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Análise Psicológica (2002), 1 (XX): 91-105

No quotidiano da dor: A procura dos


cuidados de saúde

MARIA DO ROSÁRIO DIAS (*)


JOSÉ AMÉRICO A. BRITO (*)

Assess the Person, not just the Pain.


Dennis Turk (1993)

1. INTRODUÇÃO tal. Como refere Turk (1993), é altamente impro-


vável que se possa avaliar a dor sem confiar na
Pela sua frequência e potencial de causar so- percepção individual do doente.
frimento e incapacidade, a dor, enquanto síndro- As disfunções causadas pela dor crónica, i.e.,
ma clínico, transformou-se num verdadeiro pro- dor que se prolonga para além de 6 meses, têm
blema de saúde pública. As suas graves conse- custos elevados, quer para a pessoa doente quer
quências ao nível da vida pessoal e familiar fa- para a sociedade (Hanson & Gerber, 1990; Sten-
zem, de resto, com que a dor se constitua como bach, 1974), constituindo-se como um peso
uma das grandes áreas temáticas inscritas no do- significativo e crescente nos custos globais da
mínio da psicologia da saúde. prestação dos cuidados de saúde (Dworkin,
A dor é um fenómeno perceptivo complexo, 1994).
subjectivo e multidimensional e, na medida em A compreensão da dor, enquanto fenómeno
que constitui uma experiência única de cada in- complexo que importa entender nas suas várias
divíduo, os prestadores de cuidados de saúde só dimensões, implica e questiona especialidades
a poderão avaliar de forma indirecta (Baszanger, diversas e, por isso, obriga a uma abordagem ne-
1989). Consequentemente, a avaliação da dor cessariamente multidisciplinar, que enfatize a na-
num doente depende da forma como ele a comu- tureza biopsicossocial do fenómeno da dor (Soa-
nica, quer de forma verbal, quer comportamen- res, Figueiredo & Lemos, 1999).
Os processos psicológicos influenciam a per-
cepção de dor (Ribeiro, 1998) e, embora a dor
crónica seja clinicamente distinta da dor aguda,
comporta-se igualmente como uma entidade pa-
(*) Instituto Superior de Ciências da Saúde-Sul. tológica autónoma, distinta da causa inicial, pro-

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vocando consequências físicas, psicológicas e primários mais comuns que estão subjacentes à
sociais nocivas, que lhe são próprias (Pearce & procura de assistência médica (Loeser & Mel-
McDonald, 2001). Como referem Soares, Figuei- zack, 1999). Por exemplo, nos Estados Unidos
redo e Lemos (1999), a cronicidade da dor con- da América estima-se que a dor esteja na base de
duz frequentemente a alterações significativas do 80% das consultas médicas. (Pearce & McDo-
estilo de vida, dos níveis de actividade e dos re- nald, 2001) e na Finlândia, num estudo realizado
lacionamentos sociais. por Mantyselka et al. (2001), a dor foi identifi-
Enquanto que a dor aguda ocorre com preva- cada como motivo de 40% das consultas.
lência semelhante nos diferentes grupos etários, A investigação epidemiológica tem demons-
a prevalência da dor crónica aumenta com a ida- trado que existem mais sintomas relacionados
de (Andersson, Ejlertsson, Ledon & Rosenberg, com a dor na população feminina que na mascu-
1993; Helme & Gibson, 2001; Loeser & Mel- lina, ou seja, a dor crónica afecta mais as mu-
zack, 1999; Smith, Hopton & Chambers, 1999), lheres que os homens (Smith, Hopton & Cham-
aumentando igualmente a probabilidade da re- bers, 1999), pese embora seja difícil determinar
lação entre a dor e depressão (Turk, Okifuji & se essa diferença é originada por factores bioló-
Scharff, 1995), embora este nexo de causalidade gicos ou psicológicos, dada a natureza multicau-
não seja claro (Turk & Okifuji, 1997). O enve- sal da experienciação da dor (Fillingim, 2000;
lhecimento da população conduzirá ao aumento Hoffman & Tarzian, 2001). Segundo Unruh
da prevalência da dor nas sociedades desenvol- (1996), uma revisão extensiva da investigação
vidas, pelo que a dor geriátrica constituirá, sem aponta no sentido de que as mulheres reportam
dúvida, um problema de saúde significativo para níveis mais severos de dor, dor mais frequente e
o presente milénio (Linch, 1999). de maior duração.
Todavia, são vários os estudos epidemiológi- Têm-se registado avanços significativos, quer
cos que concluem que variáveis como o sexo, o na compreensão dos mecanismos subjacentes à
nível socioeconómico, o nível educacional e a si- dor, quer na forma como a dor é conceptualizada
tuação conjugal se revelaram associadas a uma e tratada. Como refere Baszanger (1989), tem-se
sintomatologia depressiva e, por outro lado, re- assistido a uma transformação do olhar médico
sultados de diversas investigações apontam no sobre a dor, sendo a emergência de centros de
sentido de que os doentes se deprimem mais tratamento da dor um indicador significante des-
quando a sua vivência da dor interfere com as sa transformação. Enquanto que, no princípio da
suas actividades de rotina e com o desempenho década de 80, os doentes com dor de longa dura-
dos diferentes papéis ao nível do relacionamento ção apenas podiam esperar intervenções de ca-
familiar e social (Weir, Browne, Tunks & Ro- rácter biomédico (Pearce & McDonald, 2001),
berts, 1996). estão hoje disponíveis tratamentos baseados em
Turk e Okifuji (1999) sugerem que as respostas programas multidisciplinares que integram inter-
comportamentais e psicossociais dos doentes venções psicossociais que têm provado a sua efi-
relativamente à sua dor parecem ser mais rele- cácia, em especial no tratamento da dor crónica,
vantes que o papel desempenhado pelo sexo de reflectindo uma preocupação crescente das polí-
pertença. Factores psicossociais, tais como o ticas de saúde com a qualidade de vida dos do-
coping e o stress afectivo podem alterar a res- entes e com a humanização dos cuidados que
posta à dor, contribuindo para a existência de di- lhes são prestados. Neste contexto, as terapias
ferenças no modo como as mulheres e os ho- cognitivo-comportamentais tornaram-se comuns
mens experienciam a dor (Fillingim, 2000) e como opção de tratamento não farmacológico
atribuem diferentes significados às suas experi- para indivíduos que experienciam dor crónica
ências de dor (Hoffman & Tarzian, 2001). A an- não maligna (Kerns, Otis & Marcus, 2001). Em
siedade, em particular, parece estar intimamente suma, a abordagem biopsicossocial constituiu-se
ligada à experienciação sensorial, cognitiva e como alternativa ao conceito biomédico da dor.
emocional da dor (Edwards, Augustson & Fillin- Meta-análises e revisões recentes da literatura
gim, 2000; Pais Ribeiro, 1998). têm fornecido evidências empíricas da eficácia
A dor é uma das experiências mais comuns na dos tratamentos psicossociais (comportamentais
população e é, provavelmente, um dos sintomas e cognitivo-comportamentais) no que respeita ao

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funcionamento físico e psicossocial (Flor, Fy- tão da dor (Unruth, Ritchie & Merskey, 1999).
drich & Turk, 1992), contribuindo para o decrés- De todo o modo, cabe ao indivíduo a decisão de
cimo da dor percepcionada e do stress emocio- escolher o local de prestação de cuidados de saú-
nal, acelerando igualmente o retorno ao trabalho de que lhe parece ser mais eficaz ou acessível
(Kerns, Dworkin, Romano, Thorn & Williams, em termos de resposta à necessidade de controlo
1999). da sua dor. O comportamento do indivíduo com
Embora a razão mais comum para a procura dor dependerá da forma como nele se repercutem
de cuidados médicos seja a experienciação de as alterações de diversas variáveis psicológicas,
um sintoma, a relação entre essa experienciação nomeadamente, ansiedade, expectativas, inter-
e a decisão de aceder ao sistema de saúde não é pretação de sintomas, auto-eficácia, percepção
linear, e, como refere Weinman (2001), nem a de controlo e suporte social (Pais Ribeiro, 1998).
experienciação de um sintoma, nem a sua seve- A utilização dos serviços produtores de cuida-
ridade, explicam adequadamente as razões que dos de saúde por parte de doentes com dor cró-
determinam a procura de cuidados médicos. Ha- nica depende, sobretudo, da percepção da dor e
verá, pois, que compreender de que forma os sin- da sua intensidade, mas depende igualmente da
tomas são percepcionados e o modo como influ- idade, do sexo, de factores culturais, socioeconó-
enciam os comportamentos, designadamente a micos, da existência de sintomas depressivos
procura de cuidados de saúde. A este propósito, (Andersson, Ejlertsson, Leden & Schersten,
Smith, Penny, Elliot, Chambers e Smith (2001) 1999) e da forma como a dor afecta as activida-
referem que os comportamentos de procura de des diárias nos diferentes cenários sociais em
cuidados de saúde e os factores que os influen- que os sujeitos se integram (Cote, Cassidy &
ciam são complexos e ainda mal compreendidos. Carrol, 2001).
Todavia, uma parte considerável de cuidados de No que diz respeito à procura de cuidados, as
saúde assenta em comportamentos de auto-me- mulheres tendem a recorrer mais aos serviços de
dicação e de aconselhamento farmacêutico (Hay- saúde, do que os homens (Andersen, Ejlertsson,
ran, Karavus & Aksayan, 2000). Leden & Rosenberg, 1993; Hoffman & Tarzian,
Diversos estudos valorizam o papel do farma- 2001; Weir, Browne, Tunks, Gafni & Roberts,
cêutico enquanto actor participante no sistema de 1996).
saúde, resultante da sua posição estratégica que Não existem estudos científicos que permitam
lhe permite interagir com os doentes no sentido conhecer a prevalência da dor crónica na popu-
de os aconselhar no uso de medicamentos e de lação portuguesa, nem as suas implicações de
potenciar a sua aderência aos tratamentos (Ber- natureza social e económica. Um inquérito reali-
ger & Hudmon, 1997; Krishnan & Schaefer, zado, no decurso de 1999, à rede oficial de hos-
2000). pitais do território continental português por um
A presença de dor crónica tem um impacte Grupo de Trabalho constituído por elementos da
significativo nos cuidados de saúde primários e Direcção Geral de Saúde e da Associação Portu-
no consumo de medicamentos, mas apenas uma guesa Para o Estudo da Dor (APED) evidenciou,
minoria da população que sofre de dor crónica é por um lado, a existência de 39% de unidades
assistida em clínicas específicas de tratamento da hospitalares dotadas de unidades funcionais com
dor (Smith, Hopton & Chambers, 1999). De actividade de dor crónica e, por outro, a inexis-
resto, as estatísticas de dor apenas reflectem tência no Sistema de Saúde em Portugal de Uni-
uma pequena parte da população, uma vez que a dades de Dor Crónica de Nível III, ou seja, uni-
grande maioria das pessoas sofre dor, em maior dades em que se realize investigação científica e
ou menor grau, sem que procure cuidados de formação pré e pós-graduada.
saúde (Von Korff, Dworkin, LeResche & Kruger, No entanto, Portugal é o único país europeu
1988). que celebra um Dia Nacional de Luta contra a
Pouco se sabe sobre as características que di- Dor, o qual foi instituído pelo Despacho n.º
ferenciam os indivíduos que procuram cuidados 10324/99, de 30 de Abril, tendo sido aprovado
de saúde dos que não o fazem, embora de regis- em 2001 um Plano Nacional de Luta contra a
tem diferenças entre homens e mulheres no que Dor, no qual se define o modelo organizacional a
diz respeito às estratégias de coping para a ges- desenvolver pelos serviços de saúde, bem como

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orientações técnicas promotoras de boas práticas ma relação entre a percepção de dor e a estraté-
profissionais na abordagem da dor (Direcção gia de procura de cuidados de saúde visando a
Geral de Saúde, 2001). redução da intensidade da dor, nomeadamente a
O sistema de saúde português está estruturado escolha de locais de prestação de cuidados e 2) o
basicamente no Serviço Nacional de Saúde, em- efeito de variáveis demográficas como o sexo,
bora, para além da medicina de produção estatal, idade, o estatuto conjugal e o nível de escolari-
existam outras formas de produção de cuidados. dade, sobre a associação entre a dor percepcio-
No entanto, os cuidados primários estão circuns- nada e as estratégias adoptadas na procura de um
critos, na sua maioria, aos Centros de Saúde, cu- local de produção de cuidados de saúde.
ja valência curativa tem uma escala e alcance
que permanecem ainda mal definidos, sendo to-
davia manifesto que a medicina especializada e 2. METODOLOGIA
hiper-especializada se realizam hoje em dia,
quase exclusivamente, nos hospitais (Carapinhei-
ro & Hespanha, 1992; Santos, 1987). Por isso, o 2.1. Participantes
hospital também é procurado como fonte de
alívio da dor, e é neste sentido que, actualmente, Os participantes constituíram uma amostra
os cuidados de saúde tendem a promover dife- aleatória simples composta por 1357 indivíduos
rentes trajectórias que, para além dos Centros de da área de Lisboa e Vale do Tejo, 682 do sexo fe-
Saúde e Hospitais, incluem também a Farmácia, minino e 675 do sexo masculino (Quadro 1),
ou não fosse este um dos locais de personaliza- com idades compreendidas entre os 15 e os 90
ção e proximidade no atendimento ao doente. anos (Quadro 2).
Face à inexistência de estudos específicos no Os indivíduos foram seleccionados mediante
contexto desta problemática, designadamente alguns critérios de inclusão, nomeadamente o
quais os mecanismos subjacentes à procura de facto de padecerem de dor e de se terem dirigido
cuidados de saúde, o presente estudo propõe-se a determinado local na procura de cuidados de
avaliar que trajectórias percorrem os indivíduos saúde (Farmácia, Centro de Saúde ou Hospital),
com queixa de dor experienciada no momento da com o objectivo de reduzir a intensidade da dor
procura de cuidados de saúde. Mais concreta- percepcionada.
mente, pretende-se investigar: 1) a existência du- Os Quadros 1 a 4 dizem respeito à caracteri-

QUADRO 1
Caracterização da amostra por Local e Sexo

Local Centro de Saúde Farmácia Hospital

Sexo Período Período Período Período Período Período Total


Diurno Nocturno Diurno Nocturno Diurno Nocturno

Masculino 175 73 119 103 147 58 675

Feminino 175 83 133 111 122 58 682

Total 350 156 252 214 269 116 1357

94
QUADRO 2
Caracterização da amostra segundo a Idade

Idade %

[15,25] 19,3
]25,35] 20,2
]35,45] 18,2
]45,55] 16,5
]55,65] 14,7
]65,75] 8,6
]75,90] 2,5

100,0

QUADRO 3
Caracterização da amostra segundo o Nível de Escolaridade

Nível de Escolaridade Frequências Percentagens

Analfabeto 33 2,5
Ensino Básico 326 24,6
Ensino Preparatório 43 3,2
Ensino Secundário 502 37,8
Ensino Superior 415 31,3
Pós-Graduação 8 0,6
Missing 30

Total 1327 100,0

QUADRO 4
Caracterização da amostra segundo o Estatuto Conjugal

Estatuto Conjugal Frequências Percentagens

Solteiro 831 61,2


Casado 359 26,5
Divorciado 91 6,7
Viúvo 71 5,2
Missing 5 0,4

Total 1357 100,0

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zação da amostra utilizada no presente estudo se- De referir que a recolha da informação só foi
gundo as variáveis demográficas Sexo, Idade, Ní- iniciada depois de terem sido obtidas respostas
vel de Escolaridade e Estatuto Conjugal. favoráveis aos pedidos formalmente requeridos
às entidades responsáveis pelos serviços de ur-
2.2. Instrumento gência envolvidos neste estudo.
Relativamente aos indivíduos que se encontra-
A recolha da informação foi feita através da vam nas farmácias, apenas integraram a amostra
versão portuguesa1 do The West Haven-Yale Mul- aqueles que aí acorreram para adquirir qualquer
tidimensional Pain Inventory – WHYMPI (Kerns, produto farmacológico sem prescrição médica,
Turk & Rudy, 1985), um questionário que avalia com o objectivo de reduzir a intensidade da dor
a percepção dor crónica, de auto-preenchimento, que sentiam no momento.
de resposta do tipo Likert, com uma classificação No que respeita ao Centros de Saúde e Hospi-
de zero a seis valores, constituído por três sec- tais, fizeram parte do nosso estudo indivíduos
ções que avaliam 12 dimensões. A primeira sec- que recorreram à consulta em regime de urgên-
ção é constituída por 5 sub-escalas: 1) Interfe- cia, quer durante o período diurno, quer durante
rência – avalia as limitações provocadas pela o período nocturno. Os questionários foram apli-
dor; 2) Suporte Social – avalia a relação conjugal cados no momento anterior à consulta médica,
ou outra; 3) Severidade da dor – compara a dor ou seja, enquanto aguardavam a sua vez.
experienciada no momento da avaliação com a Em qualquer um dos locais onde a amostra foi
semana anterior; 4) Auto-Controlo – avalia o recolhida, o sujeito era abordado e questionado
controlo da dor; 5) Humor Depressivo – avalia a sobre a sua dor, sendo-lhe solicitada a colabora-
tensão, ansiedade e irritabilidade. Esta secção ção com garantia de confidencialidade e anoni-
destina-se a medir o impacto da dor, ou seja, as mato. Seguidamente, após terem sido dadas as
limitações provocadas pela dor na vida diária do instruções e prestados os esclarecimentos neces-
indivíduo. A segunda secção, constituída por três sários, o questionário era auto-preenchido e en-
sub-escalas, pretende medir a percepção que o tregue imediatamente. Alternativamente, o pre-
indivíduo tem da forma como os outros reagem à enchimento foi feito por um dos investigadores,
sua dor. A terceira secção, constituída por 4 sub- nos casos de sujeitos com iletracia ou outras li-
escalas (colaboração em casa; colaboração fora mitações.
de casa; actividades familiares; actividades soci-
ais), avalia a participação que o indivíduo tem
nas actividades diárias. 3. RESULTADOS
Tendo em conta os objectivos do presente es-
tudo, apenas as dimensões enquadradas na pri- Na presente investigação estudou-se a asso-
meira secção foram analisadas estatisticamente. ciação entre a escalonação individual da perce-
pção da dor (variável independente), aferida pela
2.3. Procedimento Secção 1 da versão portuguesa do questionário
WHYMPI, e a escolha de instituições disponí-
Os questionários foram aplicados em três lo- veis para a produção de cuidados de saúde, no-
cais – Farmácia, Centro de Saúde e Hospital – a meadamente, os Centros de Saúde (período diur-
todos os indivíduos que confirmaram ter acedido no/período nocturno), Hospitais (período diurno/
àquele local em busca de cuidados de saúde por /período nocturno) e as Farmácias (período diur-
forma a minimizar a dor que sentiam no momen- no/período nocturno), as quais configuram as
to. Em cada um dos locais foram consideradas ocorrências da variável dependente – local. Mais
duas variantes: período diurno (08.00 às 20.00h) concretamente, foram considerados 5 factores
e período nocturno (20.00 às 08.00h). (respeitantes às 5 sub-escalas da Secção 1) na es-
calonação da percepção da dor, nomeadamente,
interferência, suporte social, severidade da dor,
auto-controlo e humor depressivo, avaliados de
acordo com o WHYMPI, numa escala de 0 a 6.
1
Tradução de M. R. Dias (1999). Foram, também, estudadas outras variáveis dis-

96
QUADRO 5
Associação entre Local e Percepção da Dor

Associação Qui-Quadrado GL p

Interferência x Local 116.978 30 < 0.00001

Suporte Social x Local 73.876 30 0.00002

Severidade x Local 205.948 30 < 0.00001

Auto-Controlo x Local 106.611 30 < 0.00001

Humor Depressivo x Local 90.351 30 < 0.00001

poníveis neste estudo, tais como o sexo de per- de carácter demográfico, como sejam o sexo e a
tença, a idade, o nível de escolaridade e o estatu- idade.
to conjugal. Na análise que se segue, e no sentido de faci-
Tendo em conta os objectivos definidos, estu- litar a interpretação da associação entre dor e
dou-se a associação entre a escalonação da dor e local, cada um dos cinco factores de dor foi
as ocorrências da variável local, mediante a aná- transformado numa variável que apenas pode
lise e interpretação generalizadas de tabelas de assumir dois níveis: baixo (0) e médio/alto (1).
contingências. Preservando a dicotomia inicial Mais concretamente, um factor de dor assume
dos resultados, ou seja, preservando, por um la- um nível baixo quando o seu score inicial no
do, os sete níveis em que cada um dos cinco questionário WHYMPI for 0, 1, ou 2, sendo con-
factores da escala da dor se expressa e, por ou- siderado de nível médio/alto quando o score no
tro, os seis locais possíveis para a prestação dos WHYMPI for 3, 4, 5, ou 6. Nestas condições, as
cuidados de saúde, concluiu-se pela existência tabelas de contingência de tipo «2 por 6» permi-
uma associação significativa entre a procura do tirão avaliar se existem diferenças significativas
local e o «nível» da dor, para cada um desses entre os seis locais considerados no que respeita
factores, de acordo com os valores qui-quadrado à prevalência de indivíduos reportando um nível
e respectivo nível de significância no Quadro 5. médio/alto para cada um dos cinco factores de
Da leitura do Quadro 5 pode, também, con- dor.
cluir-se que a associação entre dor e local é mais Por forma a controlar o possível efeito da ida-
forte quando se considera o factor severidade de e do sexo sobre a associação entre local e per-
(χ230 = 205,94; p<0,00001) e mais fraca para o cepção da dor, procedeu-se a uma análise Log-
factor suporte social (χ230 = 73,87; p<0,0001), Linear de modo a identificar todas as associa-
de acordo com os respectivos valores qui-qua- ções significativas entre as variáveis estudadas e,
drado. em particular, para averiguar se a associação en-
Apesar desta abordagem permitir, desde logo, tre local e percepção da dor se altera significati-
identificar uma associação significativa entre as vamente quando na presença de informação re-
variáveis em estudo, existem, no entanto, limita- lativa ao sexo e idade dos sujeitos. Nesses cálcu-
ções ao nível da interpretação. A primeira limi- los, considerámos sete grupos etários: Idade ≤ 25
tação resulta, desde logo, do elevado número de (0); 25 < Idade ≤ 35 (1); 35 < Idade ≤ 45(2); 45
níveis em que cada uma das variáveis se mani- < Idade ≤ 55(3); 55 < Idade ≤ 65(4); 65 < Idade
festa, e a segunda deriva do facto dessas associa- ≤ 75(5); Idade > 75 (6).
ções poderem alterar-se quando terceiras variá- No Quadro 6 apresentam-se os resultados da
veis são incluídas no estudo, nomeadamente as análise Log-Linear num modelo considerando

97
QUADRO 6
Associação entre Dor e Local e efeitos das co-variáveis

Local (1) Sexo (2) Interferência (3) Idade (4)


41 31 43

Local (1) Sexo (2) Suporte Social (3) Idade (4)


41 31 32

Local (1) Sexo (2) Severidade (3) Idade (4)


43 31

Local (1) Sexo (2) Auto-Controlo (3) Idade (4)


41 31 43

Local (1) Sexo (2) Humor Depressivo (3) Idade (4)


43 31 32 41

dois efeitos principais (dor e local) e duas co-va- razoável interpretar a associação entre dor e lo-
riáveis (sexo e idade) e indicam-se as associa- cal, sem necessidade de correcção para os facto-
ções identificadas entre estas quatro variáveis e res demográficos sexo e idade. Assim, como po-
eventuais efeitos das co-variáveis sobre a asso- demos observar no Quadro 7, a prevalência, rela-
ciação entre dor e local. tivamente à procura de cuidados de saúde, difere
Para além de identificar todas as associações consoante o sexo de pertença. Verifica-se que o
significativas entre pares de variáveis (1) a (4) homem e a mulher procuram o Hospital durante
acima (por exemplo, a idade parece estar asso- o período diurno (sexo masculino = 70,83%; se-
ciada à escolha do local e à avaliação individual xo feminino = 74,58%), como o primeiro local
do grau de dor, sendo essa associação muito me- de prestação de cuidados de saúde, em função do
nos evidente para o caso da variável sexo), a nível de interferência da dor. No entanto, o ho-
análise Log-Linear, em sumário no Quadro 8, mem recorre em último lugar ao Hospital duran-
mostra que a já mencionada associação significa- te o período nocturno (37,50%), enquanto que a
tiva entre local e dor não se altera significativa- mulher recorre em último ao Centro de Saúde
mente, quando o sexo e a idade dos sujeitos são durante o período diurno (45,51%).
incluídos simultaneamente na análise. O Quadro 8 resume os resultados da estatísti-
Quando os efeitos do sexo ou da idade sobre a ca efectuada para analisar a associação entre a
associação entre Local e percepção da dor foram percepção da dor nas suas diversas dimensões e
avaliados em separado, em apenas um caso se o local escolhido pelo indivíduo para reduzir a
verificou que esta associação se altera significa- dor sentida no momento.
tivamente. Em concreto, os dados forneceram A análise do Quadro 8 revela que existem di-
evidência significativa de que a escolha do local ferenças significativas entre os diversos locais
consoante o grau de Interferência é diferente en- considerados no que respeita à prevalência de in-
tre os sexos, se não se controlar para o efeito ida- divíduos reportando um nível médio/alto para
de. cada um dos cinco factores na escala da dor. No
No Quadro 7 descrevem-se as diferenças entre que respeita a interferência, essa prevalência é
a forma pela qual a prevalência de indivíduos re- máxima no Hospital/período diurno e mínima na
portando um nível médio/alto de interferência se Farmácia/período nocturno. Apesar de significa-
manifestam em cada local. tiva, a associação entre o local escolhido e o grau
Estes resultados, no seu todo, sugerem que é de suporte social reportado é menos clara do que

98
QUADRO 7
Percentagens (%) de ocorrências no Local segundo a Interferência da dor para ambos os sexos

Local Centro de Saúde Farmácia Hospital

Sexo Período Período Período Período Período Período


Diurno Nocturno Diurno Nocturno Diurno Nocturno

Masculino 61,78 51,56 57,00 43,00 70,83 37,50

Feminino 45,51 71,43 63,56 47,22 74,58 60,00

QUADRO 8
Percentagens (%) de ocorrências ao Local tendo em conta a Percepção da Dor

Centro de Saúde Farmácia Hospital

Dia Noite Dia Noite Dia Noite

Interferência 53,40 62,41 60,55 45,19 72,52 48,65


p* < 0.00001 n.s. p < 0,01 p < 0,0001

Suporte Social 81,60 87,84 72,31 86,47 86,04 86,49


p* = 0.00007 n.s. p < 0,001 n.s.

Severidade 58,96 72,26 61,11 37,56 78,73 78,45


p* < 0.00001 p < 0,05 p < 0,00001 n.s.

Auto-Controlo 87,03 84,82 88,21 96,68 84,59 89,66


p* < 0.00001 n.s. p < 0,001 n.s.

Humor Depressivo 54,89 54,19 44,05 35,68 57,20 48,28


p* < 0.00001 n.s. n.s. n.s.

n.s. = estatisticamente não significativo; p* refere-se ao nível de significância da associação entre cada factor de escala (dico-
tomizado) e o local procurado para prestação dos cuidados de saúde.

para o factor anterior, uma vez que, neste caso, a manifestam um nível de auto-controlo médio/al-
prevalência é mínima na Farmácia/período diur- to, essas diferenças não são tão óbvias a partir da
no, aumenta no Centro de Saúde/período diurno análise dos resultados em quadro. No entanto,
e é praticamente idêntica nos restantes quatro pa- verifica-se um máximo na Farmácia/período
res local/período. nocturno e um mínimo no Centro de Saúde/ pe-
De acordo com os referidos quadros, a asso- ríodo nocturno. Finalmente, a prevalência é má-
ciação entre o grau de severidade da dor e local é xima no Hospital/período diurno e mínima na Far-
óbvia, sendo que a prevalência de indivíduos que mácia/período nocturno, quando reportada em
reporta nível médio/alto para esse factor é máxi- termos de humor depressivo.
ma no Hospital/período diurno e é mínima na Estudaram-se, também, as diferenças diurnas
Farmácia/ período nocturno. Embora, do ponto num determinado local, no que respeita à preva-
de vista estatístico, os locais difiram significati- lência de indivíduos com um determinado nível
vamente quanto à prevalência de indivíduos que de dor, sendo esta expressa nos cinco factores

99
em estudo. Assim, no que respeita ao grau de in- ferenças significativas entre os diversos locais
terferência, existem diferenças significativas en- considerados no que respeita à prevalência de in-
tre os períodos nocturno e diurno no Hospital divíduos reportando um nível médio/alto para
quanto à percentagem de indivíduos reportando cada um dos cinco factores na escala da dor.
um nível médio/alto de interferência, sendo essa No que respeita à sub-escala interferência, a
percentagem mais elevada durante o período prevalência é máxima no Hospital/período diur-
diurno. Analogamente, a prevalência desses indi- no e mínima na Farmácia/período nocturno.
víduos é mais elevada na Farmácia durante o pe- No que se refere à associação entre a sub-es-
ríodo diurno. Os dados sugerem, ainda, a inexis- cala suporte social e o local escolhido, a preva-
tência, nos Centros de Saúde, de uma associação lência é mínima na Farmácia/período diurno, au-
entre a escolha do período do dia e o grau de in- mentando, embora de forma não significativa. no
terferência da dor. Centro de Saúde/período diurno.
O nível de suporte social reportado pelos su- Relativamente à associação entre a severidade
jeitos parece estar associado à escolha do perío- da dor e o local escolhido, verificamos que a pre-
do (nocturno ou diurno) em que procuram cuida- valência de indivíduos que reportam nível mé-
dos de saúde num determinado local, mas apenas dio/alto é máxima no Hospital (não foram verifi-
no caso da Farmácia, sendo que, neste caso, a cadas diferenças entre período diurno e período
prevalência de indivíduos que reportam um nível nocturno) e é mínima na Farmácia/período noctur-
médio/alto de suporte social é máxima durante o no.
período nocturno. Note-se que este resultado é semelhante ao
A prevalência de indivíduos manifestando registado na sub-escala interferência Deste mo-
um nível médio/alto de Severidade da dor é do, podemos inferir que, mediante as sub-escalas
significativamente mais elevada no Centro de interferência e severidade da dor, o doente pare-
Saúde/período nocturno e na Farmácia/período ce recorrer de forma imediata ao hospital, sendo
diurno, quando comparados com os períodos a prevalência mínima na Farmácia, local em
complementares do dia nesses locais, não se re- que, ao que parece, é acedido quando a dor é
gistando uma associação significativa nos res- controlada ou percepcionada de forma menos
tantes locais. Quanto ao grau de auto-controlo, a intensa. Uma razão explicativa deste comporta-
prevalência é mais elevada durante o período di- mento poderá ser a de o doente procura o hospi-
urno nas Farmácias, sem nenhuma associação tal, uma vez que o acesso a este local de saúde,
significativa com o período do dia nos restantes quer durante o dia, quer durante a noite, é de to-
locais. do funcional (Carapinheiro & Hespanha, 1992).
Finalmente, o humor depressivo não parece Neste caso, o comportamento de dor experien-
estar associado à escolha entre período diurno/ ciado pelos sujeitos, quando equacionado, na
/período nocturno para qualquer das ocorrências concepção de Philips e Hunter (1981), como ex-
da variável local. pressão de um comportamento de procura de aju-
da, elege o hospital como «dador» de uma res-
posta mais eficaz ao sintoma «dor percepciona-
4. DISCUSSÃO da».
Analisando a associação entre local e o nível
A discussão será orientada em função de três médio/alto da sub-escala auto-controlo, verifica-
leituras. Na primeira, analisaremos a prevalência se que existem diferenças estatisticamente signi-
de indivíduos, com determinada intensidade de ficativas quanto à prevalência, a qual é máxima
dor, que recorreram aos diferentes locais de na Farmácia/Período nocturno e mínima no Cen-
prestação de cuidados de saúde. Numa segunda tro de Saúde/ período nocturno. Neste sentido,
leitura, discutiremos as diferenças existentes en- verificou-se que os doentes com maior nível de
tre o local de procura de cuidados de saúde em auto-controlo recorrem à farmácia durante a
dois períodos diferentes, diurno e nocturno. Por noite, o que sugere a capacidade de gestão e pre-
último, analisaremos a escolha de determinado visão da sua dor (Bandura, 1991; Dolce, 1987).
local tendo em conta o sexo de pertença. Como refere Baszanger (1989), a maior parte
A análise do Quadro 8 revela que existem di- dos doentes com uma condição de cronicidade

100
têm uma grande experiência da sua doença e, por escolha do local e o grau de interferência da dor.
isso mesmo, formaram uma opinião relativa- O que nos leva a sugerir que, provavelmente, os
mente aos tratamentos, aliada à forma de contro- indivíduos que se vêem incapacitados de realizar
lar os sintomas e os regimes que eles próprios as suas tarefas diárias, devido à dor percepcio-
estabeleceram, nomeadamente no que respeita à nada, têm uma necessidade de reduzir imedia-
medicamentação. Subjacente a esta posição, en- tamente a intensidade da sua dor, procurando a
contramos outras respostas, como seja o caso da Farmácia ou o Hospital como resposta mais efi-
farmácia ser um dos locais onde um atendimento caz para o controlo da mesma, na medida em que
eficaz e personalizado, inerente às boas práticas o tempo de espera para serem consultados nos
dos cuidados farmacêuticos, promove a confi- Centros de Saúde poderá transformar-se num
ança e segurança do doente. Todavia, da obser- factor limitador de uma resposta eficaz e ime-
vação dos dados constantes no Quadro 6, con- diata.
clui-se que existe uma grande proximidade entre Relativamente à sub-escala suporte social, os
os valores. resultados apontam para a existência de uma re-
Quanto à análise feita à associação entre a lação entre os níveis de apoio referido pelo indi-
sub-escala humor depressivo e o local escolhido, víduo e a escolha do local procurado. Assim, os
verifica-se uma maior prevalência no Hospital/ indivíduos que referem um suporte social médio/
/período diurno e uma menor prevalência na /alto, tendem a procurar cuidados médicos du-
Farmácia/período nocturno. Verifica-se, mais rante o período nocturno, sendo a Farmácia o lo-
uma vez, que a maior prevalência incide no cal com maior prevalência. Parece-nos compre-
hospital durante o período diurno e é mínima na ensível que os indivíduos com fraco suporte so-
farmácia durante o período nocturno. cial tenham necessidade de recorrer à Farmácia
Vimos anteriormente que o doente com con- durante o dia, na tentativa de uma procura de
trolo sob a sua dor consegue antever a necessi- maiores cuidados no atendimento ou personali-
dade de farmacologia, evitando deste modo o zação desses cuidados. A Farmácia é um local de
hospital, enquanto que doentes com elevados ní- fácil acesso e que permite um atendimento em-
veis de ansiedade contribuem para a dor, de tal pático sem grandes restrições, quer em termos de
modo que, quando maior a ansiedade maior a tempo, quer de frequência.
dor (Ribeiro, 1998), o que pressupõe outras Quanto à associação entre a sub-escala auto-
preocupações, tais como o nível de interferência -controlo e o local escolhido, a prevalência é
que daí possa advir, procurando o hospital du- mais elevada durante o período diurno nas Far-
rante o dia como local de maior eficácia e pron- mácias, sem nenhuma associação significativa
tidão de resposta. com o mesmo período nos restantes locais.
No que respeita à análise entre os períodos Ao que parece, o auto-controlo assume uma
diurno e nocturno dos diversos locais de presta- carga preditiva entre a dor e factores ansiogéni-
ção de cuidados de saúde, a prevalência de indi- cos, ao invés de considerarmos uma ligação di-
víduos com um determinado nível de dor, foi recta entre a dor e possíveis quadros depressivos.
averiguada em função das cinco sub-escalas em Segundo Turk e Okifuji (1997), não existe uma
estudo. associação explícita entre a dor e depressão,
Assim, e no que respeita à sub-escala interfe- mas um auto-controlo capaz de percepcionar a
rência, os resultados sugerem, para os indivíduos dor de uma forma menos incapacitante, aliada a
que referem um nível médio/alto de interferência poucas interferências nas diferentes esferas, pes-
da dor nas suas actividades diárias, diferenças soal, familiar, profissional e social.
estatisticamente significativas entre os períodos Por fim, no que diz respeito à sub-escala hu-
diurno e nocturno, quando se trata da procura de mor depressivo a escolha entre período diurno/
cuidados no Hospital, sendo essa percentagem /período nocturno não parece ser determinante
mais elevada durante o dia. Do mesmo modo, a em qualquer dos locais estudados, o que poderá
prevalência desses indivíduos é mais elevada na ser explicado pela dificuldade de controlo sobre
Farmácia, durante o período diurno. Todavia, re- a sua dor, dado que, tal como já referimos, à me-
lativamente aos Centros de Saúde, os dados su- dida que aumenta a ansiedade aumenta a dor per-
gerem a inexistência de uma associação entre a cepcionada pelo indivíduo, o que, possivelmente,

101
promove a procura imediata do local de saúde, de cuidados de saúde. Os homens, pelo contrá-
seja no período diurno, seja no período nocturno. rio, parecem tender mais a ignorar a dor ou a
No elenco destas prevalências manifestam-se atrasar a procura de cuidados. Por isso, as mu-
diferentes associações capazes de corroborar lheres tendem a mostrar maior prontidão na pro-
alguns pressupostos teóricos. Ao que parece, cura de cuidados, como forma de dar resposta
um indivíduo com auto-controlo sobre a sua eficaz às suas preocupações sobre a interferência
dor tende a adoptar uma postura de confronto da dor percepcionada nas múltiplas actividades e
com as suas actividades diárias, percepcionando responsabilidades inerentes ao seu quotidiano.
a dor de uma forma menos intensa. De acordo Quando os restantes factores da escala são
com esta leitura interpretativa, podemos inferir considerados como determinantes da escolha do
que este sujeito tende a manifestar baixos níveis local as estratégias não diferem entre os sexos.
de ansiedade. Desde modo, parece-nos poder afirmar que a re-
De acordo com esta análise interpretativa, o lação entre interferência da dor e o local escolhi-
indivíduo desmistifica a crença de estar doente, do com maior prevalência, não difere relativa-
recorrendo, ainda assim, aos cuidados de saúde mente ao sexo de pertença, para a globalidade
que, neste caso e mediante a análise descritiva, dos factores considerados.
procuram em maior número a farmácia durante a Estes resultados são semelhantes aos repor-
noite. tados nos estudos de Unruh, Ritchie e Merskey
Um outro aspecto que também poderá contri- (1999) e de Turk e Okifuji (1999), embora estes
buir para a valorização do presente trabalho, é o estudos não se tivessem focalizado na relação da
estudo do impacte da variável sexo de pertença, dor com a escolha do local de prestação de cui-
sobre a associação entre a percepção da dor e as dados de saúde, mas na relação com os transtor-
estratégias de minimização ou controlo, ou seja, nos emocionais, percepção e interferência. Re-
pretendemos averiguar se a escolha de locais de corde-se que esses autores referem que, quer no
prestação de cuidados de saúde difere em termos homem, quer na mulher, uma das maiores amea-
do género dos sujeitos. Verifica-se que os ho- ças ao impacte da dor prende-se com a sua inter-
mens e as mulheres que reportam um nível mé- ferência nas actividades diárias, bem como pelos
dio/alto de dor, recorrem com maior prevalência estados emocionais derivados da dor.
ao Hospital durante o período diurno, em função
do nível de Interferência da dor. Para os restantes
factores da primeira secção do WHYMPI, os da- 5. CONCLUSÃO
dos não forneceram evidência significativa do
impacto do sexo na associação entre dor e estra- Os resultados deste estudo sugerem a existên-
tégias de procura de local de prestação de cuida- cia de uma relação entre a percepção que os in-
dos de saúde. A prevalência relativamente à divíduos têm da dor e o local seleccionado para a
procura de cuidados de saúde difere consoante o procura de cuidados de saúde que reduzam a in-
sexo, mas apenas para um dos factores da escala tensidade dessa dor. Tal como verificámos, a
– Interferência. Os resultados sugerem que, quer procura de locais de saúde difere nos períodos
o homem, quer a mulher, procuram com maior diurno e nocturno, consoante a severidade, inter-
prevalência o Hospital durante o período diurno, ferência, suporte social e auto-controlo do indi-
tendo em conta um nível elevado de interferên- víduo, resultados estes, que reforçam a comple-
cia da dor nas suas actividades diárias. Todavia, xidade recíproca que medeia entre cada uma des-
o local onde o homem recorre em último lugar tas variáveis.
para minimizar a sua dor é ao Hospital no perío- Para compreendermos melhor este tipo de re-
do nocturno, enquanto que a mulher recorre em ciprocidade, recordemos, por exemplo, que os
último lugar ao Centro de Saúde no período diur- indivíduos que referem um nível médio/alto de
no. Como argumenta Unruh (1996), os resulta- suporte social recorrem com menor prevalência à
dos da investigação confirmam que as mulheres farmácia durante o período diurno, enquanto que
possuem revelam possuir uma panóplia mais aqueles que referem um nível médio/alto de au-
alargada de estratégias de afrontamento para li- to-controlo recorrem em menor prevalência ao
dar com a dor, entre as quais se inclui a procura Centro de Saúde durante o período nocturno,

102
embora também seja evidente alguma procura de entes com dor crónica, de acordo com a taxono-
cuidados no Hospital durante o período diurno. mia proposta por Turk e Rudy (1990).
Neste caso, os resultados registados nos períodos Complementarmente, numa outra linha de in-
diurno e nocturno não diferem estatisticamente, vestigação, poder-se-iam incluir outros locais de
uma vez que o Hospital é um dos locais de saúde prestação de cuidados de saúde, designadamente
que disponibiliza uma gama alargada de cuida- nos contextos da medicina privada e da medicina
dos de saúde em qualquer dos períodos conside- extra-oficial, cruzando os resultados com as re-
rados. presentações sociais dos indivíduos acerca dos
De uma forma geral, assinala-se que indiví- diferentes locais de produção de cuidados de
duos que reportam níveis elevados de interferên- saúde.
cia da sua dor nas actividades quotidianas, seve- Crê-se, finalmente, que o corpo de investiga-
ridade de dor e humor depressivo, recorrem com ção resultante veria amplamente justificada a sua
maior prevalência ao hospital durante o dia, re- pertinência, pela sua contribuição para uma res-
correndo com menor prevalência à farmácia du- posta optimizada do sistema de saúde, quer em
rante a noite. termos da melhoria da qualidade de vida dos do-
O recurso à urgência hospitalar como local entes, quer na sua dimensão de racionalidade
eleito é uma trajectória que poderá ser explicada económica.
pelo desencadeamento de uma situação de crise
súbita ou do aparecimento abrupto de sintomas
percepcionados como ameaçadores, ou, como re- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ferem Carapinheiro e Hespanha (1992), poderá
eventualmente essa trajectória ser consequência Anderson, H., Ejlertsson, G., Leden, I., & Rosenberg,
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estímulo a futuras investigações que, na mesma Investigação não publicado. Lisboa: Autor.
linha, averiguassem, por exemplo, se a tendência Cote, P., Cassidy, J. D., & Carrol, L. (2001). The treat-
dos resultados obtidos se manteria no caso de a ment of neck and low back pain: who seeks care?
priori se proceder a uma segmentação a amostra Who goes where? Journal of Medical Care, 39 (9),
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104
RESUMO cuidados de saúde, locais de prestação de cuidados de
saúde.
A dor é um dos sintomas que levam os indivíduos a
procurar cuidados de saúde, sendo importante continu-
ar a estudar os factores implicados na percepção da dor ABSTRACT
e, consequentemente, na procura desses cuidados.
Pretende-se, neste estudo, estudar a relação existente Pain is one of the symptoms that primarily prompt
entre a percepção da dor que os sujeitos sentem no the individual’s search of health care. Then, it is im-
momento e a procura de locais de prestação de cuida- portant to continue research on those factors implica-
dos de saúde que reduzam a intensidade da dor perce- ted on pain perception and consequently on the indivi-
pcionada, numa amostra de 1357 sujeitos, de ambos os dual’s health-care seeking behavior. In this study, the
sexos (M=675 e F=682), com idades compreendidas relationship between the perceived pain and the indi-
entre os 15 e os 90 anos, que se encontravam nos es- vidual’s search of health care, aiming at the reduction
tabelecimentos de saúde seleccionados para este estu- or control of pain, is assessed in a sample of 1357 pa-
do, na Região de «Lisboa e Vale do Tejo». O instru- tients reporting pain, both male (N=675) and female
mento utilizado foi a tradução portuguesa do West Ha- (N=682), aged between 15 and 90 years, and selected
ven-Yale Multidimensional Pain Inventory (WHYMPI). at health care units in the region of «Lisboa e Vale do
Tejo». The West Haven-Yale Multidimensional Pain
Os resultados do presente estudo, ao mesmo explora-
Inventory (WHYMPI), which assesses chronic pain,
tório e pioneiro, sugerem a existência de uma relação
was translated to the Portuguese language and applied.
entre dor percepcionada e local escolhido para a pres- Results suggest an association between the level of
tação dos cuidados de saúde, revelando-se o hospital pain perception and the selection of the health care
como o local de maior prevalência de escolha. Reco- unit, being the hospital the most chosen unit. Further
menda-se o aprofundamento da investigação neste and deeper research in this context is recommended,
contexto, cuja pertinência se ancora na necessidade de being its pertinence anchored in the need of an optimi-
uma resposta optimizada do sistema de saúde, quer em zed response of the health care system, both on the im-
termos da melhoria da qualidade de vida dos doentes provement of patients’ quality of life and on the eco-
com dor, quer em termos de racionalidade económica nomic effectiveness of the health services provided.
dos serviços prestados. Key words: Pain, pain perception, health care see-
Palavras-chave: Dor, percepção da dor, procura de king, health care units.

105

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