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X Conferência Brasileira de Comunicação e Saúde - ComSaúde 2007.

ANOREXIA E BULIMIA: UMA LEITURA A PARTIR DAS


REVISTAS ATREVIDA E CAPRICHO

BRASIL, Érica
Graduanda de Jornalismo no UniFIAMFAAM
erica.brasil@ibest.com
PESSONI, Arquimedes
Doutor em Comunicação Social e professor do UniFIAMFAAM
arquimedes.pessoni@gmail.com

RESUMO
A anorexia e a bulimia nervosas vêm se destacando como síndromes do mundo
ocidental. Na busca de corpos estereotipados, apontados como ideal de beleza, as
mulheres acabam por desenvolver esses transtornos alimentares – muitas vezes mortais
– privando-se dos princípios básicos da alimentação saudável. A proposta da presente
pesquisa foi verificar se as adolescentes, que estão na faixa etária de maior incidência
dos citados transtornos, recebiam alguma informação sobre o assunto nas revistas
Atrevida, da Editora Símbolo e Capricho, da Editora Abril. Para tanto, foi feito um
recorte temporal nessas publicações buscando apontar a presença do tema. A
metodologia ou procedimento analítico usado nesta pesquisa foi uma combinação entre
entrevistas e análise de conteúdo, em aspectos qualitativos e quantitativos.
Palavras-chave: anorexia; bulimia; mídia de massa; beleza; comportamento.

Introdução
A proposta desta pesquisa foi verificar se a faixa etária de maior incidência de
Anorexia (AN), na qual também ocorre a Bulimia (BN), recebe alguma informação
sobre o assunto nas revistas Atrevida, da Editora Símbolo e Capricho, da Editora Abril.
Foi feito um recorte temporal nessas publicações buscando apontar a presença do tema.
A Atrevida tem periodicidade mensal, enquanto a Capricho é quinzenal. Os
critérios de escolha basearam-se nas vendas em banca e na tiragem. O período escolhido
para estudo coincidiu intencionalmente com o das mortes das seis jovens brasileiras por
complicações da anorexia e bulimia (entre novembro de 2006 e janeiro de 2007), para
então ser possível a análise da cobertura dos fatos, bem como do feedback do público.
Portanto, foram eleitos os meses de novembro de 2006 a março de 2007, totalizando 10
exemplares da Capricho e 5 da Atrevida.

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Ao todo foram 17 textos analisados, entre reportagens, testes, depoimentos, etc.


Destes, 13 são da revista Capricho, representando 76,47% e 4 são da revista Atrevida,
representando 23,53%. A média de ocupação do tema na primeira manteve-se em
1,53% e, na segunda, 1,09%, considerando somente as edições que o incluíam.
O tema maior foi dividido em subtemas para quantificação mais precisa da
freqüência. Assim, temos: dieta (6 matérias), anorexia (5), bulimia (3), auto-imagem
(2), moda (3) e outros distúrbios psicológicos (1). Consideramos que a matéria sobre
Ana Carolina Reston (Capricho, novembro de 2006) contempla simultaneamente dieta,
anorexia e moda, pelo fato de ela ser a única modelo profissional entre as jovens que
morreram entre novembro de 2006 e fevereiro de 2007.
Analisando separadamente, tanto as aparições do tema AN como as do tema BN
são menos freqüentes que as de dieta. Concluímos que a oferta de material midiático em
prol da magreza é maior que a de informações sobre a imagem que a leitora tem, ou
pode vir a ter, dela mesma.
Se isolarmos as matérias que envolvem moda, criamos um pacote com Kate
Moss (Capricho, novembro, 1ª quinzena), ícone da magreza anoréxica dos anos 90, Ana
Carolina Reston (Capricho, novembro, 2ª quinzena), que faleceu com um IMC de
apenas 13,5 e o filme O Diabo veste Prada (Atrevida, novembro), pautado em uma
entrevista com a protagonista Anne Hathaway. Trata-se de uma combinação explosiva,
em nível simbólico, entre um ideal de beleza, o mundo de uma célebre revista de moda
e o produto dessa mistura no pior dos desfechos – uma modelo a perseguir
obcecadamente esse ideal, a fim de estampar páginas dessa mesma revista e de quantas
outras for possível. Como escreveu Alberto Dines, “Ela conseguiu ser capa de revista:
quando morreu”. No texto, o jornalista destina culpa ao mundo da moda e
responsabilidade à mídia enquanto reprodutora de signos que facilitariam o surgimento
de Anas mundo afora:

Estilistas e agências de modelos foram escolhidos pela mídia como


culpados pela tragédia. E são mesmo culpados: impuseram um padrão
de beleza perverso, antinatural e macabro, apenas para atender ao
espírito novidadeiro e fútil da indústria da moda. (...) A anorexia de
Ana Carolina mostrou a amnésia da nossa mídia. Não foram os jornais
e revistas que inventaram a balela do glamour do mundo fashion. Mas

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quem martela continuamente esta balela nas capas, reportagens,


colunas sociais, empresariais, telejornais e telenovelas é a mídia. Na
ânsia de faturar anúncios das coleções da próxima estação e abiscoitar
algumas assinaturas no segmento feminino, jornais responsáveis
ultimamente aderiram de forma pouco crítica e leviana à febre das
fashion weeks, eventos puramente comerciais disfarçados em fatos
jornalísticos.

No que tange às fontes especializadas, em se tratando da revista Capricho, pode-


se dizer que não houve repetição e o mínimo satisfatório foi atingido para que se
publicassem matérias informativas e com conteúdo bem fundamentado. Percebe-se que
houve preocupação em diversificar as fontes, embora por questão de mérito e
proximidade com a redação, predominem os profissionais da USP e da Unifesp. No
caso da Atrevida, não houve consulta de fontes especializadas nas matérias selecionadas
para o presente estudo.

A anorexia
A anorexia nervosa pode ser definida como um transtorno do comportamento
alimentar no qual encontramos restrições dietéticas auto-impostas e padrões
extravagantes de alimentação, acompanhados de acentuada perda de peso. Essa perda
ponderal, além de ser induzida, é também mantida pelo paciente em virtude de
apresentar um temor intenso e injustificável de engordar e de se tornar obeso a qualquer
momento (SILVA: 2005, p. 53).
De acordo com Silva (2005: p.55), a anorexia (AN) acomete sobretudo
adolescentes e adultos entre 10 e 30 anos, destacando a faixa etária dos 12 aos 16 anos
como a de maior incidência. Anoréxicas buscam sempre dissimular seu comportamento
alimentar. Sem qualquer crítica, têm uma visão distorcida de seus corpos, achando-se
sempre gordas, mesmo estando magras aos olhos de qualquer outra pessoa.

A bulimia
A bulimia nervosa (BN) costuma aparecer mais tardiamente que a AN: do fim da
adolescência até os 40 anos de idade, com maior incidência entre os 18 e 23 anos nas
mulheres, as mais atingidas. A doença se caracteriza por episódios de ingestão de
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grande quantidade de comida, muito mais que qualquer pessoa comeria normalmente e
nas mesmas circunstâncias, conhecidos por binge-eating, “orgia alimentar” ou
hiperfagia, acompanhados por perda de controle, culpa, vergonha e ações
compensatórias. O psiquiatra Geraldo Ballone disponibiliza em seu site, o PsiqWeb,
informações sobre diversos transtornos psicológicos, dentre eles a bulimia. Lá, ressalta
que o binge-eating acontece em um período limitado de tempo, que costuma ser menos
de duas horas, no qual se come até atingir o desconforto físico. Beliscar o dia inteiro ou
comer a mais em uma festividade dificilmente configurariam esses episódios de
compulsão, portanto provavelmente não se trataria de um episódio de bulimia. Silva
esclarece eventuais confusões entre a AN e a BN:

De forma geral, os pacientes com BN consideram seus hábitos


alimentares vergonhosos, ao contrário dos anoréxicos, que se
orgulham de seu apetite “caprichoso” e o consideram normal ou
levemente seletivo. (...) Enquanto a face dos anoréxicos é envelhecida,
caquética, com cabelos ralos e quebradiços, a dos bulímicos apresenta
forma de lua cheia (pela hipertrofia das glândulas parótidas, devido
aos vômitos constantes). Na BN os ciclos menstruais podem estar
normais, diferentemente da AN, onde a amenorréia está presente em
todas as mulheres pós-menarca (SILVA 2005: p. 78).

A anorexia e a bulimia nas revistas Capricho e Atrevida


Na novela Páginas da Vida, exibida pela TV Globo, a personagem Gisele,
interpretada pela atriz Pérola Faria, sofre de bulimia. Nas duas publicações analisadas
há entrevistas com Pérola (Capricho, novembro de 2006, 2ª quinzena, p. 102 e Atrevida,
dezembro de 2006, p. 54), publicadas sob o gênero pingue-pongue. Ambas apresentam
perguntas e respostas semelhantes e abordam o transtorno de Giselle. Entretanto, é a
Capricho que traz respostas mais completas. Como podemos observar na entrevista, a
internet se mostra mais uma vez um terreno fértil em informações sobre o assunto. Vale
destacar que a revista Capricho apresenta menor área de matéria – 673,53 cm2, em
contraste com os 1.427cm2 da Atrevida.
A Capricho da segunda quinzena de novembro de 2006 trazia uma capa bastante
curiosa e graficamente expressiva: nada de mulheres magras, modelos ou mesmo

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celebridades. Apenas uma singela bonequinha desenhada com traços bem rudimentares,
pendurada da mesma forma que o boneco do jogo da forca sobre a palavra anorexia.
Fechando o quadro, a postura evidente da revista: “milhares de garotas brasileiras
acreditam que a doença é sua melhor amiga. Você não precisa ser uma delas”.
A reportagem principal dessa edição da Capricho, “Game Over – O jogo
diabólico da anorexia” (Capricho, novembro de 2006, 2ª quinzena, pg. 96), é dedicada a
duas vítimas de anorexia, identificadas pelos codinomes Sara e Nana.
Em entrevista concedida para o presente estudo, a jornalista Marina Bessa,
editora da Capricho e autora de “Game Over...”, relembra como foi a produção da
matéria:

Foi tudo muito rápido, disparado pela morte da (modelo) Ana


Carolina Reston. A gente percebeu que também tinha que tocar no
assunto, por que se relacionava às adolescentes, a maioria de nossas
leitoras. Foi feita em cerca de três dias. Até adiamos o fechamento da
revista por isso. Fizemos contato com muita gente. (...) Conversei com
as mães de duas delas (as personagens da matéria) e percebi que a
preocupação com as recaídas é uma bomba-relógio. (...) Enfim,
tivemos que fazer uma força-tarefa, e dividimos funções para produzir
a reportagem. Fiquei coordenando as personagens, outra pessoa
cuidou da parte médica.1

Marina também relatou a experiência que teve durante uma visita ao


AMBULIM, o Ambulatório de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Lá, em
contato com garotas em tratamento nos mais variados estágios: “ ... percebi que elas
sempre são bem inteligentes, uma característica que elas usam para enganar os
envolvidos no tratamento”, comenta Marina.
Além dos casos citados, a reportagem traz dados estatísticos e dicas de como
reconhecer a doença nas amigas, além de esclarecer dúvidas. Ao fim, um box contendo
o que é normal e o que não é quando se trata de perder peso. O propósito é de estimular
a reflexão sobre o comportamento da leitora. Fica evidente a preocupação da revista em

1 Entrevista concedida em 01/11/2007.

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abordar o assunto, mas sem sensacionalismos, reservando outro espaço da revista para
falar sobre a modelo. O caráter educativo se destaca porque o texto contempla fontes
médicas de todas as especialidades envolvidas no tratamento da anorexia.
Argüida sobre qual seria o ideal de beleza da Capricho para as suas leitoras,
Marina traz novidades que deixariam Alberto Dines um pouco mais satisfeito:

A gente se preocupa muito com a diversidade das leitoras. O pessoal


da moda começou pegando gente que não era modelo para os
editoriais. A preocupação era mostrar ideais de beleza mais variados.
Mas isso ficou inviável, por questões profissionais. Meninas comuns,
por mais bonitas que sejam, nem sempre sabem lidar com a câmera.
Por isso, o casting das modelos que saem na Capricho é feito aqui
mesmo, para que possamos garantir que o critério seja o da
diversidade. Para a seção Galera Capricho, temos todos os biotipos
possíveis: baixinha, gordinha, negra, oriental... Representatividade é o
lema. As meninas da Galera são um grupo de consultoras, meninas
comuns que trabalham junto com a redação. Aparecem na revista
como personagens e também sugerem pautas. É difícil fugir do padrão
de beleza das modelos. Mas, mesmo assim, não existe um padrão de
beleza para a Capricho. Cada um tem a sua beleza e pode ser bonito
com seu próprio padrão. É nesse sentido que trabalhamos2.

Não estipular padrões amplia o leque de reconhecimento das adolescentes com


os signos de beleza dessa publicação, e o fato de saber que é possível participar
ativamente da produção, estreita os laços de identificação. “É nossa função estar atentos
para perceber como temos colaborado com esse aumento (dos casos de jovens com
anorexia), e contribuir não mostrando pessoas com um padrão inalcançável de beleza”,
alerta Marina.
A estratégia principal do pessoal da Capricho é a de estimular o
desenvolvimento da auto-estima de suas leitoras. Para isso, é necessário ter consciência
de que se trata de adolescentes, na maioria, para as quais a própria imagem costuma ser
um capítulo conflituoso internamente. Com esse público, não funcionam chavões, o que
exige estratégias mais sutis de ação: “Trabalhamos a auto-estima da leitora de forma

2 Entrevista concedida em 01/11/2007.

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mais indireta: como se vestir com o corpo que ela tem, como fazer uma maquiagem
com a pele que ela tem, ver se é realmente o caso de fazer uma dieta, etc”3.
A jornalista e pesquisadora Rita Trevisan também contribuiu para este trabalho
concedendo preciosa entrevista. Nela, Rita nos atualiza acerca de iniciativas da revista
em prol do desenvolvimento da auto-estima de suas leitoras:

A Atrevida lançou uma campanha, na edição de setembro deste ano


(2007), em favor da auto-estima. O nome é “Atrevida Butterfly”. A
idéia surgiu a partir de uma observação nossa em relação às leitoras
que escreviam/interagiam com a revista e que expressavam uma
profunda frustração com o corpo, com a imagem que faziam de si
mesmas. Desde então, estamos fazendo uma série de matérias
temáticas na revista, com diferentes enfoques. Em todas elas, no
entanto, a idéia é ajudar a fortalecer a auto-estima, para que a leitora
possa criar uma imagem mais positiva de si mesma, sem depender de
nenhum padrão pré-estabelecido4.

O constante status de alerta, citado por Marina e eleito por ela como
fundamental para que se produzam conteúdos mais responsáveis na mídia brasileira, é
complementado pelos dizeres de Rita. Ela também comenta sobre a responsabilidade da
mídia na propagação de ideais de beleza:

Acho que a mídia tem um papel importante na propagação de padrões


de beleza, sim. Porém, em outros momentos, como no da Atrevida
Butterfly, é ela que oferece um contraponto, uma alternativa, uma
posição mais crítica. De qualquer forma, acho que a busca de
realização focada num ideal físico é muito mais fruto de uma crise de
valores na sociedade de uma forma geral do que uma conseqüência do
trabalho que a mídia faz5.

A Atrevida mudou de editora em julho de 2007, passando da Símbolo para a

3 Entrevista concedida em 01/11/2007.

4 Entrevista concedida em 30/11/2007.

5 Entrevista concedida em 30/11/2007.

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Escala. Rita alerta que, do ponto de vista estrutural, não sofreu nenhuma alteração em
seu projeto editorial.

Tive anorexia e dei a volta por cima (Daniela Aidar)


A Atrevida publicou o depoimento de Daniela Aidar, sob o título Tive anorexia e
dei a volta por cima, no mesmo mês em que o suplemento Atrevida Mini trazia o teste
Seu corpo e você (Atrevida, janeiro de 2007). No relato, a história de uma garota que
queria ser modelo e, para isso, pegou pesado com as dietas. Em sua fase mais crítica,
conta que chegou a pesar 36 quilos. Com a ajuda da internet, localizamos Daniela e a
entrevistamos para o presente estudo.
Ela recorda que, aos 12 anos, comia bastante e ficou com 10 quilos acima do
peso normal para a sua idade e altura, embora praticasse atividades físicas como balé,
sapateado, jazz, tênis e natação. O sobrepeso não a incomodava muito e ela seguia a
vida tirando boas notas e convivendo com suas muitas amigas na escola. Mas a família
às vezes a deixava constrangida e triste com piadinhas, o que levou a mãe a colocá-la
nos Vigilantes do Peso. Lá, sob a orientação de profissionais, aprendeu a comer bem e
perdeu peso até chegar em um patamar satisfatório para os médicos. Mas Daniela não
conseguiu parar com as dietas e conseqüente perda de peso, até que foi convidada a se
retirar do grupo Vigilantes do Peso. Daniela estava muito magra e não era um bom
exemplo para os demais pacientes.
Para agravar a situação, a família passava por problemas – os pais quase se
separaram. Além disso, ela resolveu fazer um curso de modelo com uma amiga. Foi a
gota d'água. Com cerca de 1,66 metro de altura, chegou a pesar 36 quilos.

Eu não sei até hoje porque entrei no curso de modelo, acho que as
modelos eram minha inspiração pra emagrecer. Ninguém mandava eu
emagrecer, mas eu me comparava muito com as outras meninas
magrelas e essa era a pressão para emagrecer: a que eu fazia em mim
mesma. Não consegui trabalhos, eu estava horrível, talvez mais magra
que uma modelo, além de eu não ser tão alta para seguir carreira6.

Hoje, aos 19 anos, Daniela ainda se preocupa com a aparência. Mas depois de ter

6 Entrevista concedida nos dias 6,7 e 8 de setembro de 2007.

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passado por um ano de tratamento multidisciplinar, com remédios que inclusive davam
sono e provocaram queda em seu outrora excelente desempenho escolar, sabe os
limites. Mas sua única irmã, hoje com 15 anos, enfrenta o mesmo problema: também
está com anorexia. Mais um argumento a favor dos cientistas/médicos que defendem o
caráter genético da anorexia. Daniela nos contou como se comportava quando estava
doente:

Ficar na Internet procurando calorias de alimentos e o quanto perdia


em cada exercício; fingir que tinha comigo colocando migalhas no
prato; mentir muito; fazer exercícios escondido (moro no nono andar e
subia de escadas); me "castigar" quando comia, me arranhando; jogar
comida e medicamentos no lixo. Essas coisas parecem ser de uma
pessoa horrível; sinceramente, não era eu: era a anorexia que me
dominava e a escravidão do meu próprio corpo que me forçavam a
fazer isso. Quem tem anorexia, fica com a personalidade totalmente
alterada pela doença. Agora que minha irmã tem anorexia também
(exatamente com a mesma idade que eu tive), percebo que ela faz as
mesmas coisas que eu fazia e vejo o quando a pessoa fica escrava de
um pensamento. Fui eu que percebi os primeiros sinais da anorexia da
minha irmã justamente por ter passado pela mesma situação7.

Ela afirma que a irmã a chama de “fraca” por ter cedido ao tratamento. Comenta
que a maior diferença entre o comportamento das duas é o uso de laxantes: só a irmã faz
uso deles. Além disso, a caçula está muito mais resistente ao tratamento que Daniela.
No caso das irmãs, mais uma vez, fica evidenciada a nocividade dos sites pró-ana e pró-
mia.

As anoréxicas falam da Ana como se ela fosse uma pessoa e uma


amiga e aliada; por exemplo: quero ficar com a Ana pra sempre, ela
me dá forças pra viver, etc... Isso eu lia direto. Nos chats de
anoréxicas, elas competem pra ver quem come menos e gasta mais
caloria, e uma incentiva a outra e ajuda a inventar truques para
enganar os pais. Além disso, procurava os sites com as calorias das

7 Entrevista concedida nos dias 6,7 e 8 de setembro de 2007.

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coisas. (...) A maioria das atitudes são iguais, mas a minha irmã toma
laxantes, e isso eu nunca tomei. Já chegou a tomar 11 por dia. Mas a
automutilação por culpa de ter comido é a mesma (esse foi um dos
fatores que fez eu descobrir a doença dela) e a necessidade de contar
calorias e entrar em sites também. O pensamento de ser gorda é igual8.

A melhor parte da história de Daniela é a sua situação atual, tirando a anorexia


da irmã. Na época em que deu o depoimento para a revista Atrevida, Daniela
manifestou seu desejo de se especializar em Psiquiatria para poder ajudar pessoas com
os mesmos problemas que enfrentara na pior fase de sua doença. Menos de um ano
depois da publicação da revista, ela já conseguiu algumas vitórias:

Já estou no primeiro ano da faculdade de medicina! Faço Unifesp


(Escola Paulista de Medicina). Passei na prova da Liga Acadêmica de
Saúde Mental, o que eu acho que já é um começo pela minha possível
(porque não é certeza absoluta, né?) carreira em psiquiatria. Já atendo
pacientes com supervisão dos psiquiatras da faculdade, mas os casos
não são ainda de transtornos alimentares, mas eu acho que essa
introdução no meio da psiquiatria v ai me ajudar no futuro, se eu
seguir essa área 9.

Conclusão
Nesta pesquisa concluímos que, embora haja toda uma carga de responsabilidade
que pode ser atribuída à mídia, no que se refere à propagação de transtornos alimentares
como a anorexia e a bulimia, iniciativas louváveis vêm sendo tomadas. Nas duas
publicações analisadas, a Capricho e a Atrevida, devemos considerar que fizemos
apenas um pequeno recorte temporal, que não representa necessariamente a essência das
revistas. Para isso, seria necessário um recorte temporal muito maior, e que atingisse
diferentes anos da história. Mas esse não era o objeto de nosso estudo.
Constatamos que, para as adolescentes e quem mais se interessar, há muita
informação disponível sobre anorexia e bulimia, tanto em mídia impressa, como

8 Entrevista concedida nos dias 6,7 e 8 de setembro de 2007.

9 Entrevista concedida nos dias 6,7 e 8 de setembro de 2007.

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eletrônica, especialmente no terreno fértil e pouco vigiado da internet, que vem se


mostrando uma verdadeira faca de dois gumes: abriga sites pró-ana e pró-mia,
verdadeiras “escolas da fome” e, ao mesmo tempo, acolhe outros sites que pretendem
combater os mesmos transtornos. Entretanto, como já mostramos, mesmo os mais bem
intencionados acabam por manifestar certo efeito colateral, fornecendo informações que
as próprias anoréxicas e bulímicas usam para aprimorar suas técnicas e estratégias de
dissimulação e emagrecimento.
Concluímos que o momento exige profunda reflexão de todos os profissionais
envolvidos em mídia, sobretudo a segmentada para ao público adolescente, acerca da
produção de conteúdos mais reflexivos e voltados para a valorização de seu público
dentro de um patamar humanamente viável, aprendendo a lidar com pequenos defeitos e
as diferenças entre aquelas que figuram em revistas e programas de televisão e a própria
pessoa. Gisele Bündchen come pipoca, sanduíche e chocolate. Não é uma fanática por
dietas ou malhação. Na verdade, ela é naturalmente magra. E isso muitas pessoas não
entendem. Acham que qualquer corpo pode ser tomado como modelo, independente do
físico que se tem. Marilyn Monroe dificilmente chegaria ao manequim da Gisele. Isso
não impediu que ela chegasse ao patamar de sex symbol de uma época.
Concordamos com Rita e acreditamos que matérias com o objetivo de auxiliar as
jovens a se aceitarem e se relacionarem melhor com o mundo que as cerca são
extremamente importantes. O espaço mais apropriado para isso, sem dúvida, é o das
mídias especializadas nesse público.

A revista já fez várias matérias sobre disfunção alimentar e fala


continuadamente sobre comportamento, numa abordagem que visa
auxiliar a adolescente - que vive um momento muito delicado - a se
relacionar melhor com ela mesma, com a família, os amigos, etc. E
aqui deixo claro o meu ponto de vista nessa discussão: o transtorno
alimentar está ligado ao desejo de corresponder aos padrões de beleza
de uma época. Isso ninguém pode negar. Porém, a visão de quem
analisa o problema tem de ser mais abrangente. Acredito, pela
experiência intensa que tenho com adolescentes, que esses transtornos
- e muitos outros, de naturezas diferentes - têm muito a ver com a
dificuldade que o adolescente sente para se inserir no contexto social,
de se expressar, de saber quem é e o que veio fazer no mundo. Nesse

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sentido, acho que todas as matérias de comportamento da Atrevida


ajudam, e muito. O processo de crescer e ingressar na vida adulta dói.
E toda ajuda externa é válida10.

Muitas mães, hoje, são jovens e consomem mídias especializadas em um público


mais maduro. Entretanto, as matérias sobre dietas e os editoriais de moda também
figuram fartamente nas páginas dessas publicações. Isso eleva a imperatividade dos
pais, em especial as mães, em se manterem alertas em relação ao que seus filhos
consomem e, mais ainda, sobre seu próprio comportamento. As bases de quem somos
são construídas em nossos lares e, de certa forma, espelhamos o comportamento de
nossos pais, ou de quem nos cria. Famílias emocionalmente estáveis e de hábitos
saudáveis dão mais força para que seus membros enfrentem o mundo com mais
coragem e discernimento. Assim, fica mais fácil processar as influências e trabalhar os
signos para que se viva de forma mais equilibrada – e, portanto, mais distante de
transtornos como a anorexia e a bulimia que, de amigas, não têm nada.

Referências
– Entrevistas
Marina Bessa
Entrevista concedida em 1º de novembro de 2007.

Rita Trevisan
Entrevista concedida em 30 de outubro de 2007.

Daniela Aidar
Entrevista concedida em 06, 07 e 08 de setembro de 2007.

– Livros
KRIPPENDORF, K. Metodologia de analisis de contenido. Teoria y prática.
Barcelona: Paidós Comunicación/n.39, 1ª edição – Espanha, 1997.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em comunicação. São Paulo,


Loyola, 2001.

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes insaciáveis: anorexia, bulimia e compulsão


alimentar: conheça o universo das pessoas que sofrem desses transtornos. Rio de
Janeiro, Ediouro, 2005.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: como imagens de beleza são usadas contra as

10 Entrevista concedida em 30/11/2007.

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(http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=415MON001).
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mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

– Revistas
BESSA, Marina. Game Over, o Jogo Diabólico da Anorexia. Revista Capricho, São
Paulo, 2ª quinzena de novembro, 2006.

BITTENCOURT, Bruna. A triste história de Ana Carolina Reston. Revista Capricho,


São Paulo, 2ª quinzena de novembro, 2006.

AIDAR, Daniela. Tive anorexia e dei a volta por cima. Revista Atrevida, São Paulo,
janeiro, 2007.

MEDINA, Alessandra. O amor está no ar. Revista Atrevida, São Paulo, dezembro,
2006.

NUNES, Danielle. Temos um carinho de irmãos. Revista Capricho, São Paulo, 2ª


quinzena de novembro, 2006.

PRATA, Liliane. O furacão Kate. Revista Capricho, São Paulo, 1ª quinzena de


novembro, 2006.

TELECKI, Marina. Bastidores do mundo fashion. Revista Atrevida, São Paulo,


novembro, 2006.

-Sites
BALLONE, Geraldo. Bulimia Nervosa. Disponível em: PsiqWeb
http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=225&sec=94. Acesso em: 13/10/2007.

DINES, Alberto. Ela conseguiu ser capa de revista: quando morreu. Site
Observatório da Imprensa, 21/11/2006. Disponível em:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=415MON001. Acesso em:
10/01/2007.

Disponível em:
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