Professional Documents
Culture Documents
e a Arte de
Contar Histórias
Professor Osmar Lima
2007©
Página n° 2
ÍNDICE
PREFÁCIO ................................................................................................... 4
PREÂMBULO ............................................................................................... 5
O INSPIRADOR DE JOSIMAR....................................................................... 6
MEMORIZANDO A HISTÓRIA..................................................................... 24
DESCREVENDO AS SITUAÇÕES.................................................................. 32
AMBIENTAÇÃO.......................................................................................... 34
O SUSPENSE ............................................................................................. 46
FINALIZANDO........................................................................................... 48
Página n° 3
PREFÁCIO
Este livro tem caráter de ferramenta. Ele não oferece normas rígidas
de como se deve construir uma história, para que ela seja perfeita. E não
existe história perfeita porque com o tempo ela pode perder o sabor, pois
os sabores desejados pelas pessoas modificam-se constantemente.
Página n° 4
PREÂMBULO
– UMA OCASIÃO...
Página n° 5
O INSPIRADOR DE JOSIMAR
O “SEU” ARNALDO
Ele era assim tão querido que todos choraram sua morte por toda a
madrugada? Por acaso os bolinhos e o café tradicional destes momentos no
interior eram assim tão atraentes?
Página n° 6
– Uma ocasião...
Josimar era muito inteligente. Achava que não havia nada de mágico
com aquele notável contador de histórias. O que havia mesmo era o jeitão
de contá-las, sua estratégia.
Página n° 7
JOSIMAR - SEU PERFIL
Página n° 8
QUALQUER PESSOA
PODE CONTAR UMA HISTÓRIA
Dizem que os mentirosos são bons para contar histórias, mas isto é
mesmo generalização. Nem todos os mentirosos sabem contar histórias, por
isso caem sempre em contradição, revelando a mentira.
Página n° 9
Também, quando vamos ao médico, fazemos um relato sobre nossa
enfermidade: como começou; onde sentimos o desconforto pela primeira
vez; em que condições é que passamos a sentir a dor; etc. E até mesmo
fantasiamos um pouco para que o médico não nos censure. Mentimos que
tomamos os remédios receitados, que fizemos a dieta recomendada etc.
Página n° 10
IMPORTANTE LER MUITAS HISTÓRIAS
E OBSERVAR AS ESTRATÉGIAS
Página n° 11
Contar histórias é um discurso onde podemos utilizar o colorido da
modulação tonal, as pausas, a gesticulação, os trejeitos, as expressões
faciais e, até mesmo, a interação com os ouvintes.
Página n° 12
CONHECER OS OUVINTES, O QUE
GOSTAM, O QUE ACHAM ENGRAÇADO,
O QUE LHES ESTRATÉGICO.
Página n° 13
Até o Sr. Arnaldo, depois que Josimar a contava, a respaldava com
um novo “causo “ do mesmo gênero ou fazia um comentário sobre a
história do discípulo.
E alguém arrematou:
Página n° 14
Porém já havia obtido o conhecimento da importância de conhecer-
lhes os sentimentos e o que valorizavam para selecionar ou adaptar
histórias que os sensibilizassem.
Página n° 15
A PREFERÊNCIA DO PÚBLICO
– Lembramos sim.
Página n° 16
expressão corporal, da musicalidade da entonação, do ritmo que Josimar
promovia à história. Então, tudo se renovava.
Página n° 17
Josimar conseguiu ser muito bem sucedido nesta carreira de contador
porque era também um notável pesquisador. Estava sempre atento ao que
as pessoas gostavam e precisavam.
Página n° 18
INSTRUIR OS OUVINTES
Todas estas explicações porque ele sabia que bem poucas pessoas
haviam transitado por ali.
Página n° 19
O ENVOLVIMENTO DE QUEM OUVE A HISTÓRIA
IDENTIFICAÇÃO
Página n° 20
O DOMÍNIO DA LÍNGUA
Bem cedo, Josimar percebeu que para contar histórias àquela platéia,
teria que ajustar o seu modo de falar sem, entretanto, imitar o Sr. Arnaldo
porque aí ficaria falso e as pessoas perceberiam.
Página n° 21
A MORAL DA HISTÓRIA
O OBJETIVO DA HISTÓRIA
Desta forma, ele aprendeu a tomar muito cuidado para não transmitir
maus exemplos que viessem no futuro produzir comportamentos
incompatíveis com os valores consagrados por sua comunidade.
Ele teria também que evitar que pessoas do meio, com certas
características dos personagens, fossem rotuladas.
A narração de uma história pode ter vários objetivos. Para obter riso,
ela tem que ser engraçada.
Página n° 22
conta uma história super hilariante em meio a um sermão em ambiente
religioso, produzindo gargalhadas.
Quando isto ocorria, ele já sabia que faltara algo a ser destacado e,
então, de volta para casa, avaliava o ocorrido, identificava a falha e
aperfeiçoava a história.
Página n° 23
MEMORIZANDO A HISTÓRIA
Josimar sentiu isto na pele, quando contava uma história aos alunos
e, de repente, percebeu que estava omitindo elementos importantes. E o
pior, não conseguia mesmo lembrar-se deles. Passou então a dar grande
importância o processo da memorização.
Página n° 24
Se quisermos enumerar todas as coisas que observamos no caminho
de casa, basta seguirmos a seqüência como se estivéssemos caminhando
para casa. Vamos então lembrar de cada esquina, padaria, posto de
gasolina, igreja, etc.
Uma história poderia ter quatro, cinco ou mais blocos, que todos
seriam lembrados com todos os seus detalhes porque estavam interligados
por uma deixa, uma chave.
Página n° 25
Eis uma história que Josimar contava sempre com muito sabor e
sempre lhe pediam para repeti-la:
1
História: EDUCAÇÃO, PEDRAS E FLORES, vide página 49.
Página n° 26
enfrentar a professora no dia seguinte? A deixa agora é DIA
SEGUINTE.
Página n° 27
COMO INICIAR A HISTÓRIA
Ou então:
Era assim que ele começava o relato, com um ritmo forte, desde o
início, com muita ação.
Página n° 28
Não era fácil fazer isto. Era necessário estar muito seguro de como se
sucediam todas as ações, sem cometer nenhuma incoerência, sem omitir
aspectos importantes responsáveis pela clareza da história. Mas o seu
repertório era composto de histórias muito bem construídas para serem
contadas com toda segurança.
Onde ele aprendeu isto? Assistindo a filmes que tinham um início com
muita ação para logo após vir o elenco resumido.
Página n° 29
DESCREVENDO OS PROTAGONISTAS
Não basta, por exemplo, dizer que o cabelo da donzela era sedoso. O
narrador tem fazer com a mão o movimento de tocá-lo com carinho, como
que sentindo-lhe a textura delicada entre seus dedos. Há que fazer com que
o público sinta também.
Página n° 30
Estas características têm que ser muito bem destacadas se tiverem
relação com as situações.
Durante a narração, não basta dizer que fulano é honesto. Terá que
ser contada uma passagem de sua vida em que ele demonstrou isto.
Exemplo:
– Será que quem perdeu este dinheiro não estaria numa situação
muito pior que a minha? Se eu não a entregar, como ficará minha
consciência?
Com este fato, ficava patente na história que André era honesto.
Página n° 31
DESCREVENDO AS SITUAÇÕES
Tudo isto tem que ser relatado com muita riqueza, mas também com
muita habilidade para não escorregar na incoerência. Além disso, a reação
do personagem, exteriorizada ou interiorizada, é deixa para a continuidade
da história.
Desta forma, tem-se que tornar o relato muito claro porque, muitas
das vezes, um pequeno detalhe é que faz a diferença e se não for bem
destacado, pode-se perder o sabor da história.
Havia uma história que Josimar contava e que envolvia o uso de uma
escova para cabelo. Ela surgia várias vezes durante o relato. Então, ele a
descrevia na cor, no formato, na leveza das cerdas, na anatomia do cabo,
nos arabescos dourados que a decoravam, etc. Dando um toque de
sensualidade, comparava-a com o corpo de uma bailarina.
Página n° 32
compreendiam bem o poder de influência que ela exercia. Assim, cada vez
que o personagem tocava na escova, o público também lhe sentia a
influência.
Página n° 33
AMBIENTAÇÃO
Para que uma história seja boa, o espaço e o tempo têm que se
harmonizar com ela. Tem que dar-lhe o colorido pertinente.
Para dar força ao conto, Josimar tinha que navegar ora ao passado
imediato, ora ao passado remoto. Muitas vezes tinha mesmo que viajar
para o futuro.
Página n° 34
O protagonista? Pobre dele. Estava sempre sozinho, desprotegido,
amedrontado, obrigado a permanecer naquele ambiente.
Página n° 35
CENÁRIOS PRINCIPAIS,
CENÁRIOS OCULTOS
Página n° 36
Muitas vezes era o caráter do personagem, cujas ações eram
incompatíveis com o modelo que aparentava, sendo influenciadas por uma
experiência anterior, que produzira traumas difíceis de reverter. Doutras
vezes eram os interesses espúrios que os personagens não revelavam no
início do conto.
Mas ficavam atentas até o final da narração. Rindo, quando ela era
engraçada ou comentando a moral da história com os outros ouvintes.
Página n° 37
O TEMPO NA HISTÓRIA
Página n° 38
Toda a dimensão do passar do tempo, então, é sentida pelo
espectador.
Ou ainda:
Página n° 39
CONTANDO A HISTÓRIA
Josimar aprendeu logo que para contar uma história com êxito,
teria que conhecê-la, detalhe por detalhe, para não ficar indo e vindo a todo
o momento, isto é, voltando para um momento anterior porque lembrou-se
dele agora que a seqüência da história o reclama, para ter sentido.
Mas a pronúncia tem que ser bem articulada. Josimar fez tantos
exercícios de articulação que chegou a ter câimbras no maxilar.
Página n° 40
Os braços e as mãos têm que acompanhar a fala, pois também falam.
Às vezes, o contador utiliza apenas um gesto e ele tem muito mais
expressão que a fala na história.
Página n° 41
DIÁLOGOS BEM CLAROS
EXPLICITAR DE QUEM É A FALA
Muitas vezes, lendo histórias, Josimar tinha que retornar várias linhas
atrás para entender bem as situações porque o escritor era econômico em
informar de quem tinha sido a fala, nos diálogos, limitando-se somente a
escrever o que fora dito. Por exemplo:
Página n° 42
– Naquele momento, Amadeu sentiu o sangue ferver. Como André se
atrevia a criticar sua competência? Como poderia falar assim de
uma experiência de mais de quinze anos? Então retrucou
espumando:
Página n° 43
O CORPO TAMBÉM FALA
Página n° 44
Zangado, senho franzido, dentes à mostra, ombros erguidos, cabeça
inclinada para a frente e olhar para a frente, como um animal que vai
atacar.
Página n° 45
O SUSPENSE
2
História O FANTASMA DO AVÓ, vide página 51
Página n° 46
Enrolou durante mais de quinze minutos para, somente depois,
contar que o caseiro do sítio viu o fantasma e, apesar de muito arrepiado,
soube o que ocorria e correu para a lagoa salvando a menina, que tinha
sido atirada lá pelo homem inimigo da família.
Página n° 47
FINALIZANDO
Página n° 48
HISTÓRIA:
EDUCAÇÃO, PEDRAS E FLORES
Então, já fora da escola ela lhe atirou uma pedra. Ela não percebeu
que acertara o alvo, pois nem tinha esta intenção. A pedra acertara as
costas do menino.
O impacto não produziu grande ferimento, mas a dor que ele sentiu
foi muito grande, talvez mais pela culpa ou pelo susto.
No dia seguinte, bem cedinho, com as pedras num pequeno saco, foi
até a casa da professora e ficou à espreita, escondido num arbusto,
defronte a janela que dava para a rua. Era domingo. Ninguém na rua tão
cedo. O momento era propício para a vingança.
Página n° 49
Estava ainda escondido arquitetando esta vingança, quando, de
repente a janela se abriu ruidosamente, pois era um caixilho com duas
folhas de correr, e lá estava ela.
- Meu alvo – pensou ele.
Manoelzinho sentiu algo pesado batendo em seu pé. Olhou para baixo
e, com espanto, percebeu que era o saco com as pedras que distraído,
olhando deslumbrado a professora, deixara cair.
Não, não, como poderia ele atirar uma pedra numa pessoa que
estava beijando as flores?
Deixou de roubar.
Página n° 50
HISTÓRIA:
O FANTASMA DA AVÓ
Não me lembro do nome dele. Nós o conhecíamos por Alemão, talvez por
ser muito loiro e ter a pele muito clara.
Éramos colegas num curso noturno. Saíamos das aulas por volta das onze
da noite e voltávamos para casa a pé, pois não era tão longe. Formávamos um
grupo de umas dez pessoas. O Alemão morava perto da escola, por isso, quando
passávamos por sua casa, nosso grupo estava ainda completo.
Depois que seu avô faleceu, o Alemão começou a ficar com medo de
atravessar o jardim, à noite. Pedia que ficássemos lá na frente até que ele passasse
pelos canteiros da frente, subisse a pequena escada que dava para uma varanda
estreita de mais ou menos quinze metros, atravessasse essa varanda e alcançasse
por fim a porta de entrada. Essa porta dava para a sala principal da casa.
Não condenávamos o Alemão por ter medo de passar por ali. Nós nem
mesmo arriscávamos acompanhá-lo porque depois teríamos que voltar por ali
sozinhos. Afinal de contas, o avô do Alemão havia morrido há poucas semanas.
Página n° 51
Na cantina da escola, quando um professor faltou e ficamos aguardando a
próxima aula, o Alemão revelou o que havia acontecido. Fora a assombração do
avô.
- Puxa! Graças a Deus ele entrou para dentro da casa. - pensaram -. Mas
logo cedinho, quando a mãe do Alemão ia sair para ir à padaria, um susto. Gritou
em pânico. Todos se levantaram assustados.
Foi sepultado no mesmo dia. O quarto onde dormia foi fechado. Ninguém
queria mais dormir lá. O tio passou a dividir o quarto com o Alemão.
Página n° 52
- Não, não. – pensou – Trata-se apenas de uma impressão. – Mas parecia
que o “chek... chek...” era mesmo real...
O terror ganhou corpo mesmo quando no dia seguinte, à mesa do café, o pai
do Alemão perguntou:
E agora? O que fazer? Decidiram esperar por uns dias e depois chamar o
padre para benzer a varanda. Passou-se a semana e o ruído continuava. Falaram
com o padre. Este assegurou que, após a missa do sétimo dia isto cessaria, pois
que a alma do avô já estaria salva e não precisava ficar assombrando as pessoas
no mundo.
Foi feita a missa. Foi feita uma novena na varanda. Todas as noites a família
se reunia para uma oração, mas o “chek... chek...” prosseguia e cada vez mais
forte. Havia mesmo momentos em que o cessar de repente do ruído era tido como
o momento em que o avô caia morto. Pensaram em mudar de casa.
- Então, num sábado à noite, – contou o alemão – cheguei em casa por volta
da meia-noite. Esta hora me apavorava ainda mais. Tinha que atravessar aquela
varanda sozinho, sem vocês para me encorajar no portão. Era terrível o meu medo.
Entrei. Passei pelos primeiros canteiros do jardim, aqueles que tem as palmeiras e
alcancei a varanda. Comecei a rezar baixinho. Já estava chegando perto da porta
de entrada, quando ouvi atrás de mim o “chek... chek...” do chinelo. Fiquei
extático, todo arrepiado, o coração a mil, não conseguia respirar direito, não sabia
o que fazer. Mas, de repente, resolvi olhar para trás. Resolvi enfrentar. Afinal que
mal poderia me fazer o meu avô?
Voltei-me e olhei. E o que vi? Nada. Mas o ruído continuava, bem forte,
parecia até que se aproximava de mim. Mas observando melhor, vinha lá de perto
da escada. Fui até lá. O ruído estava cada vez mais forte, mas nada de ver o meu
avô. Cheguei à escada e percebi que o ruído vinha do jardim, dos canteiros da
frente. E então, quando olhei para cima... lá estava ele... agora eu podia ver...,
pendurado na palmeira... lá em cima.
Página n° 53
- Sim, o fantasma... o fantasma do fantasma... - disse rindo -.
E, concluiu o Alemão:
- Uma folha seca da palmeira, que não havia se soltado, agitava-se ao vento
produzindo o tal ruído. Não deixei por menos. Acordei toda a família, dizendo que
tinha visto o vovô e convidando a todos para vê-lo. Foi uma farra. Ninguém queria
sair, mas depois que mostrei a palmeira todos rimos tanto que até acordamos o
vizinho do lado. Só minha mãe não aceitou a explicação. Talvez desejasse que o
ruído continuasse para sentir mais de perto o finado pai.
Quem diria? Quem diria que uma folha de palmeira ao vento tivesse causado
tanto terror? É claro que árvores não assustam ninguém. As pessoas é que se
assustam com elas quando as associam com suas superstições. É bem possível,
segundo o Alemão, que o tal ruído , quando o velho ainda vivia, vinha da palmeira
e não do chinelo.
Página n° 54