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Política Fiscal (Parte 1) – Superávit Primário, Dívida

Pública, Resultado Nominal e Taxa de Juros


Setembro 27, 2007 por Coletivo Crítica Econômica
A política fiscal no Brasil pós-1998 tem tido como objetivo único a redução da relação
Dívida Pública/PIB. Os responsáveis pela política econômica defendem que com isso o
país alcançará a estabilidade macroeconômica, atingindo o grau de investimento,
conceito dado pelas agências internacionais de rating que avaliam a qualidade do
crédito de um emissor de dívida, o que possibilitaria ao país atrair mais investimentos
estrangeiros.
Como ferramenta para atingir este objetivo o Tesouro Nacional utiliza o superávit
primário, que nada mais é do que a arrecadação de tributos menos as despesas do
governo que não aquelas com os juros da dívida pública. A discussão recente tem
evoluído para que mais do que apenas consiga superávit primário, o governo chegue ao
déficit nominal zero, isto é quando se incluírem os gastos com juros, a arrecadação de
tributos seja suficiente para pagar todas as despesas do governo.
Esta argumentação tem como pilar teórico a idéia de “restrição orçamentária
intertemporal” do governo, que é o que norteia atualmente as recomendações da
ortodoxia econômica para a política fiscal. Artigos de diversos órgãos oficiais,
utilizando-se desta idéia, apontam como políticas “responsáveis” a redução da dívida
via superávit primário e a reforma da previdência. O grupo crítica Econômica se opõe a
esta “política fiscal” do ponto de vista teórico, e também à maneira como ela é posta em
prática.
Uma historinha muito comum que é repetidamente entoada na imprensa, por
representantes das mais diversas origens, inclusive já foi levantada mais de uma vez
pelo próprio Presidente Lula, em favor do equilíbrio orçamentário do governo, é que
assim como um indivíduo (ou família) não pode gastar mais do que a sua renda sem cair
numa situação de insolvência, o setor público também não pode gastar mais do que
arrecada. Assim, o governo não pode operar com orçamento deficitário. Esta historinha,
embora seja muito didática e tenha grande poder de convencimento, ignora um
importante conceito econômico, o chamado paradoxo da frugalidade, segundo o qual o
que pode ser verdade para os indivíduos (ou para uma família isoladamente) pode não
ser verdade para a sociedade como um todo. Isto porque enquanto um indivíduo pode
poupar mais ao reduzir o seu consumo, se todos os indivíduos decidissem gastar menos,
no nível agregado menos renda seria gerada, prejudicando a própria poupança. Portanto,
com um cuidadoso exame das relações macroeconômicas, fica claro que esta analogia
tão útil para convencer o público leigo é incorreta e falaciosa, e pode levar o governo a
uma política fiscal equivocada. Entretanto, fiquemos aqui com relações mais simples,
baseadas principalmente na análise dos números brasileiros.
Antes de discutir as evidências empíricas, cabe lançar uma rodada de argumentos. As
metas a serem alcançadas por uma política fiscal devem ser positivas no sentido de
melhorar a condição de vida da população no curto e no longo prazo, sendo que um dos
maiores objetivos deve ser que todas as pessoas que desejem trabalhar possam encontrar
um emprego. Nesse sentido, investimentos públicos em infra-estrutura, inclusive em
saneamento básico, políticas de melhoria da qualidade dos serviços prestados, como
saúde e educação, e ampliação da sua cobertura devem ser o objetivo de uma política
fiscal, em vez de uma meta abstrata de relação entre Dívida/PIB.
Tão impressionante como deixar questões fundamentais relacionadas ao nível de vida
da população a reboque de uma meta abstrata de relação Dívida/PIB é a forma pela qual
os ortodoxos buscam atingir tal meta. Afinal, por meio de uma não execução do
orçamento busca-se atingir um déficit nominal pequeno (de preferência igual a zero)
para obter uma redução na relação Dívida/PIB.
O orçamento, que contempla a arrecadação prevista e os gastos propostos, formulado
pelo poder executivo ano a ano, deveria refletir a iniciativa de ações que busquem a
melhoria das condições de vida da população. Ele reflete, contudo, antes de mais nada,
uma meta de superávit primário. No processo democrático, a aprovação do orçamento
pelo Congresso Nacional deve refletir as preferências da sociedade quanto à parcela da
renda que o governo deve arrecadar em impostos e o volume e distribuição dos gastos
públicos. O que se observa, entretanto, é que todas as ações propostas no orçamento
submetido ao Congresso são primeiramente condicionadas pela consecução de
determinada meta de resultado primário e, mais grave, durante a execução do
orçamento, qualquer desvio em relação às receitas previstas, autoriza o executivo a
interferir na execução das despesas aprovadas pelo Congresso.
Convém relembrar aqui o motivo da existência do superávit primário: ele é instituído no
Brasil em 1999 como uma exigência do FMI logo após a crise, em 3,1% do PIB. De
exigência do FMI para sair da crise, ele passa a ser considerado um pilar de política
econômica, em proporções cada vez maiores do PIB.
Mas as ligações entre resultado primário, resultado nominal e relação dívida/PIB são
obscurecidas quando tratadas pela ortodoxia. O resultado nominal depende tanto do
resultado primário, quanto do pagamento de juros da dívida. E os resultados fiscais do
governo (nominal e primário) e a relação Dívida/PIB dependem também da taxa de
crescimento do próprio PIB. Dessa forma, não é verdade que para se alcançar uma
relação baixa entre déficit nominal/PIB é preciso cortar gastos correntes, mas o simples
corte de gastos com juros – que é variável em grande parte controlada pelo Banco
Central – e o crescimento maior do produto já são capazes de reduzir tal relação.
Como demonstrado no Gráfico I, a seguir, embora o setor público já viesse elevando
fortemente o superávit primário, a relação Dívida/PIB só apresenta uma tendência de
queda mais efetiva, quando a taxa selic, definida pela Banco Central, começa a cair:
GRÁFICO I
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Central do Brasil/DEPEC (Indicadores fiscais do
setor público consolidado: Res. Nominal, Primário e DLSP (eixo da direita) e taxa Selic (eixo da
esquerda)).

A argumentação também levantada pela ortodoxia de que a queda na relação


Dívida/PIB e a redução do déficit público seriam benéficas para baixar a taxa de juros
real também não se verifica, conforme se vê pelo Gráfico II, abaixo:
GRÁFICO II

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BCB-DEPEC (Indicadores fiscais do setor público
consolidado: Res. Nominal, Primário (eixo da direita) e taxa Selic) e de dados da STN/EstatisticasDivida
Pública/ Emissões e Pagamentos de Títulos do Tesouro Nacional (taxa de emissão da LTN de 6 meses,
utilizada para gerar a série de Juros 6m real, que foi deflacionada pela expectativa de inflação, IPC-a,
divulgado pela pesquisa Focus do Banco Central: SGS/Expectativas de Mercado (Expec. Inflação)).

Por fim, vale ressaltar – e esse é um ponto central defendido pelo Grupo Crítica
Econômica – que outro argumento também levantado pela ortodoxia sobre a
necessidade de geração de superávits primários para reduzir a relação Dívida/PIB como
forma de evitar o seu default não faz qualquer sentido econômico. No que se refere à
dívida em moeda estrangeira, o Brasil é um credor externo líquido. Quanto à dívida
interna, não existe qualquer necessidade de moratória, visto que a dívida interna é paga
em moeda doméstica, isto é, qualquer iniciativa do governo a esse respeito não passaria
de jogo de cena, em outras palavras, jogar para a platéia. A noção de dívida interna e
impossibilidade de pagamento não faz sentido.
Vale observar que os títulos públicos do Tesouro brasileiro continuam a exercer grande
atratividade entre os investidores, o que contribui para garantir a continuidade da
demanda por esses papéis. Ao mesmo tempo, a aplicação em títulos da dívida do
governo tem se constituído um porto seguro para os investidores, evitando que em
momentos de crises na economia ocorra fuga para outros ativos ou moeda. Diante disso,
pode-se afirmar que a dívida pública não está sujeita a um processo de repúdio,
representando de fato uma fonte de financiamento para a autoridade fiscal.
Vê-se, portanto, que os resultados macroeconômicos que poderiam legitimar a adoção
de metas de resultado primário cada vez mais apertadas, não se verificam
empiricamente. É preemente que os formuladores da política econômica abandonem o
discusso equivocado e, diante dos dados que mostram a real relação entre resultado
fiscal – taxa de juros – Dívida/PIB, possam mudar o enfoque do debate sobre a política
fiscal no Brasil.

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