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Texto: BUGLIONE, Samantha.

“Direitos Sexuais, Direitos Civis e Direitos Humanos –


convergências, divergências e humanidades”. In. RIOS, L.F; ALMEIDA, V; PARKER, R;
PIMENTA, C; TERTO JR, V. (orgs.) Homossexualidade: produção cultural, cidadania
e saúde. Rio de Janeiro: ABIA, 2004.

Sobre qual direito falamos? Definindo nossa arena de debate

O debate sobre o direito não é, apenas, um debate sobre poder, mas sobre o conteúdo
de bens sociais e moralidades a serem preservados, [..] sobre “valores” importantes.
[...] falar em direitos civis, direitos humanos e direitos sexuais significa falar em confli-
to [...] significa dizer que o sentido e a definição sobre o que e quem são os humanos se
altera e, com isso, alteram-se os sentidos sobre “importância”, sobre “o bem”, sobre o
“necessário”, sobre o “correto” etc.. E é nesta diversidade da diferença reconhecida que
surge o desafio de conceituar e pensar as estratégias de garantia sobre o que definimos
como direitos sexuais. (p. 146)

No período do pensamento clássico, [...] [o] social estava condicionado ao natural, o


logos era a physis. [...] o direito não estava em textos escritos, mas na tradição.

O direito passa a ser escrito como estratégia de centralização do poder e realização da


segurança. [...] a autoridade para ser e definir o que é o direito vincula-se ao Estado e
não mais a idéia de experiência e conhecimento da ordem natural das coisas. [...] Na-
poleão [...] altera o ensino do direito nas universidades, reduzindo este ao estudo dos
códigos. O direito, assim, começa a ser observado, prioritariamente, como procedi-
mento, como forma. (p. 147)

As definições do direito são sempre definições persuasivas, convencionadas. Nesse sen-


tido, para alterar os significados sobre o que é direito é necessário alterar os significa-
dos sobre as autoridades que definem o que ele é.

Os Direitos Sexuais: nenhum direito é uma ilha

Existem direitos sexuais? Os direitos sexuais são direitos humanos? Quais as implica-
ções de se observar estes direitos como direitos humanos?
proponho observarmos [...] principalmente [...] o processo de construção dos sujeitos
de direitos, dos que são definidos e reconhecidos como cidadãos. [...] Michel Foucault
[...] diz que “o que não é regulado para geração ou por ela transfigurado, não possui
eira nem beira, nem lei. Tampouco possui verbo. É ao mesmo tempo expulso, negado e
reduzido ao silêncio. Não somente não existe como não deve existir e à menor manifes-
tação fá-la-ão desaparecer, sejam atos e palavras”. [...] Hannah Arendt [...] diz que os
direitos humanos não são um dado, mas um construído.

Do Sexual e do Ser Humano: entre a regulação e a construção de humani-


dades

[A] questão da sexualidade sempre foi [...] regulada na sociedade como lugar de de-
terminação de certo e errado. A novidade, hoje, é observar esta discussão na perspecti-
va de direitos, principalmente de direitos subjetivos e individuais. Afirmar que direitos
sexuais são direitos subjetivos significa dizer que são direitos inerentes. (p. 148)

A questão então [...] é [...] a quem cabe o direito sexual - quem é o seu titular.

Observar que as definições de diferentes categorias existentes no mundo [...] estão dire-
tamente vinculadas àqueles que têm autoridade reconhecida para sua “classificação” e
definição implica perceber que estes processos são mutáveis e históricos. O que ocorre
na história, que vai do pensamento clássico ao racionalismo kantiano, é um processo
de ampliação dos sentidos sobre o que é a humanidade. [...] Não há mais ma ordem do
cosmos, tampouco uma ordem oriunda de Deus que determina o valor humano. É a ra-
zão humana que define as estruturas sociais, o logos passa a ser o homem (omni). (p.
149)

Com a modernidade, com a diversidade de comportamentos (ethos) não é mais possí-


vel definir “a” conduta ideal. Assim, as estruturas de definição de conduta, as definições
de autoridade não são mais valorativas, mas procedimentais.
[Por] mais que o direito tente se definir a partir de um texto e de um procedimento,
tanto o texto quanto o procedimento carecem de sentido, de significado. Ou seja, o di-
reito é o que se define como sendo.

O Simbólico e o Concreto: os direitos civis

[Ao] observar os direitos civis é necessário eleger elementos considerados fundamen-


tais para sua compreensão, em termos de extensão e limites. [...] A questão então é
como será definida a capacidade para o exercício dos direitos sexuais, uma vez que a
sexualidade está para além das definições jurídicas de capacidade. (p. 150)

[O] enfrentamento da compreensão dos direitos sexuais relacionados aos direitos civis
implica observar o reconhecimento de capacidades. O direito à liberdade, à privacida-
de, à não discriminação estarão condicionados à possibilidade de reconhecer no outro
as condições de definir e eleger para si o que é melhor. [...] A liberdade de escolha im-
plica a possibilidade real de fazer escolhas. [...] se o sujeito não é reconhecido como um
agente capaz de fazer escolhas, de determinar o que é melhor e pior para si, para arcar
com os ônus e benefícios de suas escolhas, alguém deverá fazer por ele.

Nestas proibições o que está sendo negado não é uma possibilidade apenas, mas o re-
conhecimento de sua capacidade, da sua condição de responsabilidade. [...] a negação
da capacidade representa um processo de separação entre sujeitos mais ou menos res-
ponsáveis, de sujeitos com mais ou menos voz. [...] O discurso de capacidade [...] é a
definição sobre o universo de possibilidades da ação humana. (p. 151)

[Os] direitos civis e políticos vinculam-se ao universo tanto privado, das escolhas indi-
viduais, da privacidade, quanto ao universo público de definição de interesses coleti-
vos.

No âmbito público, [...] está no topo da ordem social brasileira [...] a justiça social, a
não discriminação, a dignidade humana, a liberdade. Isto significa que tanto as ações
do Estado, quanto as relações entre os indivíduos estão subordinadas aos ditames
constitucionais e não a moralidades de grupos específicos.
Direitos Sexuais como Direitos Humanos: a comunhão na diversidade

Os direitos humanos e os direitos sexuais como direitos humanos devem ser pensados a
partir de três princípios fundamentais: a) a idéia de universalidade; b) a idéia de invi-
sibilidade e c) a idéia de interdependência. [...] eu tenho vários direitos que vão cons-
truir os direitos sexuais em um universo relacional: [...] os direitos sexuais não se redu-
zem à idéia de direitos de liberdade. (p. 152)

[As] relações sociais não se subordinam a decretos. [...] para o constante processo de
significação das práticas humanas é que a participação de diferentes atores é funda-
mental. [...] o fundamental é não perdermos a capacidade de alteridade e de observar
a diferença. [...] o fundamental é fazer, constantemente, um exercício de desaprender;
afinal, como já dizia Fernando Pessoa, “pobre de nós que trazemos a alma vestida”. (p.
153)

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