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A escultura no campo ampliado


Rosalind Krauss
Originalmente publicado no número 8 de October, na primavera de 1979 (31-
44), o texto, cujo título original é Sculpture in the Expanded Field, também
apareceu em The AntiAesthetic: Essays on PostModern Culture, Washington:
Bay Press, 1984. Por ser artigo de referência, mas de difícil acesso aos novos
pesquisadores no Brasil, reeditamos aqui a tradução publicada no número 1 de
Gávea, revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura
no Brasil, da PUC-Rio, em 1984 (87-93).
Escultura, paisagem, arquitetura, pós-modernismo.

O único sinal que indica a presença da obra com esse tipo de manipulação. Categorias
é uma suave colina, uma inchação na terra como escultura e pintura foram moldadas,
em direção ao centro do terreno. Mais de esticadas e torcidas por essa crítica, numa
perto pode-se ver a superfície grande e qua- demonstração extraordinária de elasticida-
drada do buraco e a extremidade da escada de, evidenciando como o significado de um
que se usa para penetrar nele. A obra pro- termo cultural pode ser ampliado a ponto
priamente dita fica portanto abaixo do nível de incluir quase tudo. Apesar do uso elásti-
do solo: espécie de pátio, de túnel, fronteira co de um termo como escultura ser aberta-
entre interior e exterior, estrutura delicada mente usado em nome da vanguarda estéti-
de estacas e vigas. Perimeters/Pavillions/ ca — da ideologia do novo — sua mensa-
Decoys de Mary Miss (1978) é certamente gem latente é aquela do historicismo. O novo
uma escultura, ou mais precisamente, um é mais fácil de ser entendido quando visto
trabalho telúrico. como uma evolução de formas do passado.
O historicismo atua sobre o novo e o dife-
Nos últimos 10 anos coisas realmente sur- rente para diminuir a novidade e mitigar a
preendentes têm recebido a denominação diferença. A evocação do modelo da evolu-
de escultura: corredores estreitos com ção permite uma modificação em nossa ex-
monitores de TV ao fundo; grandes foto- periência, de modo que o homem de agora
grafias documentando caminhadas cam- pode ser aceito como diferente da criança
pestres; espelhos dispostos em ângulos inu- que foi por ser visto simultaneamente como
sitados em quartos comuns; linhas provisó- sendo o mesmo, através da ação impercep-
rias traçadas no deserto. Parece que nenhu- tível do telos. Ademais, nos confortamos com
ma dessas tentativas, bastante heterogê- essa percepção de similitude, com essa es-
Mary Miss, neas, poderia reivindicar o direito de expli- tratégia para reduzir tudo que nos é estra-
Perimeters/Pavillions/
Decoys, 1977-78
car a categoria escultura. Isto é, a não ser nho, tanto no tempo como no espaço, àquilo
vista externa (acima), que o conceito dessa categoria possa se tor- que já conhecemos e somos.
vista interna (em baixo) nar infinitamente maleável.
A crítica perfilhou a escultura minimalista logo
Fonte das imagens: October, n. 8:
31-44. Cambridge: MIT Press,
O processo crítico que acompanhou a arte que esta apareceu no horizonte da ex-
1979 americana de pós-guerra colaborou para periência estética nos anos 60 — um con-

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junto de pais construtivistas que podiam le- Com o correr do tempo ficou um pouco
gitimar, e portanto autenticar, o insólito des- mais difícil manter esta radicalização. À me-
ses objetos. Plástico? geometrias inertes? pro- dida que os anos 60 se prolongavam pelos
dução industrial? — os fantasmas de Gabo, 70 e que se começou a considerar como
Tatlin e Lissitzky poderiam ser convocados “escultura”: pilhas de lixo enfileiradas no chão,
para atestar que nada disso era realmente es- toras de sequóia serradas e jogadas na gale-
tranho. Não importava que o conteúdo de ria, toneladas de terra escavada do deserto
um não tivesse nada a ver com o conteúdo ou cercas rodeadas de valas — a palavra
do outro e fosse de fato o seu oposto; ou escultura tornou-se cada vez mais difícil de
que o celulóide de Gabo fosse sinal de lucidez ser pronunciada, mas nem tanto assim. O
e inteligência enquanto que os plásticos colo- crítico/historiador, através de uma prestidi-
ridos de Judd falassem da gíria da Califórnia. gitação mais abrangente, passou a construir
Não importava que as formas construtivistas suas genealogias em termos de milênios e
pretendessem ser prova visual da lógica imu- não de décadas. Stonehenge, as fileiras de
tável e da coerência de geometrias univer- Nazca, as quadras de esporte toltecas, os
sais enquanto que os minimalistas, aparen- cemitérios de índios — qualquer prova po-
temente seus similares, demonstrassem ser deria ser arrolada no tribunal para servir
algo eventual, indicando um Universo sus- como testemunha da conexão deste traba-
tentado por cordas de arame, cola, ou pe- lho com a história, legitimando, desta forma,
las contingências da força da gravidade e não seu status como escultura. Por não serem
pela Mente. Essas diferenças foram postas exatamente esculturas, Stonehenge e as qua- Robert Morris,
de lado pelo furor historicista. dras de esporte toltecas são, neste caso, Observatory, 1971

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exemplos suspeitos de precedente historicista. à história. A categoria escultura, assim como
Mas não importa. O artifício pode também qualquer outro tipo de convenção, tem sua
ser usado em vários trabalhos do início do própria lógica interna, seu conjunto de re-
século inspirados no primitivismo — Colu- gras, as quais, ainda que possam ser aplica-
na sem fim de Brancusi serve como exem- das a uma variedade de situações, não estão
plo para se fazer a mediação entre o passa- em si próprias abertas a uma modificação
do longínquo e o presente. extensa. Parece que a lógica da escultura é
inseparável da lógica do monumento. Gra-
Ao assim agirmos, contudo, o termo escul- ças a esta lógica, uma escultura é uma re-
tura, que pensávamos estar resguardando, presentação comemorativa — se situa em
começou a se tornar obscuro. Havíamos determinado local e fala de forma simbólica
pensado em utilizar uma categoria universal sobre o significado ou uso deste local. Um
para autenticar um grupo de singularidades;
bom exemplo é a estátua eqüestre de Mar-
mas esta categoria, ao ser forçada a abran-
co Aurélio: foi colocada no centro do
ger campo tão heterogêneo, corre perigo
Campidoglio para simbolizar com sua pre-
de entrar em colapso. Logo, ao olharmos
para o buraco feito no solo, pensamos que sença a relação entre a Roma antiga e impe-
sabemos e não sabemos o que seja escultura. rial e a sede do governo da Roma moderna,
renascentista. Outro monumento utilizado
Entretanto, eu diria que sabemos muito bem como marco num lugar onde devem ocor-
o que é uma escultura. Uma das coisas aliás rer eventos específicos e significativos é a
Alice Aycock, que sabemos é que escultura não é uma estátua Conversão de Constantino, de
Maze, 1972 categoria universal mas uma categoria ligada Bernini, colocada no sopé das escadas do
Vaticano que ligam a Basílica de São Pedro
ao coração do governo papal. As esculturas
funcionam portanto em relação à lógica de
sua representação e de seu papel como
marco; daí serem normalmente figurativas e
verticais e seus pedestais importantes por
fazerem a mediação entre o local onde se
situam e o signo que representam. Nada
existe de muito misterioso sobre esta lógi-
ca; compreendida e utilizada, foi fonte de
enorme produção escultórica durante sécu-
los de arte ocidental.

A convenção, no entanto, não é imutável e


houve um momento quando a lógica come-
çou a se esgarçar. No final do século 19 pre-
senciamos o desvanecimento da lógica do
monumento. Aconteceu gradativamente.
Neste sentido, ocorrem-nos dois casos que
trazem, ambos, a marca da transitoriedade.
Tanto Portas do Inferno como a estátua de
Balzac, de Rodin, foram concebidas como
monumentos. As portas foram encomenda-

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das em 1880 para serem instaladas num se torna o gerador morfológico da parte fi-
museu de artes decorativas; a estátua foi gurativa do objeto; nas Cariátides e Coluna
encomendada em 1891 para homenagear o sem fim, a escultura é a base, enquanto que
gênio literário francês e deveria ser coloca- em Adão e Eva a escultura está numa rela-
da em determinado local em Paris. O indí- ção de reciprocidade com sua base. Logo, a
cio do fracasso dessas duas obras como base pode ser definida como essencialmen-
monumento — cujas encomendas even- te móvel, marco de um trabalho sem lugar
tualmente falharam — não é apenas o fato fixo, integrado em cada fibra da escultura.
de existirem inúmeras versões em vários Outro testemunho da perda de local é a in-
museus de diversos países, mas também a tenção de Brancusi em representar partes
inexistência de uma versão nos locais origi- do corpo como fragmentos que tendem a
nalmente planejados para recebê-las. Seus uma abstração radical; neste caso, local é
fracassos também estão entalhados nas pró- compreendido como o resto do corpo, o
prias superfícies: as portas foram desbasta- suporte do esqueleto que abrigaria uma das
das excessivamente e recobertas a ponto de cabeças de bronze ou de mármore.
se tornarem inoperantes; Balzac foi execu-
tado com tal grau de subjetividade que o Ao se tornar condição negativa do monu-
próprio Rodin, conforme suas cartas ates- mento, a escultura modernista conseguiu
tam, não acreditava que fosse aceito. uma espécie de espaço ideal para explorar,
espaço este excluído do projeto de repre-
Eu diria que com esses dois projetos sentação temporal e espacial, filão rico e novo
escultóricos cruzamos o limiar da lógica do que poderia ser explorado com sucesso. O
monumento e entramos no espaço daquilo filão era porém limitado — aberto no início
que poderia ser chamado de sua condição deste século, esgotou-se por volta de 1950,
negativa — ausência do local fixo ou de abri- quando começou a ser sentido, cada vez
go, perda absoluta de lugar. Ou seja, entra- mais, como puro negativismo. Neste ponto
mos no modernismo porque é a produ- a escultura modernista surgiu como uma
ção escultórica do período modernista espécie de buraco negro no espaço da cons-
que vai operar em relação a essa perda ciência, algo cujo conteúdo positivo tornou-
de local, produzindo o monumento como se progressivamente mais difícil de ser defi-
uma abstração, como um marco ou base, nido e que só poderia ser localizado em ter-
funcionalmente sem lugar e extremamente mos daquilo que não era. Nos anos 50,
auto-referencial. Barnett Newman disse: “Escultura é aquilo
com que você se depara quando se afasta
Essas duas características da escultura mo- para ver uma pintura.” A respeito dos traba-
dernista nos revelam seu status e, portanto, lhos encontrados no início dos anos 60, se-
a condição essencialmente mutável de seu ria mais apropriado dizer que a escultura
significado e função. Ao transformar a base estava na categoria de terra-de-ninguém: era
num fetiche, a escultura absorve o pedestal tudo aquilo que estava sobre ou em frente
para si e retira-o do seu lugar; e através da a um prédio que não era prédio, ou estava
representação de seus próprios materiais ou na paisagem que não era paisagem.
do processo de sua construção, expõe sua
própria autonomia. A arte de Brancusi é uma Os exemplos mais cristalinos do início dos
demonstração extraordinária de como isto anos 60 que nos ocorrem são ambos de
acontece. Num trabalho como o Galo, a base Robert Morris. Um deles foi exposto em

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1964 na Green Gallery: dígitos quase Neste sentido, a escultura assumiu sua total
arquiteturais cuja condição como escultura condição de lógica inversa para se tornar pura
se reduz simplesmente a ser aquilo que está negatividade, ou seja, a combinação de ex-
no quarto que não é realmente quarto; o clusões. Poderia-se dizer que a escultura
outro trabalho são caixas espelhadas expos- deixou de ser algo positivo para se transfor-
Robert Morris, tas ao ar livre — caixas cujas formas diferem mar na categoria resultante da soma da não-
Sem título (mirrored do cenário onde se encontram somente paisagem com a não-arquitetura. O limite
boxes), 1965
porque, apesar da impressão visual de con- da escultura modernista, a soma do nem/
Richard Long, tinuidade com relação à grama e às árvores, nenhum podem ser representados em for-
Sem título, 1969 não fazem parte da paisagem. ma de diagrama:

O fato de ter a escultura se tornado uma


espécie de ausência ontológica, a combina-
ção de exclusões, a soma do nem/nenhum,
não significa que os termos que a construí-
ram — não-paisagem e não-arquitetura —
deixassem de possuir certo interesse. Isto
ocorre em função de esses termos expres-
sarem uma oposição rigorosa entre o
construído e o não construído, o cultural e
o natural, entre os quais a produção
escultórica parecia estar suspensa. A partir
do final dos anos 60 a produção dos escul-
tores começou, gradativamente, a focalizar
sua atenção nos limites externos desses ter-
mos de exclusão. Ora, se esses termos são
a expressão de uma oposição lógica coloca-
da como um par de negativos, podem ser
transformados, através de uma simples in-
versão, nos mesmos pólos antagônicos ex-
pressos de forma positiva. Ou seja, de acor-
do com a lógica de um certo tipo de expan-
são, a não-arquitetura é simplesmente uma
outra maneira de expressar o termo paisa-
gem, e não-paisagem é simplesmente arqui-
tetura. A expansão à qual me refiro é cha-
mada grupo Klein quando empregada mate-
maticamente e tem várias outras denomina-
ções, entre elas grupo Piaget, quando usada

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por estruturalistas envolvidos nas operações neutro), indicados pelos seus contínuos (ver
de mapeamento na área das ciências huma- o diagrama); 2) existem duas relações de
nas. Através dessa expansão lógica, um con- contradição expressas como involução, cha-
junto de binários é transformado num cam- madas de esquemas, indicadas pelas setas
po quaternário que simultaneamente tanto duplas; e 3) existem duas relações de
espelha como abre a oposição original. Tor- envolvimento, denominadas deixes, indicadas
na-se um campo logicamente ampliado, que pelas setas partidas.1
se assemelha ao diagrama abaixo:
Apesar de a escultura poder ser reduzida
àquilo que no grupo Klein é o termo neutro
da não-paisagem mais a não-arquitetura, não
existem motivos para não se imaginar um
termo oposto — que tanto poderia ser pai-
sagem como arquitetura — denominado
complexo dentro deste esquema. Mas pen-
sar o complexo é admitir no campo da arte
dois termos anteriormente a ele vetados:
paisagem e arquitetura — termos estes que
poderiam servir para definir o escultórico
(como começaram a fazer no modernismo)
As dimensões dessa estrutura podem ser somente na sua condição negativa ou neu-
analisadas da seguinte maneira: 1) existem tra. Por motivos ideológicos o complexo
dois tipos de relações de pura contradição permaneceu excluído daquilo que poderia
que são denominados eixos (posteriormen- ser denominado a closura2 da arte pós-
te diferenciados em eixo complexo e eixo renascentista. Nossa cultura não podia pen-

Joel Shapiro, Sem título


(cast iron and plaster
houses), 1974-75

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sar anteriormente sobre o complexo, ape- Parece bastante claro que a permissão (ou
sar de outras culturas terem podido fazê-lo pressão) para pensar a ampliação desse cam-
com maior facilidade. Labirintos e trilhas são po foi sentida por vários artistas mais ou
ao mesmo tempo paisagem e arquitetura; menos ao mesmo tempo, entre os anos de
jardins japoneses são ao mesmo tempo pai- 1968 e 1970. Robert Morris, Robert
sagem e arquitetura; os campos destinados Smithson, Michael Heizer, Richard Serra,
aos rituais e às procissões das antigas civili- Walter de Maria, Robert Irwin, Sol LeWitt,
zações eram, indiscutivelmente, neste senti- Bruce Nauman, um depois do outro, assu-
do, os ocupantes do complexo. Isto não quer miram uma posição cujas condições lógicas
dizer que eram uma forma prematura ou já não podem ser descritas como modernis-
degenerada, ou uma variante da escultura. tas. Precisamos recorrer a um outro termo
Faziam sim parte de um universo ou espaço para denominar essa ruptura histórica e a
cultural, do qual a escultura era simplesmente transformação no campo cultural que ela
uma outra parte e não a mesma coisa, como caracteriza. Pós-modemismo é o termo já
desejaria a nossa mentalidade historicista. em uso em outras áreas da crítica. Parece
Suas finalidade e deleite residem justamente não haver motivos para não usá-lo.
em serem opostos e diferentes.
Qualquer que seja o termo usado, a evidên-
O campo ampliado é portanto gerado pela cia já existe. Por volta de 1970, Robert
problematização do conjunto de oposições, Smithson, com Partially Buried Woodshed,
entre as quais está suspensa a categoria na Kent State University, em Ohio, come-
modernista escultura. Quando isto aconte- çou a ocupar o eixo do complexo que, para
ce e quando conseguimos nos situar dentro facilitar a referência, chamo de local de cons-
dessa expansão, surgem, logicamente, três trução. Em 1971, com seu observatório
outras categorias facilmente previstas, todas construído em madeira e grama, na Holanda,
elas uma condição do campo propriamente Robert Morris se uniu a Smithson. Desde
dito e nenhuma delas assimilável pela escul- então muitos outros artistas, como Robert
tura. Pois, como vemos, escultura não é mais Irwin, Alice Aycock, John Mason, Michael
apenas um único termo na periferia de um Heizer, Mary Miss e Charles Simonds, têm
campo que inclui outras possibilidades trabalhado dentro deste novo conjunto de
estruturadas de formas diferentes. Ganha- possibilidades.
se, assim, “permissão” para pensar essas ou-
tras formas. Nosso diagrama é, por conse- A combinação de paisagem e não-paisagem
guinte, feito da seguinte maneira: começou igualmente a ser explorada no fi-
nal dos anos 60. O termo locais demarca-
dos é usado tanto para identificar trabalhos
como Spiral Jetty (1970), de Smithson, e
Double Negative (1969), de Heizer, como
para descrever alguns trabalhos dos anos 70
feitos por Serra, Morris, Carl Andre, Denis
Oppenheim, Nancy Holt, George Trakis e
muitos outros. Além da manipulação física
dos locais, este termo também se aplica a
outras formas de demarcação. Essas formas
podem operar através da aplicação de mar-

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cas não permanentes como, por exemplo, sar de a experiência desse campo sugerir que
Depressions, de Heizer, Time Lines, de a recolocação contínua de energia é total-
Oppenheim, Mile Long Drawing, de De mente lógica, a crítica de arte, ainda servil ao
Maria, ou através da fotografia Mirror sistema modernista, tem duvidado desse
Displacements in the Yucatan, de Smithson, movimento, chamando-o de eclético. A sus-
foram provavelmente os primeiros exemplos peita de uma trajetória artística que se move
conhecidos, mas desde essa época o traba- contínua e desordenadamente além da área
lho de Richard Long e Hamish Fulton tem da escultura deriva obviamente da demanda
focalizado a experiência fotográfica de de- modernista de pureza e separação dos
marcar. Runing Fence, de Christo, pode ser vários meios de expressão (e portanto a es-
considerada uma forma não permanente, pecialização necessária de um artista dentro
fotográfica e política de demarcar um local. de um determinado meio). Entretanto, o que
parece ser eclético sob um ponto de vista,
Os primeiros artistas que exploraram as pode ser concebido como rigorosamente
possibilidades da arquitetura mais não-arqui- lógico de outro. Isto porque, no pós-mo-
tetura foram Robert Irwin, Sol LeWitt, Bruce dernismo, a práxis não é definida em rela-
Nauman, Richard Serra e Christo. Em todas ção a um determinado meio de expressão
essas estruturas axiomáticas existe uma es- — escultura — mas sim em relação a ope-
pécie de intervenção no espaço real da ar- rações lógicas dentro de um conjunto de
quitetura, às vezes através do desenho ou, termos culturais para o qual vários meios
como nos trabalhos recentes de Morris, atra- — fotografia, livros, linhas em parede, es-
vés do uso do espelho. Da mesma forma pelhos ou escultura propriamente dita —
que a categoria do local demarcado, a foto- possam ser usados.
grafia pode ser utilizada para esta finalidade;
penso aqui nos corredores de vídeos de Portanto, o campo estabelece tanto um con-
Nauman. No entanto, qualquer que seja o junto ampliado, porém finito, de posições
meio de expressão empregado, a possibili- relacionadas para determinado artista ocupar
dade explorada nesta categoria é um pro- e explorar, como uma organização de tra-
cesso de mapeamento das características balho que não é ditada pelas condições
axiomáticas da experiência arquitetural — de determinado meio de expressão. Fica
as condições abstratas de abertura e closura óbvio, a partir da estrutua acima exposta,
— na realidade de um espaço dado. que a lógica do espaço da práxis pós-mo-
dernista já não é organizada em torno da
A ampliação do campo que caracteriza este definição de um determinado meio de ex-
território do pós-modemismo possui dois pressão, tomando-se por base o material ou
aspectos já implícitos na descrição acima. Um a percepção deste material, mas sim através
deles diz respeito à prática dos próprios ar- do universo de termos sentidos como es-
tistas; o outro, à questão do meio de ex- tando em oposição no âmbito cultural. (O
pressão. Em ambos, as ligações das condi-
espaço pós-modernista da pintura envolve-
ções do modernismo sofreram uma ruptura
ria, obviamente, uma expansão similar em
logicamente determinada.
torno de um conjunto diferente de termos
Com relação à prática individual, é fácil per- do binômio arquitetura/paisagem — um
ceber que muitos dos artistas em questão conjunto que provavelmente faria oposição
se viram ocupando, sucessivamente, diferen- ao binômio unicidade/reprodutibilidade.)
tes lugares dentro do campo ampliado. Ape- Conseqüentemente, dentro de qualquer uma

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das posições geradas por um determinado (NY). O Fotográfico (Gustav Gili, 2003), Os Papéis de
Picasso, (Iluminuras, 2006) e Caminhos da Escultura Mo-
espaço lógico, vários meios diferentes de
derna (Martins Fontes, 2007) são alguns de seus livros
expressão poderão ser utilizados. Ocorre publicados no Brasil.
também que qualquer artista pode vir a
ocupar, sucessivamente, qualquer uma das Tradução: Elizabeth Carbone Baez
posições. Da mesma forma, na posição limi-
tada da própria escultura, a organização e Notas
conteúdo de um trabalho marcante irão re-
1 Para uma discussão do grupo Klein, ver “On the Meaning of
fletir a condição do espaço lógico. Refiro- the Word ‘Structure’ in Mathematics”, de Marc Barbut,
me à escultura de Joel Shapiro a qual, apesar editado por Michael Lane em Introduction to
de se inserir no termo neutro, está envolvi- Structuralism (New York, Basic Books, 1970); para uma
da no estabelecimento de imagens de ar- utilização do grupo Piaget, ver “The Interaction of
Semiotic Constraints”, de A. J. Greimas e F. Rastier, Yale
quitetura dentro de campos (paisagens) re- French Studies, n. 41, 1968: 86-105.
lativamente vastos de espaço. (Estas consi-
2 closure – termo utilizado pela psicologia da Gestalt para
derações também se aplicam, evidentemen- descrever os processos através dos quais os objetos da
te, a outros trabalhos — por exemplo de percepção, lembranças, ações, conseguem estabilidade,
Charles Simonds ou Ann e Patrick Poirier.) isto é, o fechamento subjetivo de brechas, ou acaba-
mento de formas incompletas para se constituírem em
Tenho insistido que o campo ampliado do um todo. (N.T.)
pós-modernismo acontece num momento
específico da história recente da arte. É um
evento histórico com uma estrutura
determinante. Parece-me extremamente
importante mapear esta estrutura e é isto
o que comecei a fazer aqui. Mas por se
tratar de um assunto de história, é tam-
bém importante explorar um conjunto
mais profundo de questões que abrangem
algo mais que o mapeamento e que en-
volvem o problema da explicação. Estas
questões se referem à causa seminal: as
condições de possibilidades que propor-
cionaram a mudança para o pós-moder-
nismo, bem como as determinantes cultu-
rais da oposição através da qual um de-
terminado campo é estruturado. Certa-
mente esta abordagem para pensar a his-
tória da forma difere das elaboradas árvo-
res genealógicas construídas pela crítica
historicista. Pressupõe a aceitação de rup-
turas definitivas e a possibilidade de olhar
para o processo histórico de um ponto
de vista da estrutura lógica.

Rosalind Krauss é crítica de arte contemporânea, histo-


riadora da arte e professora na Universidade de Columbia

REEDIÇÃO • ROSALIND KRAUSS 137

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