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Hugo Serra
10ºf nº9
Introdução
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Auto-Retrato
O’Neil (Alexandre), moreno português,
cabelo asa de corvo; da angústia da cara,
nariguete que sobrepuja de através
a ferida desdenhosa e não cicatrizada.
Se a visagem de tal sujeito é o que vês
(omita-se o olho triste e a testa iluminada)
o retrato moral também tem os seus quês
(aqui, uma pequena frase censurada…)
No amor? No amor crê (ou não fosse ele O’Neil!)
e tem velocidade de o saber fazer
(pois no amor não há feito) das maneiras mil
que a semovente estátua do prazer
Mas sofre de ternura, bebe de mais e ri-se
do que neste soneto sobre si mesmo disse…
Alexandre O’Neil
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão de altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Natália Correia
Luís de Camões
Identidade
Matei a lua e o luar difuso.
Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que ha no sofrimento.
Miguel Torga
Auto-Retrato
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
Auto-retrato
Este que vês, de cores desprovido,
Ana Hatherly
Almada Negreiros
Florbela Espanca
Garota de Ipanema
Olha que coisa mais linda
Vinicius de Moraes
Retrato de Natália
Hierática cromática socrática
passas branca de neve pela sala
nebulosa de pele via láctea
do único percurso que nos falta.
Alexandre O’Neil
fanny
fanny, a grande
Alexandre O'Neill
Anjo és
Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.
Almeida Garrett
Fernando Pessoa
Teu canto justo que desdenha as sombras
Limpo de vida viúvo de pessoa
Teu corajoso ousar não ser ninguém
Tua navegação com bússola e sem astros
No mar indefinido
Teu exacto conhecimento impossessivo.
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.
Retrato do herói
Herói é quem no muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
E morre devagar de morte certa.
Manuel Alegre
Testamento do Poeta
Todo esse vosso esforço é vão, amigos:
Não sou dos que se aceita... a não ser mortos.
Demais, já desisti de quaisquer portos;
Não peço a vossa esmola de mendigos.
José Régio
Análise de
Poema
“Porque”
Este poema está inserido numa das linhas temáticas da
poesia de Sophia de Mello Breyner Andersen a qual
denuncia as injustiças e desigualdades sociais.
O próprio título “Porque” reforça, através da anáfora, a
ideia desenvolvida ao longo do poema. Deste modo, parece
haver um diálogo entre o sujeito poético e um “tu”, que
aparece no primeiro e último versos da primeira estrofe,
assim como no último verso das estrofes seguintes.
O sujeito poético põe em evidência as virtudes e
qualidades do outro, mostrando um verdadeiro sentimento
de admiração, o que nos leva a pensar poder tratar-se de
um amigo íntimo. Deste modo, verifica-se uma atitude
muito contrastante em relação aos outros e à pessoa
amada, nomeadamente através da conjunção adversativa
“mas”.
O sujeito poético denuncia a falsidade , “Porque os
outros se mascaram”, a astúcia “Porque os outros usam a
virtude/Para comprar o que não tem perdão” ( o sujeito
poético poderá referir—-se à honra, honestidade, etc.),
logo é referido o receio que os outros têm em demonstrar o
verdadeiro eu, ao contrário do tu. Os outros são hipócritas
ao oferecerem apenas a aparência.
Na segunda estrofe é reforçada a ideia da corrupção,
nomeadamente no primeiro e segundo versos, uma vez que
os túmulos caiados significam o disfarce, assim sendo
simbolizam os segredos, dando uma imagem de hipocrisia,
onde está mais explicita esta critica é no segundo verso da
segunda estrofe.
Deste modo verifica-se que todo o poema é de
intervenção social.
Enquanto os outros se disfarçam para esconder os seus
defeitos e pecados, o tu confronta as pessoas com a
verdade sem medo de represálias. Assim sendo o tu pode
representar aquele que denuncia as injustiças sociais.
Na terceira estrofe verifica-se novamente uma
enumeração e oposição de atitudes, logo existe uma crítica
ao oportunismo, “Porque os outros se compram e se
vendem” e ao calculismo “ E os seu gestos dão sempre
dividendo”. Verifica-se ainda no terceiro verso da terceira
estrofe novamente a astúcia dos outros que planeiam
sempre as suas acções com vista ao lucro.
O vocábulo “abrigo” existente no primeiro verso da
quarta estrofe simboliza a dissimulação das acções, visto
estas serem feitas às escondidas, a atitude do tu é
contrastante com a dos outros, visto este não planear as
suas acções independentemente do resultado. O tu é
corajoso, pois não tem receio de denunciar as injustiças,
dai que o verso diga “E tu vais de mãos dadas com os
perigos”
O último verso da quarta estrofe reforça a ideia expressa
onde os outros planeiam para atingir lucros ao contrário do
tu, este tem uma atitude honesta ao longo de todo o
poema.
A figura de estilo mais marcante é a repetição anafórica
da conjunção “porque”, para enumerar os defeitos dos
outros, as antíteses para mostrar as diferenças entre o
comportamento dos outros e do tu e ainda a metáfora “os
outros são os túmulos caiados”.
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