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O debate sobre o direito não é, apenas, um debate sobre poder, mas sobre o conteúdo
de bens sociais e moralidades a serem preservados, [..] sobre “valores” importantes.
[...] falar em direitos civis, direitos humanos e direitos sexuais significa falar em confli-
to [...] significa dizer que o sentido e a definição sobre o que e quem são os humanos se
altera e, com isso, alteram-se os sentidos sobre “importância”, sobre “o bem”, sobre o
“necessário”, sobre o “correto” etc.. E é nesta diversidade da diferença reconhecida que
surge o desafio de conceituar e pensar as estratégias de garantia sobre o que definimos
como direitos sexuais. (p. 146)
Existem direitos sexuais? Os direitos sexuais são direitos humanos? Quais as implica-
ções de se observar estes direitos como direitos humanos?
proponho observarmos [...] principalmente [...] o processo de construção dos sujeitos
de direitos, dos que são definidos e reconhecidos como cidadãos. [...] Michel Foucault
[...] diz que “o que não é regulado para geração ou por ela transfigurado, não possui
eira nem beira, nem lei. Tampouco possui verbo. É ao mesmo tempo expulso, negado e
reduzido ao silêncio. Não somente não existe como não deve existir e à menor manifes-
tação fá-la-ão desaparecer, sejam atos e palavras”. [...] Hannah Arendt [...] diz que os
direitos humanos não são um dado, mas um construído.
[A] questão da sexualidade sempre foi [...] regulada na sociedade como lugar de de-
terminação de certo e errado. A novidade, hoje, é observar esta discussão na perspecti-
va de direitos, principalmente de direitos subjetivos e individuais. Afirmar que direitos
sexuais são direitos subjetivos significa dizer que são direitos inerentes. (p. 148)
A questão então [...] é [...] a quem cabe o direito sexual - quem é o seu titular.
Observar que as definições de diferentes categorias existentes no mundo [...] estão dire-
tamente vinculadas àqueles que têm autoridade reconhecida para sua “classificação” e
definição implica perceber que estes processos são mutáveis e históricos. O que ocorre
na história, que vai do pensamento clássico ao racionalismo kantiano, é um processo
de ampliação dos sentidos sobre o que é a humanidade. [...] Não há mais ma ordem do
cosmos, tampouco uma ordem oriunda de Deus que determina o valor humano. É a ra-
zão humana que define as estruturas sociais, o logos passa a ser o homem (omni). (p.
149)
[O] enfrentamento da compreensão dos direitos sexuais relacionados aos direitos civis
implica observar o reconhecimento de capacidades. O direito à liberdade, à privacida-
de, à não discriminação estarão condicionados à possibilidade de reconhecer no outro
as condições de definir e eleger para si o que é melhor. [...] A liberdade de escolha im-
plica a possibilidade real de fazer escolhas. [...] se o sujeito não é reconhecido como um
agente capaz de fazer escolhas, de determinar o que é melhor e pior para si, para arcar
com os ônus e benefícios de suas escolhas, alguém deverá fazer por ele.
Nestas proibições o que está sendo negado não é uma possibilidade apenas, mas o re-
conhecimento de sua capacidade, da sua condição de responsabilidade. [...] a negação
da capacidade representa um processo de separação entre sujeitos mais ou menos res-
ponsáveis, de sujeitos com mais ou menos voz. [...] O discurso de capacidade [...] é a
definição sobre o universo de possibilidades da ação humana. (p. 151)
[Os] direitos civis e políticos vinculam-se ao universo tanto privado, das escolhas indi-
viduais, da privacidade, quanto ao universo público de definição de interesses coleti-
vos.
No âmbito público, [...] está no topo da ordem social brasileira [...] a justiça social, a
não discriminação, a dignidade humana, a liberdade. Isto significa que tanto as ações
do Estado, quanto as relações entre os indivíduos estão subordinadas aos ditames
constitucionais e não a moralidades de grupos específicos.
Direitos Sexuais como Direitos Humanos: a comunhão na diversidade
Os direitos humanos e os direitos sexuais como direitos humanos devem ser pensados a
partir de três princípios fundamentais: a) a idéia de universalidade; b) a idéia de invi-
sibilidade e c) a idéia de interdependência. [...] eu tenho vários direitos que vão cons-
truir os direitos sexuais em um universo relacional: [...] os direitos sexuais não se redu-
zem à idéia de direitos de liberdade. (p. 152)
[As] relações sociais não se subordinam a decretos. [...] para o constante processo de
significação das práticas humanas é que a participação de diferentes atores é funda-
mental. [...] o fundamental é não perdermos a capacidade de alteridade e de observar
a diferença. [...] o fundamental é fazer, constantemente, um exercício de desaprender;
afinal, como já dizia Fernando Pessoa, “pobre de nós que trazemos a alma vestida”. (p.
153)