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SÍNDROME DE ADÔNES: REFLEXÕES PARA A INTERVENÇÃO DO

PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA EM ACADEMIA

André da Silva Mello


Doutorando em Educação Física UGF
Professor do curso de Educação Física Esporte Lazer da UVV

Wagner dos Santos


Doutorando em Educação PPGE/UFES
Professor do curso de Educação Física Esporte Lazer da UVV

Sérgio Rubens
Licenciado Pleno em Educação Física pela UVV

RESUMO
Este artigo objetiva discutir os condicionantes culturais que contribuem no processo de
desenvolvimento da Síndrome de Adônis. Analisa o papel dos meios de comunicação nesse
processo e explicita os danos provocados na saúde dos indivíduos acometidos por essa
síndrome. Apresenta referenciais teóricos, pautados na matriz cultural, para subsidiar a
intervenção dos profissionais no contexto das academias, no intuito de prevenir o
surgimento de novos casos da Síndrome de Adônis.

Palavras-chave: Educação Física. Síndrome de Adônis. Cultura.

INTRODUÇÃO

Para Debord (2004), estamos na sociedade do espetáculo, em que a imagem é


supervalorizada. Nessa sociedade, típica do século em que entramos, o domínio do ser cede
lugar para o domínio do parecer. A imagem que fascina é vendida pela mídia na
embalagem ilusória da aparência. Em busca da imagem que se sonha, os indivíduos se
submetem a todos o sacrifícios, mesmo os mais absurdos. O espetáculo é o corpo humano,
com as diferentes possibilidades de intervenção, com o objetivo de mantê-lo jovial, belo,
atraente, quando não de melhorá-lo, quer pela obstinação do exercício, quer pelos meios
cirúrgicos, com recorte e colagem, inclusão, exclusão ou alteração de segmentos (VOTRE,
2004).

Nesse contexto, é que se manifesta a Síndrome de Adônis, uma patologia psicossocial


decorrente da busca desenfreada por um padrão ideal de corpo. Segundo revista de grande
circulação nacional 1 em matéria intitulada “Bombados pela Vaidade”, a Síndrome de
Adônis surge mais freqüentemente entre os adolescentes e jovens masculinos em torno dos
20 anos. Muitos desses jovens tentam adequar-se a padrões de beleza e estética
preconizados pela mídia e que são ditados pela sociedade de consumo e de competição.

Determinados a obter o corpo idealizado, muitos jovens ficam obcecados, ignorando os


limites do seu próprio corpo e da sua saúde. Esses jovens acabam criando uma
1
Ver: Revista Época, n. 327, ago. 2004.
3

dependência compulsiva, obsessiva e obrigatória de “malhar” exaustivamente nas


academias de ginástica, em busca de um padrão ideal de beleza. A preocupação com a
beleza, a vergonha que a pessoa tem em relação ao próprio corpo, a busca incessante pelo
rápido fortalecimento corporal, o uso ilícito de substâncias perigosas,2 bem como os
excessivos e exaustivos treinos, retratam algumas características dos portadores da
Síndrome de Adônis.

É no contexto das academias que a Síndrome de Adônis se manifesta. Por omissão ou por
apoio incondicional aos objetivos das pessoas que sofrem dessa síndrome, muitos
professores de academias reproduzem esse problema social e também muitos acabam se
tornando vitimas da obstinação pelo corpo perfeito. Compreendemos que a superação
desse problema social perpassa pela intervenção dos profissionais que atuam nas
academias. Para isso, é necessário que esses profissionais compreendam os condicionantes
sócio-culturais que desencadeiam a Síndrome de Adônis e busquem novos referenciais
teórico-metodológicos para lidar criticamente com fenômeno social que cresce no contexto
das academias.

A partir do quadro acima delineado é que se inserem os problemas que conduziram esta
pesquisa bibliográfica, quais sejam: a) quais são os fatores sócio-culturais que contribuem
para o desenvolvimento da Síndrome de Adônis? b) o que é possível analisar das
referências teórico-metodológicas que o professor de Educação Física pode recorrer para
atuar criticamente na prevenção da Síndrome de Adônis no contexto das academias?

OS SIGNIFICADOS DO CORPO NA CULTURA

O corpo vem se afirmando na Sociedade do Espetáculo como local de destaque, de


sedução, de comércio e de inclusão e exclusão social (STOER, MAGALHÃES,
RODRIGUES, 2003). De grande fascínio e beleza, os interesses econômicos associados ao
corpo influenciam grande parte da população, fazendo com que vivamos perseguindo um
estereótipo inatingível de beleza e comecemos a adquirir algumas patologias em
decorrência da busca desenfreada pelo padrão corporal estabelecido pela industria
midiática.

Culturalmente e historicamente foram sendo estabelecidos parâmetros para adjetivar o


corpo humano. Limitamos nosso olhar a uma visão reducionista de corpo, que
instantaneamente classifica o que é bonito ou feio, gordo ou magro, forte ou fraco, entre
vários outros adjetivos que utilizamos corriqueiramente para incluir ou excluir as pessoas
em nosso convívio. Como afirma Daolio (1997, p. 52):

O corpo é uma síntese da cultura, porque expressa elementos específicos da


sociedade da qual faz parte. O homem por meio do seu corpo, vai assimilando e
se apropriando de valores, normas e costumes sociais, num processo de
incorporação.

Stoer, Rodrigues e Magalhães (2003), classificam o século XXI como o “século do corpo”,
pela importância e simbolismo que as práticas corporais assumiram. Trazemos inscritas no
nosso corpo as marcas do nosso tempo. Nele estão estampados os símbolos e signos que
nos rotulam e que definem os papeis sociais que devemos assumir. O corpo se tornou
objeto de prazer, de consumo e também de desprezo. Na sociedade das imagens, o parecer
2
Estamos nos referindo a esteróides, anabolizantes etc...
4

se tornou mais importante do que o ser. No tornamos corpos mutantes que se configuram
frente às pressões exercidas pela sociedade do consumo, que é mediada pelos meios de
comunicação. Contudo, para que não nos tornemos reféns da ditadura da beleza, é preciso
fazer uma crítica a esse padrão cultural. Como indica Ferreira (2005, p. 168):

Seria utópico falar de uma sociedade cuja cultura não se inscreva sobre o corpo,
mas é urgente pensar em uma sociedade com padrões corporais flexíveis, que
privilegie o corpo-real, corpo-possível, e que esse possa transitar de maneira
confortável e com vontade pela vida.

Romper com tradições culturais historicamente enraizadas em nosso corpo é um processo


difícil. Contudo, como nos indica Di Giorgi, ao comparar as influências culturais a um
banho, diz que se enxugar do banho cultural é impossível, pois nos anularia enquanto seres
humanos. Se não podemos abdicar desse banho, é necessário controlar a temperatura da
água, a força da esfregação, a quantidade de sabão, ou seja, é preciso fazer a crítica à
cultura. A cultura apresenta um caráter ambíguo, pois ao mesmo tempo em que nos
permitiu dar um salto qualitativo em termos de desenvolvimento, ela também nos aprisiona
e limita o nosso pleno desenvolvimento.

Na Sociedade do Espetáculo (DEBORD, 2004), em que as imagens sobre o corpo exercem


fascínio e admiração, os meios de comunicação se tornaram poderosas ferramentas,
aparelhos ideológicos que veiculam em diferentes mídias o esteriótipo de corpo a ser
perseguido. A partir dos interesses econômicos associados a indústria da beleza, somos
cotidianamente bombardeados com imagens de corpos perfeitos, bem torneados, esbeltos,
que se apresentam como sinônimo de felicidade e de sucesso, tanto no campo profissional
como no pessoal. Com a propagação dos meios de comunicação, surge a globalização, que
propugna tendências hegemônicas de pensar e agir. Gostos, atitudes, valores e corpos são
padronizados. O corpo virou mercadoria, algo meramente expositivo a ser explorado e
comercializado, ficou “coisificado” , perdendo sua identidade e o seu significado pessoal.

Os meios de comunicação ditam as tendências efêmeras da moda e o corpo, nesse


processo, tornou-se algo tão descartável e manipulável, que enxertos, cirurgias, subtrações,
dentre outros procedimentos, são realizados no corpo como moda de uma estação.
Tornamo-nos fantoches, marionetes que seguem acriticamente os ditames da ditadura da
beleza.

A alienação relacionada ao corpo perfeito tem início bem cedo e perpassa pela cultura
infantil. Há poucos anos atrás, os desenhos e filmes veiculados pela mídia e destinados ao
público infantil davam pouca importância às questões corporais. Os personagens eram
franzinos e cômicos. Hoje, esses filmes e desenhos tornaram-se violentos, apresentando
personagens com corpos bem definidos esteticamente, como demonstra a imagem do
desenho infantil “A liga da Justiça”:
5

Foto 1: Liga da Justiça

A mensagem subliminar transmitida por imagens de personagens fortes e violentos é


incorporada, sem uma conscientização explícita, nos imaginários de crianças e
adolescentes, que se desenvolvem acostumados com os modelos de corpos que
cotidianamente chegam às suas mentes por meio da televisão, da internet, do cinema,
dentre outros meios de comunicação de massa. Ferreira (2005, p. 176), nos relata que:

Esse quadro parece, acentuar-se nos últimos vinte anos, quando passamos a ser
bombardeados com imagens de corpos “abastecidos” com esteróides, homens
com corpos extremamente musculosos. Os vemos na televisão, na publicidade e
nos filmes

A mídia nos vende a idéia de corpos perfeitos esteticamente como sinônimo de saúde.
Porém, sabemos que por trás de muitos corpos esteticamente perfeitos, estão frustrações e
inúmeras patologias psíquicas e físicas, como a Síndrome de Adônis. Em nossa sociedade
machista e conservadora, espera-se do homem uma imagem máscula, que represente toda
sua força e poder. Homens fracos, franzinos e pequenos não representam os papeis sociais
culturalmente estabelecidos. Espera-se do macho moderno sua virilidade, sua capacidade
de resolver os problemas por meio da força. Diante desse fenômeno social, percebemos
homens cada vez mais fragilizados, que utilizam subterfúgios como anabolizantes,
cirurgias, implantes, dentre outros recursos, para se adaptarem ás imagens corporais
impostas pela sociedade do espetáculo. A felicidade, prometida pela aquisição do corpo
perfeito, torna-se um pesadelo, quando as conseqüências dos meios utilizados começam a
se manifestar. Depressão, isolamento, problemas físicos e mentais, são alguns problemas
recorrentes de quem busca o corpo perfeito de maneira frenética.
6

SÍNDROME DE ADÔNIS: ALGUMAS REFLEXÕES

É difícil estabelecer limites entre um exercício saudável e um exercício obsessivo, mas o


comportamento de muitos jovens, centralizando seus esforços na constituição do físico
perfeito como senha de acesso à felicidade, retrata bem a questão do exagero. Para
Rosenberg (2004, p. 44), “O problema, como em tudo na vida, é o exagero e a conquista
imediata da perfeição física, não importando o método e os riscos envolvidos”.

A felicidade está associada à jovialidade e é no corpo que os indivíduos procuram


parecer jovens. Assim, a felicidade não é do jovem, mas do corpo jovem. As alterações
corporais acontecem em decorrência da eterna necessidade de permanecer jovem, do
medo em sentir-se excluído por não apresentar as características exigidas pela sociedade.
Devido ao medo da exclusão, muitos indivíduos não medem esforços para se adequarem
aos padrões corporais impostos socialmente. Alteram sua imagem em busca desse ideal.
Stoer, Rodrigues e Magalhães (2003, p. 41) relatam que:
As imagens corporais são, no entanto, experiências subjetivas, não havendo
coincidência entre a opinião que a pessoa faz de si e a que é veiculada por
outras pessoas. Outro aspecto muito interessante é a possibilidade de
alteração da imagem corporal tanto por iniciativa do próprio sujeito como por
fatores exteriores.

O sujeito com Síndrome de Adônis é caracterizado por uma distorção da imagem corporal,
decorrente de um eterno conflito pessoal, em que o corpo apresenta-se como objeto de
fascínio e cuidado. Para ele o corpo é local de afeto mas também de repulsa, havendo uma
relação estreita de amor e ódio.

Em 1886, Freud Morselli, começou a identificar e a descrever o caso de um homem que


sofria de dismorfia corporal, um complexo associado à insegurança social, que agrava a
introversão e a timidez do indivíduo. Quando esse quadro transfere-se para os aspectos
corporais, pela busca incessante pelo corpo perfeito, caracteriza-se a Síndrome de Adônis
ou Vigorexia. Somente no ano de 1993, o psiquiatra Harrisom G. Pope descreve esse
quadro com o nome de Anorexia Inversa, mas à frente, já em seus últimos trabalhos, passa
a adotar o nome de “Síndrome de Adônis”.3

Essa síndrome se caracteriza por uma excessiva preocupação com a estética corporal. Os
portadores dessa síndrome dedicam-se a treinamentos extenuantes, a fim de atenuar a
vergonha que sentem do seu próprio corpo. Buscam uma solução rápida para o
fortalecimento corporal. Para tanto, fazem uso de substâncias perigosas e ilícitas, que
muitas vezes trazem danos irreversíveis à vida desses indivíduos (BALLONE, 2004).

Segundo Ballone (2004) e Rosenberg (2004), a faixa etária mais comum em que a
Síndrome de Adônis se manifesta é no final da adolescência e no início da idade adulta.
Para o ser humano, essa é uma faixa etária crítica, pois é o momento, no processo de
desenvolvimento e crescimento, que ocorrem transformações corporais significativas.
Nessa fase de auto-afirmação, os jovens buscam na imagem corporal a inclusão nos grupos
sociais que pertencem. Algumas características são marcantes nos indivíduos que
apresentam a Síndrome de Adônis, dentre elas podemos destacar:

3
A título de exemplo ver: Adônis, jovem de grande beleza masculina, relacionada desde a antiguidade
clássica como modelo de beleza.
7

 Sente vergonha do próprio corpo


 Obstinação em ganhar massa muscular de forma rápida
 Distorção da Imagem corporal (acredita estar sempre fraco)
 Olha-se constantemente no espelho
 Mudança drástica de comportamento
 Baixa auto-estima
 Treinamento muscular excessivo
 Dietas rigorosas com excessiva ingestão de calorias diárias
 Ingestão de esteróides e anabolizantes
 Isolamento físico e social
 Acredita que através de um corpo belo, forte e perfeito, toda sua insegurança social
e sua timidez seriam resolvidas
 Abstinência sexual
 Ignora os limites do corpo e recomendações médicas
 Corpolatria/narcisismo

Em termos físicos, as conseqüências da Síndrome de Adônis, principalmente para aqueles


que utilizam substâncias ilícitas para o aumento da massa muscular, são extremamente
nocivas. As mais comuns são:

 Desproporção displásica
 Lesões ósseas, articulares e musculares
 Encurtamento de músculos e tendões
 Tendência ao surgimento de tumores cancerígenos
 O consumo indiscriminado de algumas substâncias pode aumentar o risco de
doenças cardiovasculares, lesões hepáticas, disfunções sexuais, diminuição do
tamanho dos testículos e maior propensão ao câncer da próstata

A imagem a seguir ilustra a dismorfia corporal em homens e mulheres causadas pela


ingestão excessiva de esteróides anabolizantes:
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Foto 2: Foto 3:
Geralmente os sujeitos com esta síndrome “são pessoas capazes, inteligentes,
perfeccionistas, exigentes, sensíveis e afetuosas” (BALLONE, 2004 p. 18), que por algum
motivo, começam a repudiar a imagem refletida no espelho e assumem, gradativamente e
depois exageradamente, a obsessão por um novo perfil corporal.

Muitos jovens acometidos pela Síndrome de Adônis experimentam algo que até então não
tiveram: a atenção, os olhares, os comentários que estão ficando mais bonitos, fortes e
belos. Esses elogios são os combustíveis propulsores para que esses jovens queiram, cada
vez mais, “melhorar” sua imagem corporal. Para eles, não há limites.

Persistente em atingir seus ideais, o sujeito com essa síndrome lança seu olhar para tudo
que possa lhe render um corpo belo. Cego por um desejo absurdo e incontrolável de
conquistar num curto período de tempo o corpo idealizado, não percebe e ignora as pessoas
que de alguma forma tentam desviá-lo do seu objetivo. A vítima da Síndrome de Adônis
acredita estar mantendo o controle da situação em que se encontra..

Ele se transfigura, transforma-se em um ser indesejável, a partir do momento em que


envolve e se vê envolvido em uma teia de problemas que ele mesmo teceu. Para Rosenberg
(2004, p. 18), as pessoas que são acometidas pela Síndrome de Adônis:

[...] se perdem ao serem tomadas pela busca obsessiva e exagerada, sofrendo


física e emocionalmente e precisando de ajuda para recuperar sua integridade e
retomar o ruma de suas vidas, conseguindo responder por seus atos.

Cada dia mais alienado, o portador dessa síndrome só tem olhos e o pensamento voltado
para o “mais”. Mais exercícios, mais suplementos, mais força, mais músculos, abstém-se
de fatores necessários para sua sobrevivência física e social. Determinação e obstinação
são palavras chaves para o seu pseudo-sucesso.

OS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA FRENTE À SÍNDROME DE


ADÔNIS: ALTERNATIVAS PARA ATUAÇÃO CRÍTICA NO CONTEXTO DAS
ACADEMIAS

É no contexto das academias que os portadores da Síndrome de Adônis buscam a


realização do ideal de corpo conforme os padrões estéticos de beleza. Por isso, entendemos
que o combate a essa patologia perpassa pela intervenção dos profissionais que atuam
nesse contexto. Alguns profissionais da área da Educação Física que atuam nas academias,
limitam-se em ver o corpo de maneira restrita, somente através de suas formas anatômicas,
como máquina produtora de movimentos, através de atos repetidos, ignorando seus
significados culturais.

Aliás, o próprio professor de educação física que atua nas academias torna-se vítima da
sociedade do espetáculo. Muitos profissionais da área da Educação Física são selecionados
pelo seu corpo, a sua competência profissional é avaliada pelo “lay out” que apresentam.4
Um dos requisitos para ingresso nesse ramo profissional é a imagem, os conhecimentos
ficam em segundo plano. A aparência do profissional de Educação Física tem sido decisiva
no ato de contratação por parte das academias. Sua competência profissional está associada
a sua estética corporal, essa mesma estética que inclui ou exclui as pessoas dentro da
4
Em estudo realizado nas academias de .....Mello et al (2007)
9

sociedade. Torna-se cada vez maior o número de alunos que se matriculam na esperança de
parecerem fisicamente com a pessoa que vai instruí-los ou, ironicamente, destruí-los.

Algozes e vítimas: essa é a condição de muitos professores que atuam nas academias. Para
que haja mudanças, que viabilizem uma intervenção crítica dos professores, no sentido de
não reforçar os esteriótipos que influenciam na aquisição da Síndrome de Adônis, é preciso
romper com os paradigmas profissionais hegemônicos. Esse processo deve ser iniciado na
própria formação desses profissionais. Ainda é consenso que para atuar nas academias
basta ter somente o conhecimento de natureza biológica. Conhecer os ossos, os músculos e
sua biomecânica são os requisitos exigidos para atuar nas academias. É uma abordagem
reducionista que não contempla a dimensão cultural que incide sobre o corpo humano.
Daólio (2004, p. 6), afirma que:

Tendo priorizado tradicionalmente a dimensão da eficiência, a educação física


distanciou-se dos aspectos estéticos, subjetivos, simbólicos. Considerou o corpo
máquina biológica passível de intervenção técnica e perdeu a possibilidade de
vê-lo como produtor de expressão dinâmica de cultura

Essa formação limitada acaba gerando uma atuação que entra em descompasso com que
preconiza o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF). Segundo o Código de Ética
do CONFEF/CREFs,5 relativo à atuação do profissional de Educação Física, é necessário
que o mesmo desempenhe suas funções como
[...] um interventor social, que age na promoção da saúde, e como tal deve
assumir compromisso ético para com a sociedade, colocando-se a seu serviço
primordialmente, independentemente de qualquer outro interesse, sobretudo de
natureza corporativista.

Apesar da predominância dos aspectos biológicos e técnicos no processo de formação dos


professores de educação física, Daólio (2004) ressalta que nos últimos vinte anos esse
processo vem se alterando. Para o autor, a inclusão de disciplinas próprias das ciências
humanas está contribuindo para ampliação da discussão cultural na área. Contudo, essas
transformações que os cursos de formação em educação física vêm promovendo, ainda não
se manifestaram na atuação dos professores, sobretudo nos que atuam nas academias.

Os professores de educação física, a partir da ampliação do conceito de corpo que


considera a dimensão cultural, podem aumentar seus horizontes de atuação, ampliando a
abordagem simplesmente biológica e técnica do corpo. Dessa forma, os professores
deverão intervir no contexto das academias considerando os aspectos simbólicos que se
manifestam sobre o corpo, estimulando e promovendo reflexões acerca da estética, da
corpolatria, da indústria da beleza que estimula o consumo de produtos e serviços para
busca do corpo perfeito. Também poderiam discutir o papel da mídia, que “bombardeia”
cotidianamente os nossos corações e mentes com imagens de corpos perfeitos, sarados e
bem torneados, e que influenciam o surgimento de patologias como a Síndrome de Adônis.

Talvez o maior desafio resida na operacionalização de um modelo de intervenção que


inclua os aspectos culturais na atuação dos professores nas academias de ginástica. Não
temos a pretensão de solucionar esse desafio, mas algumas sugestões podem contribuir
para efetivação de um novo modelo de intervenção. Os professores poderiam promover
palestras sobre os aspectos culturais que incidem sobre o corpo, a partir de reportagens
5
CONFEF: Conselho Federal de Educação Física, Resolução n° 056/2003 de Rio de Janeiro, 18 de Agosto
de 2003.
10

veiculadas pela mídia, conscientizando seus alunos dos efeitos prejudiciais que a obsessão
pelo corpo perfeito pode trazer para a dimensão psicológica e física, a partir de relatos de
pessoas que sofreram danos na saúde. Na própria academia, poderia ser instituído mural
que trouxesse informações sobre as mazelas causadas pelo uso de anabolizantes ou outras
substâncias ilícitas que afetam o organismo. Os professores também poderiam aproveitar
os avanços tecnológicos para ampliar os canais de comunicação com os alunos,
promovendo discussões pela internet sobre o tema em questão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos na Sociedade do Espetáculo, em que as imagens corporais são fatores de inclusão


e exclusão social. A busca pelo esteriótipo do corpo veiculado pelos meios de
comunicação, faz com que muitos indivíduos desenvolvam diversas patologias. Dentre
essas patologias, a Síndrome de Adônis é a mais recorrente entre jovens do sexo
masculino. As pessoas acometidas pela Síndrome de Adônis possuem uma imagem
distorcida do próprio corpo e buscam na quantidade extenuante de exercícios, em dietas
rígidas e no uso de substâncias ilícitas, como esteróides anabolizantes, a felicidade através
do corpo perfeito. Contudo, essas pessoas jamais estão satisfeitas com o próprio corpo, por
mais que “malhem”, possuem uma auto-estima muito baixa.

A obsessão pelo corpo perfeito traz uma série de conseqüências negativas para a saúde
física e mental dos portadores da Síndrome de Adônis, levando, em alguns casos, até a
morte das pessoas que são vítimas dessa síndrome. Entendemos que a superação desse
problema passa por uma abordagem multidisciplinar, em que profissionais de diversas
áreas, como educação física, medicina, psicologia e nutrição, precisam atuar de forma
articulada para ajudar os pacientes que sofrem da Síndrome de Adônis.

Os profissionais de educação física que atuam no contexto das academias têm uma função
importante para ajudar a combater essa síndrome, pois é, geralmente, nesse contexto que os
indivíduos buscam atingir o modelo de corpo propagado pelos meios de comunicação.
Entretanto, é preciso ampliar os referenciais que regem a atuação desses profissionais.
Além dos conhecimentos relacionados às dimensões biológicas e técnicas do movimento, é
necessário que os profissionais também abordem à dimensão cultural que incide sobre o
corpo, pois é justamente essa dimensão que afeta no desenvolvimento da Síndrome de
Adônis. Conscientizar os alunos sobre os fatores culturais, movidos pela indústria
midiática, que divulgam a ideologia do corpo perfeito se constituem como um objeto a ser
trabalhado pelos profissionais que lidam diretamente com a legitimação desse imaginário
social.

6 REFERÊNCIAS

BALLONE, GJ. Vigorexia. c 2004. Disponível em:


<http://gballone.sites.uol.com.br/alimentar/vigorexia.html>. Acesso em: 10 fev. 2006.

CODO, Wanderley; SENNE, Wilson A. O que é corpo(latria). São Paulo: Brasiliense,


2004.

DAOLIO, Jocimar. Cultura: educação física e futebol. Campinas: UNICAMP, 1997.


11

DAOLIO, Jocimar. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores


Associados, 2004.

FERREIRA, Maria Elisa Caputo. A obsessão masculina pelo corpo: malhado, forte e
sarado. Campinas (EDITORA?), 2005.

ROSENBERG, Jocelyne Levy. Lindos de morrer: dismorfia corporal e outros transtornos


obsessivos, um risco para ela e para ele. São Paulo: Celebris, 2004.

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