Foi numa banda de rock e depois militando na esquerda
estudantil que aprendi as regras elementares da comunidade. Duas dessas regras são de cumprimento automático e obrigatório. Sequer é possível arranjar desculpas para cair fora: primeira, o que me diz respeito diz também respeito à comunidade e vice-versa; segunda, sem a comunidade eu não sou nada. Às vésperas do Congresso Nacional da União da Juventude Comunista (UJC), lembro-me sem saudade dos tempos de clandestinidade, quando falar em Revolução era se candidatar a uma feroz repressão. Mas quem acredita que aquele tempo era ruim mal sabe o que está acontecendo neste exato momento no mundo. Não tínhamos liberdade. Havia aquela cretinice da Guerra Fria, em que estalinistas e republodemos estadunidenses fingiam repartir o mundo em duas fatias de um bolo 2
exclusivo do hemisfério Norte. Enquanto isso, os fascistas
deitavam e rolavam na América Latina, só Cuba libre. O risco de “cair” na prisão era constante, e muitos caíram, foram torturados e mortos. Mas o mundo de hoje é muito pior e exige mais luta dos jovens do que naquela época, em que tínhamos até a desculpa da repressão para cumprir só tarefinhas como se eleger delegados para congressos estudantis. Hoje, não há mais o risco de prisão do indivíduo: é toda a humanidade encarcerada pela neoescravidão capitalista. O pessoal brincava que se ao redor do Brasil colocassem grades, virava prisão; se colocassem uma lona por cima, virava circo. Mas é o mundo que está assim: todos a serviço do capital, uma prisão global cujos guardas são as bases militares que vão brotando como pragas por todos os lugares. E é um circo imenso, que vai desde o futebol medíocre e dinheirista até a TV com seu lixo de horário nobre e a internet ainda na idade da pedra, com o predomínio de cibertrogloditas, como se nota pelos 99% de spam e hoaxes dos e-mails. Se na ditadura os jovens poderiam alegar o temor da repressão para se esgueirar pelos cantos, hoje olhar para o próprio umbigo nem é mais crime de lesa-pátria: é crime de lesa-humanidade. A estratégia da neoescravidão é fazer com que os miseráveis se transformem em pobres, para que assim possam consumir e se integrar ao “mercado”, o “deus” dos tempos modernos, agradecendo a aproveitadores por presentinhos estatais. Mas os falsos presentes não escondem a verdade. O lotação é caríssimo. Os bons empregos para os jovens de 3
pais humildes são sonegados, a começar pela precária
educação que recebem. Quem paga imposto é pobre que nem sabe disso. Para morar, um direito, compromete-se metade da vida produtiva. Mata-se jovem pobre moreninho e descendente de imigrante nas periferias como ruralistas matam pragas nas sojeiras. Há muito porque lutar, porque a causa dos grandes males da humanidade é o capitalismo e ele é supremo, absoluto, controla o mundo inteiro. Há, portanto, que formar uma frente anticapitalista, desde o mais remoto lar até a mais habitada megalópole, porque as pessoas estão sendo enganadas, hipnotizadas, prostituídas, amalucadas, adoecidas. Tudo isso para que algumas poucas corporações lucrem horrores. Pequeno comerciante se tornou coletor de impostos informal e não remunerado do governo. O governo é mero repassador do suor dos brasileiros em forma de grana para os banqueiros credores da imoral dívida trilionária. Governante acha que está dando presente ao “inaugurar” uma obra, quando deveria ter vergonha de se autolouvar usando (e geralmente mal) o dinheiro da população. Dizem-se bonzinhos por nos “dar” aquilo que já é nosso! É grande a responsabilidade dos jovens brasileiros, paranaenses e cascavelenses. O Brasil é controlado há séculos pela mesma mentalidade escravocrata. O Paraná é dominado pelas ramificações das oligarquias antigas. Se puxar bem, verá que a elite encastelada no Palácio Iguaçu, na maioria do Senado e das bancadas parlamentares, sempre vem de ligações e heranças lá dos tempos imperiais. Não é nenhuma surpresa, nesse caso, que um prefeito tente eleger o filho para uma Assembleia Legislativa ou que o 4
governador empregue compadres e parentes. É o que eles
sempre fazem. As cidades são dominadas por pequenos grupos familiares que não raro se confundem com máfias e controlam uma dúzia de partidos, aberta ou dissimuladamente. Pois é, jovens. Na ditadura havia desculpas para uns e outros enfiar a cara na areia, como avestruzes. Hoje, quem não luta contra a causa geral da destruição ambiental e da degradação humana já está morto. É um zumbi, morto-vivo, um completo inútil. Vivos estão os que lutam por sua comunidade. **
Alceu A. Sperança – escritor e membro do Comitê
Municipal do PCB de Cascavel (PR) alceusperanca@ig.com.br