fim de favorecê-lo.

―Não obstante a declaração ter sido incidenter tantum, a decisão influenciou as


demais Cortes do país, inclusive este Egrégio Tribunal. A forma como foi recebi-
da a aplicada a decisão do Supremo Tribunal Federal acabou por não diferir, em
termos de resultado orientador da jurisprudência, daquele dito controle concen-
trado de constitucionalidade das leis. Esse entendimento acabou referendado pela
recente Lei 11.464/2007, publicada em 29 de março do corrente ano, a qual esta-
belece o regime inicialmente fechado para crimes hediondos, prazo diferenciado
para a progressão do regime (2/5 para condenados primários e 3/5 para condena-
dos reincidentes) e possibilidade de liberdade provisória. Insta salientar que inter-
pretar é revelar o verdadeiro sentido do texto, buscar a exata vontade da lei, que
não é necessariamente a do legislador, ou seja, é atividade que consiste em extrair
da norma seu exato alcance e real significado. Portanto, com o advento da Lei
11.464/20087, as dúvidas quanto ao cumprimento quedam-se sanadas, eis que a
dicção legal é explícita ao determinar que a pena por crime hediondo será cum-
prida inicialmente em regime fechado, com a supressão do termo ‗integralmente‘.
Ademais, frise-se que o §2º do art. 2º, do Código Penal, corroborado pelo art. 5º,
XL, da CF, dispõe que a lei nova mais benéfica – novatio legis in mellius - deve
ser aplicada para fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado. Assim, o princípio da retroatividade da Lex mitior constitui
exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal, aplicável ainda em caso de
coisa julgada. Nesse sentido, impende colacionar o presente aresto decisório, de
lavra do STF: ‗A lei nova benéfica pode ser aplicada tanto imediatamente, por ser
desdobramento dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5º, §1º), como re-
troativamente, a ponto de alcançar fatos anteriores, desde que se mostre favorável
ao agente (CF, art. 5º, LV)‘ (JSTF 227/381)‖136.

136
TJPR - 5º Câm. Crim. – RA 372.312 – rel. Eduardo Fagundes – j. 31.05.2007. In:FRANCO, Alberto
Silva. Op.cit. p.281.
69

Segundo Franco, portanto, a lei melhor retroagirá para beneficiar o agente, devendo-se
preferir a orientação jurisprudencial que sufraga a tese que melhor se ajusta ao favor rei137 e não
acolher a retroatividade in pejus, vedada pelo sistema penal e constitucional brasileiro.

6.2 Irretroatividade da lex gravior: Lei 11.464/2007

De acordo com a segunda corrente, até 28 de março de 2007, o tempo necessário para um
condenado por crime hediondo ou assemelhado obter a progressão de regime era de 1/6 de cum-
primento da pena, uma vez que a decisão do STF teria tido, para esta corrente, efeito erga omnes,
com base no art.27 da Lei 9.868/99138. Desse modo, como a Lei 11.464/07 dispunha que para
progredir de regime seria necessário o cumprimento de 2/5 da pena, em caso de primário, e 3/5,
em caso de reincidente, este novo dispositivo era mais gravoso ao réu, e, portanto, não deveria
retroagir. Alberto Silva Franco, Amilton Bueno de Carvalho, Rafael Rodrigues da Silva Pinheiro
Neto, Paullo Henrique Aranda Fuller, Luiz Flávio Gomes, João José Leal e Rodrigo José Leal,
Marcius Alexandros Antunes de Almeida, Amury Silva e Nereu José Giacomolli seriam, de a-
cordo com Franco 139, adeptos desse posicionamento.

―No caso em comento, a decisão agravada é anterior a esses novos regramentos,


vez que a progressão de regime foi autorizada com base no parâmetro de cum-
primento de 1/6 da pena. Assim, segundo a regra da irretroatividade da lei mais
severa, a determinação aplicada ao tempo do decisum deve permanecer hígida.
Sobre o tema, já decidiu o STF: ‗Se a lei nova entra em vigor no decorrer do pro-
cesso, agravando a pena de quem praticara conduta delituosa descrita no anterior
diploma legal, inexiste abolitio criminis, mas novatio legis in pejus, conflito de
leis penais no tempo, que se resolve pela aplicação da lei mais benéfica, vigente
ao tempo dos fatos, em obediência ao princípio tempus regit actum’. (EJSTJ
30/272). No mesmo sentido o escólio de Damásio de Jesus: ‗Entre estes dois limi-
tes – entrada em vigor e cessação de sua vigência situa-se a sua eficácia. Não al-
cança, assim, os fatos ocorridos antes ou depois dos dois limites extremos: não re-
troage nem tem ultra-atividade. É o princípio tempus regit actum’ (Direito Penal,
16. Ed., São Paulo, Saraiva, 1992, v.1, p.60) Portanto, não é mais possível vedar a

137
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 29.ed. São Paulo : Malheiros, 2007.
926p.Segundo José Afonso da Silva, ―o favor rei (...) prescreve a não ultratividade da lei penal, isto é, a
aplicação da lei posterior àquela vigente no momento da comissão do crime quando essa tolha o caráter delituoso
do fato, ou contenha dispositivos mais favoráveis ao réu(...)‖. Ainda segundo o renomado doutrinador, o favor rei
seria o princípio que completaria o da legalidade, segundo o qual nullum crimen nulla poena sine lege. p.429.
138
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica
ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros,
restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de
outro momento que venha a ser fixado.
139
FRANCO, Alberto Silva. Op.cit. p.279.
70

possibilidade de progressão de regime prisional ao ora agravado, sem olvidar que


preenchidos, no caso, os requisitos objetivo e subjetivo, vez que o réu já cumpriu
mais de um sexto da pena em regime fechado e possui bom comportamento, satis-
fazendo as condições legais para a progressão de regime. 140‖
―A novel Lei 11.464/07, ao aumentar o lapso temporal exigido para a progressão
de regime, é em relação aos fatos referentes a crimes hediondos e assemelhados
cometidos antes dela, gravosa (Lex gravior).141‖
―Embora já esteja em vigor o dispositivo legal que determina o regime inicial-
mente fechado para o cumprimento da pena dos condenados por crimes hedion-
dos e equiparados (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei
11.464/07), ele não se aplica à hipótese dos autos, uma vez que se trata de lex
gravior, incidindo, portanto, somente aos casos ocorridos após sua vigência. 142‖

Com efeito, a lei melhor retroagirá no que beneficiar o acusado e não poderá ser aplicada
naquilo em que agravar a situação. O argumento fundamental, a nosso aviso, é que a aplicação da
lei posterior mais gravosa ofende de maneira manifesta o direito penal do fato e da culpa. Do fato
porque não estava vigente ainda ao tempo da ação ou omissão delituosa e da culpabilidade por-
que o agente não poderia ter sido adequadamente motivado pela norma, inexistente ao tempo da
infração criminal.

6.3 Retroatividade da jurisprudência mais favorável

No caso da Lei dos Crimes Hediondos, o julgamento do HC 82.959-7 significou uma mu-
dança de posicionamento jurisprudencial por parte do STF, uma vez que a Suprema Corte havia
considerado até então o dispositivo que proibia a progressão de regime constitucional, e após o
julgamento do HC 82.959-7, passou a considerá-lo inconstitucional.

Segundo os ensinamentos de David Teixeira de Azevedo, a lei inconstitucional que afir-


me os direitos de cidadania e restrinja o direito de intervenção estatal tem plenos efeitos. Já não
assim a lei inconstitucional in genere,

―Se a lei inconstitucional é dotada de vigência, e, portanto, de executoriedade, no


campo penal ela gera pleno e definitivos efeitos in bonam partem. É lei no sentido
formal e material, apenas que, por defeito intrínseco, não se ajusta à ordem nor-
mativa do Estado, por seus dispositivos estão a violar e conflitar com outros hie-

140
TJPR - 5º Câm. Crim. – RA 372.312 – rel. Eduardo Fagundes – j. 31.05.2007. In: FRANCO, Alberto Silva.
Op.cit.p.281
141
TJMG - 5º Câm. Crim. – RA 1.0000.07.453126-0/001 – REL. Hélcio Valentim – j. 05.06.2007 – DO
16.06.2007. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit.p.282
142
STJ - 5º T. – HC 73.066 – rel, Felix Fischer – j.10.04.2007. In: FRANCO, Alberto Silva. Op.cit.p.282
71

rarquicamente superiores, ou a se pôr em colisão com princípios constitucio-


nais‖143.

O caso do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, é de manifesto conflito, desde sua gênese, com
preceitos constitucionais. A jurisprudência formada e sumulada no STF até o julgamento do HC
82.959-7 era de afirmação da validade plena de norma manifestamente inconstitucional, mais res-
tritiva à liberdade dos apenados por hediondos e assemelhados, os quais viam frustradas suas ex-
pectativas de, em tendo bom comportamento, poder progredir de um regime mais severo para um
mais brando. A questão central, no caso, foi a omissão da corte constitucional brasileira de velar
pela unidade do sistema jurídico à luz dos valores e preceitos constitucionais. Cabia ao Supremo,
tarefa cumprida tardiamente, reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo por intermédio de
decisão de caráter geral, com caráter retroativo in mellius.

Como assinala Mariângela Gomes, citando Sanguiné, ―cabe à jurisprudência um impor-


tante papel na definição do conteúdo do direito, (...) [e] é inegável que, quando os entendimentos
são pacíficos, estes se aproximam muito a um mandado de caráter geral‖ 144. Nesse sentido, aque-
la jurisprudência, que culminou com a edição da revogada Súmula 698, conferiu um ―mandado
de caráter geral‖ a decisões consistente e persistentemente equivocadas com relação à proibição
da progressão de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, uma vez que fe-
riam o princípio da legalidade, de humanidade e da individualização da pena.

Mariângela Gomes, remetendo-se a Sanguiné, defende a tese de que ―(...) a desconsidera-


ção acerca da exigência de irretroatividade das variações jurisprudenciais desfavoráveis ao réu
merece ser revisada nos dias de hoje(...)‖145. Para ela, ―uma vez que a lei e sua interpretação pos-
suem um vínculo necessário de complementação, a realidade jurídica do princípio da legalidade
somente será entendida quando, para um determinado tipo penal, vigore a mesma interpretação
que lhe era dada à época do cometimento do fato‖146. O que se pretende, dessa forma, é impor
limitações às ―esferas de poder e de atuação do Estado‖, fazendo com que a carga aflitiva do di-

143
AZEVEDO, David Teixeira de. Direito penal no tempo. São Paulo, s.d
144
Sanguiné apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.168.
145
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.175

146
Sanguiné apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.176
72

reito penal não seja expandida, mas reduzida. Gomes considera que para se chegar a um meio
termo entre atualização jurisprudencial e o estabelecimento da confiança do cidadão no ordena-
mento jurídico existe

“o prospective overrruling,[que se] constitui [em] uma técnica utilizada nos or-
denamentos da Common Law que permite ao juiz aplicar o precedente em um ca-
so, mas já alertando que os casos futuros serão decididos de outra maneira. Esse
expediente algumas vezes usado pelos tribunais é caracterizado por, ao mesmo
tempo, assegurar a aplicação do direito do mesmo modo como o era no momento
da prática delituosa, sem com isso deixar de permitir que a jurisprudência evolua
de acordo com as novas valorações. Assim, no momento em que o caso está sen-
do julgado, na hipótese de os magistrados entenderem que o precedente precisa
ser modificado, a modificação será feita; de acordo com as garantias dos princípio
da legalidade, no entanto, o novo entendimento, desfavorável ao réu se compara-
do àquele existente no momento da infração, não será aplicado a ele, mas somente
aos acusados que praticarem a infração a partir da nova orientação jurisprudenci-
al. Com isso, a corte avisa sobre a iminente mudança de critério jurídico, evitando
o trauma da quebra da segurança jurídica no caso em julgamento. 147‖

Esta seria uma forma de se conferir à jurisprudência desfavorável ao réu tratamento seme-
lhante ao conferido pelo princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais severa. A-
pós o julgamento deste HC, no entanto, sedimentou-se a visão no Pretório Excelso de que o dis-
positivo supracitado da Lei 8.072/90 era inconstitucional. Em decorrência desse leading case foi
editada em 2007 a Lei 11.464, a partir da qual tornou-se lei permitir a progressão de regime, bem
como sedimentou-se jurisprudência no sentido de salvaguardar os princípios da legalidade, da
humanidade e da individualização da pena aos condenados por crimes hediondos e assemelhados.
Esta mudança jurisprudencial mais favorável aos apenados poderia retroagir a fim de beneficiar o
réu, havendo mesmo, sob a ótica de um Estado Democrático de Direito a necessidade de mudan-
ça legislativa. Todavia, a existência da lei traz plena segurança jurídica..

Por fim, Gomes pondera se, ―contudo, (...) também de forma análoga às alterações legis-
lativas, a mudança na jurisprudência poderia ensejar revisão em decisões transitadas em julga-
do‖148. Questão que fica em aberto para futura discussão.

147
Schmidt apud GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.180
148
GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. op.cit. p.185
73

7. CONCLUSÕES

7.1 A legislação é editada segundo as exigências de instante de segmentos majoritários e


socialmente bem posicionados da sociedade, os empreendedores morais, ou moral entrepreneurs.
Os empreendedores morais são os responsáveis por pressionar as agências de criminalização pri-
mária (Congresso Nacional, Executivo) no sentido de sancionar leis mais severas que recairão
sobre indivíduos selecionados pelas instâncias de criminalização secundária (Polícias, Judiciário,
Ministério Público, etc.). A Lei 8.072/90, em geral, e o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, em especi-
al, que proibiu a progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos e seus
assemelhados, são exemplos de como os empresários morais influenciam as agências de crimina-
lização primária no sentido de editar leis severas que atendam aos seus interesses de exercer mai-
or controle sobre os sujeitos da criminalização secundária.

7.2 A aplicabilidade de norma inconstitucional recebe tratamento equívoco e ambíguo dos


tribunais, não obstante sua clara e luminosa inconstitucionalidade. Isto pode ser percebido, após
ter sido feita uma análise da jurisprudência do STF, STJ e TJSP, acerca da proibição de progres-
são de regime aos condenados por crimes hediondos e assemelhados. Notou-se que, antes do jul-
gamento do HC 82.959-7, que decretou a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90,
os tribunais ora pendiam pela concessão de progressão de regime, ora para a negativa em conce-
dê-la, questão resolvida somente com o advento da Lei 11.484/2007. Esta lei revogou o §1º do
art. 2º da Lei 8.072/90, e criou os §§1º e 2º do art. 2º do mesmo diploma legal, acenando com a
possibilidade de progressão de regime aos condenados por delitos hediondos, bem como estipu-
lando prazo de 2/5 para obtê-lo, em caso de réu primário, e 3/5, em caso de reincidente.

7.3 A declaração da inconstitucionalidade pode ser feita tanto no plano jurisdicional pelos
instrumentos de controle de inconstitucionalidade (controle difuso ou concentrado), com aplica-
bilidade imediata, quanto na esfera legislativa, por meio de uma alteração legislativa, como a Lei
11.464/2007. No julgamento do HC 82.959-7, a correção da inconstitucionalidade do §1º do art.
2º da Lei 8.072/90 se deu com o controle concentrado, cujos efeitos são tradicionalmente inter
partes. Este foi, inclusive, um dos motivos alegados por alguns tribunais para não acatar esta de-
cisão do Pretório Excelso na hora de conceder a progressão de regime. A Lei 11.464/2007 resol-
veu este problema, uma vez que revogou o §1º do art. 2º e criou os §§1º e 2º do art. 2º na Lei dos
74

Crimes Hediondos, conferindo, de um lado, a possibilidade de progressão de regime, e, de outro,


novos prazos para que esta concessão se concretizasse.

7.4 O trabalho jurisprudencial leva a uma reforma legislativa, pelo que a jurisprudência
vem a constituir-se em meio de reforma da legislação penal. O fato de até o julgamento do HC
82.959-7 e o advento da Lei 11.464/2007, a jurisprudência ter oscilado bastante no que se refere à
inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, não esconde o fato de que esta oposição
jurisprudencial contribuiu para se consolidar a idéia nos tribunais de que o direito à progressão de
regime é garantia fundamental do indivíduo.

7.5 Tanto a lei mais favorável quanto a jurisprudência mais favorável têm aplicação retro-
ativa in melius, já que a lei somente retroagirá para favorecer o réu. Tanto a lei quanto o entendi-
mento jurisprudencial podem mudar com o decorrer do tempo. Se ocorre uma reforma jurispru-
dencial, como ocorreu com o HC 82.959-7, a jurisprudência mais favorável ao réu deverá retroa-
gir a fim de beneficiá-lo. Do mesmo modo, se ocorre uma alteração legislativa, como na Lei
11.464/2007, a lei mais benéfica ao condenado deverá retroagir a fim de beneficiá-lo.
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