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Dr.

ª Maria do Céu Santos,


Companheira bibliotecária:
Escolhi o seu trabalho para fazer o comentário que nos propuseram,
porque me pareceu um trabalho simples e objectivo, elaborado sem rodeios e
sem sobrancerias. Creio que traçou um quadro realista da situação concreta da
sua/nossa biblioteca e perspectivou aquilo que lhe/me parecem ser pistas e
caminhos para melhorar o serviço desse espaço pedagógico.
Obrigado por isso. Mesmo assim, tecerei alguns comentários, ora de
concordância ora de alguma discordância, relativamente ao que escreveu.
Esses comentários não lhe servirão de muito, porque serão fruto da minha
experiência pessoal, necessariamente desinteressante. Mas confesso que
prefiro enveredar por esse caminho do que alongar-me em considerandos
supostamente doutos. Como a colega fez no seu trabalho, aliás.
No que diz respeito aos “Aspectos críticos que a Literatura identifica”,
expressos no domínio “Competências do professor bibliotecário”, deixe-me
dizer-lhe que “a percepção negativa do professor bibliotecário pelos
outros docentes” é um pouco como o Brandy Constantino: “a fama que vem
de longe”. Na verdade, até há pouco tempo, talvez na maior parte das escolas,
era remetido para a biblioteca aquele professor ou professora a quem não
fosse fácil distribuir outro serviço qualquer, dada a sua fraca prestação, fosse
pelo motivo que fosse. Não me vou alongar muito, dado que, quanto a isso,
estamos todos esclarecidos. Mas não se pense que este conceito é coisa do
passado! É do presente!!! De hoje!!! Aqui não resisto a dar-lhe um exemplo
concreto: na minha escola, no final do ano lectivo passado (2008/2009, para
não haver dúvidas), foi sugerido por um coordenador de departamento que
determinada professora, com elevadíssimas e notórias dificuldades/carências
(não revelo em quê para não identificar), fosse encaminhada para a biblioteca.
No contexto que apresentei, poderá ficar a pensar esta biblioteca deve
ser um fiasco e que o professor responsável pela BE, nos anos anteriores,
deve ter sido uma desilusão. Mas engana-se em absoluto!!! O meu
Agrupamento de Escolas tem há muito tempo implementada a Avaliação
Interna, foi dos primeiros a solicitar Avaliação Externa (antes dela ser imposta
pela tutela) e está a caminhar a largos passos para uma efectiva autonomia,
nos termos da negociação que está a decorrer com o ME/DREN. Por outro
lado, a BE tem sido avaliada pela comunidade educativa (alunos, pais, pessoal
docente e não docente) em patamares invejáveis. Para dar uma ideia, o serviço
da biblioteca foi avaliado como o segundo melhor serviço do agrupamento
(depois das actividades de desenvolvimento curricular). Quanto ao
coordenador da BE, era eu próprio e no país não há ninguém que tenha uma
avaliação superior à minha, em sede de ADD!
Espero não me ter perdido no desabafo! A questão é a seguinte:
trabalho numa escola de referência, onde a BE tem as mais altas avaliações,
fruto de um trabalho sério e de uma disponibilidade sem horário, onde a
avaliação do coordenador atingiu o ponto máximo. No entanto, um coordenador
de departamento, membro do conselho pedagógico, sugere que vá para a
biblioteca uma colega que, naturalmente, não faria coisíssima nenhum! A
questão é que as escolas viram, durante muitos anos, o professor
bibliotecário um pouco como os professores em geral têm sido vistos,
nos últimos anos, por quem não devia ver assim: uns apêndices, um caso
menor num mundo de problemas muito mais sérios!

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Ainda quanto à “Competência do professor bibliotecário”, concordo
plenamente quando diz que “as exigências do papel do professor
bibliotecário” são uma “Ameaça”. Na verdade, sendo necessária e urgente
uma maior capacitação/formação do professor bibliotecário, não deixa de
ser também verdade que se está a pressionar em demasia a nossa
prestação. Não resisto a dar-lhe mais um exemplo: eu tenho actividade lectiva
(por opção, claro! Mas, acima de tudo, sou professor, preparei-me durante
muitos anos para ser professor, lecciono há vinte e cinco anos. Não consigo
deixar de ter, pelo menos, uma turma!), eu tenho actividade lectiva, dizia, sou
coordenador da biblioteca de um agrupamento com três BE’s e com as
inerências e afins que isso acarreta (CP, PTE, etc.) e estou ainda em fase de
“desligar” de outras actividades/cargos que desempenhei em anos anteriores.
Todos nós, que somos bibliotecários, sabemos que estamos assoberbados
de trabalho. Todos sabemos que damos à escola as horas da nossa família,
do nosso sono e do nosso fim-de-semana. Eu dou, irrito-me com isso, mas
continuo a dar. Dou um exemplo, inconveniente como os outros: como pode a
RBE marcar-nos trabalhos para realizarmos entre sábado e domingo, até
Dezembro, como é o caso destes “comentários” (que se sustentam em
leituras e análises realizadas no mesmo sábado, claro… - dezenas e dezenas
de páginas). Os professores (só nós é que sabemos isso, sobretudo os
professores de línguas!) estão habituados a trabalhar para os seus alunos aos
fins-de-semana, é certo. Mas fazem-no individualmente, no “segredo” das suas
rotinas, sendo esse trabalho domingueiro motivo de risos de profissionais de
outras áreas. A questão não está no trabalho ao fim-de-semana (cada um
faz o que quer do seu tempo de descanso e pode utilizá-lo, como eu o faço
muitíssimas vezes, a trabalhar), mas na institucionalização desse trabalho!
Relativamente à “Ameaça” da “ausência de colaboração dos restantes
docentes com o professor bibliotecário”, creio que é muito provável que o
contexto de avaliação do desempenho docente em vigor não ajude nada
ao trabalho colaborativo, mas antes estimulará o individualismo e a
competição.
Concordo plenamente quando afirma que “traçar um plano de acção a
desenvolver para os quatro anos” faz parte dos “Desafios. Acções a
implementar”. Na verdade, estamos demasiado habituados a “navegar à vista”,
a reagir em função das ocorrências, a tapar buracos conforme as
necessidades. Uma planificação para quatro anos possibilitará,
seguramente, um trabalho muito mais sustentado e mais frutífero.
No que concerne à “Organização e gestão da BE”, a suposta “falta de
formação para os funcionários” só pode ser culpa da sua escola, dado
que, provavelmente, o seu conselho pedagógico não tem dado instruções no
sentido de incluir nos planos de formação (designadamente no plano do Centro
de Formação a que pertence) a referida formação.
Por outro lado, dizer que “promover a avaliação dos serviços da BE”
é uma “Oportunidade” (claro que é!) parece-me uma constatação tardia –
então os serviços da BE não costumavam já ser avaliados? Não havia
relatórios trimestrais? Não havia relatórios para a RBE? Não havia actas? Etc.
Ainda bem que, no que diz respeito À “Gestão da colecção”, afirma que
“o apoio da RBE e do PNL na renovação do fundo documental” é um
ponto forte. Eu diria mais: sem esse esforço e esse desígnio
verdadeiramente nacional não seria minimamente possível chegarmos

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aos patamares de qualidade que estamos a atingir. Louvor a quem
impulsionou este esforço colectivo. Quanto à “falta de uma verba anual para
actualização da colecção” devo lembrar-lhe que, nos termos da legislação em
vigor, há receitas geradas pelas escolas (bares, papelarias…) que devem ser
aplicadas em recursos da área da biblioteca. Claro que sei bem que nem
sempre este princípio é aplicado… Eu iria mais longe e diria que é imperioso
criar um orçamento anual para a biblioteca.
Desculpe discordar redondamente quando refere a necessidade da
“criação de documentos a disponibilizar aos docentes”. Mais tarefas? Não,
obrigado! Nós temos é que disponibilizar à comunidade de leitores, em
suportes diversificados, os documentos que os docentes preparam, sob
as orientações dos respectivos departamentos curriculares. Ó colega (desculpe
tratá-la assim), ainda tem tempo para preparar documentos para os outros
docentes? De Língua Portuguesa? De Físico-Química? De Matemática?
Quanto à questão da “BE como espaço de conhecimento e
aprendizagem. Trabalho colaborativo e articulado com departamentos e
docentes”, penso que não devemos considerar uma “Ameaça” a possibilidade
de a biblioteca, como diz, deixar de ser, “também, um espaço lúdico e
agradável”. Eu SEI que, nas escolas, não há espaço mais agradável do que
o da biblioteca. Disse ainda, nos “Desafios. Acções a implementar” que vai
“continuar a desafiar a comunidade educativa, principalmente os encarregados
de educação, a participar e usar mais a BE”. Eu também tento fazer isso. No
final do mês de Outubro, Mês Internacional das Bibliotecas Escolares,
simbolicamente, entre muitas outras iniciativas, enderecei um e-mail à Sr.ª
Presidente da Associação de Pais da minha escola, onde solicitava a
divulgação, aos seus representados, da publicação de centenas de livros
digitais no blogue da biblioteca, particularmente destinados a leitores adultos.
Não tive qualquer feed-back. Mas continuo, tal como a colega. É para isso que
nos pagam!
Relativamente à “Formação para a leitura e para as literacias”, não
compreendi o motivo de ter afirmado que é uma “Fraqueza” a “elevada
percentagem de requisições domiciliárias” (deve ter sido algum lapso).
Perdoe-me a insistência, mas, como diz nos “Desafios. Acções a implementar”,
pretende “definir perfis de competências por níveis de escolaridade”?
Isso não é uma tarefa sua! Quando muito, pode colaborar para a definição
desses perfis, em sede de comissão do conselho pedagógico, por exemplo.
Quanto à “BE e os novos ambientes digitais”, queixa-se da “falta de
tempo para gerir a parte digital da BE, que necessita de actualização
diária” (blogue e equipamentos novos, deduz-se pela leitura), mas,
mesmo assim, pretende criar “uma página Web da BE”, como diz nos
“Desafios. Acções a implementar”? Não será demasiado?
No que diz respeito À “Gestão de evidências/avaliação”, estou
plenamente de acordo quando afirma serem uma “Ameaça” as “dificuldades na
implementação do modelo de auto-avaliação”. Andamos todos como baratas
tontas! Das suas palavras conclui-se que já se apercebeu da
complexidade desta auto-avaliação. Realmente só com formação (76
horas oficiais, mas muitas mais de facto) é que poderemos perceber com
rigor a complexidade do “Quadro referencial para avaliação” (49+29
páginas). Não seria possível produzir um documento mais simples?

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“Quanto mais simples, mais verdadeiro”, dizia Eça de Queirós. Mas isso eram
coisas do Eça…
E já que diz, nos “Desafios. Acções a implementar”, que pretende
“implementar um sistema de avaliação continuado e participado”, não resisto a
interrogá-la se não se sente já suficientemente vigiada e avaliada. Neste
momento, as escolas estão a viver a paranóia da avaliação. Não há mais
espaço para cartazes (o meu director - honra lhe seja feita! - proibiu a afixação
de papéis nas portas de entrada do bloco principal), toda a gente carrega
dossiês e papeladas sem fim (ou seja: somos todos doutores, carregados de
livros, como os tais…), em cada esquina pode surgir um flache para registar
mais uma evidência (não vá ela perder-se!...), há visitas, festas e celebrações
até à exaustão. Então o sujeito da avaliação deixou de ser o aluno? Pelos
vistos, parece que sim… Mas não devia parecer, digo eu. Há já escolas,
como a minha, a travar os ânimos, obviamente.
Quanto à “Gestão da mudança – Síntese”, discordo que considere que
a biblioteca “deve tornar-se parte fundamental da escola, colaborando
com os docentes e contribuindo para o sucesso educativo dos seus
alunos”. Deve tornar-se? Deus nos livre se ainda não é!!!
Relativamente aos “Factores de sucesso”, creio que será demasiado
ambicioso (porventura impossível) pretender que a biblioteca seja “o centro das
aprendizagens”. A biblioteca deve ser uma espécie de estrela, sim senhor,
que ilumina o percurso dos alunos, que abre portas à pluralidade de
saberes e de linguagens, que dessacraliza o discurso monolítico de cada
disciplina, que estimula o conhecimento global, transdisciplinar. Mas não
é nem tem recursos humanos e físicos para ser “o centro das aprendizagens”.

Continuação de bom trabalho! E um lema que usei no ano lectivo


passado e que me parece também partilhar: “A biblioteca pode ser o
coração do Agrupamento”.

Fernando Braga, formando

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