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FEDERAÇÃO EM DEBATE: APENAS UMA QUESTÃO DE

RATEIO?

“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso


Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1° O cálculo, a entrega e o controle das liberações dos
recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito
Federal - FPE e do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de
que tratam as alíneas a e b do inciso I do art. 159 da Constituição,
far-se-ão nos termos desta Lei Complementar, consoante o
disposto nos incisos II e III do art. 161 da Constituição.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, integrarão
a base de cálculo das transferências, além do montante dos
impostos nele referidos, inclusive os extintos por compensação ou
dação, os respectivos adicionais, juros e multa moratória, cobrados
administrativa ou judicialmente, com a correspondente atualização
monetária paga.
Art. 2° Os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do
Distrito Federal - FPE serão distribuídos da seguinte forma:
I - 85% (oitenta e cinco por cento) às Unidades da Federação
integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;
II - 15% (quinze por cento) às Unidades da Federação
integrantes das regiões Sul e Sudeste.
§ 1° Os coeficientes individuais de participação dos Estados e
do Distrito Federal no Fundo de Participação dos Estados e do
Distrito Federal - FPE a serem aplicados até o exercício de 1991,
inclusive, são os constantes do Anexo Único, que é parte integrante
desta Lei Complementar.
§ 2° Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos
Estados e do Distrito Federal, a vigorarem a partir de 1992, serão
fixados em lei específica , com base na apuração do censo de
1990.
§ 3° Até que sejam definidos os critérios a que se refere o
parágrafo anterior, continuarão em vigor os coeficientes
estabelecidos nesta Lei Complementar.”
LEI COMPEMENTAR 62/89

“O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de


todo o artigo 2º da Lei Complementar 62/89, que define os critérios
de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do DF (FPE). Ele
só terá efeitos até 31 de dezembro de 2012. A partir dessa data,
deverá entrar em vigor uma nova norma sobre o mesmo assunto.”
TV Justiça*

No final do mês de fevereiro, praticamente com nenhuma


repercussão na mídia, o Superior Tribunal Federal decretou a
inconstitucionalidade do Artigo 2º, de Lei Complementar 62/89.
Corriam no tribunal quatro ADINs – ações diretas de
inconstitucionalidade – dos estados do Rio Grande do Sul, Mato
Grosso e Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Todas sob o
argumento que de a LC foi criada de forma arbitrária com base em
uma realidade, censo de 1990, já superada.
Além de anular o artigo o STF deu um prazo até o ano de 2012 para
que se apresente uma nova Lei Complementar em substituição a
atual.

Todo esse contexto é um pouco o que é a federação brasileira. O


mundo real, não o que está na Constituição Federal.

O Fundo de Participação dos Estados é semelhante ao seu par


mais famoso o Fundo de Participação dos Municípios. Com efeito o
lobby dos prefeitos é mais eficiente.
Na base ambos se nutrem da mesma fonte: Desequilíbrios
regionais. Nossa Constituição prever que é tarefa da República e
obrigação da Federação garantir com que os desequilíbrios
regionais sejam superados.
Poderiam ter discutido um grande projeto de desenvolvimento
nacional que tivesse em seu contexto a consideração do
desenvolvimento regional e dos processos de escolhas estratégicas
e formatos de investimento, mas preferiram os nossos
parlamentares o caminho do atalho. Ricos e pobres. Ricos, por
serem ricos, têm obrigação de ajudar os pobres. Justiça social.
Ética. Lógica muito cristã de pegar o fruto de teu sacrifício e
trabalho e doar para outros que não tenham tido as mesmas
oportunidades que você. Na realidade a equalização dos resultados
devido à assimetria de oportunidades. Vale para pessoas, deve
valer para os estados. Valeu.

A centralização da arrecadação tributária dá para a União o


privilégio de reter em seu domínio parte significativa dos tributos
apropriados das famílias e empresas. Alguns chamam isso de
racionalização. Eu chamaria o absoluto controle do executivo
federal sobre a tributação de exercício de poder, mas tudo bem.
Então ficamos assim: Tributos arrecadados por todos os estados
são redistribuídos de tal forma que os estados de maior vigor
econômico transferem seus direitos para os estados mais fracos.

Naquele momento em que a LC foi votada e aprovada o rateio foi


de 85% para os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O
restante iria para os estados do Sul e Sudeste. Paulistas, cariocas,
capixabas, mineiros, paranaenses, catarinenses e gaúchos
renunciam à tributos em nome do bem comum.
Evidentemente São Paulo, por ter a maior parte do produto
nacional, também renuncia à maior parte do bolo.

De imediato vem a pergunta: Afinal, essa renúncia significou


exatamente o quê? Qualquer tributo já é uma renúncia, em última
análise, das famílias. A família aceita perder parte de sua renda em
nome da necessidade de manter uma dada estrutura de governo ou
em nome de uma melhor distribuição de renda. Enfim, famílias
deixaram de poupar ou consumir em seu próprio favor.
Vinte anos de renúncia trouxeram quais vantagens para aquelas
famílias beneficiadas?

Até onde se sabe os recursos do FPE não foram das famílias que
renunciaram ao consumo ou à poupança para as famílias
necessitadas desses recursos. Os recursos do FPE foram para a
manutenção da máquina de governo. Qual foi exatamente a “justiça
social”? Governos mais eficientes?

Talvez essa decisão do STF seja a pedra de toque para uma


rediscussão sobre o que realmente significa o pacto federativo e
qual deve ser a relação entre desenvolvimento e regionalidade.
Esperemos que o debate não pare por ai e se discuta também se o
executivo federal deve realmente reter tantos tributos para sustentar
sua própria máquina administrativa ou se esse resultado não
deveria estar mais próximo das famílias, em mãos de estados e
municípios.

Esse é um jogo pesado e de muita paciência. Proporcionalmente o


número de eleitores nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
tem crescimento muito acima do crescimento populacional. A região
norte, por exemplo, para uma média de crescimento populacional
nacional da ordem de 12% entre outubro de 2000 e janeiro de 2010,
cresceu 36% em número de eleitores.
Sem bairrismos, que só favorecem que as coisas permaneçam
como se encontram, o questionamento deve se orientar não apenas
para o quando o governo central retém de tributos à seu próprio
favor, mas também o que exatamente significa uma contribuição
para eliminar a desigualdade regional desconectada de um projeto
de desenvolvimento consistente e sustentável.
Enfim, mesmo que não se questione a atual partição, uma
contribuição à “fundo perdido” para a manutenção das máquinas de
governo estaduais é uma garantia de crescimento econômico ou a
nova Lei Complementar deverá observar melhor a obrigação do
governo estadual apresentar um projeto maior do que sustentar a
só próprio?

Demetrio Carneiro

* http://tv-justica.blogspot.com/2010/02/lei-complementar-6289.html

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