Este documento discute como a responsabilização do aluno pelos problemas dentro da sala de aula está inserida no processo de "psicologização" da pedagogia, no qual a psicologia se tornou a principal fonte de conhecimento sobre o ambiente escolar. A pesquisa analisa a história das relações entre psicologia e pedagogia no Brasil desde a época colonial, quando já havia interesse em questões psicológicas, até a definição das duas ciências como autônomas no século XIX.
Este documento discute como a responsabilização do aluno pelos problemas dentro da sala de aula está inserida no processo de "psicologização" da pedagogia, no qual a psicologia se tornou a principal fonte de conhecimento sobre o ambiente escolar. A pesquisa analisa a história das relações entre psicologia e pedagogia no Brasil desde a época colonial, quando já havia interesse em questões psicológicas, até a definição das duas ciências como autônomas no século XIX.
Este documento discute como a responsabilização do aluno pelos problemas dentro da sala de aula está inserida no processo de "psicologização" da pedagogia, no qual a psicologia se tornou a principal fonte de conhecimento sobre o ambiente escolar. A pesquisa analisa a história das relações entre psicologia e pedagogia no Brasil desde a época colonial, quando já havia interesse em questões psicológicas, até a definição das duas ciências como autônomas no século XIX.
Universidade Federal de Gois UFG Comunicao Educao, trabalho e movimentos sociais
Este trabalho discute como a responsabilizao do aluno pelos problemas cognitivos e relacionais dentro de sala de aula est inserida no mbito de um processo de Psicologizao da Pedagogia, que elegeu a cincia psicolgica como a fonte maior de conhecimentos sobre o ambiente escolar, devido ao carter cientificamente confivel dado s diretrizes de como lidar com a dinmica de ensino e aprendizagem. Esta postura surge em um contexto histrico que definiu a Psicologia e a Pedagogia como cincias autnomas, sob o modelo positivista, e que delineou uma relao de ntima dependncia entre estes dois campos do saber. Este estudo consistiu numa pesquisa bibliogrfica por meio de referncias especficas das reas de Psicologia e Pedagogia. Mesmo no sendo um tema novo, compreender a relao entre Psicologia e Pedagogia um dos caminhos possveis para o entendimento das questes educacionais atuais e de suas perspectivas.
DELIMITANDO ESPAOS: PSICOLOGIA E PEDAGOGIA Antes de se discutir a procedncia de um processo de psicologizao da Pedagogia, convm definir as fronteiras e o domnio terico de cada uma destas cincias para haver um parmetro razoavelmente objetivo sobre a extenso da mtua interferncia ocorrida. Segundo Figueiredo (2001), o aparecimento da Psicologia Cientfica teve como pr-condies durante o sculo XIX, o surgimento de uma subjetividade privatizada e, posteriormente, o sentimento de crise desta subjetividade. A experincia do homem como sujeito capaz de decises, sentimentos e emoes privadas s se desenvolve, se aprofunda e se difunde num determinado contexto: a transio da sociedade medieval para a sociedade moderna, o renascimento. A substituio do teocentrismo pelo antropocentrismo ocorreu porque chegara o momento em que o homem se deparou com o imperativo de escolher seus prprios caminhos e arcar com os efeitos de suas aes. A revoluo burguesa nomeou o indivduo como seu agente principal, sujeito racional e capaz de empreender atividades econmicas. Algum que no determinado pelo lugar que ocupa na sociedade ou pela funo que lhe foi imposta, mas algum que possui a possibilidade de se movimentar dentro do todo social graas a sua liberdade. A concepo de indivduo nasce com a modernidade por que nela que se organiza e institui-se um espao onde as relaes sociais e de produo econmica passam a dar maiores vantagens e garantias aos indivduos. Destruiu-se a sociedade como coisa sagrada e divina a qual tudo est subordinado, substitui-se o bem moral coletivo pelo privado que pressupe a salvaguarda de todas as possibilidades que representam os indivduos, tais como a criatividade, o trabalho, a propriedade, a riqueza, etc.
E assim consolida-se a figura do indivduo, um ser dotado de capacidades extraordinrias como a inteligncia, a razo e, sobretudo, a liberdade de escolher seu destino e por isto, senhor de si mesmo. Esta imagem, to acalentada at os dias atuais, comea a ser questionada no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, por pensadores como Kant, Darwin, Marx, Nietzsche. O homem moderno fez do paradigma racional outro grande mito, digno de reverncia e adorao, uma vez que foi depositada na razo, e por conseqncia na cincia 1, toda a possibilidade de conhecimento e domnio do que real. Descobrir que no fazemos tudo o que queremos, seja por contra poderes internos ao indivduo os impulsos inconscientes, por exemplo ou externos o sistema econmico de produo deflagrou o sentimento de crise da subjetividade privatizada. A sensao de desajustamento, desamparo e incompreenso que se estabelece na Idade Moderna foi a demanda necessria para que se desenvolvesse uma rea cientfica que cuidasse disso: a Psicologia cientfica, que nasce com a crise da subjetividade privatizada e se expande muito alm da clnica, chegando a se compartimentalizar em subreas como a Psicologia da personalidade, evolutiva, cognitiva, moral, da religio, da famlia, dinmica de grupos, social, do trabalho, psicodiagnstico, psicofisiologia, comparada, psicopatologia. Em que pese as dificuldades epistemolgicas do campo, foi preciso, para o desenvolvimento desta pesquisa, selecionar um conceito, ainda que generalista, para o papel da Psicologia cientfica. Davis define que o papel da Psicologia investigar as modificaes que ocorrem nos processos envolvidos na relao do indivduo com o mundo (cognitivos, emocionais, afetivos, etc.), analisando os seus mecanismos bsicos (1994, p. 17) Nesta perspectiva, o campo da Psicologia se estende por toda a infinidade das relaes humanas, o que implica necessariamente uma investigao cientfica sobre objetos de estudo, que embora especficos, possuem um substrato comum com vrias cincias que tambm estudam o homem como Sociologia, Antropologia, Biologia, Geografia, Pedagogia, etc. Falando em Pedagogia, Libneo (2005) atribui-lhe o ocupar-se da educao intencional. Sabendo que a educao no se restringe ao espao escolar e acontece desde o incio do processo civilizatrio, plausvel dizer que a demanda por uma cincia da educao, ou a Pedagogia, foi se tornando evidente quanto mais a educao exercida se tornou intencional, orientada para alcanar um projeto de homem e sociedade, pois ... a essncia da educao consiste na modelagemdos indivduos pela norma da comunidade. Os gregos foram adquirindo gradualmente conscincia clara do significado deste processo mediante aquela imagem do Homem, e chegaram por fim, atravs de umesforo continuado, a uma fundamentao, mais segura e mais profunda que a de nenhumpovo da terra, do problema da educao. (JAEGER, 1994, p. 15) Isso aconteceu em todos os povos antigos, mas nenhum outro como a Grcia exerceu um papel to decisivo na constituio educacional do Ocidente. A histria da educao no Ocidente, iniciada com os gregos, segue uma longa trajetria cuja descrio aqui prescindvel, contudo afirmar que a Pedagogia tem sua origem no pensamento grego por ora o bastante.
1 Os termos cincia, razo e paradigma racional so a utilizados tendo por parmetro as Cincias Naturais, que por professarem a objetividade e a imparcialidade em seu mtodo, eram consideradas, no sculo XIX, o modelo cientfico por excelncia.
Ainda na busca de definies e conceitos, a Pedagogia, de forma resumida, a teoria e prtica da Educao (Libneo, 2006, p. 66). Considerando que a prtica da Educao algo complexo e multideterminado, a Pedagogia precisa de conhecimentos oriundos de outras reas, atualmente denominadas cincias da educao 2, entretanto a descrio, explicao, interpretao que as cincias com prolongamentos para a educao oferecem aos problemas/fenmenos educativos, no so suficientes para captar o real educativo (Pimenta, 2006, p. 49) uma vez que quando se analisa o fenmeno educativo sob os ngulos dessas cincias j constitudas, so seus objetos da teoria e da prtica que so detectados e no os da educao. (Pimenta, 2006, p. 45). Dentro desse entendimento, no se est postulando Pedagogia uma exclusividade no tratamento cientfico da educao. O fenmeno educativo requer, efetivamente, uma abordagempluridisciplinar. O que se defende aqui a peculiaridade da Pedagogia de responsabilizar-se pela reflexo problematizadora e unificadora dos problemas educativos, para almdos aportes parcializados das demais cincias da educao (LIBNEO, 2005, p. 54). Feita esta delimitao, pode-se perceber, portanto, que Psicologia e Pedagogia, tradicionalmente 3 percorrem caminhos inversos no que diz respeito ao relacionamento com outras cincias: a Psicologia estuda os campos tericos de outras reas, ou dizendo de outra forma, a Psicologia municia outras cincias com seu arsenal terico, ao passo que a Pedagogia utiliza os estudos cientficos de outros campos tericos, ou seja, importa as contribuies conceituais de outras cincias. exatamente nesta ida e vinda que Psicologia e Pedagogia se encontraram e estabeleceram uma relao cujas caractersticas foram se delineando ao longo do tempo. o que ser discutido a seguir.
PSICOLOGIA E PEDAGOGIA: PERCURSOS HISTRICOS Desde a poca da colnia, havia, no Brasil, um interesse difuso por muitas questes de ordem psicolgica, tais como o controle e a terapia do comportamento, a influncia das determinaes ambientais sobre a subjetividade, a necessidade de se estabelecer condies metodolgicas para garantir a objetividade do saber sobre o sujeito, o estudo dos papis sociais, entre outros. Apesar das dificuldades em encontrar fontes escritas sobre as pesquisas dessa poca, Massimi (1990) levantou as obras de diversos autores, nas quais podia-se ler sobre os conhecimentos psicolgicos dos ndios brasileiros, dentre os quais o papel da criana e da mulher na sociedade indgena e a relao entre pais e filhos; conhecimentos psicolgicos na cultura catlica do Brasil colonial, o que abrange os conceitos e mtodos psicopedaggicos dos jesutas tanto em relao aos ndios como sociedade civilizada e a doutrina e teraputica das emoes humanas em sermes e tratados da teologia moral, alm das idias iluministas e doutrinas mdicas do sculo XVIII como pressupostos para a constituio de uma cincia do homem. O sermo da Sexagsima, por exemplo, de Pe. Antnio Vieira repleto de trechos que apresentam algum tipo de conhecimento psicolgico mesclado doutrina
2 De acordo com Coelho e Silva apud Pimenta (2006), so a Biologia, Psicologia, Antropologia, Etnografia, Sociologia, Economia, Ecologia. 3 H que se considerar que a Psicologia tambm necessita das bases tericas e metodolgicas de outras cincias Biologia, Estatstica, Filosofia, Sociologia assimcomo a educao estudada por outras cincias que no a Pedagogia, entretanto, a prtica corrente evidencia o percurso oposto.
religiosa sendo que em alguns momentos o saber psicolgico desponta de forma mais evidente que a temtica religiosa. Para um homem se ver a si mesmo, so necessrias trs coisas: olhos, espelho, luz. Se temespelho e cego, no se pode ver por falta de olhos, se tem espelho e olhos, e de noite, no se pode ver por falta de luz. Logo, h mister luz, h mister espelho e h mister olhos. Que coisa a converso de uma alma seno entrar umhomem dentro emsi e ver-se a si mesmo? Para vista so necessrios olhos, necessria luz e necessrio espelho. O pregador concorre com o espelho, que a doutrina; Deus concorre coma luz, que a graa; o homemconcorre com os olhos, que o conhecimento (VIEIRA, 1999, p. 21). Considerando que era a Igreja Catlica quem determinava o paradigma que orientava a vida das pessoas, plausvel que os jesutas controlassem tanto a catequizao dos ndios, quanto a educao dos nobres e a moralizao do povo. Desde o incio da histria brasileira, os assuntos psicolgicos estiveram entrelaados catequese, teologia moral e pedagogia, entendida no como cincia e sim como profisso ou prtica de ensino. No sculo XIX, a tradio catlica no deixa de se fazer presente, contudo, a gerncia da vida civil passa cada vez mais a ser responsabilidade do Estado. Alm da Independncia do Brasil, houve grande impulso na criao de instituies de ensino superior e veculos de comunicao cientfica. Mesmo no existindo no incio do sculo XIX uma psicologia como cincia autnoma, os assuntos psicolgicos eram amplamente estudados e ensinados em escolas e faculdades. Massimi (1990) refere-se ao estudo institucionalizado dos assuntos psicolgicos como discursos psicolgicos. Os domnios de saber institucional em que tais assuntos se situaram, produziu uma diversidade de discursos psicolgicos, sobressaindo quatro tipos principais: psicologia filosfica, psicologia mdica, psicologia no mbito da teologia moral e psicologia pedaggica. A par de que estas reas foram partcipes no processo de autonomia da psicologia enquanto cincia, a psicologia pedaggica a que interessa particularmente a este estudo. No sculo XIX, uma gama de assuntos psicolgicos abordada na Pedagogia, sobremaneira aqueles ligados ao aluno, a suas potencialidades e seu aprendizado. A fim de constituir-se como cincia, a Pedagogia lana mo dos modelos e tcnicas das cincias naturais: o recurso psicologia experimental, enquanto conhecimento cientfico da dinmica intelectual e afetiva do ser humano, justifica-se a partir dessa exigncia e apia-se no modelo mais avanado dos Estados Unidos. (Massimi, 1990, p. 54) Dessa forma nasce uma relao em que Psicologia cabia o papel de produzir teoria sobre as leis do comportamento humano e Pedagogia o de ser o laboratrio em que era testada a validade da metodologia desenvolvida a partir de tais estudos. Por volta do fimdo sculo XIX, a configurao das relaes entre pedagogia e psicologia mudar com o surgimento da psicologia experimental e com a substituio dos ideais tradicionais que fundamentama pedagogia, por uma viso de educao como adaptao ao meio, o indivduo sendo considerado dependente da coletividade social. Nessa fase, a pedagogia ser totalmente subordinada psicologia (MASSIMI, 1990, p. 56). A relao entre Psicologia e Pedagogia reforada pela mentalidade positivista, to em voga no final do sculo XIX, a qual conclama a necessidade da Pedagogia se assentar em bases cientficas, de maneira que possibilite uma educao
capaz de determinar os rumos da vida individual e social, haja vista que o carter poltico da educao como mudana do processo histrico dos povos bastante valorizado nesta perspectiva. O primeiro passo dado pela Psicologia foi desprender-se da filosofia, em especial da metafsica e associar-se gradativamente Medicina e Pedagogia, j que os primeiros trabalhos de psicologia cientfica no Brasil no sculo XIX, devem-se aos mdicos e educadores. Isso porque a psicologia experimental, recm constituda, parece oferecer pedagogia o mtodo objetivo para o conhecimento do homem, e de seu processo evolutivo, substituindo-se ao mtodo emprico ou filosfico da tradio anterior. (Massimi, 1990, p. 70) A respeito da ideologizao da Pedagogia, Cambi (1999, p. 408) afirma que o compromisso educativo da burguesia no sculo XIX era o de perpetuar o prprio domnio tcnico e scio-poltico mediante a formao de figuras profissionais capazes e impregnadas de esprito burgus, de desejo de ordem e de esprito produtivo. Por esta razo, o movimento higienista 4 ganhou tanta visibilidade no Brasil oitocentista. Dessa forma, a relao entre psicologia e educao foi, no sculo XX, desenvolvida atendendo o curso do iderio liberal que se assentava no Brasil. Enquanto a psicologia se despregava da filosofia e se aliava medicina, seguindo uma lgica cada vez mais positivista-mecanicista a fim de ganhar o status de cientificidade, a pedagogia se transformava em lcus de estudos psicolgicos na percepo de que eles legitimariam as formulaes pedaggicas. Sob um olhar histrico, este movimento resultou no comprometimento implcito da Psicologia e da Pedagogia com um ideal de sujeito e de sociedade, ou ainda, um ideal de normalidade. Ser normal ser maduro, apto, produtivo, superior, adaptado, civilizado. E a busca e a manuteno da normalidade acena com a irresistvel promessa de felicidade interior e social eis um grande refinamento ideolgico burgus na modernidade. Assim, uma preocupao constante nos estudos psicolgicos e pedaggicos foi diagnosticar o imaturo, inapto, improdutivo, inferior, desadaptado, primitivo, anormal, para se no trat-los, ao menos evitar que eles prejudicassem os demais. Segundo Gebrim (2002) os anos iniciais do sculo XX no Brasil caracterizaram-se por um projeto liberal orientado para a difuso do ensino elementar e das reformas educacionais, tendo em vista que o sistema educacional brasileiro no supria as recentes necessidades criadas e por isso teria de acompanhar as transformaes polticas, econmicas e sociais. Na verdade, a poltica educacional governamental se movimentava mais de acordo comos seus interesses ideolgicos e menos com os pareceres de natureza tcnica, embora a presena de alguns educadores do movimento renovador contribusse para alimentar a idia de que as realizaes educacionais eramfrutos dos pareceres tcnicos (GEBRIM, 2002, p. 93). Em 1920 a renovao dos sistemas educativos era traduzida na sistematizao dos princpios da Escola Nova, movimento educacional europeu e norte- americano que j vigorava desde o sculo passado e que, referendada pelo fator
4 O Movimento Higienista ou Movimento Sanitarista chegou ao Brasil no final do sculo XIX e incio do sculo XX, mediante reapropriaes e reinterpretaes, como umnovo ideal cujo eixo era a preocupao com a sade da populao, coletiva e individual. Suas propostas residiamna defesa da sade e educao pblica e no ensino de novos hbitos higinicos, e teve como bandeira a idia de que umpovo educado e com sade seria a principal riqueza da nao.
psicobiolgico do interesse, reorientou as atividades educativas para a criana, seus desejos e necessidades. O crescente otimismo pedaggico que preconizava a capacidade da educao em resolver os problemas sociais e atender aos anseios da populao era perfeitamente consoante com o discurso liberal que afirma que gerar oportunidades e viabilizar as igualdades educacionais formaria cidados capazes de construir uma sociedade avanada e moderna. Em 1930 h um arrefecimento do otimismo pedaggico e as questes educativas comearam a se caracterizar por uma perspectiva mais realista, logo, o foco das polticas educacionais passou a ser o ensino tcnico-profissional. Tudo isso fortemente apoiado na psicologia. O processo de industrializao ps Segunda Guerra Mundial foi campo frtil para o desenvolvimento dos testes psicolgicos com o intuito de selecionar e adaptar os indivduos para o mercado de trabalho. O movimento dos testes psicolgicos, como no poderia deixar de ser, entrou pela porta da frente na escola, e assim como no mundo do trabalho, ele significou o estabelecimento de padres de julgamento e tcnicas de ajustamento. Tudo indica que a relao entre psicologia e educao no Brasil foi constituda, de maneira hegemnica, por uma filosofia educacional, identificada com o esprito liberal, pretensamente cientfica, isenta de qualquer aspecto valorativo, que privilegiava os instrumentos de mensurao e quantificao, como as Provas de nvel mental. Pode-se afirmar, assim, que a psicologia experimental, atravs dos testes, legitimaria a neutralidade na escola e na organizao do trabalho (GEBRIM, 2002, p. 97). neste contexto que a Escola Nova e a Psicologia promovem estudos com nfase na infncia, que se caracterizaram pela descrio positivista da criana e de suas deficincias. Portanto, a ateno dispensada especificidade da criana resultou na busca de explicaes eminentemente psicolgicas para as dificuldades de aprendizagem. Quanto mais utilizado na educao, mais esse tipo de conhecimento psicolgico atribuiu o deslocamento da responsabilidade pelo xito ou fracasso da aprendizagem ao aluno, ou melhor, as suas capacidades ou deficincias. Emsntese, os meios de aferio oferecidos pela psicometria se prestavam a uma viso reducionista do desenvolvimento infantil (GEBRIM, 2002, p. 96-97). esta face do processo de psicologizao, cujos principais envolvidos so professor e aluno, que se pretende discutir adiante.
PSICOLOGIZAO DA PEDAGOGIA: CONSEQNCIAS NA ESCOLA A cincia psicolgica vista, desde o sculo XIX, como um instrumento necessrio e fundamental para que mtodos adequados de ensino fossem inseridos nas escolas. Com uma ateno voltada ao estabelecimento de um rigor metodolgico e a partir de uma ideologia burguesa, a Pedagogia utilizou-se da Psicologia para conhecer seus educandos, compreendendo-os na sua dimenso individual, sendo o indivduo a essncia de sua preocupao e o objetivo de sua ao. A separao entre indivduo e sociedade foi extremamente profcua autonomia burguesa por que num momento em que as relaes de produo j se encontravam desenvolvidas, era necessrio que o indivduo fosse livre, autnomo e independente para e/to somente poder se oferecer no mercado como fora de
trabalho. Este indivduo autnomo era necessrio e imprescindvel autonomia burguesa (RESENDE, s. d.,p. 3). Tanto isto uma construo ideolgica, que a prpria noo de indivduo autnomo, livre, portador de determinados direitos que no abrangem a coletividade, mas apenas a si prprio, proveniente das relaes econmicas engendradas a partir da Era Moderna. O indivduo o ser social, um ser em relao com outros indivduos, e somente nessa relao se constitui, se faz homem, se humaniza. A humanizao no , portanto, um processo natural, mas sim um processo histrico. (Resende, p. 7). Sendo assim, contrapor indivduo e sociedade dissociar as faces de uma mesma realidade uma vez que no existe uma sem a outra. Em face disso, a adeso macia da Pedagogia brasileira no incio do sculo XX aos princpios da Escola Nova no foi acidental. Ela esteve respaldada na crena liberal de que era preciso cuidar das partes em separado, o indivduo, para que a soma delas pudesse formar um todo saudvel, a sociedade. Com o movimento escolanovista no Brasil, advindo dos centros europeus e norte-americanos, a Psicologia tornou-se uma cincia crucial para subsidiar as transformaes escolares e a nova concepo de Educao vigente no pas, fornecendo seus aparatos tericos e tcnicos para que essas idias de modernidade fossem fortemente estabelecidas no campo educacional. Alm disso, a Psicologia tambm serviria para instrumentalizar a Pedagogia para que esta tambm pudesse se tornar uma Pedagogia cientfica j que tal tarefa deveria ser tomada pela Educao, valendo-se do escolanovismo, enquanto pensamento pedaggico perfeitamente articulado s pretenses modernizantes do pas, a isso soma-se o fato de que, no escolanovismo, a Psicologia constitua-se como cincia que lhe dava sustentao junto com outras cincias, uma vez que tal iderio pedaggico pretendia-se Pedagogia cientfica (ANTUNES, 1991, p. 162). A Escola Nova propagou a idia de uma criana descolada de seu carter histrico e social, e possuidora de uma natureza infantil determinada e universal. Nesta perspectiva a finalidade da escola seria o desenvolvimento individual de capacidades e aptides, pois deveria promover a integrao de uma criana abstrata a uma sociedade harmnica por meio de um processo imparcial de escolarizao. A tradio psicologizante pressupe a naturalizao dos comportamentos humanos como expresses de inclinaes ou aptides naturais dos indivduos, e na escola, teve o mrito de categorizar objetivamente, as competncias escolares dos alunos, enquanto sujeitos da aprendizagem escolar, como se a escolarizao fosse uma condio natural e universal do ser humano. Esta universalizao constituiu-se em referncia de discriminao futura ou ainda de legitimao da diferena. A legitimao da diferena dentro da escola se assenta em dois conceitos oriundos da Psicologia: o de problemas de comportamento, enquanto sinnimo do conjunto de atitudes do aluno visto como bem ou mal comportado, indisciplinado ou disciplinado, irrequieto ou aptico; e o conceito de problemas de aprendizagem, englobando as deficincias de inteligncia, de motricidade e de cognio. A anlise mais atenta dos conceitos de problemas de comportamento e aprendizagem demonstra que eles se referem apenas a um dos protagonistas do processo de escolarizao: o aluno. o aluno que no pra sentado, no obedece a ordens, no traz a lio de casa ou ainda no consegue escrever, cabea dura, s faz cpia, etc. Quer dizer, numa relao de ensino-aprendizagem s se admite falhas no plo do aprender. E se o problema o/do aluno, a soluo simples e cmoda: prescrever o tratamento especializado deste aluno. A escola no precisa se preocupar
com sua filosofia de ensino, os professores com sua metodologia, nem o Estado com as polticas pblicas, pois tudo se torna ineficaz diante daquela criana problemtica. Esta criana que carrega sozinha o peso da responsabilidade por seu sucesso ou fracasso escolar tambm o adulto que responder por seu sucesso ou fracasso profissional e a Psicologia, enquanto cincia burguesa esteve desde seu nascimento, comprometida com este projeto liberal de individualizao da vida. A cincia psicolgica surge no quadro histrico do capitalismo como a cincia burguesa, que justificar e escamotear a contradio entre o indivduo desligado de seu contexto histrico e social, e acabou por legitimar, atravs das diferenas individuais que classificam os indivduos como mais aptos ou menos aptos, a diviso em classes sociais antagnicas, na sociedade capitalista. Portanto a mesma Psicologia que referendou o processo seletivo dos mais aptos para o trabalho tambm o fez na escola para discernir os bons dos maus alunos. A psicometria, ramo da Psicologia que faz interface com a estatstica por se propor a medir e quantificar atributos psicolgicos de pessoas e animais, esteve a servio do processo de seleo tanto no mundo do trabalho como no da escola. no interior desse processo que os testes tero papel privilegiado, no apenas pela sua capacidade primeira de selecionar indivduos, mas sua funo primeira de diferenciar individualidades, atravs de medidas pretensamente objetivas de suas capacidades e habilidades, legitimando e justificando diferenas que so antes sociais que individuais (ANTUNES, 1991, p. 244). Romper com este modelo psicologizante, excludente e estigmatizador, exige considerar que a escola de hoje no redutvel a uma sala de aula e que os problemas que nela se vivem no so escolarizveis. No se trata de sair do psicologismo e cair no sociologismo, mas sim de admitir que a escola no um reduto alienado do mundo e das contradies que nele se passam; portanto os enfrentamentos por ela vividos transcendem seus muros. Nesse sentido, se os problemas vividos na escola no so exclusivamente produzidos por ela, tampouco so neutralizveis por ela ou pela Psicologia. Depositar na anlise psicolgica toda a possibilidade de conhecimento sobre os problemas escolares, quer sejam eles de aprendizagem ou no, isolar a escola de todas as outras dimenses que lhe constituem. Isso porque a Pedagogia, enquanto cincia multideterminada, est inserida no conjunto das cincias da educao, todavia, destaca-se delas para assegurar a unidade e dar sentido s contribuies das demais cincias, j que lhe cabe o enfoque globalizante e unitrio do fenmeno educativo.
CONCLUSO
Qualquer profissional ou terico que tenha mediata ou imediatamente o cotidiano escolar como fonte de indagao pode verificar a insistncia com que a figura do aluno-problema tem se destacado no discurso dos protagonistas escolares. So eles quase sempre diagnosticados como portadores individuais de algum desvio em relao ao perfil discente clssico, enquadrveis em um vasto rol de anomalias psicolgicas. Quando um aluno encaminhado a um psiclogo ou psicopedagogo para que um distrbio de ordem cognitiva ou at mesmo comportamental seja tratado, est-se pedindo explicitamente para que um profissional externo s relaes escolares, e,
portanto, ausente delas, se responsabilize pelo enfrentamento de um quadro sintomtico cujas causas remetem a outras esferas que no apenas a psicolgica. Nesse sentido o atendimento especializado, confiado aos profissionais parapedaggicos, muitas vezes desponta como libi perfeito mediante a dificuldade em se vislumbrar um enfrentamento propriamente pedaggico de determinadas situaes limites como o no-ler, o no-escrever, o no-obedecer, o no-aprender e tantos outros nos. Incapaz, na maioria das vezes, de reconhecer sequer o mbito de suas competncias mnimas, posto que elas foram se multiplicando no decorrer das ltimas dcadas, os agentes escolares no se furtam a lanar mo do arsenal terico de outras reas, em especial a da Psicologia, quando seus alunos se apresentam de maneira estranha ao estreito padro pedaggico contemporneo. a que entram em cena os peritos e seus discursos terico-tcnicos, cuja conseqncia uma nova arbitragem de tal padro, pretensamente mais cientfica, objetiva, neutra. Nesta perspectiva, pedagogos e psiclogos no levam em considerao, no ato de uma avaliao diagnstica, que a criana ou o jovem em questo no um caso clnico em abstrato, mas um sujeito sempre tributrio de instituies, ocupante de lugares e posies concretas, e que se funda a partir das relaes nas quais sua existncia est inscrita. Ele estudante de determinada escola, aluno de certo professor, filho de uma famlia especfica, integrante de uma classe social, cidado de um pas. A partir desta pesquisa, foi possvel compreender este psicologismo pedaggico para alm de uma mera relao desequilibrada entre reas cientficas tendo em vista que ele um dos efeitos da adeso da Psicologia e da Pedagogia ao projeto liberal de sociedade e de educao, onde os parmetros de eficincia e eficcia que movem o imperativo do progresso econmico requerem a adoo de um padro de normalidade que selecione os bons dos maus alunos, os produtivos dos improdutivos profissionais. Desse modo, o estudo crtico seria o primeiro passo para que se perceba a necessidade de se reconfigurar a ao pedaggica na sala de aula, sem prescindir da fundamentao psicolgica e encarando o espao escolar em todos os seus aspectos determinantes. BIBLIOGRAFIA ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. O processo de automizao da psicologia no Brasil 1890/1930: uma contribuio aos estudos em histria da psicologia. So Paulo: PUC, 1991. BITTAR, Mona; GEBRIM, Virgnia Sales. O papel da psicologia da educao na formao de professores. Goinia, v. 2, p. 7-12, jan/dez 1999. CAMBI, Franco. Histria da pedagogia. Traduo lvaro Lorencini. So Paulo: UNESP, 1999. COSTA, J urandir Freire. Ordem mdica e norma familiar. 4.ed. Rio de J aneiro: Graal, 1999. DAVIS, Cludia. Psicologia na educao. 2. ed. So Paulo. Cortez, 1994. FIGUEIREDO, Lus Cludio Mendona. Psicologia, uma (nova) introduo: uma viso histrica da psicologia como cincia. 2.ed. So Paulo: EDUC, 2002. GEBRIM, Virgnia Sales. Psicologia e educao no Brasil: uma histria contada pela Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos. Goinia: UFG, 2002.
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