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ESTRUTURA DE PLANEJAMENTO ENERGÉTICO PARA PEQUENAS

COMUNIDADES DA AMAZÔNIA∗

Marcos Vinicius Miranda da Silva


(Doutor em Energia pelo PIPGE/USP)
energiapara@yahoo.com.br

Célio Bermann
(Professor do PIPGE/USP)
cbermann@iee.usp.br

Resumo

Notoriamente, o planejamento energético é o único mecanismo capaz de identificar as alternativas


energéticas mais adequadas para o atendimento das demandas, com racionalidade econômica e
ambiental.

Neste trabalho, são analisadas algumas estruturas de planejamento energético e identificados seus
elementos principais, visando compor uma estrutura para ser utilizada em pequenas comunidades
amazônicas.

Peculiaridades amazônicas e diretrizes para o planejamento energético

A Amazônia apresenta determinadas peculiaridades que a diferencia de outras regiões do Brasil. A


dispersão e a baixa densidade populacional, o predomínio de uma população ribeirinha, as grandes
distâncias entre os locais de produção e consumo de energia, a densa floresta e seus rios largos e
caudalosos, as dificuldades de transporte, compõem um contexto geográfico, que torna a
problemática energética das pequenas comunidades locais complexa. Em função disso, modelos de
atendimento energético que foram desenvolvidos e implementados com sucesso em outras áreas,
não podem ser recomendados como soluções pré-determinadas para minimizar a carência de
atendimento energético existente (GUERRA et al, 1993). Isso é particularmente verdadeiro para a
eletrificação rural via conexão à rede, que no caso da Amazônia tenderá a ter custos mais elevados
em relação a outras regiões do país. Portanto, com tendências a ser inviabilizada sob o ponto de vista
econômico.

A solução da problemática energética das pequenas comunidades amazônicas começará a ser


efetivada, quando as políticas energéticas incorporarem como diretrizes essenciais a modificação da
situação atual de não-atendimento e a garantia da sustentabilidade do atendimento energético. Para
isso, a satisfação das necessidades energéticas social e econômica, conjugada com custos efetivos e
gerenciamento ambiental aceitáveis sob o ponto de vista das alternativas de oferta, deve ser tratada
como prioridade pelos tomadores de decisão. Sendo assim, o planejamento energético aparece como
o único mecanismo capaz de apontar as alternativas energéticas mais adequadas as demandas e
peculiaridades locais de cada comunidade, dentro de um contexto de racionalidade econômica e
ambiental e com garantias de sustentabilidade para o atendimento energético. O planejamento


Este artigo deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Marcos Vinicius Miranda da ; BERMANN, C. . Planejamento
energético para pequenas comunidades da Amazônia. In: Anais do I Encontro de Ciência e Tecnologia para a
Amazônia, 1999, Belém. Anais do I Encontro de Ciência e Tecnologia para a Amazônia, 1999.
energético deve estar integrado ao planejamento do desenvolvimento para que possa cumprir de
forma satisfatória a sua função (FOELL, 1985; PEARCE; WEBB, 1987).

Algumas estruturas de planejamento energético

O planejamento energético direcionado para a zona rural deve ter como finalidade a identificação e a
busca de soluções para a problemática da carência de atendimento energético, bem como para as
questões que se inter-relacionam com essa problemática. Neste caso, o planejamento energético
passa a ter um papel mais efetivo, porque deixa de ser apenas um mecanismo de identificação dos
problemas e questões envolvidas, como atualmente é caracterizado (RAMANI apud SINHA et al,
1994).

Existem muitas estruturas de planejamento energético que foram concebidas para regiões carentes.
Entretanto, embora apresentando elementos de convergência, essas estruturas devem ser adaptadas
de acordo com as peculiaridades de cada região.

RAPPEL et al (1984) definiram uma estrutura de planejamento composta por cinco elementos
principais: descrição dos sistemas, balanço energético atual, balanço energético tendencial,
atendimento da demanda e seleção das alternativas de oferta.

Em linhas gerais, o primeiro elemento é representado por uma descrição, que envolve as seguintes
questões: ecológica, caracterizada pela elaboração de um inventário dos recursos naturais, cuja
finalidade é detectar os desequilíbrios ecológicos atuais e potenciais, sócio-econômica, onde se
define o perfil sócio-econômico da localidade a ser beneficiada, e tecnológica, que se divide em
infra-estrutura disponível, como: transporte, saneamento, saúde, educação, organização político-
social e parâmetros de qualidade de vida, e equipamentos e máquinas agrícolas.

O segundo e o terceiro elementos são representados por balanços energéticos locais. No primeiro
caso, define-se um balanço energético atual, através de um profundo conhecimento das
potencialidades energéticas e equipamentos disponíveis. Posteriormente, por meio de cenários para a
região pesquisada, estabelece-se um balanço energético tendencial.

O quarto elemento consiste na valorização dos recursos locais, onde as alternativas energéticas
seriam identificadas, tendo como objetivo o uso racional e eficiente das fontes de energia para o
atendimento das necessidades básicas da população envolvida.

Por último, tem-se a avaliação e seleção das alternativas de oferta, levando em consideração os
impactos econômico, social e ambiental. A escolha das alternativas energéticas ficaria submetida a
um processo de decisão da comunidade diretamente envolvida.

FOELL (1985) afirma que a grande falha dos planejamentos energéticos em países pobres reside no
levantamento e na coleta de dados sem a identificação dos problemas envolvidos e na ausência de
definição das decisões a serem implementadas. Isso acaba levando a uma coleta desnecessária de
dados, com custos extremamente elevados. Para evitar essa falha, ele propõe que o planejamento
seja conduzido por cinco diretrizes básicas:
• Identificação dos problemas básicos, seguida pela lista de objetivos em respostas aos problemas.
• Identificação de políticas alternativas em resposta aos problemas e objetivos.
• Determinação das conseqüências das alternativas.
• Avaliação das conseqüências das alternativas, baseada em uma variedade de valores e critérios.
• Desenvolvimento de um plano ou agenda de ação, caracterizado pela incorporação e disseminação
dos resultados.
Na prática, essa estrutura de planejamento energético é composta por três elementos metodológicos:
desenvolvimento sócio-econômico, análise da demanda e análise da oferta, bem como das inter-
relações envolvendo tecnologia, economia e meio ambiente.
O desenvolvimento sócio-econômico é determinado por informações a respeito da economia e da
melhoria da qualidade de vida da população, pois esses fatores tenderão a exercer influências sobre a
demanda de energia.

A análise da demanda energética visa identificar as necessidades energéticas em termos de


quantidade e tipo, além de ser necessária para avaliar os impactos das políticas de preço,
investimento em conservação, regulamentação, substituição energética e adequar o sistema de oferta
de energia, principalmente no que se refere às fontes renováveis, que podem ser agrupadas em
termos de quantidade, qualidade e localização (FOELL, 1985).

A análise da oferta de energia tem por finalidade definir as alternativas energéticas que podem
satisfazer a demanda, de modo a maximizar o aproveitamento dos recursos energéticos, levando em
consideração os custos e o gerenciamento ambiental. Segundo FOELL (1985) essa análise é limitada
por mudanças tecnológicas, incertezas nas bases dos recursos, investimentos elevados e pela
inserção das questões ambientais, entre outras. Para torná-la mais efetiva é necessário avaliar as
potencialidades das reservas energéticas endógenas e exógenas, bem como as tecnologias
disponíveis no mercado.

Com o objetivo de adequar os sistemas energéticos a fatores de micro-escala (eco-culturais e sócio-


econômicos) e maximizar a utilização dos recursos locais, tornando-a mais equitativa, SINHA et al
(1994) propõem uma estrutura de planejamento energético descentralizado para atender as
necessidades das pequenas comunidades rurais. Essa estrutura é composta basicamente por três
elementos: quantificação das necessidades energéticas, identificação das opções tecnológicas e
seleção das melhores tecnologias.

O primeiro elemento consiste em separar e quantificar as necessidades energéticas em duas classes:


subsistência e econômica. As necessidades energéticas de subsistência são aquelas relacionadas
diretamente com atividades que proporcionam a melhoria da qualidade de vida, como por exemplo,
iluminação de residências e cocção de alimentos. Já as necessidades energéticas econômicas são
representadas pela demanda dos setores produtivos, geralmente vinculados às atividades agro-
industriais.

O segundo elemento compreende uma listagem de alternativas tecnológicas que podem ser
utilizadas para o atendimento das necessidades energéticas. Neste caso, a opção deve ser feita por
tecnologias que utilizem recursos energéticos endógenos.

Por último, selecionam-se as melhores tecnologias para satisfazer as demandas energéticas, de forma
que uma combinação ótima de tecnologias seja integrada em um sistema eficiente e sustentável
(SINHA et al, 1994).

A análise das três estruturas de planejamento energético apresentadas revela como elementos de
consenso a necessidade de uma base de informação, que permita a identificação e o conhecimento
de fatores ecológicos, econômicos, sociais e tecnológicos, que se inter-relacionam com a
problemática energética local, o desenvolvimento de análises demanda/oferta de energia, visando
adequar os sistemas de oferta às necessidades energéticas da população a ser atendida e a inserção
da questão ambiental na estrutura do planejamento energético.

Desta forma, para a Amazônia, pode-se conceber uma estrutura de planejamento energético
composta por três elementos principais: diagnóstico local, análise da demanda energética básica e
análise dos sistemas de oferta, além da definição das relações intrínsecas, envolvendo fatores
sociais, econômicos, ambientais e tecnológicos (figura 1).

Figura 1: Estrutura de planejamento energético proposta para a Amazônia1.


POLÍTICAS ENERGÉTICAS

Modificar a Sustentabilidade
Situação de não- do
atendimento Atendimento
Satisfação das
Energético
Necessidades
Básicas

PLANEJAMENTO ENERGÉTICO

DIAGNÓSTICO LOCAL

Potencialidades Peculiaridades das


Energéticas Comunidades

Clima Político-Institucionais
Vegetação Sociais
Hidrologia Econômicos
Outros Energético

ANÁLISE DA DEMANDA

Cenários Social Econômica

Bens
População
Preços
Trabalho ANÁLISE DA OFERTA
Economia
Endógena Exógena

Ambiental Tecnológica Social Econômica

INDICADORES PARA O PROCESSO DECISÓRIO

Fonte: Adaptado de RAPPEL et al (1984); FOELL (1985); Sinha et al (1994).

1
As relações intrínsecas são representadas na figura pelas setas duplas.
O diagnóstico local é constituído por informações sobre as potencialidades energéticas, que
envolvem parâmetros relacionados aos recursos energéticos endógenos potenciais, como clima
(temperatura, pluviosidade, direção e velocidade dos ventos, radiação solar global, insolação,
nebulosidade), vegetação (área de cobertura vegetal, tipo de vegetação, produtividade florestal,
incluindo resíduos, áreas de tensão florestal), hidrologia (características de relevo, avaliação do
potencial hidráulico para pequenas centrais hidrelétricas, amplitude das marés, distribuição dos
cursos d’água) e peculiaridades das comunidades, que caracterizam as relações intrínsecas que
envolvem as pequenas comunidades, os sistemas ecológicos e as externalidades ao contexto local,
definidas em político-institucional (localização geográfica, jurisdição, situação agrária e
organização política), social (população, estrutura sócio-produtiva, educação, saúde e saneamento
básico), econômico (renda familiar e bens duráveis) e energético (matriz energética e implicações
do consumo de energia local).

Com relação aos aspectos político-institucionais, sociais, econômicos e energéticos, uma exposição
mais detalhada torna-se necessária para um melhor entendimento.

Os aspectos político-institucionais têm a finalidade de fornecer subsídios para a construção de um


panorama, onde seja possível analisar elementos das alternativas energéticas exógenas, como por
exemplo, os custos envolvidos no transporte de óleo diesel até o local de consumo, identificar a que
poder público compete a responsabilidade pelo atendimento energético, principalmente em áreas de
fronteira, onde é comum dúvidas entre os poderes municipais sobre os exercício de suas atribuições,
identificar a possível inserção de custos relacionados à desapropriação de terra, identificar possíveis
problemas relativos ao gerenciamento dos custos dos sistemas por parte da comunidade, em virtude
de contextos envolvendo a questão agrária, identificar o nível de articulação política das
comunidades, uma vez que quanto mais organizadas estiverem as comunidades, mais efetiva a
participação comunitária nas decisões e no gerenciamento dos programas energéticos.

Os aspectos sociais têm como objetivo fornecer elementos para a identificação das necessidades
energéticas básicas, das condições para a inserção de tecnologias e de possíveis conflitos
envolvendo a produção de alimentos e a oferta de energia.

Os aspectos econômicos visam subsidiar a identificação da demanda residencial, bem como as


condições para o gerenciamento dos custos dos programas por parte das comunidades.

Os aspetos energéticos têm por finalidade caracterizar as fontes de energia consumidas e o consumo
energético das comunidades, bem como as implicações econômicas, sociais e ambientais relativas a
esse consumo.

A análise da demanda consiste em determinar as necessidades energéticas social e econômica


através dos usos finais. Entende-se por demanda social, a quantidade e tipo de energia necessários
para satisfazer as atividades básicas da população, enquanto, a demanda econômica corresponde à
quantidade e tipo de energia necessários para sustentar o sistema produtivo. Essa análise tende a
sofrer influências do desenvolvimento econômico local, do crescimento ou decréscimo
populacional e das inovações tecnológicas.

Dois exemplos ilustram as influências do desenvolvimento econômico e das inovações tecnológicas


na demanda energética. SINHA et al (1994) afirmam que a demanda energética será modificada
caso haja uma melhoria na qualidade de vida, motivada pelo crescimento econômico. A opção por
lâmpadas eficientes em relação à lâmpadas convencionais pode reduzir a demanda energética de
iluminação em até 80%. Desta forma, as análises do comportamento das demandas energéticas
futuras devem ser condicionadas pela elaboração de cenários, que envolvam elementos da sócio-
economia e das tecnologias de produção de energia.
A análise da oferta de energia consiste na listagem e seleção das alternativas energéticas, que
podem satisfazer as demandas social e econômica. Neste caso, a seleção das alternativas será
realizada através da análise sobre possíveis impactos ambiental, econômico e social, principalmente
a nível local, da facilidade de acesso, operação e manutenção das tecnologias, da disponibilidade de
recursos e dos custos das alternativas.

Após a realização das análises de planejamento energético, tem-se a divulgação dos resultados
obtidos para a tomada decisão. Nessa fase, o planejador deve adotar uma postura ética, onde as
vantagens e desvantagens de cada alternativa energética, bem como das estratégias de
sustentabilidade do atendimento energético, sejam explicitadas. Essa postura deve ser adotada tanto
para os tomadores de decisão quanto para as comunidades a serem beneficiadas. Por outro lado,
como essas comunidades, de um modo geral, possuem uma baixa escolaridade, os resultados devem
necessariamente ser transmitidos em uma linguagem acessível a elas, com o objetivo de torná-las
participantes do processo decisório.

Conclusões

A estrutura de planejamento energético apresentada neste artigo reúne os elementos principais das
análises de planejamento energético para áreas carentes de países em desenvolvimento.

A utilização dessa estrutura em programas de atendimento energético, voltados para pequenas


comunidades da Amazônia, permitirá a identificação das melhores alternativas de oferta de energia
para a satisfação das necessidades dessas comunidades, com racionalidade econômica e ambiental,
sem negligenciar as peculiaridades locais e identificando as barreiras que impedem a
sustentabilidade do atendimento energético. Por outro lado, essa postura tenderá a corrigir uma
grande falha existente nos programas de atendimento energético implantados na Amazônia,
caracterizada pela pré-determinação de fontes de energia para o suprimento das demandas
energéticas locais. Atitude que muitas vezes leva ao comprometimento de escassos recursos
financeiros, sem que os objetivos sócio-econômicos sejam satisfatórios.

Referências bibliográficas
FOELL, W.K. Energy planning in developing countries. Energy Policy, v.13, n.4, p.350-354,
aug.1985. Special Issue.
GUERRA, H.N. et al. Comunidade de São Tomé: uma experiência em planejamento energético.
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 6, Rio de Janeiro, 1993, Anais, Rio de Janeiro,
Clube de Engenharia / COPPE/UFRJ, 1993. p.185-190.
PEARCE, D.; WEBB, M. Rural electrification in developing countries: a reappraisal. Energy
Policy, v.15, n.4, p.329-338, aug.1987.
RAPPEL, E. et al. Planejamento energético no meio-rural: estudo-de-caso na micro-região de
Valença, BA. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 3, Rio de Janeiro, 1984, Anais,
Rio de Janeiro, Clube de Engenharia / COPPE/UFRJ, 1984. p.1267-1274.
SINHA, C. S. et al. Rural energy planning in India: designing effetive intervention strategies.
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