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ADVERTÊNCIA!
POR FAVOR, SEJA IDÔNEO E RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS, PREVISTOS EM LEI. DIVIRTA-
SE COM A LEITURA DESTE LIVRO. INDIQUE-O A QUEM QUISER. MAS NÃO O IMPRIMA NEM
COPIE; NEM NO TODO, E NEM EM PARTE, POIS ESTARÁ INFRINGINDO A LEI E SUBMETENDO-SE
A SER PROCESSADO E PUNIDO POR APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE DIREITOS INTELECTUAIS.
SUMÁRIO
1. Prólogo
2. A mágica dos óculos de lentes coloridas
3. Aprendendo com as ovelhas negras
4. O canudo de Deus e a educação
5. Culinária Pedagógica
6. Uma águia gigantesca disfarçada em galinha mal alimentada
7. Espelhos distorcidos e espelhos de cristal: em qual deles a imagem
do aluno é refletida?
8. Ostras, pérolas e outono – símbolos de reflexão e mudança
9. Pobreza, “encontro” e criatividade
10. Educação, crianças adultizadas e falcatruas
11. Coma a bola toda
12. Educar: um ato de desequilíbrio
13. Iluminando a cena
14. Quando um professor de educação física dá aula de redação
15. Navegar por novos mares, aportar em novas terras
6. Apesar de tudo, o show deve continuar
17. Pedagogia do “gimnásyo”
18. Ocupar corações: um privilégio que nenhum dinheiro paga
19. Epílogo
PRÓLOGO
“A Arca de Noé foi construída por amadores e o Titanic por especialistas”. Essa
frase, quando lida por mim, pela primeira vez, criou uma série de “minhocas” em
minha cabeça.
E, como, com quase tudo o que acontece em minha vida, logo a associei à educação
que, para dizer a verdade, constitui (embora não me considere nenhum psicótico) o
“meu mundo particular” – o mundo para onde me retiro para as minhas reflexões e os
meus “insights”.
Logo, então pensei com os meus botões: “onde é que eu me en-caixo nessa estória?”.
Durante minha vida, tenho tido a oportu-nidade de estudar em diversas faculdades e
diferentes cursos, inclusive um de Mestrado em Educação. Se levasse em conta
apenas cursos e escolas, poderia colocar-me na posição de “es-pecialista”.
Mas, considerando a Escola da Vida, creio que ainda devo cate-gorizar-me como
“amador”, pois, como o leitor poderá descobrir com a leitura deste pequeno livro,
ainda continuo na condição de “sujeito aprendente”, proposta por Paulo Freire.
Vai daí que, temperando amador com especialista; conhecimen-tos aprendidos com
experiências vividas, propus a mim mesmo a seguinte questão:
Isso me fez ver que, ao contrário do que se poderia esperar, mi-nha experiência,
digamos “moderna” tem sido muito útil para a educação que procuro praticar na
escola “pós-moderna”
Do fruto dessas minhas “minhocações” nasceram os textos que o leitor agora tem em
mãos. Embora possa não parecer, a prin-cípio, eles guardam uma identidade comum e
um elo que os une: a preocupação com a qualidade de ensino e com os contor-nos que
estamos produzindo na escola pós-moderna.
Assim como para aquela professora, para nós também, a metá-fora do “anel de vidro
quebrado” simboliza a fragilidade do alu-no “pós-moderno”, que, vítima da
globalização e do neolibera-lismo inclemente, tem a sua infância emocionalmente
estilhaça-da, tornando-se um adolescente “adultizado”, com o qual temos que
conviver sabiamente, para minimizar esse trauma.
Boa Leitura!
O autor
Tenho refletindo sobre tudo aquilo que já andei escrevendo. De repente, dei-me
conta de que, embora meus escritos tratem de assuntos diferentes, sob óticas
também diversificadas, sempre acaba despontando neles aquilo que eu chamo de “ o
meu eu educador, aquele menino que virou homem e que agora anseia comunicar
experiências.
Aí comecei a rever meus paradigmas. Percebi que a minha edu-cação foi muito
rígida. Não tive o privilégio dos meninos que u-savam “ray-ban”; só usei óculos de
lentes transparentes e des-coloradas. Então fiquei muito linear, com a visão
“engessada”; as minhas atitudes dogmatizadas e estandardizadas.
Quando disse “dei-me conta”, na verdade quis dizer “ainda dei-me conta” porque já
faz alguns anos que aconteceu esse “dei-me conta”. Desde então, tenho procurado
ler a vida com óculos de lentes coloridas. Uma delícia!
Um dia você bota o “ray-ban” de lentes azuis; no outro, de len-tes violetas; num
outro, o de lentes rosas...vermelhas e assim vai colorindo a existência com um sem
número de possibilida-des. Uma beleza! A vida se transforma num imenso arco-íris.
Não é que as coisas ruins desaparecem. Elas continuam lá, mas mudadas. Quando você
está usando lentes coloridas, não vê a-penas as coisas boas coloridas. É lógico
que o Cristo Redentor, a Torre Eiffel, a Estátua da Liberdade e as Pirâmides do
Egito ficam coloridas. Mas também ganham cores a Favela da Roci-nha, lá no Rio de
Janeiro, o Morro do Urubu, aqui em São Pau-lo, o Vale do Jequitinhonha, lá em
Minas e até a tristeza árida do sertão nordestino! Chamo isso de “a mágica dos
óculos de lentes coloridas”.
Outro dia, li num livro sobre psicanálise que o homem tem duas dimensões: a real e
a imaginária. E concordei com o autor que a dimensão imaginária é muito, mas muito
mais importante do que a dimensão real. Quem não sonha, não realiza. E quem não
consegue enxergar o mundo colorido está condenado a vivê-lo em preto e branco.
Mas para enxergar o mundo colorido é preciso treinamento e...vontade de ser feliz.
Sabe por quê? Porque, quando éramos pequenos ensinaram-nos a ver tudo em preto e
branco. A gente tinha vontade de brincar, mas “era hora de fazer os deveres
escolares”. A gente acelerava para terminar os “deveres escolares” rapidinho a fim
de aprovei-tar o tempo que sobrava para empinar pipa, mas aí já era “hora de tomar
banho”.
Aí a gente tomava banho correndo para ver, pelo menos um pe-dacinho do “Chaves”
(no meu tempo, o desenho “As aventuras de Jambo e Ruivão”), mas aí era hora dos
adultos assistirem ao capítulo da novela ou o telejornal!
Resultado: hora de dormir em preto e branco para que (se a sor-te ajudasse, pelo
menos pudesse sonhar um pouco colorido).
Então, fico pensando: hoje, enquanto educadores, se não tiver-mos o cuidado de nos
reciclarmos ou, como costuma dizer uma amiga, se não tivermos a preocupação de nos
repaginarmos, tornamo-nos meros clones daqueles que nos ensinaram, e re-passamos
para os nossos alunos o mesmo “grude” (a turminha de hoje diria “gororoba”)
insosso e chato que aprendemos, e o enfiamos goela abaixo de nossos alunos, no
mesmo tom preto e branco com os qual fomos ensinados.
É por isso que, para enxergarmos o mundo colorido, é preciso ter treinamento e
vontade de ser feliz. E para passarmos para os nossos alunos a capacidade de
construção de uma aprendiza-gem bem estruturada, é preciso ter também esta outra
capaci-dade: a de enxergar o mundo com óculos de lentes coloridas!
Recentemente, recebi em minha sala um aluno da oitava série, de quem fui professor
na quinta. Ele veio conversar comigo por-que sou responsável pela programação de
nossa rádio educati-va, na escola.
Depois que ele saiu, eu fiquei pensando como ele é realmente curioso, insistente –
“enxeridos” mesmo (que é o termo que u-samos para caracterizar esse tipo de aluno,
quando nos impaci-entamos).
E fiquei muito preocupado, ao dar-me conta de que tantas ve-zes, com todas as boas
intenções do mundo, procuramos matar, aniquilar, calar por completo essa paixão
que se materializa na curiosidade de nossos alunos.
Ah! Como gostamos daqueles queridinhos que são “vaquinhas de presépio”: “Sim,
senhor professor”; “Agora mesmo, profes-sor”, “Pois não, professor”. São as nossas
ovelhas brancas!
As negras, representadas pelos alunos que pensam, que questi-onam, que resistem
que têm a coragem de dizer: “Não concordo com isso, professor!” – sentimos raiva
por elas! Logo vem à nos-sa garganta aquele velho jargão que, graças a Deus, tive
a cora-gem de abandonar, há muito tempo: “Sabe com quem você es-tá falando?”
Disse-lhe que respeitava a sua fé (e isso é verdade), mas que, se ele olhasse a
seu redor, com certeza encontraria alguém mais adequado do que eu para convidar,
uma vez que já tenho, como teólogo, a minha fé e o meu modo de crer, e isso me
satisfaz. Mas, confesso que senti muita compaixão por meu pequeno a-migo. Resolvi,
então, investir em sua capacidade de julgamento.
Peguei uma folha de papel, dividi-a com a caneta em oito partes e coloquei em cada
uma das “caixas” desenhadas, o nome de uma denominação religiosa.
Depois peguei outra folha de papel e desenhei a Lua, com sua órbita ao redor da
Terra. Depois, desenhei a órbita da Terra, e-lipticamente, ao redor do Sol;
coloquei mais alguns planetas do Sistema Solar e desenhei a órbita do Sol em
direção à estrela Vega.
Aos poucos, fui introduzindo para ele, os conceitos de galáxias, nebulosas, até
chegar ao conceito de “anos-luz” e de universo. Admirou-se muito ao saber que
muitas das estrelas que vemos à noite já não existem mais. Explodiram há milhões
de anos e o que vemos é apenas a sua luz que somente agora atinge a Terra.
Daí, peguei outra folha e enrolei-a de forma a ficar um canudo cônico, largo em
uma ponta e estreito na outra, como um biju.
“Sabe o que acontece com as pessoas que freqüentam essas, denominações, Válter?”.
E apontei para as oito caixinhas dese-nhadas na outra folha.
“Elas imaginam que Deus, lá no céu, tem um enorme “canudo” como este, com o qual
ele está constantemente olhando para elas. No imaginário delas, a parte estreita
do “canudo” é por on-de Deus observa. E a parte larga abre-se exatamente sobre o
te-lhado da denominação à qual pertencem.
“Quem estiver “debaixo do canudo” está salvo e redimido. Quem não estiver, está
perdido.”
Mas o Válter é mesmo “enxerindo”. Saiu-se com a questão “que a denominação não
salva, quem salva é Deus, e que, para ser salvo basta seguir os ensinamentos da
Bíblia”.
Resolvi apelar mais uma vez para a metáfora das lentes: “Sabe, Válter, o problema
é que os católicos têm lentes amarelas; os presbiterianos, azuis; os metodistas,
verdes; os batistas, rosas; os pentecostais, vermelhas, e assim por aí afora”.
“Se ele resolver mudar de óculos, para ver tudo em azul, vai “es-tar se desviando
da doutrina” e, provavelmente será convidado a se retirar da denominação e quem
sabe, procurar a presbiteria-na, que é quem lê e interpreta tudo em azul!”
Ele me olhou de soslaio, desconfiadíssimo, mas, pela carinha que fez a seguir,
pareceu-me que “sua ficha caiu”.
Passou uma tarde conversando comigo. Mas desconfio que o Válter que saiu de minha
sala era outro, muito diferente do Vál-ter que entrou.
Quando ele foi embora, fiquei refletindo: “Será que o que fiz esta tarde é
Educação?” Acabei dando-me a resposta de que “sim”.
CULINÁRIA PEDAGÓGICA
É assim que penso a educação: Tento imaginar que o coração de meus alunos têm
ouvidos enormes. E falo aos ouvidos dos cora-ções de meus alunos. Mas sem jamais
desprezar a sua mente, a sua capacidade cognitiva e, principalmente, o seu poder
de dis-cernimento.
Creio que ele teve um “insight” monumental quando lhe ocorreu essa idéia. Ela é
tão incrível, quanto verdadeira: alunos da esco-la pós-moderna, dos tempos de
globalização, não querem nem ouvir falar em professores “dieticistas”.
Pois aquela magia da TV em preto e branco, que depois passou a ser TV em cores, TV
a cabo, TV interativa, TV digital, etc., etc., pode estar presente numa sala de
aula de escola pública! E a aula é deliciosamente degustada, absorvida,
metabolizada e in-corporada pelo nosso organismo. Numa linguagem mais infor-
mática, ela é “arquivada no lado bom de nosso “disco rígido”. Pode ter a certeza
de que ela jamais será “deletada”!
Tudo isso pelo fato de ela estar sendo conduzida, não por um doutor em educação.
Mas, pela condição daquele grupo de alu-nos, aquela classe e aquela escola terem a
sorte de possuir, en-tre os seus quadros, alguém que decidiu (porque isso pode e
de-ve ser decidido) um “professor cozinheiro”, que vai “descascando a cebola”,
“separando os dentes de alho”, “fatiando o maço de cheiro-verde”, “separando
pitadas de alho...canela...louro”, dan-do cheiro e sabor ao “prato do dia”. Quando
a aula termina, os alunos dizem: “Droga de aula curta demais, que pena que o pro-
fessor Fulano já vai embora!”
Quem, nesse contexto, perderia o seu tempo precioso, interes-sando-se por um bom
curso de “culinária pedagógica?”
Nossos alunos, hoje, são tão deseducados, que chegam a ser ar-rogantes. E nós,
professores, por causa disso corremos o risco de pensar que eles não possuem
afeto, não conseguem atinar o que é ser polido, educado. E acabamos por devolver
na mesma moeda. Que pena!
Um jovem veio até minha sala para reclamar que não agüentava mais a professora
fulana, porque ela era histérica, gritava de-mais, explicava mal a matéria e
estava o tempo todo “dando bronca”.
Tentei explicar a ele que a colega em questão estava atraves-sando uma série de
problemas pessoais. Que estava realmente estressada e que isso era circunstancial.
Amenizou as suas críticas e moderou o seu vocabulário. Dali a pouco estava calmo e
disposto a voltar à sala de aula.
Interrompeu a minha reflexão com uma pergunta direta: “Pro-fessor, lembra o dia em
que chorei em sala de aula?” Fiquei um tanto encabulado, mas ele, percebendo,
tratou de desfazer o meu mal estar:
“Foi na quinta série, no dia em que o senhor deu a sua primeira aula e leu para
nós a estória da” Águia e da Galinha! (referia-se à metáfora utilizada por
Leonardo Boff, em seu livro que leva o mesmo nome), que realmente costumo ler em
minhas aulas i-naugurais.
“Então, professor” – continuou – “fiquei tão emocionado que nunca mais esqueci
aquela estória. Decidi naquele dia que mi-nha vida nunca haveria de ser como a de
galinha, para ficar preso em qualquer galinheiro. Resolvi ser águia e voar pelas
al-turas!”
Fiquei perplexo. O fato em questão ocorrera há três anos e ele o tinha ali
presente, juntamente com uma decisão de vida, toma-da em seu coração. E dei-me
conta de que nós, professores, possuímos uma “área cega”, que nos impede de
enxergar reali-dades tremendas que acontecem com os alunos à nossa volta.
Um certo dia, há anos, sentou-se um rapazinho magrinho, mir-rado, aí pela casa dos
doze anos de idade, perto de mim. Seu nome era José de Arimatéia. Estava um pouco
encabulado, e então resolvi quebrar o gelo:
“E aí, José, como vão os estudos?”. Ele fixou os olhos em mim e respondeu, sem
titubear: “Vão bem, professor, já decidi até o que eu vou ser!”
Fiquei triste de repente. Sabia de sua estória: família muito po-bre, a mãe era
cardíaca e vivia à base de medicamentos (notou a conexão entre a especialidade
escolhida e a doença da mãe?). O pai, funcionário do DER, com modesto salário.
Fiquei pensando: “Meu Deus, não posso decepcionar esse menino! O curso de Medicina
é tão disputado e muito dispendioso. A família do José sobrevive com o salário do
pai e esse menino com um sonho tão grande...!”
Naquele momento, sem saber, eu estava sendo a galinha da es-tória do Leonardo Boff
e o José de Arimatéia era a jovem águia, já ensaiando o primeiro vôo.
Os anos se passaram. Certo dia, eu estava dando uma palestra, quando entrou no
recinto um jovem muito alto, sorriso largo e muito simpático. Já havia me
transferido para São Paulo, há vários anos.
Terminada a palestra, veio me abraçar: “E aí, professor, tudo bem?” Fui sincero e
disse-lhe que seu rosto era-me familiar, mas eu não me lembrava exatamente quem
ele era.
Certa vez, quando eu estava no ginásio, fizemos uma excursão de trem para visitar
uma Feira de Ciências, promovida por uma escola de uma cidade muito maior do que
aquele onde moráva-mos. Um querido professor de Ciências ficou responsável por nos
ciceronear.
A excursão foi uma beleza. Nossa curiosidade estava a mil (ado-lescente sempre foi
curioso!). Entrávamos em cada sala e vía-mos tudo com os olhos esbugalhados:
alunos da faculdade de veterinária operando um cachorro; alunos do curso de Física
mostrando a “torneira invisível” que, suspensa no ar e “sem ca-no”, jorrava água o
tempo todo; profissionais do Instituto Bu-tantã, de São Paulo, que faziam
apresentação de uma cobra en-golindo vagarosamente a outra inteirinha e até as
famosas pe-dras lunares, expostas numa redoma de vidro,
Lembro-me de que todos estávamos excitados e o que aprendi naquela manhã e tarde,
nunca mais pude esquecer.
No entanto, não foram as pedras lunares e nem tampouco as experiências por nós
presenciadas que me impressionaram mais. Fiquei mesmo encantado foi com a “Sala
dos Espelhos”.
Era uma sala à meia-luz com todo tipo de espelhos distorcidos. Demos muitas
gargalhadas. Eu, que era miúdo e franzino, fica-va magro como um palito e alto
como um poste, diante de um dos espelhos. Frente a um outro, ficava baixinho e
gorducho, como uma barrica inflada.
E ainda, frente a um terceiro, virava uma espécie de “monstro”. Parte do meu corpo
era gorda e baixa, parte era sinuosa tal co-mo uma estrada cheia de curvas e,
finalmente, as pernas eram finíssimas e compridas.
Saí daquela sala (eu, o cara mais tímido da turma) com a barri-ga doendo de tanto
rir. Não supunha, na ocasião, que preciosas lições aqueles espelhos me ensinariam,
em minha futura profis-são de educador!
Somente muito mais tarde na vida é que descobri que a família e a escola são os
dois primeiros espelhos que temos e que am-bos são importantíssimos para a
formação da nossa auto-estima, uma vez que serão eles que, durante anos a fio,
estarão constantemente refletindo imagens de nós mesmos, com as quais
construiremos nossa identidade,
Descobri, também, com muita tristeza, que a maioria de nossos alunos só se puderam
ver refletidos em seus próprios espelhos (muitos deles já trincados ou em cacos)
completamente distor-cidos. Vítimas de famílias disfuncionais. Vítimas de escolas
dis-funcionais.
Descobri isso mais a fundo, conversando com meus alunos. Te-nho tido predileção em
aprender com aqueles considerados “ca-sos irrecuperáveis”, provindos de
instituições como a FEBEM, os famosos alunos “LA”( com liberdade assistida) e
aqueles sob a responsabilidade dos Conselhos Tutelares.
Esses meninos, alunos da escola pública, têm colegas mais a-bastados que usam
tênis “Nike”, relógios “Champion”, calças “Zoomp” e camisetas “Pakalolo”. Vêm para
a escola com bonés, óculos escuros e toca CDs piratas, tudo comprado nas barra-
quinhas dos camelôs.
Aos domingos, tomam banho e vestem sua melhor roupa (tam-bém compradas nos camelôs
para poderem apenas “passear” no shopping). Sabem, por duras experiências, que, se
botarem su-as surradas camisetas regatas e suas imitações carcomidas de sandálias
“Havaianas” serão indefectivelmente enxotados, pelos seguranças de plantão.
Vejo isso e ainda ouço colegas fazerem a apologia da compreen-são entre os homens,
argumentando que “conseguimos debelar o racismo, diminuímos os preconceitos e
estamos equilibrando as injustiças sociais”. Dá para acreditar?
Estaremos permitindo, dessa forma, que eles re-construam a si mesmos como novas
pessoas, como seres humanos dignos de serem respeitados, com uma sólida noção de
cidadania.
Suas vidas se reconstruirão, como uma Fênix, saída das cinzas, quando tiverem a
certeza de que, afinal...em algum ponto...em algum lugar e por alguém, suas vozes
estarão sendo ouvidas.
Conhece a estória da ostra e da formação das pérolas? Dizem que o molusco ainda
pequenino; um dia, por força das circuns-tâncias (tem de sair da carapaça para ver
o mundo e para se a-limentar) permite, inadvertidamente que uma sujeirinha qual-
quer - algo assim com um grãozinho de areia – penetre e se in-corpore em seu débil
organismo gelatinoso.
O organismo passa a realizar, então, uma reação de defesa con-tra o corpo estranho
invasor. Algo muito parecido com o que o-corre, quando uma farpa de madeira entra
em nosso tecido con-juntivo e não conseguimos retirá-la.
O nosso organismo, então, começa a produzir glóbulos brancos que vão atacar em
massa o agressor, formando aquele caroço de pus inflamado. Quando o caroço cresce
e estoura, o pus vaza, o estrepe sai junto e o nosso corpo fica curado. Lógico que
isso leva alguns dias e dói bastante.
Falam que com a ostra o processo também deve ser doloroso. Só que, no caso dela, o
organismo reage durante anos formando uma carapaça dura ao redor do grãozinho de
areia. É precisa-mente o fruto dessa “infecção”, dessa dolorosa reação de defesa
do organismo da ostra, que se avoluma, cresce e fica duro, du-rante anos a fio,
que vem a linda, genuína e preciosa pérola.!
Ou seja, a educação, para ser boa, tem que seguir burocratica-mente aquelas grades
curriculares horrorosas, que se tornam verdadeiras camas de faquir.
Portanto, por mais incrível que isso possa parecer, se os profes-sores não mudarem
rapidamente sua visão de mundo, se não arrancarem e jogarem fora sua roupagem
professoral e se não se aventurarem diante do desconhecido, da incógnita, e não
de-rem um salto em direção à desburocratização no ensino, à flexi-bilidade; se não
se entregarem à paixão lúdica do ato de ensinar e se não estiverem dispostos a
aprender com as “palhaçadas” de seus alunos (porque elas têm um significado
ulterior embutido nelas!), estarão fadados à extinção!
Creio que poderíamos chamar isso de “darwinismo pedagógico”, mas estou convencido
de que essa “seleção natural” entre edu-cadores, de alguma forma acabará sendo
positiva.
Minha convicção em relação a isso ficou ainda mais forte depois que vi uma
reportagem na TV um dia destes, que dava conta dos resultados de uma pesquisa
sobre educação.
Nesses dados, o que me chamou a atenção foi o fato de que a grande maioria dos
professores do ensino público, atualmente, está acima da faixa dos quarenta anos
de idade. Além disso, a procura pelos cursos de licenciatura que formam
professores, nem consegue preencher o número de vagas oferecido por eles!
A continuar assim, se nada for mudado rapidamente por parte das autoridades
competentes, a escola pública ficará como a i-greja católica: pouquíssimos padres
para um rebanho gigantes-co.
Porém, tenho a convicção de que não precisamos chegar a isso, por uma razão muito
simples: Se a pesquisa estiver certa (e creio que está), todos nós, professores
quarentões, cinqüentões e “sessentões”, já estamos na terceira estação de nossa
existên-cia.
Vivemos então o “outono” – tempo atual de nossas vidas (refiro-me aos quarentões e
cinqüentões, agora!), onde ocorre a “se-gunda adolescência”, a “repaginação” e a
possível mudança de nosso estilo de viver; o “afrouxamento” de nosso dogmatismo e
a abertura a novas experiências, com balizamentos éticos e posi-ções mais
amadurecidas pela vida.
Restar-nos-á depois apenas mais uma estação, que será o in-verno, que apesar de
frio e úmido, pode ser muito bem vivido, quando aquecido pela satisfação de nossas
realizações e não pe-las frustrações por aquilo que podíamos ter feito e não
fizemos, por medo.
Então, por que razão não fazer como o Fernão Capelo Gaivota, do Richard Bach?
Ainda é tempo oportuno de nos emancipar-mos e vivermos a nossa vida de educadores
de uma forma me-nos metódica, menos burocratizada, mais palatável e mais lúdi-ca!
Há muitos anos, lendo um dos escritos de Rollo May, fiquei sa-bendo que o
indivíduo, para ser criativo, “tem de ter um encon-tro”. Explico melhor: para o
autor, quando um pintor está pin-tando uma obra de arte, por exemplo, esta arte só
será genui-namente criativa se o pintor tiver “um encontro com ela”.
Perde a noção do tempo e, completamente absorvido pelo encontro com sua obra,
entra madrugadas adentro, como que consumido por um fogo devorador de
criatividade. Não tem so-no, não tem fome. Não se interessa por mais nada.
Só terá tempo para parar e “descansar” quando seu “feeling” in-terior lhe disser
que sua obra ficou exatamente do jeito que ele a concebera. Aí terá terminado seu
momento “de encontro” e “seu filho”, sua criação, estará pronta para ser mostrada
ao mundo.
Pois a pobreza também nos faz ter “momentos de encontros”. Por isso ela é
criativa! É com alegria que me lembro quão inten-sos eram esses “encontros”,
quando, sem brinquedo comprado em loja, inventava os meus próprios.
Como era gostoso ser proprietários daqueles sítios, com cerca-dinhos de gravetos,
fincados como mourões e três fios de linha de carretel, à guisa de arame farpado.
E como era delicioso fa-bricar cada vaquinha artesanalmente com chuchus pequenos e
pauzinhos secos.
Cada vaca era montada com um chuchuzinho e sete pedacinhos de paus fincados neles.
Quatro formavam as pernas, dois fica-vam reservados para os chifres e, finalmente,
o último e menor-zinho, passava a ser a cauda. Claro que isso era o básico. De-
pois vinham os olhinhos, cavados nos chuchus, as “mamicas” e assim a coisa ia
longe. Na fantasia, a gente acabava dono de fa-zendas enormes, com um rebanho de
gado invejável!
Depois vinham os “tratores”, construídos com limões verdes e palitos que formavam
o “cardam” e os eixos da frente e de trás. Lembro-me bem de como, com o canivete,
a gente moldava as “rodinhas” cuidadosamente, fazendo faixas nos limões. Uma fai-
xa com casca, outra sem; outra com casca, outra sem. Isso constituía os sulcos dos
pneus dos “tratores”, que deixavam rastros na areia, iguaizinhos aos dos tratores
de verdade!
Isso tudo, sem falar dos “carrinhos de rolimãs”, dos “rolos com-pressores” feitos
de filtros de óleos usados, que a gente catava no lixo dos postos de gasolina; e
de tantos outros brinquedos mais. Era fabuloso! Rodar pneu, então, nem se fala!
Não dizem que “a ocasião faz o ladrão?” Pois, pobres, sem di-nheiro para comprar
carrinhos de plásticos e revólveres de “fer-ro fundido”, vendidos nas lojinhas de
brinquedos da cidade, a gente criava os próprios e, “por tabela”, tinha
verdadeiros mo-mentos de encontros!
A rigor, nem posso criticá-los. São profissionais dedicados, lu-tando por melhores
condições, desenvolvem um trabalho de respeito e trabalham com muita dignidade,
apesar das condi-ções adversas enfrentadas.
Ensinava análise sintática, que era uma barbaridade! Mas era uma “figura” – um
verdadeiro palhaço em sala de aula. “Tirava uma” com a cara de todos nós, numa
boa! E a gente o adorava!
Então dava uma pigarreada meio sem jeito e, em voz baixa, fa-lava: ”Ah!, estão
aqui!”. A gente achava uma piada. Até hoje nunca consegui saber se aquilo era
verdadeiro ou era mais uma “estratégia de ensino dele”. Mas a coisa com ele
funcionava as-sim.
A gente detestava análise sintática, mas adorava o professor. Então, com o seu
jeito “bonachão” de ser, ele ensinava período simples, período composto, orações
coordenadas, orações su-bordinadas, adjunto adverbial, adjunto adnominal e aquela
coi-seira toda e nós...aprendíamos tudo numa boa! Era um verda-deiro mestre e com
suas estratégias marotas, fazia a gente “ter um encontro com a análise sintática!”
Dá para acreditar?
“Dá sim” - diria o leitor com toda razão. Pois pode estar certo que muitos
professores como o “Seu” Mário Franceschini estão por aí, escondidos na rede
pública. Só que, massacrados por achatamentos salariais insuportáveis, extenuados
por salas de aulas superlotadas, não têm mais ânimo para promover os “en-contros
entre seus alunos e o saber”.
É uma pena que as autoridades públicas construam pontes e viadutos e desdenhem
tanto a vida de seres humanos que dedi-caram suas vidas a ensinar aqueles que
constroem as pontes e viadutos.
Pode estar certo de que políticos de carteirinha desse naipe ja-mais terão a
experiência transcendental de “terem um encontro com a política. “O homem que
cavar um buraco cairá dentro de-le”, diz a Bíblia. Não seria por essa razão que
velhos “caciques” da política estão envelhecendo no ostracismo. Não estariam co-
lhendo aquilo que plantaram?...
Como me referi, no início desta obra, li, num dos mais recentes escritos de Miguel
Arroyo, que uma das professoras que partici-pavam de uma reunião em que ele estava
presente, comparou os adolescentes de hoje a um anel de vidro, lembrando a conhe-
cida canção infantil:
Achei bonita a metáfora, mas muito triste o seu significado: no mundo e na escola
pós-modernos a infância foi quebrada. As crianças se tornaram adolescentes já
“adultizados”.
Como sou professor em dois períodos, é muito comum encon-trar alguns de meus
aluninhos da quinta série da manhã, ca-tando papelão à tarde; e os da quinta série
da tarde, catando papelão de manhã.
Vejo esses meninos franzinos, rangendo os dentes para encon-trar forças a fim de
subir uma rua íngreme, com aquela imensa carrocinha, atulhada de papelão.
A polícia passa...olha, e segue em frente. O Conselho Tutelar o-lha, mas finge que
não vê e, até eu mesmo, o professor, perden-do a hora para iniciar o meu trabalho,
somente sou capaz de dizer: “Oi, tudo bem?”
E sei, pela boca deles mesmos, que o papelão recolhido ao longo do dia, será
vendido à tardinha, o dinheiro apurado será entre-gue imediatamente à mãe, que
vai, então, ao mercadinho, a fim de que, no dia seguinte o feijão e a farinha (e,
com eles, a sub-sistência) fiquem garantidos.
E, sabe o que mais segura esses alunos na escola? Primeira-mente a merenda! No dia
em que há falta de professores e os alunos são dispensados mais cedo, eles
relutam, batem o pé e dizem que não podem ir embora para casa, com a barriga
vazia. Já aprendemos, há bastante tempo, que só é possível dispensar os alunos
mais cedo, se a merenda for servida primeiro.
Em segundo lugar, o que mais os segura é a própria escola! – o seu segundo lar, a
sua casa! Não podem entrar em shoppings mal vestidos, não têm dinheiro para serem
sócios de algum clu-be, não podem ir ao cinema e na favela onde moram não exis-tem
“playgrounds” com piscinas, mesas de sinucas e pebolins.
Resta-lhes, então, como única opção, o espaço da escola – o seu espaço lúdico –
onde encontram os seus amigos, trocam figuri-nhas e jogam “peladas” na quadra.
É por isso que, quando recebemos o equipamento de nossa rá-dio educativa, tivemos
que impor uma certa ordem, pois eles vi-nham com pilhas e pilhas de CDs
“genéricos”, comprados nas barraquinhas dos camelôs; cada um querendo ouvir o seu
gêne-ro favorito: tem a turma do forró, a turma do pagode, a turma do “heavy
metal”, a turma do “rap”, a turma do “black” e por aí afora. De pluralismo, eles
seguramente entendem e estão com “a corda toda”.
Está aí uma verdade que a gente tem de começar a tomar cons-ciência: Enquanto
milhões são gastos para se fazer a decoração com flores, para a compra de talheres
e copos e com a contrata-ção do serviço de “buffet” que servirá o jantar a um
visitante es-trangeiro ilustre e sua comitiva; milhões de crianças brasileiras têm
de catar papelão, para poder comer feijão com farinha, pelo país afora.
Mas, há um preço a pagar. Nenhum homem, por mais astuto e mordaz que seja, por
melhor que possa ser em esconder suas falcatruas de uma população inteira, jamais
conseguirá fugir de si mesmo e do fantasma de sua própria consciência.
Saberá, então, que foi que foi responsável pelo “anel que se que-brou”!
Penso que Paulo Freire foi uma das pessoas que mais entende-ram essa verdade. Por
isso, prefere termos no gerúndio e não no particípio passado. Para ele, entre
“estou aprendendo” e “apren-di”, sempre é melhor a primeira opção. Por isso se
refere sempre ao “sujeito aprendente”, isto é, aquele que aprende sempre, que
nunca termina de aprender.
Penso que essa é a “dica” maior para nós, educadores. Não sou aquele que terminou
de aprender para ser capaz de ensinar. Sou em eterno “aprendente” para ensinar
cada vez melhor. A-contece que “a ficha ainda não caiu” para muitos colegas pro-
fessores. Eles ainda não se deram conta de que aquela escola de alunos dóceis e
submissos na qual fomos formados faz parte do modernismo clássico, que já não
existe mais.
Os alunos arrogantes e enfrentadores com os quais temos de lidar hoje, são frutos
da chamada pós-modernidade. O relógio do tempo passou e nós não nos demos conta.
Deixamos de per-ceber que aquela escola bem comportada é coisa do passado.
E, pior, não nos damos conta de que somos nós que temos de nos preparar para lidar
com os alunos, frutos da pós-modernidade, e não eles virem de encontro às nossas
expectati-vas, conseqüência de nossa formação clássica. Essa é a razão por que
temos de continuar sendo “aprendentes”. Aí, sim, há possibilidade de um encontro,
não de um choque.
É claro que os melhores, por ordem decrescente de “categoria com a bola”, iam
sendo escolhidos primeiro. Eu acabava ficando sempre por último e, por absoluta
falta de opção, acabava, no final, sendo chamado para um dos times.
O fato se repetia nas “peladas” que fazíamos na rua. Já estava cheio dessa
situação quando, “providencialmente” achei, aban-donada, na quadra, uma bola de
voleibol quase novinha em fo-lha. Maravilha das maravilhas! Bola de vôlei de
couro, branca, macia e gostosa para dar “chutões” era uma sumidade para a
molecada, acostumada a jogar “peladas” com bolas de meia.
Aí a situação se inverteu. Todos queriam jogar com a bola de vô-lei, mas ela era a
minha bola! Passei a ser escolhido primeiro, na formação dos times e era todo o
tempo “convidado” para uma nova partida.
Pois bem, hoje, refletindo e achando graça desse “expediente para ser um titular
no futebol de rua, começo a imaginar que situação parecida, mas desta vez, nada
engraçada, acontece com os professores da atualidade que ainda ”acham que “estão
com a bola toda”.
Hoje, refletindo sobre seu modo de ser, chego à conclusão de que ele era avançado
demais para a sua época. Enxergava mui-to além do que os outros conseguiam. Por
isso foi um mestre em sua matéria e, por tabela, na vida.
A gente não gostava da matéria, que às vezes, era chatíssima. Só que amava o
jeitão do professor, então, como o jeitão estava com ele o tempo todo (inclusive,
quando explicava a matéria) a gente deslocava o nosso “gostar” para a matéria! E a
coisa fun-cionava.
Então, levantava os olhos e percorria com o olhar aluno, por a-luno. Sempre havia
um “desavisado” mastigando chiclete ou chupando bala.
Ele olhava para o tal, apanhado no “flagra” e dizia: “Gênio, você está chupando
bala?”. O coitado, com um sorriso amarelo, res-pondia: “Estou, “seu” Antônio...”.
Aí, vinha o veredicto: “Ou en-gole, ou expele!”
Lá ia o pobre até o cesto de lixo e cuspia o que é que estivesse em sua boca. Só
depois desse ritual é que o “seu” Antônio fazia a chamada, voltava a pegar com
maestria a tampa de sua cane-ta tinteiro, sem deixá-la cair e iniciava a sua aula.
Um dia, nessa sua mania, ele pegou o Edgar chupando bala. O Edgar sentava-se há
apenas duas carteiras distante da mesa do professor. Ele encarou o Edgar, que a
essas alturas já estava tremendo. Então fez a famosa pergunta: “Gênio, você está
chu-pando bala?” “Estou, “seu” Antônio, foi a tênue resposta. “En-tão, passa uma
pra cá”- respondeu o “seu” Antônio, surpreen-dendo toda a classe.
Quando o Edgar respondeu que tinha, veio novamente a respos-ta: “Então passa ela
pra cá”. E a bala foi chupada, mastigada, sorvida, degustada e deglutida em frente
à uma classe atônita. Naquele dia, pode-se dizer que não tivemos aula de
matemática. Tivemos uma autêntica aula prática de como saborear com o máximo
prazer, uma bala!
Penso que é em atitudes como essa que reside a magia do ato de educar. Monotonia,
previsibilidade, rotinização do ensino não se compatibilizam com a educação.
Aqui, mais do que nunca, mesmo que não adote o cognitivismo como método de ensino,
o verdadeiro educador deve concordar com Piaget de que só ocorre um novo
aprendizado quando há uma desestabilização, um desequilíbirio daquilo que estava
e-quilibrado. O professor deve servir como agente da quebra dessa homeostase se
desejar que realmente seus alunos aprendam.
Freud conceituou, através de suas descobertas, aquilo que ficou conhecido como
“instinto de vida” ou “Eros, em contraposição ao “instinto de morte” ou “Tânatos”
– duas forças antagônicas que existem dentro de todos nós.
Isso significa que a nossa capacidade de promover esse ensino deve estar ligada a
“Eros” – precisa ter um poder erotizante de sedução.
ILUMINANDO A CENA
Você, alguma vez já parou para pensar o que seria do Faustão ou do Jô Soares se,
durante a apresentação de um de seus pro-gramas, com toda aquela parafernália de
câmeras, operadores de som, maquiadores, assistentes de palco, etc; faltasse luz e
o gerador de emergência, ao ser acionado, também falhasse?
É fácil imaginar que, além da balbúrdia e do mal estar que tal fato provocaria, as
lindas cores brilhantes de nossa TV trans-formar-se-iam numa redoma de sombras.
Por esse motivo, as emissoras de televisão investem milhões para que ocorrências
como essa jamais venham a se concretizar.
Apesar de sua importância ser vital para o sucesso dos progra-mas, já notei que
dificilmente ele é citado nos créditos, ao final dos mesmos. Aparecem os nomes dos
editores, dos redatores, dos roteiristas, dos assistentes de câmeras, dos
figurinistas, mas... o iluminador continua sendo, na maior parte das vezes, um
ilustre desconhecido.
Isso me faz lembrar de uma citação de Theodor W. Adorno, em seu brilhante ensaio
“Educação após Auschwitz”, na qual, refe-rindo-se às contribuições de Freud,
afirma que um de seus des-cobrimentos mais perspicazes é aquele em que afirma que
a ci-vilização “origina e fortalece o que é anticivilizatório”.
Isso dá o que pensar. Imagine você: o ser humano destacou-se das demais espécies
depois que inventou a civilização. Ela é, portanto, num primeiro momento, uma
coisa boa. Através dela, o homem se humaniza, adquire cultura, produz arte,
incremen-ta o saber.
Não pude deixar de fazer uma ponte entre isso tudo e a educa-ção. Melhor dizendo:
uma ligação entre o “iluminador”, o “anti-civilizatório” e o professor!
Há, é bem verdade, algumas medidas sendo tomadas por alguns governantes:
uniformes, cadernos e merenda estão sendo dados aos alunos. O MEC fornece os
livros. Embora necessárias, não deixam de ter o caráter de medidas tópicas e
populistas.
Mas, e os professores? Quem é que se lembra deles? Quem está se preocupando com as
suas vidas, suas famílias e seus salá-rios? Como os iluminadores de TV, eles
apenas fornecem a luz; não a luz comum, mas a do conhecimento e de seu exemplo. E-
les iluminam o “show”, mas sequer são considerados dignos de um maior respeito por
aqueles que detêm o poder (e que lá che-garam por que um dia aprenderam com esses
que agora desde-nham).
Nada mais óbvio, para quem entende um pouco de psicologia profunda. A semente de
tudo quanto o indivíduo adulto frutifi-cará durante toda a sua existência é
semeada na primeira e na segunda infância. Já pensou na importância disso?
Mas aqui no Brasil, um secretário de educação de uma das maiores cidades do mundo
deseja encarregar a educação de nossas criancinhas a “mães crecheiras” (sem
dúvida, pessoas de boa vontade), mas sem nenhum conhecimento pedagógico, com a
finalidade de “cortar gastos”. Eu perguntaria: “cortar gastos com o que e de
quem?”
Creio que este secretário, como de resto a maioria de nossos po-líticos desconhece
que a OIT (Organização Internacional do Tra-balho) classifica o labor do professor
como “trabalho penoso”. E estabelece, como limite, o máximo de 14 aulas semanais
para um mestre trabalhar com saúde e dignamente.
Mas aqui no Brasil, onde as prioridades são construir pontes, viadutos e alargar
avenidas, quem está preocupado em saber que um professor precisa trabalhar dois
turnos e dar dez aulas por dia, para conseguir, com muita dificuldade, sustentar a
fa-mília?
No entanto, ele continua firme: com ou sem dor de cabeça, com ou sem pressão alta,
com ou sem dor na coluna, está sempre lá: iluminando a cena! Sozinho, anônimo,
ignorado por todos quan-tos deveriam valorizá-lo, permanece, como o iluminador de
pal-co, lançando luz para o “show dos políticos”. Até o dia (é preciso não
desistir das utopias), que a ficha desses governantes caia.
Enquanto isso não acontece, ele fará como certo escritor que conta um fato de sua
infância: Por força das circunstâncias, quando menino, teve que presenciar uma
operação cirúrgica improvisada sobre a mesa de uma farmácia, no meio da noite, em
sua cidade pequena de interior.
Um homem fora retalhado e sobreviveu à uma chacina e foi pre-ciso ser operado com
urgência, suturado sem anestesia. E o menino, futuro escritor, ficou com a
responsabilidade de segu-rar o lampião. Pernas bambas, assustado, tremendo, nada
po-dia fazer. Mas...iluminava a cena!
Os educadores brasileiros têm sofrido agruras desumanas? É certo que sim. Seus
salários têm sido dpauperados? Isso tam-bém é verdadeiro. Mas isso faz com deixem
de lutar e desistam? Definitivamente, não. Sabem que um dia o fiel da balança irá
mudar. Enquanto isso persistem em se arriscar por uma melhor educação, uma vida
mais digna e um país mais humano.
A primeira e única vez que “fui mandado para a diretoria” foi uma experiência, ao
mesmo tempo, “decepcionante” e “sui gene-ris”. Isso aconteceu na segunda série do
ginásio, por causa de uma discussão entre mim e outro colega.
Imaginava que o diretor iria dar-me uma “bronca esbravejante”, uma bela lição de
moral e, no mínimo, três dias de suspensão. Não aconteceu nada disso. Por isso,
disse que foi decepcionante!
Aí, entra o “sui generis” da história. O diretor, “Seu” Gilberto, antigo professor
de educação física, só dava expediente de terno e gravata. Isso me intimidou ainda
mais. No entanto, ele teve uma atitude surpreendente: Educadamente, convidou-me a
en-trar e apontou uma cadeira para que eu me acomodasse, em frente à sua mesa.
Aos trancos e barrancos, com os pés e mãos gelados, gaguejan-do o tempo todo,
tentei explicar-lhe o incidente acontecido na sala de aula, procurando demonstrar-
lhe que jamais tinha sido mandado para a diretoria.
“Vamos fazer o seguinte...” – continuou ele no mesmo tom gentil – “Vou lhe dar uma
folha de papel almaço e um lápis. Você vai apanhá-los e, durante o tempo desta
aula, vai até o pátio escre-ver uma redação. O título deve ser: ‘Por que fui
mandado para a diretoria’”. Quando der o sinal, você volta aqui com a redação
pronta e aí conversaremos.
Atônito por não ter levado “um sermão” nem ter sofrido suspen-são alguma, peguei a
folha de papel e o lápis e fui, encaramuja-do, escrever a minha “redação castigo”.
Não entendi patavina do porquê daquilo. Hoje, compreendo que a intenção do “Seu”
Gil-berto foi dar-me uma oportunidade de refletir sobre a minha ati-tude em sala
de aula. Ele era, de fato, um educador.
Procurei pôr a cabeça no lugar e comecei a escrever. Tive que pensar muito para
colocar no papel o que se passara durante a aula, e que motivara minha “ida à
diretoria”. Terminei bem a tempo. O sinal soou.
Retornei à sala do diretor e ele estendeu as mãos para apanhar a minha produção
escrita. Colocou os óculos e foi lendo aten-tamente, parágrafo por parágrafo,
fazendo correções e anotações aqui e ali com sua caneta.
Em seguida, pediu-me que aproximasse mais minha cadeira à sua. Começou a ler em
voz alta o meu texto e a explicar quais as regras gramaticais eu tinha infringido,
por que razão tal pa-lavra se grafava com acento, por que esta outra se grafava
com dois “s” e não com “ç” e por aí afora.
Apontou os pontos fracos e fortes de minha redação, explicou-me quais eram os
tópicos da gramática que eu deveria estudar mais, recomendou-me esforço e
dispensou-me para retornar à sala de aula. Foi uma das melhores aulas de português
que já tive (por sinal, a única particular!); dada por um professor de educação
física, ocupando o cargo de Diretor da escola.
Essa atitude inédita do “Seu” Gilberto simplesmente fez com que eu jamais
esquecesse esse fato, mesmo passados mais de trinta anos. E ensinou-me muita coisa
para a minha vida, desde então. Tanto que estou aqui o relatando, depois de tanto
tempo.
Bem, se eu, com a idade que tenho, faço um esforço tremendo para me contextualizar
e não ser um professor da “velha guar-da”, está claro que o “Seu” Gilberto deveria
ser, pela idade que tinha, e pela época em que esse fato ocorreu, um professor
ain-da mais da “velha guarda” ainda!
Só que ele era um educador de vanguarda; naquele tempo (por sinal, de ditadura) já
estava muitos anos à frente de seus pares, no que diz respeito ao papel de quem
lida com a educação.
Nestes anos de magistério, não têm sido poucas as vezes que tenho presenciado,
infelizmente, diretores e diretoras de escola histéricos, gritando com alunos e
apontando o dedo para os seus narizes, parecendo mais delegados de polícia
interrogando o prisioneiro apanhado em flagrante. E penso, com os meus bo-tões:
“Que perda de tempo e que desperdício de palavras!”
Confesso que chego a pensar: “Para onde foi a criatividade dos profissionais da
educação na escola pós-moderna?”. É sempre uma disputa para participar dos
congressos, simpósios e fóruns sobre educação, sempre que eles acontecem. Mas, os
resultados práticos, onde estão?
“A palavra dura provoca a ira, mas a resposta branda desvia a fúria” (Rei Salomão)
Um dos trechos que mais gosto, estão expressos nas palavras que se seguem:
“...Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida, não deixaria pas-sar um só dia para
dizer às gentes – te amo, te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os
meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens lhes provaria como estão
enga-nados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhe-cem, sem saber que
envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, lhe daria asas, mas
deixaria que aprendesse a voar sozinha...”
Sem desejar que o leitor me considere herético, gostaria de, com sua permissão,
fazer um plágio do texto acima, direcionando as palavras para os educadores.
Talvez o resultado não seja tão mal assim.
“Deus meu, se eu tivesse um pouco mais de ânimo, não deixaria passar um só dia
para dizer aos meus alunos – te amo, te amo. Convenceria cada menina e cada menino
de minhas classes, que são os meus favoritos e viveria enamorado da emoção de
ensiná-los a cada dia. Aos adolescentes lhes provaria como estão enga-nados ao
pensar que deixam de brincar quando aprendem, sem saber que realmente aprendem
quando brincam. Aos pequeninos, responderia a suas perguntas, mas lhe daria
respostas que os fizessem refletir sobre a vida.”
Penso que, se cada educador pensasse um bocadinho no que está dito acima, logo
poderia chegar comigo à conclusão de que não pode haver aprendizagem sem afeto e
não há como existir afeto sem que esteja presente a ludicidade que, teorias
pedagó-gicas à parte, sempre precisa estar presente naqueles a quem Paulo Freire
denominou de “sujeitos aprendentes”.
Nem sempre sou compreendido por colegas, quando digo que, a escola de hoje, apesar
de contextualizada e inclusiva, não deve-ria ter abolido o esquema de notas. Não
para conferir um núme-ro ao “grau de capacidade de cada aluno”, mas apenas porque,
quando corretamente estimulados a tirar notas altas, sua auto-estima vai sendo
paulatina e consistemente construída.
É uma maravilha ver o contentamento deles, quando escrevo: “Lindo!”; “Muito bom!”;
“Ótimo”, “Você melhorou muito, para-béns!”; “Fora de Série!” e outras tantas
expressões parecidas, em seus cadernos. É sempre preciso, nessas ocasiões,
permitir um tempinho a mais, pois eles fazem questão de comparar os cadernos, a
fim de ver o “conceito” que cada um recebeu.
E, como existe uma lei cósmica que comprova que não se pode dar nada sem receber
algo em troca, já nem sei quantas vezes fui abraçado por essas menininhas e ouvi a
frase: “Ah, profes-sor! Como eu gostaria que o senhor fosse o meu pai!”. Sem falar
das muitas vezes em que saí da escola com a pasta pesada de balas a mim oferecidas
com tanto gosto, que seria uma maldade não aceitá-las!
Não é segredo para ninguém que, em todas as nações que com-põem o chamado
“primeiro mundo”, a mola propulsora do de-senvolvimento e do bem-estar das pessoas
baseia-se na premis-sa de que a educação deve ser a pedra angular que move toda a
engrenagem da sociedade.
Enquanto os representantes legítimos dessa população sofrida recebem cada vez mais
gordas “gratificações”, diga-mos...”inerentes aos cargos que ocupam”, crianças
estudam em escolas de lata e ranchinhos de madeira por esse Brasil afora, e
professores chegam a caminhar dez ou quinze quilômetros por dia o mês inteiro, em
troca de R$90,00 ou R$120,00 como pa-gamento. Dá para acreditar?
Tenho uma idéia meio maluca com a qual, obviamente, o leitor não é obrigado a
concordar. Ela não possui nada de extraordi-nário, mas talvez pareça um tanto
presunçosa. Consiste no se-guinte: Acredito que depois dos funcionários médicos
dos hospi-tais, os profissionais da educação e os bombeiros são as pesso-as que
mais salvam vidas neste país.
Procurando aqui fazer uma ponte com o jargão do belíssimo fil-me “Moulin Rouge”,
estrelado pela atriz australiana Nicole Kidman, no papel da cortesã Satine,
regenerada pela força do verdadeiro amor, poderíamos encerrar estas linhas com a
se-guinte conclusão:
E para eles, não num sentido burlesco ou fanfarrão, mas num contexto extremamente
sério, a despeito de tudo, O SHOW DEVE CONTINUAR!
PEDAGOGIA DO “GIMNÁSYO”
Creio que não me cabe aqui citar o nome do município, da esco-la ou dos envolvidos
na questão (mesmo porque, publicada num dos maiores jornais do país, a notícia
está lá, para quem quer que tenha a curiosidade de lê-la), mas, ao contrário do
que normalmente a gente faz, gostaria, sim, de entrar no mérito da questão.
No entanto, antes de fazer isso, não poderia deixar de mencio-nar que esse fato
não é isolado. Tem acontecido a mesma coisa em muitas outras escolas; só que, por
um planejamento melhor concebido, ou por retóricas mais buriladas, a coisa quando
vem à tona (se vier!) aparece com as feições de “estratégias de ensi-no” ou (como
também procurou-se justificar, no presente caso), como “trabalho voluntário”, o
que não descaracteriza a franca violação do “Estatuto da Criança e do Adolescente”
No caso citado, a mãe do garoto humilhado por ser obrigado a lavar o banheiro
(como punição pelo fato de ter esquecido uma calça de educação física) – uma dona
de casa de 37 anos de i-dade – desabafou: “não acho correto esse jeito de educar”.
Você acharia, se fizessem a mesma coisa com seu filho ou filha na escola que
freqüenta?
Pois bem, acho que essa, que eu mesmo chamei de “atitude di-tatorial” por parte da
diretora (e que também, deixei implícito, é apenas uma amostra de um fato que
ocorre em inúmeras esco-las) pode ser explicada por, no mínimo, duas realidades.
A primeira delas envolve a questão, já discutida por nós em ou-tros textos de que,
apesar dos novos enfoques surgidos em rela-ção à educação, nas últimas décadas (a
abordagem comporta-mentalista, de Skinner; a humanista, de Rogers; a cognitivista,
de Bruner e Piaget e a sócio-cultural, de Paulo Freire) e ainda de outras, ainda
mais recentes, como a “teoria das competências”, de Philliphe Perrenot e das
“inteligências múltiplas”, de Howard Gardner, grande parte de nossos educadores
ainda está presa ao tradicionalismo dos tempos passados.
Aliás, é esse fato, precisamente, que nos remete para a segunda realidade, que
acima mencionamos.
Freud descobriu que sofrimentos a que fomos submetidos nos primórdios de nossas
vidas, tais como: experiências traumáti-cas, falta de amor do pai ou abandono pela
mãe ou figura pa-rental importante (ele, genericamente, designava isso de “de-
samparo infantil”) são recalcados para o inconsciente, para pro-teger o ego do
indivíduo e, imediatamente, esquecidos.
Só que essas forças reprimidas, embora esquecidas não estão inertes. São dinâmicas
e exercem influências negativas, pela vi-da afora da pessoa, se ela não for
adequadamente tratada.
A coisa funciona mais ou menos assim: é como se você submer-gisse um barril vazio,
de boca para baixo, sob a superfície de um lago. Se você não fizer uma pressão
contínua sobre o barril, ou se a força utilizada para mantê-lo submerso não for
contí-nua, ele escapará e virá para a superfície.
Fato que, convenhamos, além de ser contraproducente, revela o descaso com o qual o
próprio educador trata da reciclagem de seus próprios conhecimentos e total falta
de empatia para com o ser humano irresponsável, enfrentador e desafiador, sim;
mas, ainda assim, um ser humano digno, chamado aluno.
Aos colegas educadores que ainda não se deram conta da men-sagem que estamos
tentando lhes passar com este capítulo, deixamos este texto, de Alfredo D. Souza:
“Por muitos anos, parecia para mim que a vida estava a ponto de começar. A vida de
verdade. Mas sempre havia um obstáculo no caminho, algo a resolver primeiro, algum
assunto a se terminar, tempo de passar, alguma dívida a se pagar. Então a vida
come-çaria!”.
Até que me dei conta que esses obstáculos ERAM MINHA VIDA.
Essa perspectiva tem me ajudado a ver que não há um caminho para a felicidade. A
FELICIDADE É O CAMINHO.”
Uma pedagogia mais contextualizada e uma postura educacio-nal mais ética valem a
pena. Mas os obstáculos precisam ser enfrentados criativamente. O preço deve ser
pago, mas o retor-no, com certeza, valerá a pena!
Hoje, alguém me deu para ler aquela fábula (segundo o texto, de autor
desconhecido) do porco que virou “leitão assado” por ter ajudado um amigo cavalo.
Resumindo, a estória é mais ou me-nos a seguinte:
“Seu cavalo está assim porque contraiu uma virose difícil de ser curada. Vou
receitar-lhe este remédio, que deve ser administra-do por três dias seguidos”.
“Se ele ficar curado, ótimo. Ao final desse prazo, virei examiná-lo novamente. Se
ele estiver bem, ótimo. Senão, seremos obriga-dos a sacrificá-lo”
“Força, companheiro, levante-se daí e demonstre que está bem, senão irão
sacrificá-lo!”
“Infelizmente, seu cavalo continua doente. Teremos que sacrifi-cá-lo hoje, pois a
virose é contagiosa e poderá infectar os outros animais.
“E assim, mesmo fraco como estava; estimulado pelo amigo por-co, com muita
dificuldade, o cavalo levantou-se e começou a trotar pelo pasto.
“Nesse momento, o fazendeiro chegou e, vendo o cavalo em pé, trotando pela grama
verde, ficou contentíssimo e exclamou:
“Milagre! Meu cavalo ficou bom. Isso merece uma comemoração! Vamos matar o porco!”
E o texto termina com uma moral: “Num ambiente de trabalho, nem sempre os
responsáveis pelo sucesso são os que recebem o reconhecimento pelo seu esforço”.
Ou seja, normalmente “são os outros”, politicamente mais espertos e extremados
valorizadores do poder e da fama, é que ficam com “os louros da vitória”. Coi-
tados!
Essa estória me levou à uma reflexão. Embora num sentido es-trito, apenas os
chamados “existencialistas” é que se preocupam com o sentido, direção e
significado da vida; penso que, num sentido lato, todos os seres humanos são
existencialistas.
Não reconhecem que a vida, como a natureza, também tem os seus estágios de
primavera, verão, outono e inverno. Até o ou-tono, tudo é mais difícil, mas ainda
suportável. Todavia, ao ve-rem a aproximação do inverno existencial, começam com
as medidas drásticas: cirurgias plásticas extremadas, casamentos e divórcios
relâmpagos, namoros com parceiros da idade dos ne-tos – vale tudo para permanecer
um pouco mais na mídia.
É claro que a coisa nem sempre é assim. Há muita gente famo-sa, envelhecendo feliz
e com naturalidade. Curiosamente, os re-presentantes dessa casta, muitas vezes,
nem conseguem aban-donar o cenário, por imposição de seus próprios fãs e permane-
cem atuando até a idade mais longeva. Pode acreditar que isso não acontece “por
acaso”, mas sim, como resultado de uma pos-tura mais amadurecida diante da vida e
de suas vicissitudes.
Pois bem, possuir “fama e poder” não são objetivos na vida de nenhum educador
sério. No entanto, eu mesmo tenho me refe-rido, neste pequeno livro, a professores
de minha infância e adolescência, dos quais jamais consegui esquecer.
E a história de suas vidas, já compartilhei com meus filhos, meus amigos, meus
colegas de trabalho e meus alunos. E tam-bém, agora, com você, leitor, educador ou
não, que nos tem a-companhado nessa leitura.
Desejo, então, finalizando, chamar sua atenção para um fato: Por mais poder, mais
dinheiro e mais fama que um ser humano possa ter, um dia chegará em que ele cairá
no mais completo esquecimento. Ninguém é insubstituível.
No entanto, a despeito disso, nós educadores, que com a atual legislação, nos
aposentamos com trinta anos completos de sala de aula, para quantos alunos não
teremos lecionado?
Creio que até vale a pena aqui, um pequeno cálculo matemáti-co. Levando-se em
conta que um professor, hoje, para sobrevi-ver dignamente precisa dar, uma média
de 10 aulas por dia; e que, cada classe possui uma média (média, mesmo!) de 30
alu-nos, ao final de um mês, teremos dado 200 aulas a diversas turmas de
diferentes séries.