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Durante a conferncia que motivou este texto, fiz um pequeno teste e pedi aos participantes que anotassem o antnimo da palavra corpo [body]. Entregaram-me uma longa
lista, com algumas definies previsveis e divertidas, como anticorpo [antibody] ou
ningum [nobody]; mas as que mais me chamaram a ateno foram insensvel e
morte. Se o contrrio de ser um corpo morrer, no podemos pretender ter uma vida
separados do corpo, muito menos uma vida depois da vida, ou uma vida do esprito: ou se
tem um corpo, se um corpo; ou est-se morto, -se cadver, um nmero numa macabra
contagem de corpos. esta a consequncia directa do argumento de Vinciane Despret, inspirado nas ideias de William James sobre as emoes: ter um corpo aprender a ser afectado, ou seja, efectuado, movido, posto em movimento por outras entidades, humanas
ou no-humanas. Quem no se envolve nesta aprendizagem fica insensvel, mudo, morto.
Armados com uma definio to pato-lgica de corpo, livramo-nos da obrigao de definir uma essncia, uma substncia (o que o corpo por natureza). Em vez disto, como argumentarei neste artigo, podemos procurar definir o corpo como um interface que vai ficando
mais descritvel quando aprende a ser afectado por muitos mais elementos. O corpo , portanto, no a morada provisria de algo de superior - uma alma imortal, o universal, o pensamento - mas aquilo que deixa uma trajectria dinmica atravs da qual aprendemos a registar e a ser sensveis quilo de que feito o mundo. esta a grande virtude da nossa definio:
no faz sentido definir o corpo directamente, s faz sentido sensibiliz-lo para o que so estes
outros elementos. Concentrando-nos no corpo, somos imediatamente - ou antes, mediatamente - conduzidos quilo de que o corpo se tomou consciente. assim que interpreto a
frase de James: corpo em si a principal instncia do ambguo (James, 1996 [1907]).
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(*) Traduo de Gonalo Praa. Este texto corresponde a uma comunicao apresentada ao simpsio
<<Theorizing the Body>>, organizado por Madeleine Akrich e Marc Berg em Paris, em Setembro de 1999. A
verso original foi publicada numa edio especial da revista Body and Society, vol. 10 (2/3), pp. 205-229
(2004). [N. do r:1