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ISBN : 1989 - 6514

Siranda. Revista de Estudios Culturales, Teoría de los Medios e Innovación Tecnológica


Número 3
http://grupo.us.es/grupoinnovacion/
Año 2010

A POÉTICA DE EVANDRO CARLOS JARDIM: FIFURAS, SERES, TEMPOS E LUGARES


EVANDRO CARLOS JARDIM’ S POETICS: FIGURES, BEINGS, TIME AND PLACES

COLE, Ariane Daniela Cole


Dra. Universidade Presbiteriana Mackenzie
R. São Daniel 262, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04288 110
F: +55 11 5062 1726 arianecole@gmail.com

LARA, Regina Lara


Dra. Universidade Presbiteriana Mackenzie
R. Piauí 129, São Paulo, SP, Brasil, CEP 01241 001
F: +55 11 3255 6238 reginalara@terra.com.br

COLE, Artur
Dr. FIAM/FAAM
R. São Daniel 262, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04288 110
F: +55 11 5062 1726 arturcole@gmail.com

Resumo
A pesquisa, em estágio inicial, buscará realizar uma aproximação com a poética do artista e
gravador Evandro Carlos Jardim, reconhecido pela sua notória qualidade e importância no
panorama das artes plásticas do Brasil. Neste trabalho abordaremos três enfoques
principais. O primeiro observará a importância da percepção, seja do espaço ou do tempo
no seu processo de criação. Ressaltar as complexas relações que se estabelecem em sua
obra através da linguagem audiovisual de um modo poético é um desafio e outra questão
que se apresenta. A terceira abordagem tratará de sua atuação como artista-professor
formador de uma geração de artistas paulistas.

Palavras-chave: processo de criação artística, gravura e audiovisual.

Abstract
The present research will look through audio visual language, to realise an approach to the
poetic, visual and engraver Evandro Carlos Jardim renown by his notorious quality and
importance in the panorama of plastic art of Brazil. This research will broach the art of this
engraver in three principal points. The first will observe the importance of perception
during its process of creation. In the second part we will look to reflect on representation

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questions. Space representation as of time, through images always presented a challenge


since man started to elaborate images and it continues through new technologies of
image production. The third part will treat his work as an artist-professor forming a whole
new generation of Sao Paulo artists.

Key words: Artistic creation process, engraving and audio-visual.

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A POÉTICA DE EVANDRO CARLOS JARDIM: FIGURAS, SERES, TEMPOS E LUGARES


O presente trabalho apresenta uma pesquisa em estágio inicial e busca analisar de
que modo, através da linguagem audiovisual, podemos realizar uma aproximação com a
poética do artista plástico e gravador Evandro Carlos Jardim. Elegemos a obra deste
grande artista e professor pela sua notória qualidade e importância no panorama das artes
plásticas do Brasil, destacando-se tanto pela sua produção artística, apresentando um
extenso currículo de exposições no Brasil e no exterior, como pela sua atuação como
formador, orientador e mestre de um número expressivo de artistas plásticos paulistas.
O trabalho de Evandro Carlos Jardim se desenvolve, sobretudo, através da gravura
embora também apresente obras em pintura e escultura, expressando seu olhar sobre a
sua cidade, São Paulo, suas paisagens, seres e objetos (Fig. 1), apresentando uma poética
transparente, plena de vigor e rigor, estreitamente ligada à sua experiência de vida.
Esta pesquisa aborda a obra deste artista em três enfoques principais. O primeiro
observa a importância da percepção, seja do espaço ou do tempo no seu processo de
criação compreendida em sua abordagem alargada, onde a percepção opera associada à
memória e à imaginação, onde a percepção do espaço, no tempo, transforma-se em
memória, em movimento, em expressão, em criação.
“...este gravador, flâneur, não se coloca no ponto de vista do planejador urbano –
que deseja e planeja a intervenção, e com que o artista moderno freqüentemente se
identificou -, mas sim no do transeunte que em seu percurso diário transporta a cidade de
um lado para o outro e a experimenta na pele.” (MARTINS, 2005, P.54).

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Fig. 1 – Evandro Carlos Jardim


Figuras: Jaraguá, sinais, manchas e sombras. 1979
Água forte e água tinta sobre papel, 45,5 x 59,5cm.

Merleau-Ponty (1969) trouxe a consciência do lugar e da importância do corpo no


deslocamento, um corpo complexo que abarca, no tempo e no espaço, os sentidos, a
memória, a imaginação, esclarecendo as inter-relações entre a identidade poética, as
coisas, os seres e os lugares. O autor reflete de modo sistemático e durante toda a
construção de sua obra, sobre a importância da imagem na relação entre os homens, sua
cultura, suas coisas, seus ambientes, inaugurando a noção de conhecimento perceptivo.
Em toda a extensão da obra de Evandro Carlos Jardim identificamos referências
aos espaços vividos, notadamente a cidade de São Paulo, a Serra do Mar, o litoral paulista e
o seu atelier. Outro aspecto muito importante de sua obra deve ser observado com
bastante atenção, trata-se da percepção da passagem do tempo. As suas séries, como
fotogramas cinematográficos, nos falam do tempo, do tempo ampliado da realização da
gravura, do tempo de passagem das figuras que as habitam, que através delas migram,
produzindo sentido.
“Meu trabalho tem muito de registro, é um trabalho de guardar, de registrar. É um
trabalho que acontece no tempo. Você pode abordá-lo de muitas maneiras, mas o que
mais me fascina é poder estabelecer relações entre o tempo pessoal e o tempo. Porque

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nós temos um tempo que é nosso, um tempo do entendimento, da percepção, da


observação.” (JARDIM, apud MACAMBIRA, 1998, p. 113).
Em segundo lugar buscaremos refletir sobre as questões da representação. A
necessidade de representar a si mesmo e o ambiente em que se vive e opera sempre foi
vital para a cultura. Sabemos que a representação do espaço, assim como do tempo,
através da imagem, sempre se apresentou como um desafio desde o momento em que o
homem começou a elaborar imagens.
De origem medieval, o termo representação abriga o significado daquilo que
guarda semelhança, mais tarde agregou outros significados relativos à construção do
conhecimento através da idealização da imagem, ou do próprio objeto. Kant inaugurou
uma acepção bastante abrangente considerando o termo como manifestação de todo ato
de natureza cognitiva independente de sua semelhança com algo que pertença à
realidade (Abbagnano,1998, p. 853). Mas, de qualquer modo, o termo representação
estará sempre, inerentemente, ligado às manifestações do real, num contexto cultural.
Utilizado também para significar os conceitos de substituir, presentificar, algo
ausente, explicitando um aspecto paradoxal, o termo em questão parece estar sofrendo
desgastes com o desenvolvimento do pensamento. Sabemos que a representação é um
artefato cultural constituído por convenções, pela técnica e pela ideologia (Aumont, 2004);
entretanto, hoje o termo representação talvez deva ser entendido em sua acepção
ampliada, no sentido da elaboração de uma percepção que se expressa, seja através da
imagem, da palavra, do corpo, das sonoridades, dos objetos.
O debate em torno das representações mentais e das concretizadas através dos
meios é extensivo. Para Belting (2001), toda imagem visível necessariamente é inscrita em
um suporte, isto se aplica também às imagens mentais, na medida em que se inscrevem de
algum modo, em nosso corpo. Neste sentido tanto a percepção e como a fabricação de
imagens são duas faces de uma mesma moeda, ambas são atos simbólicos já que
percebemos o mundo de um modo distinto daquele que se apresenta de fato, e ao
inscrevermos imagens, o fazemos através de símbolos. Assim, a oposição entre imagem e
meio, forma e conteúdo, correlatos da oposição entre matéria e espírito, não faz sentido,
ambos participam do mesmo processo de simbolização. Para o autor uma imagem é mais
que o produto de uma percepção, é resultado de um a simbolização pessoal ou coletiva.
Deste modo, assim como Matisse afirma, Isto não é um Cachimbo (Foucault, 1988),

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buscaremos compreender a construção de significados que jazem nas representações das


figuras, entre uma figura e outra, entre elas e as palavras inscritas nas gravuras, entre as
gravuras e seus títulos, na constituição de sua obra.
A terceira abordagem tratará de sua atuação como artista-professor formador de
toda uma geração de artistas paulistas. Observaremos situações especiais do ensino em
espaço de ateliê, onde o artista-professor faz a mediação do processo criativo do artista-
aprendiz, envolvidos no fluir da criação. Foi Csikzentmihalyi (1996) quem pensou o
conceito de flow, o fluir de idéias correntes, que a nosso entender, se compatibiliza
perfeitamente bem com o processo criativo do artista. Depoimentos de artistas visuais
reconhecidos publicamente em diferentes épocas e países distantes, mostram
características comuns na construção de suas obras, como se o processo criativo
envolvesse o artista em uma espécie de transe, um fluir de idéias correntes.
Nesta pesquisa entendemos o conceito de flow como um fluir de idéias artísticas.
Pretendemos mostrar como o artista-professor envolve o aluno no fluir criativo. O fluir seria
uma possibilidade de organização do processo criativo, um estado que facilitaria a
combinação de ação e consciência, e neste sentido é integrador:
“Em algumas atividades criativas, onde as metas não estão claramente definidas de
antemão, uma pessoa deve desenvolver um forte significado pessoal com aquilo que
deseja fazer. O artista pode não ter uma imagem visual de como será sua pintura, mas
quando o quadro já progrediu até certo ponto, deve saber se é o que queria ou não. Um
pintor que desfruta de uma pintura deve ter interiorizado critérios para saber o que é bom
ou mau, para que depois de cada pincelada possa dizer: sim, isso funciona ou não, isto não
funciona. Sem tal guia interno é impossível experimentar o flow.” (Csikzentmihalyi, pg.
92,1996).
Esta relação com critérios previamente estabelecidos pelo artista forma o guia
interno que o permite direcionar o processo criativo, organizando e conduzindo o fluir.
Ostrower (1978), estudiosa da criatividade e também experiente artista visual confirma
Csikzentmihalyi, referindo-se em seus estudos ao guia interno que o artista-professor ajuda
o artista-aprendiz a elaborar.
Na vivência do processo criativo, o tempo flui conforme as necessidades aparecem
num constante movimento de transformação. Uma das características mais interessantes
do fluir de idéias correntes é a ausência de tempo marcado, definido e planejado. O artista

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cria focado no presente imediato, sem ver o tempo passar, perdendo a noção da hora,
num transe criativo. Mas tempo não definido não significa inconsciência total, como a
expressão transe criativo poderia sugerir; é mais um deixar-se levar, naquele momento
esquecer-se de tudo a sua volta, pensando apenas em solucionar a questão estética à
frente da qual se colocou. Ao contrário, o artista pode usar o tempo com absoluta clareza
mental, consciente do que é preciso fazer e de como isto pode ser feito.
O processo criativo é um estado de profunda concentração, quando a
consciência está extraordinariamente bem ordenada. Os pensamentos, as intenções, os
sentimentos e todos os sentidos enfocam a mesma meta geral. Quando elabora a teoria
do fluir, Csikzentmihalyi (1996) propõe formas de estimular este estado, de eliminar
barreiras para permitir que este aconteça. O artista-professor é o mentor do processo de
criação do artista-aprendiz, é quem facilita o fluir, apresenta elementos, sugere observações,
e revela por sua própria obra, os caminhos do seu percurso artístico pessoal e a
concretização de seu projeto poético.
Evandro Carlos Jardim começou sua carreira como professor, com sua
participação em uma experiência pioneira e inovadora, protagonizada pelo Ginásio
Estadual Vocacional Oswaldo Aranha entre 1964 e 1969 (Macambira, 1998). Sua atividade
como professor revela a sua importância pela intensa atuação envolvendo um número
expressivo de alunos. Suas orientações se imprimiram na formação de diversos artistas e
professores de arte, ao longo dos anos, através de sua atuação, como professor das
Faculdades de Artes Plásticas da FAAP e da ECAUSP, na graduação e na Pós Graduação,
além de inúmeros workshops e cursos em Museus e Centros Culturais por todo o país.
O estudo do processo criativo terá a função de substanciar a aproximação com a
poética de Evandro Carlos Jardim. O conceito de flow, o fluir de idéias correntes, elaborado
por Csikzentmihalyi(1996) nos permitirá compreender o envolvimento do professor
Evandro Carlos Jardim na formação de uma geração de artistas visuais paulistas, hoje
reconhecidos.
A Antropologia Visual e a Crítica de Processos, constituem fundamentos
metodológicos para esta pesquisa, numa cooperação interdisciplinar que parte do
entrecruzamento da arte, dos estudos sobre a construção da poética em arte, e da sua
exposição e difusão através da linguagem audiovisual.

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A Antropologia Visual servirá de referência para os procedimentos de registro,


documentação e apresentação da obra do artista. Segundo Ribeiro (2004), devido ao
desenvolvimento tecnológico, às câmeras e processadores digitais de imagens e sons, o
filme de exposição, produzido somente com a intenção de exibição de resultados é aos
poucos substituído pelo filme de exploração que coloca a imagem em movimento no
centro inaugural da pesquisa, favorecendo a observação diferida (visionamento repetido,
observação, e análise das imagens gravadas), gerando um intenso movimento entre
captação de imagens, observação diferida, anotações, retorno a campo. Neste movimento
dialogam o olhar do sujeito, do autor-criador e do autor-espectador. O que configura uma
profunda alteração metodológica, muito aproximada dos processos de criação descritos
pela crítica genética (Cole, 2006).
“A Antropologia Visual e o Cinema constituem, no filme exploratório, um ponto de
encontro, um entrecruzamento, que abre a possibilidade de uma colaboração entre
ciência e arte, na direção de conceber e inaugurar novas formas de exposição, na busca
de integrar e gerar novos métodos que sejam capazes de expressar, comunicar de maneira
abrangente, objetiva, didática e expressiva, fenomenológica enfim, os modos sempre
movediços de se compreender a realidade.” (Cole, 2006, pg. 122).

Percepção, Expressão e Criação


Para a Crítica de Processos, os documentos de processos são registros dos
processos que engendram as obras, em qualquer linguagem, seja ela literária, pictórica,
fotográfica, audiovisual. A análise dos documentos de processo é capaz de nos revelar o
desencadeamento do pensamento criativo, desde as suas origens, da sua pré-figuração,
aos experimentos, às decisões, à construção poética. É possível também observar
interlocução entre os pensamentos, sensações e ações. “O desenvolvimento contínuo da
obra deixa claro que não há ordenação cronológica entre pensamento e ação: o
pensamento se dá na ação, toda ação contém pensamento” (SALLES,1998, p.52).

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Fig. 2 – Algumas das gravuras da série Figuras Jacentes

Para Jardim, a obra se constitui neste e deste processo, claramente explicitados na


exposição O desenho estampado: a obra gráfica de Evandro Carlos Jardim, onde pudemos
observar cada uma de suas intervenções sobre a mesma matriz (fig.2). Esta inter-relação
simultânea entre sensação, pensamento e ação se dá no sentido de aprofundar o projeto
poético, compreender as suas tendências, suas verdades internas.
O processo de criação se manifesta através da ação sobre a matéria, na direção da
concretização da expressão, através de instrumentos, que guardam suas próprias leis e seus
próprios recursos. Na construção da poética observamos uma proximidade entre
concepção e matéria, onde referências ou imagens geradoras podem se apresentar como
objeto de pesquisa artística e, ao habitar a memória e a imaginação, tornar-se matéria
sobre a qual incidirá uma ação. O trabalho com a gravura é bastante representativo disto,
vemos em sua obra a valorização não só da técnica, como da expressão que se dá através
dela, ambos entendidos como portadores de conhecimento, como construção cultural.
Neste sentido a obra de Evandro Carlos Jardim é emblemática na medida em que,
como já dissemos cada impressão de uma matriz, cada gravura é um documento do
processo de criação. Quando a referida matriz faz parte de uma série, sofre alterações
dramáticas de raspagens e novas inscrições ao longo do tempo, a imagem sofre mutações
de figuras que se transformam, desaparecem e reaparecem, figuras da margem, da
passagem através da ação da mão sobre a matéria. Aqui não há oposição entre matéria e
espírito há interlocução, onde a mão engendra as formas e com elas conhece e constrói o
mundo. “É ela que toca o universo, que o sente, se apodera dele e o transforma. Combina
espantosas aventuras da matéria. Não lhe chega pegar no que existe, é preciso trabalhar
no que não existe.” (Focillon, pg. 116).

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O artista é agente e testemunha do ato criador, atua tanto como autor-criador,


como autor-espectador, e no desenvolvimento da sua obra, julga, estabelece relações,
interfere no processo sempre que julga necessário.

Pesquisa, registro e difusão


A linguagem audiovisual, por sua vez, capaz de agregar imagens, textos e
sonoridades, é um poderoso instrumento de registro e difusão de pesquisas. Segundo a
Antropologia Visual os primeiros filmes etnográficos voltavam-se para o estudo das
técnicas, materiais e rituais da vida quotidiana de povos exóticos, sem fala, já que os filmes
eram mudos. Esta vida quotidiana vai ganhando voz e sonoridades com o
desenvolvimento da tecnologia e a mobilidade da câmera na década de 60. Com o tempo
a voz e as sonoridades tornaram-se importantes objetos de pesquisa, assim como
manifestações visuais da cultura. Há autores que apontam como novos objetos para a
disciplina, a antropologia do objeto, a antropologia do design, a antropologia da arte
como fortemente relacionadas com a antropologia visual (Ribeiro, 2006).
Atualmente o acesso às tecnologias de produção audiovisual apresenta uma série
de novas questões em diversos âmbitos. Nas atividades de pesquisa, a introdução do
audiovisual modifica profundamente a relação entre a observação e a linguagem, na
pesquisa e na exposição de resultados. Com os novos softwares de tratamento das
imagens os limites de atuação dos profissionais que lidam com imagens (cineastas, artistas,
designers, antropólogos) ficam atenuados, tornando importante a colaboração
interdisciplinar, no sentido de investigar e propor novos métodos e práticas de investigação
e sua difusão (Ribeiro, 2004).
Apresentam-se, deste modo, dois desafios, que demandam duas competências,
exigem dois saberes, conforme Ribeiro (2004): produzir imagens para descobrir, investigar
um saber e produzir imagens para contar, comunicar. Pretendemos assim, enfrentar o
desafio de, através da produção audiovisual, atender às duas funções, uma de natureza
artística, para realizar uma aproximação com a poética de Evandro Carlos Jardim e outra
de natureza objetiva, para explicitar as questões relevantes da pesquisa.
Entretanto, sabemos que o olhar é uma operação ativa que envolve uma posição,
uma postura, um recorte singular, próprio de quem percebe, que por sua vez se constitui
através da vivência, da memória e da imaginação (Gombrich, 1986). Desta forma a

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memória e a imaginação podem ser vistas como interlocutoras, e desta interlocução


formam-se instrumentos fundantes de elaboração da realidade. Para Salles (1998 e 2006),
todas as coisas estão à nossa disposição para serem transformadas, a poética consiste em
uma transfiguração do mundo, não como mera derivação desta, mas investida da
capacidade de reorganizar e de criar novas realidades.
Assim, a linguagem audiovisual mostra-se especialmente eficaz para apresentar
estas transformações que operam nas gravuras, já que permite sobreposições, fusões,
animações da imagem apontando para os processos guardados nestas transformações.
Abre também a possibilidade de propiciar uma aproximação com a poética jardiniana, na
medida em que poderemos registrar a perspectiva do próprio autor, agente e testemunha
de seu próprio processo de criação, através das sonoridades, gestualidades, do diálogo
com a equipe de pesquisadores, com os ex-alunos, observando sua atividade cotidiana no
atelier, explicitando as motivações, sejam elas intelectuais ou afetivas da sua ação criativa. A
linguagem audiovisual também permitirá a investigação da expressão do seu tempo
pessoal.
“A gravura em metal é aparatosa e aprendeu a registrar um enorme número de
sinais materiais e qualidades gráficas em suas práticas, das quais o artista se utiliza
amplamente, mas numa espécie de paradoxo, com grande economia de meios. E nessa
oficina particular a gravura também aprendeu a ser pintura, para trabalhar com
intensidade as muitas luminosidades dos negros. Aprendeu a ser escultura, e assim constrói
modelos e invade o mundo dos objetos. Aprendeu a ser fotografia, e coloca o registro
rápido ao lado e a serviço da meditação. Aprendeu a ser cinema, obtendo dos
estratagemas da montagem novos significados para as mesmas figuras, em diferentes
cadeias associativas.” (MUBARACK, 2005, p.21).
Entretanto, aqui reside o maior de todos os desafios, desafio do olhar a gravura e
do apresentá-la através do video. Leloup (2005) utiliza o exemplo das imagens religiosas
para expor a força expressiva e comunicativa do ícone. Para ele o ícone tem a capacidade
de abrir a psiquê humana para a transcendência, não busca objetivar uma realidade, mas
instiga e propõe vastas possibilidades de entendimento da imagem, composta de densas
camadas de significação. Para o autor o ícone pertence ao mundo imaginal, não é nem
representação, nem símbolo, geralmente e erroneamente reduzido a um sinal. Sua
linguagem é mais aquela dos sonhos que a dos conceitos.

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Para Leloup imagens religiosas podem se apresentar sob a forma de ícones ou de


ídolos, isto se dá tanto na proposição da imagem quanto no olhar do observador. “É
também o olhar que faz o ídolo ou o ícone: há uma maneira de olhar que reifica, que
coisifica tudo que existe, até mesmo os semblantes; há um outro olhar que personaliza, que
demonstra intimidade e dá um rosto a tudo que existe, até mesmo às coisas.” (Leloup,
2005, p.14-15).
Enquanto o ídolo busca através de uma representação instaurar uma divindade,
um ícone não pretende representar o real, mas significá-lo e simbolizá-lo, preservando
assim o caráter inacessível e invisível do que não é representável em um ser ou fenômeno,
propondo o olhar à contemplação, revelando a intimidade das coisas.
Por definição ídolo é o que é visto eídolon, o que se vê, eído vídeo, visível de tal
maneira que basta vê-lo para conhecê-lo. O ídolo se impõe, detém o olhar, ilude-o num afã
de conquistá-lo, não lhe permite que vá além da imagem dada, como se estivesse em
presença de, sem perceber a armadilha da representação. Neste sentido o conhecimento
não se aprofunda, pois se dá através de um olhar em superfície.
Assim, ver o mundo como ícone nos ensina, segundo o autor, a ver a presença na
aparência, a ver o essencial nas coisas, a não deixar o olhar ser capturado, por aquilo que
se vê, seja do ponto de vista da construção do conhecimento, da afetividade ou da
espiritualidade, desdobrando assim, conseqüências éticas e epistemológicas. Trouxemos o
autor para nos auxiliar na reflexão sobre como apresentar o tempo da gravura através do
vídeo cujo caráter é tão diverso. “Imagens que procurem olhar o mundo nos olhos, que
tentem deixar as coisas no olhar. Perceber aquilo que faz as coisas falarem, a sua luz, seu rio
subterrâneo. Essa atitude - esse respeito pelas coisas - é ético” (Brissac-Peixoto, 1992, p 309).
Assim, para além de uma pesquisa exclusivamente teórica, desenvolveremos
também práticas laboratoriais audiovisuais e de campo na busca de possibilitar esta
aproximação com o processo de criação do artista através do recolhimento de material
primário identificando os caminhos do seu pensamento e de sua ação criativa, abordando
aspectos do seu processo de criação, de sua relação com os espaços vividos, com a
constituição da memória, da sua relação com o tempo, e sua interlocução com artistas que
contaram com a sua orientação para a sua formação. Buscaremos também uma
aproximação com a sua forma de se locomover pela cidade, seu olhar sobre os seres,

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objetos, espaços e tempos, através de percursos que faremos pela cidade, em lugares caros
ao artista, que revisitaremos.

Metodologia
Como já dissemos a pesquisa se desdobra em três eixos, e cada abordagem exigirá
uma metodologia mesmo que ao final as três se integrem em uma unidade. As questões
da percepção, da representação tanto do espaço como do tempo partem tanto da análise
dos objetos referenciais para seu trabalho, as paisagens, seres, objetos e lugares
representados em suas gravuras, e de como estes se articulam na constituição de sentidos.
Os três eixos descritos anteriormente vão estabelecer uma estrutura de roteiro que nos
orientará tanto para a realização da captação em vídeo, como para a edição deste
material. Estes eixos também nos ajudarão a estruturar as visitas aos lugares referenciais de
sua obra, levantando as questões pertinentes de cada lugar. As tomadas destas visitas
pontuarão todo o vídeo apresentando-se em forma de trajetória narrativa. Assim, o vídeo
se organizará em três eixos principais: no primeiro apresentaremos os ateliers do artista, o
antigo, sede e centro da origem de toda a sua produção. O segundo eixo volta-se para a
sua própria obra, a construção de sua poética, e as relações com a sua cidade, com a
percepção, a expressão, a memória, a cultura, as relações da técnica com o conhecimento.
Finalmente, o terceiro eixo dedica-se ao ensino da gravura e da sua presença na
constituição da cultura em nossa cidade, através das relações com seus ex- alunos e artistas
que com ele se formaram.
A observação repetida do material captado e sua minutagem atende também a
requisitos necessários, no sentido de identificar e selecionar as imagens, as falas, os sons
mais significativos. Realizadas as reflexões e selecionadas as tomadas, daremos início à
montagem, na busca de apresentar a poética de Evandro Carlos Jardim. A montagem é
outro momento importante na produção audiovisual, nasce com o projeto e ao mesmo
tempo concretiza-o, confere-lhe uma forma, expõe um dado olhar sobre a realidade,
expressa, comunica.
“Eu monto quando escolho um tema (ao escolher um dentre os milhares de
temas possíveis), eu monto quando faço observações para o meu tema (realizar a escolha
útil dentre as mil observações sobre o tema), eu monto quando estabeleço a ordem de
sucessão do material filmado sobre o tema (fixar-se, entre as mil associações de imagens

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possíveis, sobre a mais racional, levando em conta tanto as propriedades dos documentos
filmados, quanto os imperativos do tema a tratar).” (Vertov, 1924, in Xavier 1983, p. 264).
Esperamos enfim, realizar uma aproximação com o processo de criação do artista
Evandro Carlos Jardim trazendo ao investigador e ao espectador a possibilidade de
experimentar esta aproximação através da linguagem audiovisual. Esperamos enfim que o
próprio audiovisual, resultante desta pesquisa, seja capaz de explicitar o processo de
criação do artista em questão, sendo capaz de agregar conhecimento e criatividade.

Referências Bibliográficas
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Paulo, Martins Fontes.
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