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Direito de Resposta

Exmo. Senhor Director do Jornal Diário económico:

Vem esta resposta a propósito do editorial do Jornal económico do dia 11 de


Março, redigido pelo Senhor Director desse jornal, André Macedo.
Nas últimas semanas têm sido frequentes as palavras ressabiadas escritas por um
sem número de escribas que pululam na nossa comunicação social. Que muitos deles
fazem o jogo do poder político já todos nós sabemos; se essas opiniões são genuínas,
então há muita coisa a dizer sobre o seu carácter moral e sobre o modo como se faz
jornalismo em Portugal. Diz o nosso visado editorialista que Ouvidas as declarações
que os professores fizeram ao longo do dia não podia senão chegar-se a uma triste
conclusão: a pobreza dos argumentos da esmagadora maioria, a incapacidade para
apontarem com objectividade e clareza o motivo que os leva a rejeitar o sistema de
avaliação (…) E continua mais à frente, pareciam excursões de alunos em plena
galhofa inconsequente e pré-escolar. Antes de mais, como jornalista que é, sabe que
quem decide o que aparece nas televisões é a realização do canal televisivo, não é o
entrevistado. Posso dar-lhe como exemplo, uma entrevista alongada de um professor,
responsável por um dos movimentos, na qual apenas uma frase dita por ele passou no
canal de televisão que o entrevistou. Infelizmente, o que interessa à comunicação social
não são os argumentos. Mas já que falou de argumentos, aqui vai a lição que, pelos
vistos, não aprendeu na escola (talvez daí o ressentimento). Primeira lição, tome nota:
concluir que o sistema de ensino falhou porque os professores são desqualificados e que
são desqualificados porque o sistema de ensino fracassou é a chamada falácia da
circularidade, tomar por premissa o que quer demonstrar, é um argumento inválido;
segunda lição, é a prova por contradição ou redução ao absurdo, concluir que o sistema
de ensino não qualifica os seus profissionais qualificados é uma contradição nos termos;
além do mais, alguém, supostamente qualificado pelo sistema de ensino desqualificado
que o qualificou, transforma a sua qualificada opinião num absurdo; terceira lição, o
seu argumentário limita-se a fazer generalizações precipitadas. Se quer fazer
generalizações, tenha o devido cuidado de ter em conta a lição magistral de Karl
Popper, que nos ensinou há já bastante tempo que devemos procurar sempre o contra-
exemplo. Se não teve o cuidado de o procurar eu faço questão de lho fornecer. Se é
razões que pretende? Muito bem, dou-lhe já de enxurrada quatro razões: uma de ordem
profissional; uma de ordem deontológica, uma de ordem moral e outra de ordem legal:
Primeira razão, como qualquer gestor ou economista sabe, não se pode pedir a
nenhum profissional que trabalhe e que produza mais dizendo-lhe que vai ganhar
menos. O que o ministério pretende, com a publicação do novo estatuto da Carreira
Docente, é exactamente isso, exigir aos professores que dêem mais às escolas (muito
bem!) dizendo-lhes simultaneamente que irão ganhar menos, muito menos, já que a
fractura profissional em duas carreiras, para fazer exactamente a mesma coisa – dar
aulas, implica que dois terços dos professores, digo dos professores, a despeito do
discurso do mérito e da excelência, não terão oportunidade de verem recompensado esse
mérito porque, atente bem, terão o acesso bloqueado ao topo da carreira. E não me
venham outra vez com esse argumento empoeirado dos militares que não chegam todos
a generais. Qualquer semelhança entre a carreira militar e a docente é pura coincidência.
Toda a gente percebe que a carreira militar é altamente hierarquizada e por inerência
exige responsabilidades e competências díspares. Ora, os professores dão aulas. Todos!
Dizer que em outras profissões acontece o mesmo significa, voltando à teoria da
argumentação, cometer a falácia naturalista. Do ser não se deduz nunca o dever ser.
Segunda razão, este modelo de avaliação fere profundamente a deontologia
profissional. Exigir aos professores que se responsabilizem pelo abandono escolar e
pelos resultados dos alunos é inverter a lógica do ensino e aprendizagem. O abandono
escolar não depende obviamente da vontade do professor; os resultados dos alunos
avaliam os alunos, não o professor. A agravante destes elementos de avaliação é a
perversão a que, fatalmente se adivinha, irá conduzir. Pior, é a jogada politicamente
indecente de quererem melhorar estatísticas na educação à custa da consciência
profissional dos docentes e, mais grave ainda, induzir um falso sucesso educativo
quando o fundamental está por fazer.
Terceira razão, se tivesse ouvido as palavras sábias de João Lobo Antunes ou
do Cardeal Patriarca de Lisboa – D. José Policarpo, teria entendido aquilo que os
governantes actuais nunca foram capazes de entender. O profissional que trabalha, e que
trabalha seriamente, que sacrifica muitas vezes a família para garantir um futuro
profissional, o mínimo que lhe é devido é respeito. Esta é uma razão ética elementar.
Por este motivo, nem vale a pena perguntarem se os professores têm razão? Têm, pelo
menos, cem mil razões!
Quarta razão, para além das providências cautelares que estão a ser apreciadas
pelos tribunais, há uma questão legal que suscita, no mínimo, perplexidade. Sabendo
que os professores vão ser avaliados pelos pares, sabendo que as ditas quotas para
“excelente” e “muito bom” são as mesmas para avaliador e avaliado, quem garante a
imparcialidade do avaliador? Leia o que diz o Artigo 44º do Código de Procedimento
Administrativo.
Uma última lição que lhe quero deixar, já não é de natureza argumentativa mas
ética, ou mais prosaicamente, de honestidade intelectual. Quando o senhor diz que
apenas ouviu “vacuidades desconexas”, “banalidades e frases ocas”, “galhofa
inconsequente”, “falta de substância de tudo o que disseram”, lendo o seu artigo, fico
com a nítida impressão de estar perante um fenómeno nítido de projecção. Os seus
argumentos são falazes, as afirmações são grosseiras, gratuitas e insultuosas, e a fortiori
esbarram na evidência, também dos números, que qualquer pessoa inteligente, tenha
ficado em casa ou não, qualificada ou não qualificada, reconhecerá. Além do mais,
devo-lhe dizer que os professores estão fartos dessas opiniões desinformadas, de
julgamentos nada edificantes, de proclamados jornalistas incapazes de fazer o trabalho
de casa. E tem o senhor a pouca vergonha de falar em inteligência e qualificação?
Em jeito de conclusão digo-lhe aquilo que tinha a obrigação de ter, certamente,
já compreendido: o que os professores fizeram não foi uma excursão, foi uma aula
prática de democracia. E essa é uma lição para pessoas atentas e inteligentes. A lição,
neste caso, é muito simples: há maneiras adequadas e inadequadas de se governar, como
há maneiras adequadas e inadequadas de se julgar. E não se governa contra as pessoas,
como não se julga sem informação. E caso não tenha gostado da lição ou tenha achado
os argumentos insuficientes, faça aquilo que já deveria ter feito e dirija-se à Escola
Secundária de Barcelos que terei todo o gosto de lhe providenciar a informação e os
argumentos que reclama e não procurou.

José Rui M. F. Rebelo, professor da


Escola Secundária de Barcelos

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