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Não vou, por razões operacionais, esbanjar nem o espaço, nem paciência dos caros
colegas, com referências que não sejam estritamente necessárias. Nesta breve ab
ordagem, esboço de um caminho cujo destino desconheço, cada um identificará o qu
e é meu e o que transporto, de onde e de quem.
E gostaria que compreendessem que tento transportar o máximo, dos mais remotos t
ópicos.
O objectivo desta intervenção é enunciar uma alternativa. No domínio da aplicaçã
o do pensamento filosófico à história e à finalidade do conhecimento científico,
vão se sucedendo as escolas e as tendências, em disputa, em convergência, em co
ntinuidade ou, mesmo, em incomunicabilidade. Porém, o conhecimento científico, n
a sua ânsia de conhecer e de operar, ergue a bandeira de que o processo de conhe
cimento tem os seus próprios impulsos, tende para se tornar trânsfuga à filosofi
a, ocorre livre da sua tutela. Em última análise, é nesta síntese que convergem
a maioria das reflexões epistemológicas dominantes, na era da falência das ideol
ogias.
Avaliar o risco, ou a consequência deste caos é o meu motivo. E é por isso que r
ecorro à tradição e à história, uma história que supere as barreiras da epopeia.
E é porque recorro à tradição que tomei como paradigma da história e do estado d
e todas as ciências a medicina. Venho apoiado por Molliére. Por uma inavaliável
tradição marginal de crítica que desabou sobre a modernidade, logo que eclodiu.
Em síntese, o que se reclamava contra a nova, ou as novas medicinas era: que and
ais a fazer? A finalidade das vossas manipulações é sanar os corpos ou conhecê-l
os sem qualquer outra finalidade?
E respondiam os médicos: mas para os sanar não temos a legitimidade de os conhec
er, usando dos meios que para tal forem necessários? E respondiam os resistentes
: mas vós acelerais o conhecimento, sem que se enxergue que se acelere a cura.
E como era um diálogo entre surdos, a matéria redundou na sátira. Atravessou as
múltiplas eras em que a modernidade se foi compondo, logo desde o Século XVI. Si
lvius contra Vesálio.
E o que mais se satirizava era que havia já três medicinas, a dos filósofos, a d
os experimentalistas alucinados e a que curava, dos barbeiros, dos sangradores,
dos ferradores até, que curavam também a bestas. E estes últimos, alegavam os ou
tros, não eram médicos, eram mais vizinhos das bruxas.
E foi aqui que tudo começou. A modernidade e a pós modernidade, que, uma vez que
assim se nomeia, pretende constituir-se na antítese. Em minha opinião, acelera-
a.
Bem, a minha proposta é que regresse ao lar. Que se congregue de novo com a Hist
ória. E que arejada sanidade poderia a Arqueologia, recomposta, oferecer à Histó
ria, intrometendo-se na sua narrativa e interpelando-a com a sua experiência de
vadiagem de trânsfuga.
Afinal, as questões que se colocam à Arqueologia, colocam-se em todos os domínio
s do saber humano. São problemas de identidade. Centrados estruturalmente em doi
s tópicos: o de redefinir o seu objecto e o seu domínio; o de redefinir a sua fi
nalidade.
Dos dois, escolhi para vos propor, com prioridade, o segundo. Seja, que redefina
o seu objecto após redefinir a sua finalidade. Para que o objecto não seja casu
al e paciente escravo.
E alegarão todos contra mim que esta proposta é a inversão, ou subversão do para
digma racional do processo de conhecimento. Porque os itinerários do conheciment
o são aleatórios e casuais.
E eu respondo que, assim sendo, já não faz sentido a Arqueologia senão para deno
minar os arqueólogos. Porque já se fragmentou em domínios estanques aleatórios,
casuais e circunstanciais. Arqueologia é então o nome dos arqueólogos.
No âmbito da sociedade de mercado é a forma narrativa como se apresenta como mer
cadoria ou consumível. É um logótipo ou a ilusão de um enunciado apelativo ao co
nsumo.
Por isso proponho que as cruciais questões que a Arqueologia enfrentará no futur
o são de natureza ética e deontológica e relacionam-se com a determinação da sua
finalidade.
E embora esteja ciente da finalidade que lhe cumpre, não me antecipo a propor-lh
e alguma. Porque são os arqueólogos quem deve procurá-la, para manter a validade
cultural e social da sua denominação. E da sua actividade.
Mas sei que a arqueologia só reencontrará a sua finalidade ao regressar às arena
s das ideologias.
E é por isso que alego: traditio post modernitatem. Seja, a tradição superará a
modernidade.
Um paradoxo. Não, um renascimento.
Conclusão
No breve espaço destinado a esta intervenção, preferi investir em transmitir o m
áximo de substância, em detrimento dos floreados das referências, que são de res
to óbvias.
Sei que a minha abordagem não suscitará adesões. Ainda bem, porque se assim fora
, não valera a pena vir aqui maçar os caros colegas, que afinal o poderiam dizer
por mim.
Sei também que esta abordagem não se concluirá aqui. Iniciar-se-á aqui. Porque s
e quisesse detalhar tudo o que invoco, teria que vos sufocar com um tratado.
Se com esta contribuir para dar vida ao retomar de formulações teóricas contunde
ntes, penso estar a cumprir o anseio do promotor desta sessão.
Por tal, não posso deixar de prestar homenagem ao Caro Amigo Professor Vítor Oli
veira Jorge, por, no meu país, permanecer como o promotor do debate e reflexão e
pistemológico, enfrentando com serenidade a ânsia da praxis.
Lamento não poder estar presente para enfrentar o debate. Enfrentá-lo-ei no devi
r.
Dezembro de 2009
Manuel de Castro Nunes