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[ACARAVANA]
 1 

ACARAVANA

 
Recepção
de
um
espectáculo
do
Teatro
Meridional
orientado
pelo


esquema
antropológico

da
“ampulheta”
proposto
por
Patrice
Pávis


Filipa
Albuquerque



































ÂMBITO



Trabalho 

realizado  no  âmbito  do  seminário  Teorias  da  Encenação  do  Mestrado  em 
Teatro ‐ especialização em Teatro e Comunidade, ministrado pela professora Eugénia 

Vasques 




 


Setembro
de

2009

 
[ACARAVANA]
 2 
 

Algumas
considerações
iniciais


Luís
 Pina
 Custódio
 apresenta‐nos
 um
 espectáculo
 como
 autor/encenador
 sobre
 o

Oriente.
A
rota
da
seda
surge‐nos
aqui
como
a
linha
que
liga
o
Ocidente
ao
Oriente
e
que

nos
 faz
 entrar
 num
 mundo
 paralelo,
 onde
 a
 cultura
 de
 partida
 e
 de
 chegada
 se

relacionam
e
misturam.



Recepção
através
do
Esquema
de
Patrice
Pávis


3
‐

Objectivo
dos
adaptadores

É
 Nuno
 Pina
 Custódio,
 encenador
 e
 autor
 do
 texto,
 que
 nos
 conta
 que
 sonhava
 com
 a

ideia
de
“um
deserto,
uma
caravana
na
solidão
e
uma
porta
que
se
abre
para
um
mundo

paralelo”.
 Foi
 clara
 a
 intenção
 já
 maturada
 do
 autor
 em
 trabalhar
 o
 tema
 das
 relações

entre
 ocidente/oriente.
 É
 desnecessário
 desenvolver
 aqui
 como
 e
 por
 que
 razão
 as

relações
entre
o
Ocidente
e
o
Oriente,
seja
sob
a
forma
do
choque
de
civilizações
ou
de

um
 ansiado
 projecto
 ecuménico,
 saltaram,
 nos
 últimos
 anos,
 para
 a
 ordem
 do
 dia.
 A

força
 motriz
 inicial
 é,
 então,
 pôr
 em
 cena
 esta
 ideia
 que
 perseguia
 o
 autor
 e
 tentar

revelar
 o
 oriente
 através
 dessa
 caravana
 que
 se
 vai
 construindo
 em
 cada
 estação.
 Da

China
à
Itália,
passando
pelo
Médio
Oriente
e
pela
Índia,
são‐nos
contadas
4
estórias
que

nos
vão
dando
a
conhecer
uma
diversidade

de
culturas.



A
intenção
do
autor
parece
ser
a
apresentação
de
uma
perspectiva
intracultural,
que
se

reflecte
 numa
 vontade
 de
 revelação
 de
 uma
 realidade
 cultural
 plural
 em
 que
 o
 todo

formado
 mantém
 as
 especificidades
 e
 traços
 identitários
 de
 cada
 indivíduo
 com
 uma

cultura
diversa.
Contudo,
parece‐nos
que
nem
sempre
essa
perspectiva
é
alcançada.


4
‐
Trabalho
de
adaptação

Neste
espectáculo
teatral
não
existe
trabalho
de
adaptação
propriamente
dito.
Contudo,

podemos,
falar
aqui
da
presença
de
alguns
elementos
que
fazem
transparecer
a
cultura

dominante
 do
 encenador,
 como
 é
 o
 caso
 da
 opção
 por
 elementos
 cómicos
 referentes

aos
 chineses,
 
 que
 revelam
 uma
 determinada
 ideia
 ocidental
 do
 oriente,
 com
 pessoas

que
falam
como
crianças,
que
riem
a
despropósito,
que
não
compreendem
o
que
se
diz,


 
 Filipa

de

Albuquerque
 

filipa.de.albuquerque@gmail.com


 
 

[ACARAVANA]
 3 
 
que
revelam
uma
ingenuidade
demasiadamente
infantil.
Esta
infantilização
do
outro
é,

afinal,
uma
forma
de
o
apresentar
como
um
ser
anormal,
de
mentalidade
desadequada

e
amadurecimento
duvidoso.


5
‐
Trabalho
preparatório
dos
autores

Verificou‐se
um
trabalho
preparatório
do
encenador
e
dos
actores.


O
 trabalho
 de
 preparação
 do
 corpo
 e
 de
 harmonização
 e
 conjugação
 do
 movimento

colectivo
parece‐nos
que
foi
desenvolvido
e
conseguido.

O
 espectáculo
 revela
 uma
 pesquisa
 temática
 sobre
 a
 seda
 e
 a
 rota
 da
 sua

comercialização,
bem
como
a
exploração
das
características
físicas
deste
tecido
e
o
seu

potencial
ao
nível
do
seu
movimento
e
enquanto
elemento
à
volta
do
qual
evoluem
os

actores.

A
luz
parece
também
ter
sido
um
elemento
experimentado
e
trabalhado
em
conjugação

com
o
trabalho
dos
actores
e
com
os
efeitos
criado
no
tecido.

Foram
 trabalhados
 sotaques
 diversos,
 facto
 que,
 infelizmente,
 fez
 transparecer
 alguns

preconceitos
 da
 cultura
 de
 partida
 relativamente
 à
 cultura
 de
 chegada,
 como
 seja
 a

criação
 de
 sotaques
 orientais
 atravessados
 por
 alguma
 comicidade
 do
 imaginário

infantil.


6
‐

Escolha
de
uma
forma
teatral

O
 autor/encenador
 aposta
 num
 teatro
 visual
 e
 físico
 com
 uma
 vertente
 poética
 da

imagem
que
nos
é
dada
através
da
utilização
do
espaço
em
movimento,
com
 
o
corpo

dos
actores
presente
em
sintonia
com
o
tecido
que
ganha
força
de
personagem
e
que
se

agiganta
com
a
utilização
das
luzes
que,
na
dialéctica
luz‐sombra,
desenvolve
ainda
mais

movimento
e
autonomia.

Opta‐se,
também
pelo
universo
mágico
e
quase
irreal
dos
contadores
de
histórias,
que

acompanhando
as
marchas
das
caravanas,
exibiam
a
sua
arte,
à
noite,
à
volta
do
fogo,

sob
o
olhar
maravilhado
dos
homens
e
das
crianças.
Este
ambiente
ancião
dos
contos
de

tradições
 orientais
 foi
 conseguido.
 Contudo,
 a
 história
 vai‐se
 desenrolando
 de
 uma

forma
muito
linear,
mesmo
tendo
em
conta
a
escolha
daquele
ambiente.



 
 Filipa

de

Albuquerque
 

filipa.de.albuquerque@gmail.com


 
 

[ACARAVANA]
 4 
 
O
 cenário
 é
 despido,
 mas
 extremamente
 apelativo
 com
 o
 uso
 de
 cores
 e
 formas

sugestivas
 e
 interessantes
 que
 se
 conseguem
 através
 do
 tecido
 e
 de
 alguns
 elementos

extremamente
simples
mas
de
evocação
oriental,
como
as
canas,
rolos
e
tapetes.


7
‐

Representação
teatral
da
Cultura

Recorreu‐se
 frequentemente
 ao
 uso
 das
 sombras.
 É
 curiosa
 a
 sua
 utilização
 em
 vários

momentos
da
cena.

a) Quer
no
conto
sobre
o
mercador
que
amava
desesperadamente
a
sua
mulher
–

voltando
a
afirmar
uma
perspectiva
de
contadores
de
histórias
de
encantar
que

nos
 transporta
 mais
 facilmente
 ao
 oriente,
 até
 porque
 oriental
 é
 esta
 técnica

teatral
das
sombras.

b) Quer
através
das
luzes
de
cena
para
agigantar
o
tecido
e
transportá‐lo
para
fora

da
cena,
transformando‐o
em
autêntico
pano
de
fundo.

Criou‐se
 um
 ambiente
 de
 contos
 encantados
 que
 nos
 remete
 para
 o
 Oriente
 das
 mil
 e

uma
 noites,
 para
 as
 sonoridades
 e
 cores
 orientais
 e
 que
 nos
 faz
 lembrar
 os
 velhos

anciãos
de
aldeia
chineses
com
a
sua
sabedoria
imprimida
em
máximas
filosóficas
e
que

desconcertam
os
ocidentais.
Porém,
não
será
este
ambiente
assim
criado,
também
uma

forma
 tipicamente
 ocidental
 de
 ver
 o
 Oriente?
 Como
 um
 mundo
 paralelo,
 fantástico,

com
 uma
 certa
 intemporalidade
 e
 atopia
 que
 é
 o
 tempo
 e
 espaço
 das
 estórias
 de

Andersen
 (há  muitos  e  muitos  anos...
 num  reino  distante...).
 O
 reino
 mágico
 dos

imperadores,
dos
palácios
luxuosos,
das
sedas
e
dos
pássaros
de
oiro.
A
representação

teatral
da
cultura
oriental
traduz‐se
ou
traduz,
como
já
foi
dito,
(n)uma
visão
ocidental

do
Oriente.


O
 orientalismo
 aparece,
 apesar
 de
 não
 ser
 sempre
 evidente
 e
 não
 se
 encontrar

especificamente
no
texto
escrito.
O
orientalismo
surge
na
utilização
de
estereótipos
de

personagens
 orientais
 (o
 homem
 velho
 chinês
 com
 pronúncia
 cómica
 e
 com
 a
 letra
 L

sempre
presente
por
dificuldades
de
pronunciar
o
R);
o
ar
sempre
sofrido
das
mulheres

do
 Médio
 Oriente
 com
 a
 utilização
 do
 H
 aspirado,
 sobretudo
 na
 palavra
 homem,
 que

sugere
 a
 dificuldade
 de
 enunciar
 o
 Nome
 repressivo);
 no
 ambiente
 criado
 através
 da

escolha
 das
 cores
 etéreas,
 da
 utilização
 de
 luzes
 difusas,
 do
 uso
 das
 sedas
 em

abundância,
na
criação,
enfim,
duma
ambiência
irreal
pela
sua
desrrealização;
da
escolha

da
imagem
do
contador
de
estórias,
da
opção
pela
criação
de
um
espaço
paralelo
que
só


 
 Filipa

de

Albuquerque
 

filipa.de.albuquerque@gmail.com


 
 

[ACARAVANA]
 5 
 
é
evidente
quando
se
está
no
Oriente
e
que
se
quebra
assim
que,
na
cena,
se
chega
à

Itália,
ao
Ocidente,
ao
fim
da
viagem
que
é
a
conclusão
da
rota
da
seda.


Nesta
 última
 história,
 contada
 por
 um
 mercador
 italiano,
 opta‐se
 por
 uma
 linguagem

diferente
 que
 rompe
 com
 o
 efeito
 de
 mundo
 paralelo
 e
 mágico
 criado
 anteriormente.

Não
conseguimos
entender
bem
a
intenção
desse
corte
na
encenação,
se
é
que
houve

essa
 assumida
 intenção.
 De
 qualquer
 forma,
 é
 estranho
 que
 isso
 aconteça
 quando

chegamos
 a
 um
 país
 europeu
 e
 consumidor
 dos
 produtos
 do
 oriente.
 Um
 país
 mais

próximo
 de
 nós.
 Existe
 ali
 a
 introdução
 de
 uma
 linguagem
 e
 forma
 de
 estar
 mais

“moderna”
ou
actual,
o
mercador
parece
mais
associado
a
um
cigano
de
feira
actual
que

a
 um
 vendedor
 de
 sedas
 italiano.
 O
 contacto
 com
 o
 público
 também
 aparece
 de
 uma

forma
mais
persistente,
o
que
não
aconteceu
nas
histórias
anteriores.
Estar‐se‐á,
assim,

a
representar
o
Ocidente?



8
‐

Adaptadores
de
recepção

/

11
‐

Sequencias
dadas
ou
antecipadas

As
expectativas
que
levámos
para
o
espectáculo
eram
grandes.
Primeiro,
porque
não
era

a
 primeira
 vez
 que
 víamos
 peças
 do
 Teatro
 Meridional
 e
 tínhamos
 tido
 algumas
 boas

experiências
 anteriores;
 segundo,
 porque
 se
 tratava
 da
 primeira
 peça
 sugerida
 pela

professora
 Eugénia
 no
 âmbito
 do
 Mestrado
 o
 que
 tornou
 a
 expectativa
 ainda
 maior.

Esperava‐se
a
conjugação
de
uma
abordagem
poética
com
uma
visão
crua
e
realista
do

Oriente.


O
 facto
 do
 encenador
 não
 ser
 o
 encenador
 habitual
 do
 Teatro
 Meridional
 criou‐nos

algumas
confusões
no
início,
sobretudo
porque
não
conseguíamos
identificar
os
traços

que
havíamos
apreciado
nas
outras
performances
da
companhia
a
que
assistimos.

De
 uma
 forma
 geral,
 o
 espectáculo
 cumpriu,
 embora
 tivesse
 ficado
 aquém
 das

expectativas,
 sobretudo
 no
 que
 diz
 respeito
 à
 representação
 da
 relação
 Oriente
 /

Ocidente.
A
visão
da
China
foi
paternalista
–
a
opção
pelo
sotaque
ou
pelo
ritmo
da
fala

resultou
cómico,
o
que
não
é
positivo
quando
isso
reflecte
a
forma
como
o
encenador
vê

o
outro.

O
uso
da
cor
e
das
sonoridades
musicais
do
oriente
funcionaram
bem.
É
agradável
de
se

ver,
é
leve.
Até
parece
que
estou
a
falar
da
água
do
luso!!!
No
entanto,
aqueles
aspectos

surgiram
como
a
água
que
corre…

Enfim,
se
as
circunstâncias
não
fossem
as
mesmas,
talvez
estivéssemos
agora
a
dizer
que

tínhamos
visto
um
óptimo
espectáculo!

 
 Filipa

de

Albuquerque
 

filipa.de.albuquerque@gmail.com


 
 

[ACARAVANA]
 6 
 

9
–
Legibilidade

De
 uma
 forma
 geral,
 o
 espectáculo
 revela
 uma
 boa
 legibilidade
 para
 a
 maioria
 dos

públicos,
adultos
ou
crianças.

A
narrativa
pareceu‐me
extremamente
simples,
quase
infantil
–
escolha
de
uma
história

que
conta
e
constrói
uma
rota
e
que
se
vai
recontando
através
de
4
histórias
com
uma

cronologia
que
se
desenvolve
geograficamente:
China
/
Índia/
Síria
/
Itália.


Contudo,
 a
 leitura
 das
 pequenas
 estórias
 nem
 sempre
 foi
 simples,
 havendo
 alguns

elementos
 que
 ficaram
 por
 perceber.
 Sobretudo
 na
 estória
 do
 médio
 oriente
 ficaram

muitas
pontas
por
perceber.
Aí,
a
legibilidade
do
espectáculo
não
foi
tão
conseguida.


O
 texto
 pareceu‐nos
 pobre
 e,
 por
 vezes,
 confuso.
 Apesar
 da
 falta
 de
 riqueza
 da
 língua

usada,
 nem
 por
 isso
 o
 entendimento
 se
 tornou
 mais
 simples.
 A
 opção
 por
 uma
 forma

lacónica
de
contar
fez
saltar,
por
vezes,
partes
essenciais
que
não
se
deram
ao
público

nem
através
do
texto,
nem
através
do
corpo
dos
actores
ou
do
ambiente
de
cena.



Breve
Conclusão

De
uma
forma
geral,
o
espectáculo
criado
pelo
Teatro
Meridional
tem
uma
legibilidade

visual
fácil,
tendo‐se
optado
por
um
teatro
visual,
extremamente
apelativo
com
o
uso
de

cores
e
formas
sugestivas
e
interessantes.
É
a
pretexto
da
seda
que
esta
caravana
nos
é

apresentada
 e
 é
 com
 a
 seda
 que
 se
 constrói
 a
 ponte
 que
 nos
 conduz
 por
 aquela
 rota

comercial.
O
tecido
ganha
forma
e
constrói
mais
do
que
espaços
e
ambientes,
ele
ganha

força
 de
 personagem
 que
 se
 vai
 transformando.
 Representa
 emoções,
 elementos...
 O

uso
das
diferentes
cores
e
formas
criou
e
estabeleceu
um
ambiente
e
uma
harmonia
de

conto
de
fadas
através
do
tecido,
através
do
objecto
da
peça.


A
 desfavor,
 uma
 visão
 um
 pouco
 paternalista
 do
 oriente
 e
 uma
 evidente
 cultura
 de

partida
que
se
manifesta
na
forma
de
tratar
o
outro.


Um
espectáculo
algo
infantil
com
alguns
apontamentos
de
ingenuidade
desnecessários.

Fica,
no
entanto,
a
memória
duma
seda
das
mil
e
uma
noites,
evoluindo
numa
caravana

que
se
monta
e
desmonta
segundo
as
necessidades
da
viagem.


 
 Filipa

de

Albuquerque
 

filipa.de.albuquerque@gmail.com


 
 

[ACARAVANA]
 7 
 

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Texto e Encenação: Nuno Pinto Custódio

Interpretação: Carlos Pereira, Catarina


Guerreiro, Nuno Nunes, Rui M. Silva, Yolanda
Santos

Espaço Cénico e Figurinos: Marta Carreiras

Desenho de Luz: Pedro Domingos

Fotografia: Margarida Dias

Assistência de Cenografia: Marco Fonseca

Montagem e Operação Técnica: Nuno Figueira

Assistência de Produção: Filipa Piecho

Direcção de Produção: Narcisa Costa

Produção: Teatro Meridional

Direcção Artística do Teatro Meridional: Miguel


Seabra e Natália Luiza

Duração prevista: 65min. (aprox.)

Público-Alvo: Maiores de 12 anos

O Teatro Meridional é uma estrutura financiada


pelo Ministério da Cultura /Direcção-Geral das
Artes e apoiada pela Câmara Municipal de
Lisboa


 
 Filipa

de

Albuquerque
 

filipa.de.albuquerque@gmail.com


 
 


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