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Darcy Ribeiro

DARCY RIBEIRO: VIDA, OBRA, PENSAMENTO

Fábio Pereira
Biografia*

Darcy Ribeiro nasceu em Minas (1922), no centro do Brasil. Formou-se em


Antropologia em São Paulo (1946) e dedicou seus primeiros anos de vida
profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia.
Neste período fundou o Museu do Índio e criou o Parque Indígena do Xingu.
Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena.

Nos anos seguintes (1955) dedicou-se à educação primária e superior. Criou a


Universidade de Brasília e foi Ministro da Educação. Mais tarde foi Ministro-
Chefe da Casa Civil e coordenava a implantação das reformas estruturais,
quando sucedeu o golpe militar de 64, que o lançou no exílio.

Viveu em vários países da América Latina onde, conduzindo programas de


reforma universitária, com base nas idéias que defende em A universidade
necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, do Chile, e Velasco
Alvarado, do Peru. Escreveu neste período os cinco volumes de seus Estudos
de Antropologia da Civilização (O processo civilizatório, As Américas e a
Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil,
e Os índios e a Civilização), que têm 96 edições em diversas línguas. Neles
propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos
povos americanos.

Ainda no exílio, começou a escrever os romances Maíra e O mulo, e já no


Brasil escreveu dois outros: Utopia selvagem e Migo. Publicou Aos trancos e
barrancos, que é um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980.
Publicou também uma coletânea de ensaios insólitos: (Sobre o óbvio), e um
balanço de sua vida intelectual: Testemunho. Edita juntamente com Berta G.
Ribeiro a Suma Teológica brasileira. Seu último livro, publicado pela
Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em Português, é A
fundação do Brasil, um compêncio de textos históricos dos séculos XVI e
XVII, comentados por Carlos Moreira, e precedidos de um longo ensaio
analítico sobre os primórdios do Brasil.

Retornando ao Brasil em 1976, voltou a dedicar-se à educação e à política.


Elegeu-se vice-governador do estado do Rio de Janeiro, foi secretário da
Cultura e Coordenador do Programa de Educação, com o encargo de implantar
500 CIEPs que são grandes escolas de turno completo para 1000 crianças e
adolescentes. Criou, então, a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil,
a Casa Laura Alvin, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema. E o
Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar também
como uma enorme escola primária.

Elegeu-se senador da República, função que exerce defendendo vários


projetos, entre eles, uma lei de trânsito para defender os pedestres contra a
selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras
vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei
contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de
crianças. Combate energicamente no Congresso para que a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação seja mais democrática e mais eficaz. Publica pelo Senado a
revista Carta, onde os principais problemas do Brasil e do mundo são
analisados e discutidos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.

Conta entre suas façanhas maiores haver contribuído para o tombamento de 98


quilômetros de belíssimas praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio
antigo. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em
São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. Gravou um disco na série mexicana
"Vozes da América". E mereceu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne
e das Universidades de Montevidéu, Copenhague e da Venezuela Central.

ESTUDOS DE ANTROPOLOGIA DA CIVILIZAÇÃO

Com livro O Processo Civilizatório, publicado em 1972, Darcy Ribeiro trouxe


para o âmbito de nossas discussões, os grandes problemas da evolução das
sociedades humanas. Ele dá início aos estudos sobre antropologia das
civilizações. Sua motivação é de tornar compreensível a formação dos povos
americanos. Com argumentos novos e críticos busca compor um esquema
coerente e lógico da história da humanidade. Segundo Darcy, esta tarefa foi
requisito prévio indispensável ao estudo da formação dos povos americanos.

Ele analisa o surgimento das formações sócio-culturais que se impuseram


desde 10.000 anos, com o objetivo de entender as causas do desenvolvimento
sócio-econômico desigual e quais as perspectivas para os povos ditos
atrasados.

Segundo Darcy, tornava-se necessário a formulação de um esquema das etapas


evolutivas para, assim, ser possível uma tipologia para poder classificar os
diversos agrupamentos que se uniram para formar as sociedades nacionais
americanas de hoje. Pergunta-nos:

Como classificar, uns em relação aos outros, os povos indígenas que variavam
desde altas civilizações até hordas pré-agrícolas e que reagiram à conquista
segundo o grau de desenvolvimento que haviam alcançado? Como situar em
relação àqueles povos e aos europeus, os africanos desgarrados de grupos em
distintos graus de desenvolvimento para serem transladados à América como
mão-de-obra escrava? Como classificar os europeus que regeram a conquista?
Os ibérios que chegaram primeiro e os nórdicos que vieram depois -
sucedendo-os no domínio de extensas áreas - configuravam o mesmo tipo de
formação sociocultural? Finalmente, como classificar e relacionar as
sociedades nacionais americanas por seu grau de incorporação aos moldes de
vida da civilização agrária-mercantil e, já agora, da civilização industrial?
(1972, p.02)

Nesta perspectiva, Darcy Ribeiro surge ganhando uma projeção mundial,


atuando intensamente nas discussões dos grandes problemas da evolução da
humanidade.

Como vimos, em sua teoria evolucionista, Darcy busca compor um discurso


que nos explique e nos ajude a perceber para onde estamos caminhando, que
futuro podemos ter. Uma coisa ele deixa claro: não somos iguais; nisto parece
comungar com o idéia de Simón Bolívar de que, nós, latino-americanos,
constituímos um pequeno gênero humano.

Posterior ao seu trabalho "O Processo Civilizatório", Darcy Ribeiro escreveu


As Américas e a civilização, publicado primeiro na Espanha em 1969, pois
Darcy, neste período, se encontrava no exílio.

Tentar descrever a significação desta obra na verdade nos parece uma missão
nada simples. Com o objetivo central de classificação dos povos americanos
ele realiza um trabalho de proporções inigualáveis. Justifica:

Nosso estudo é uma tentativa de integração das abordagens antropológica,


sociológica, econômica, histórica e política em um esforço conjunto para
compreender a realidade americana de nossos dias. Cada uma dessas
abordagens ganharia em unidade se isolada das demais, mas perderia em
capacidade explicativa. Acresce, ainda, que existem demasiados estudos
parciais desse tipo, quando não agrupados em obras de conjunto, ao menos
dispersos em artigos, abordando os diversos problemas de que tratamos aqui. O
que nos falta são esforços por integrá-los orgânicamente, a fim de verificar que
contribuições podem oferecer às ciências sociais para o conhecimento da
realidade que vivemos e para determinar as perspectivas de desenvolvimento
que temos pela frente. (1970, pp. 03-04)

Encontramos aqui uma investigação combatente, questionadora dos fatores


culturais, sociais e econômicos que precederam a formação das etnias
nacionais americanas. Com este estudo Darcy Ribeiro buscava compreender o
motivo do atraso das sociedades americanas; ele está convencido de que as
teorias da história não nos explicam. Analisa ainda, as causas do
desenvolvimento desigual das sociedades americanas. Dirá:

¿Por qué Haiti, que era la región más rica, más valioso del mundo, fue la
madre de Norteamérica, que vivía de vender trigo? Para Haiti los negros
producían su alimento, el más valioso del mundo, la mercancía más valiosa del
mundo que era el azúcar. Entonces cuando visiten Francia y anden por los
valles del Loira con aquellos grandes castillos bellíssimos, verán el oro divino
de aquí, de Haiti. (1996. p. 22)

Neste livro, Darcy faz uma extensa análise antropológica dos fatores sociais,
culturais e econômicos do período de formação das etnias nacionais. Desde a
expansão européia, passando por uma profunda análise dos "Povos-
Testemunhas" (os meso-americanos e andinos), ele segue delineando as
transformações que deram origem aos "Povos Novos" (Brasil, Cuba,
Venezuela). Estes povos, segundo Darcy:

Son nuevos en el sentido de que fueron hechos por haberse deshecho sus
matrices. Sus indígenas fueron desindianizados, sus negros desafricanizados,
sus europeos deseuropeizados, todo lo cual hace una cosa nueva que no tiene
pasado glorioso y está volcado hacia el futuro. Son pueblos construídos con
proletariado externo y parten de la inmensa dificultad de componer con gente
desenraizada un gente nueva, un ser nuevo en la história. (1996, p. 23)

Os povos que migraram para as terras do Novo Mundo, Darcy os denominou


Povos-Transplantados. Constituíram um número elevado de europeus que,
juntamente com suas famílias, vieram parar aqui a fim de reconstruir suas
vidas. Buscavam uma vida melhor, conquistar aqui o que em suas terras
estavam impedidos de ter e ser. Darcy os caracteriza como:

Os Povos-Transplantados contrastam com as demais configurações sócio-


culturais das Américas por seu perfil caracteristicamente europeu, expresso na
paisagem que plasmaram, no tipo racial predominantemente caucasóide, na
configuração cultural e, ainda, no caráter mais maduramente capitalista de sua
economia, fundada principalmente na tecnologia industrial moderna e
nacapacidade integradora de sua população no sistema produtivo e a maioria
dela na vida social, política e cultural da nação. Por isto mesmo, êles se
defrontam com problemas nacionais e sociais diferentes e têm uma visão do
mundo também distinta dos povos americanos das outras categorias. (1970,
p.456)

Outro ponto importante são as profundas diferenças que existiam entre os


povos. Segundo Darcy não só são decorrentes das matrizes culturais
predominantemente latina e católica, num caso, anglo-saxônica e protestante,
no outro, como também decorrem do grau de desenvolvimento sócio-
econômico.

Darcy segue mostrando os fatores de diferenciação consequentes do processo


de formação étnico-nacional dos Povos-Transplantados. Dirá:

Na verdade, só historicamente e pelo exame acurado do processo civilizatório


global no qual todos êstes povos se viram envolvidos e dos vários fatôres
intervenientes na formação de cada uma dêles é que poderemos explicar sua
forma e sua performance. Isto é o que nos propomos fazer com respeito aos
Povos-Transplantados pelo exame, tanto da composição racial e cultural dos
seus contingentes formadores, quanto do seu modo de aliciamento, de
associação e de fusão em novas entidades étnico-nacionais. (1970, p.457)

O terceiro volume dos Estudos de Antropologia da Civilização, O dilema


latino-americano, é um estudo sobre as diferentes situações entre as Américas.
Darcy focaliza os contrastes existentes entre as Américas, ou seja, a
convivência da riqueza e da pobreza. Neste sentido ele propõe novas tipologias
para as classes sociais e para as estruturas de poder na América Latina.

Segundo Darcy:

Faltava ainda uma teoria da cultura, capaz de dar conta da nossa realidade, em
que o saber erudito é tantas vezes espúrio e o não-saber popular alcança,
contrastantemente, atitudes críticas, mobilizando consciências para
movimentos profundos de reordenação social. Como estabelecer a forma e o
papel da nossa cultura erudita, feita à criatividade popular, que mescla as
tradições mais díspares para compreender essa nossa nova versão do mundo e
de nós mesmos? Para dar conta dessa necessidade é que escrevi O dilema da
América Latina. Ali, proponho novos esquemas das classes sociais, dos
desempenhos políticos, situando-os debaixo da pressão hegemônica norte-
americana em que existimos, sem nos ser, para sermos o que lhes convém a
eles. (1996, p. 16)

No seu livro Os brasileiros: Teoria do Brasil publicado em 1965, Darcy inicia


uma etapa, onde ele passa a aplicar à realidade brasileira as categorias e
conceitos novos construídos nas obras anteriores. Começa explicar
concretamente a complexa situação brasileira. Ao que nos parece, ocorre uma
ruptura bastante clara com o cientificismo que marcava as obras daquele
período.

Outro livro dos estudos Os índios e a civilização publicado em 1970, segundo


Darcy Ribeiro, foi o resultado dos dados colhidos durante os dez anos em que
passou no convívio com os índios nas diversas aldeias em que viveu. Para
Darcy foi importante a troca de experiências com indigenistas, etnólogos e
também com missionários. Outra ajuda de grande importância foi o acesso aos
arquivos valiosos do Serviço de Proteção aos Índios, órgão no qual trabalhou
como etnólogo.

No prefácio da obra explica:

O tema deste livro é o estudo do processo de transfiguração étnica, tal como êle
pode ser reconstituído com os dados da experiência brasileira; e a apreciação
crítica dos ingentes esforços para salvar povos que não foram salvos. Como
alguns dêsses povos conseguiram sobreviver às compulsões a que estiveram
sujeitos - e alguns outros ainda não experimentaram o contato com a
civilização - confiamos que tanto as análises como as denúncias aqui contidas
ajudem a definir formas mais justas e adequadas de relações com os índios,
capazes de abrir-lhes pespectivas de sobrevivência e um destino melhor. (1970,
p. 03)
Darcy define claramente a temática e os objetivos deste livro. Segundo ele é
um estudo do processo de transfiguração étnica. Numa perspectiva crítica
busca interpretar as pesquisas de forma sempre elevadas reconstituindo assim,
os dados da experiência brasileira.

Após uma visão geral da situação das populações indígenas no final do século
XIX e início do século XX, ele passa a refletir criticamente os ingentes
esforços para atender os povos desprotegidos da América Latina. Daí passa a
focalizar globalmente o que chama "o processo de transfiguração étnica". De
maneira nova e original reconstitui a história natural das relações dos índios e
os civilizados.

Com este livro, os "Estudos de Antropologia da Civilização", um conjunto de


quase 2 mil páginas, Darcy Ribeiro encerra os escritos "preliminares" de seu
grande projeto: tornar o Brasil explicável. Responder a pergunta: Por que o
Brasil não deu certo?. Temos assim, um conjunto dos fundamentos teóricos
que tornaram possível, o que segundo ele, foi o desafio maior que já se propôs,
o livro: O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil.

O POVO BRASILEIRO

Entender o sentido do que hoje somos mais que simples desafio parece se
constituir num longo e minucioso trabalho. A reflexão sobre nossa formação
nos envia às nossas origens, à história que como brasileiros fomos construindo.
A realidade com a qual nos deparamos traz reflexões e pontos de vista oriundos
de outros contextos que, para a nossa formação histórica, não são suficientes
para nos explicar como povo.

Dentro desse desafio de nos tornar explicáveis Darcy Ribeiro propõe um


conjunto teórico a partir da nossa contexto histórico. Ribeiro reune um
conjunto de pesquisas que culminam em uma teoria do Brasil até então inédita.
Subjacente à descrição desta teoria, está sua preocupação em entender por que
caminhos passamos que nos levaram a distâncias sociais tão profundas no
processo de formação nacional.

Retomando nossa história, Darcy começa a descrever como foi acontecendo a


gestação do Brasil e dos brasileiros como povo. Nessa reconstituição ele
enfatiza a confluência, ou seja, fala da união ocorrida entre portugueses, índios
e negros, matrizes étnicas do brasileiro.

Um povo novo que, no dizer de Darcy, se enfrentam e se fundem, fazendo


surgir, "num novo modelo de estruturação societária". Para ele, essa
mestiçagem fez nascer um novo gênero humano. Nova gente, mestiça na carne
e no espírito.

Segundo Darcy essa gente fez-se diferente:

Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de


suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma cultura
sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos.
Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um
novo gênero humano diferente de quantos existam. Povo novo ainda, porque é
um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular
de organização sócio-econômico, fundada num tipo renovado de escravismo e
numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela
inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão
sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros. (1996, p. 19)

Ao contrário do que se podia imaginar, um conjunto tão variado de matrizes


formadoras não resultou num conjunto multiétnico. Diz:

... apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros


os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas
minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias
e disputantes de autonomia frente à nação. (1996, p. 20)

Com pequena exceção a grupos que sobrevivem de maneira isolada, que


mantendo seus costumes, mas que, segundo Darcy, não podem afetar a
macroetnia em que se encontram.

Dessa unidade étnica básica, ele não quer propor uma uniformidade entre os
brasileiros, ele esclarece está questão distinguindo três forças diversificadoras:
a ecológica, a econômica e a imigração. Estas formam os fatores que tornaram
presente os diferentes modos de ser dos brasileiros, espalhados nas diversas
regiões do território brasileiro.

Comenta:

A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para


ainda mais uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar
suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero de vida que cria suas
próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas
formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como
difusoras e uniformizadoras de novas formas e estilos culturais. (1996, p. 21)

Propõe assim que, apesar das diferentes matrizes racionais nas quais se
formaram os brasileiros, também por questões culturais e por situações
regionais, "os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só
gente, pertencente a uma mesma etnia". Formamos uma etnia nacional única,
um só "povo incorporado".

Ressalta que este mesmo processo ocorreu consolidar os antagonismos sociais


de caráter traumático. Diz:

A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de


torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e
classista. Ela é que encandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira
predisposta a torturar, seviciar e machucar o pobres que lhes caem às mãos.
(1996, p.120)

Para Darcy formamos a maior presença neo-latina no mundo. Somos uma


"nova Roma". Segundo ele, melhor, porque racialmente lavada em sangue
índio, em sangue negro. Esta nossa singularidade nos condena a nos
inventarmos a nós mesmos e desafiados a construir uma sociedade inspirada na
propensão indígena para o convívio cordial e para a reciprocidade e a alegria
saudável do negro extremamente alterativo.

Será nesta perspectiva que nas linhas a seguir buscaremos esboçar, segundo os
termos de Darcy Ribeiro, as principais articulações de como os brasileiros se
vieram fazendo a si mesmos chegando a ser o que hoje somos.

1. Novo Mundo

Nesta parte Darcy trata das características iniciais do território brasileiro, das
terras encontradas pelos portugueses que desembarcaram pela primeira vez no
ano 1500 do calendário europeu. Estas terras que se encontravam povoadas por
um grande número de povos indígenas que viviam por toda superfície do
Brasil.

Segundo Darcy: "Eram, tão-só, uma miríade de povos tribais, falando línguas
do mesmo tronco, dialetos de uma mesma língua, cada um dos quais, ao
crescer, se bipartia, fazendo dois povos que começavam a se diferenciar e logo
se desconheciam e se hostilizavam" (1996, p. 29).

Essas tribos aqui encontradas eram na sua maioria do tronco tupi, cerca de um
milhão de índios. Elas se encontravam nos primeiros passos da revolução
agrícola na escala da evolução cultural. Já conseguiam domesticar diversas
plantas. Diz:

Além da mandioca, cultivavam o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o


amendoim, o tabaco, a abóbora, o urucu, o algodão, o carauá, cuias e cabaças,
as pimentas, o abacaxi, o mamão, a erva-mate, o guaraná, entre muitas outras
plantas. Inclusive dezenas de árvores frutíferas, como o caju, o pequi etc.
Faziam, para isso, grandes roçados na mata, derrubando as árvores com seus
machados de pedra e limpando o terreno com queimadas. (1996, p. 32)

Com o cultivo da terra garantiam a subsistência do ano inteiro. É importante


lembrar que as aldeias possuíam uma estrutura igualitária de convivência. Mas,
por colonização de suas terras, as tribos se chocavam em guerra umas com as
outras.

Além dos povos tupi, outros povos indígenas participaram da formação do


povo brasileiro, como os Paresi, os Bororos, os Xavantes, os Kayapós, os
Kaigangs e os Tapuias.

Ao contrário do modelo constituído pelas tribos indígenas na ilha Brasil, os


portugueses invasores possuíam relações sociais baseadas na estratificação das
classes, tinham uma velha experiência como civilização urbana. Com eles veio
a Igreja católica que exerceu uma grande influência no processo de formação
sócio-cultural do povo brasileiro. Na visão de Darcy, a Igreja exerceu um forte
poder de mando, influenciando na vida dos indígenas e negros.

No contexto mundial Portugal entrava na disputa pelos novos mundos,


animada pelas forças transformadoras da revolução mercantil. Diz Darcy:

Esse complexo do poderio português vinha sendo ativado, nas últimas décadas,
pelas energias transformadoras da revolução mercantil, fundada especialmente
na nova tecnologia, concentrada na nau oceânica, com suas novas velas de mar
alto, seu leme fixo, sua bússola, seu astrolábio e, sobretudo, seu conjunto de
canhões de guerra.

Era a humanidade mesma que entrava noutra instância de sua existência, na


qual se extinguiriam milhares de povos, com suas línguas e culturas próprias e
singulares, para dar nascimento às macroetnias maiores e mais abrangentes que
jamais se viu. (1996, p.38)

Era a superação da estado feudal, o processo civilizatório no seu momento


mercantil.

Para Darcy além de protagonizarem o inferno da expansão territorial político-


econômico, se entitularam propagadores da unidade dos homens num só
cristandade. Diz:

Eles se davam ao luxo de propor-se motivações mais nobres que as mercantis,


definindo-se como os expansores da cristandade católica sobre os povos
existentes e por existir no além-mar. Pretendiam refazer o orbe em missão
salvadora, cumprindo a tarefa suprema do homem branco, para isso destinado
por Deus: juntar todos os homens numa só cristandade, lamentavelmente
dividida em duas caras, a católica e a protestante. (1996, p.39)

Para o índio que passava a conviver com aquela situação nova não foi nada
simples compreender o que representava aqueles acontecimentos novos. O fato
é que deste choque de culturas, como quisemos tornar mais claro no primeiro
capítulo, surgiram concepções que os índios estupefatos por certo tempo
sustentaram, como a de que os recém chegados eram deuses.

Para Darcy, de início, os índios ali na praia recebendo aqueles indivíduos tão
estranhos estavam espantados. Seriam até mesmo gente de seu deus Maíra.
Comenta:

Provavelmente seriam pessoas generosas, achavam os índios. Mesmo porque,


no seu mundo, mais belo era dar que receber. Ali, ninguém jamais espoliara
ninguém e a pessoa alguma se negava louvor por sua bravura e criatividade.
Visivelmente, os recém-chegados, saídos do mar, eram feios, fétidos e infectos.
Não havia como negá-lo. É certo que, depois do banho e da comida,
melhoraram de aspecto e de modos. Maiores teriam sido as esperanças do que
os temores daqueles primeiros índios. (1996, p. 42)

Como sabemos, a grande decepção não demorou para acontecer. Os indígenas


perceberam que os recém chegados do mar não passavam de enganadores,
mentirosos, lhes traziam pequenos utensílios e em troca lhes tiravam a alegria
de viver, lhes enchiam de doenças que os dizimava ao milhares.

Darcy aponta para as duas perspectivas de mundo que se chocavam. Para os


conquistadores essa nova terra era um espaço de exploração em ouro e glórias,
na visão dos índios, (1996, pp. 44-45) "o mundo era um luxo de se viver, tão
rico de aves, de peixes, de raízes, de frutas, de flores, de sementes, que podiam
dar as alegrias de caçar, de pescar, de plantar e colher a quanta gente aqui
viesse ter". Enquanto os brancos não mediam esforços para alcançar as
riquezas que lhes interessavam, os índios acreditavam que a vida era dádiva de
deuses bons. Na perspectiva de Darcy os brancos para os índios, eram aflitos
demais. Para os brancos, a vida era uma sofrida obrigação em todos estavam
condenados ao trabalho e subordinados ao lucro, enquanto que, para os índios,
"a vida era uma tranquila função de existência, num mundo dadivoso e numa
sociedade solidária".

Darcy preocupa-se em estudar o processo civilizatório, tendo em vista situar as


nações germinais dos povos latino-americanos. Comenta:

Somos um rebento mutante, ultramarino, da Civilização Ocidental Européia, na


sua versão iber-americana. Produto da expansão européia sobre as Américas,
que destruindo milhares de povos modelou com o que restou deles uns poucos
novos povos, multiformemente refeitos. Todos configurados como extensões
da metrópole que regeu a colonização, impondo sua língua e suas
singularidades. (1995, p. 11)

2. Gestação Étnica

A partir desse ponto Darcy vai desenvolvendo sua visão sobre as condições em
que os brasileiros foram se formando, o que denominou cunhadismo. O
cunhadismo, segundo ele, era a prática indígena que tornou possível incorporar
estranhos às comunidades. Consistia em se oferecer uma moça índia como
esposa aos recém-chegados. A partir de então, o estranho estabelecia uma
relação de parentesco com os índios dessa família. Esse processo acabou
influenciando decisivamente no processo de formação do brasileiro.

Para o colonizador essa prática tornou-se a condição de possibilidade para o


processo de pilhagem nas terras conquistadas e também a própria condição da
conquista das terras. Pois contavam com um enorme contingente de índios que
segundo determinava o sistema de parentesco dos índios, deveriam pôr-se a
serviço do parente.

Diz Darcy:
Como cada europeu posto na costa podia fazer muitíssimos desses casamentos,
a instituição funcionava como uma forma vasta e eficaz de recrutamento de
mão-de-obra para os trabalhados pesados de cortar paus-de-tinta, transportar e
carregar para os navios, de caçar e amestrar papagaios e soíns.

A função do cunhadismo na sua nova inserção civilizatória foi fazer surgir a


numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil. É crível
até que a colonização pudesse ser feita através do desenvolvimento dessa
prática. Tinha o defeito, porém, de ser acessível a qualquer europeu
desembarcado junto às aldeias indígenas. Isso efetivamente ocorreu, pondo em
movimento um número crescente de navios e incorporando a indiada ao
sistema mercantil de produção. Para Portugal é que representou uma ameaça, já
que estava perdendo sua conquista para armadores franceses, holandeses,
ingleses e alemães, cujos navios já sabiam onde buscar sua carga. (1996, p. 82)

Por fim, à medida em que a demanda de mão-de-obra foi aumentando, tiveram


de passar da utilização do sistema de cunhadismo às guerras de captura dos
índios.

Outras instituições que tiveram grande influência na gestação étnica do Brasil


foram as donatarias e as reduções, onde os índios viviam submetidos às ordens
dos missionários.

Na concepção de Darcy o Brasil tem sido, ao longo dos séculos, um terrível


moinho de gastar gentes. O fato é que se gastaram milhões de índios, milhões
de africanos e milhões de europeus. Comenta:

Foi desindianizando o índio, desafricanizando o negro, deseuropeizando o


europeu e fundindo suas heranças culturais que nos fizemos. Somos, em
consequência, um povo síntese, mestiço na carne e na alma, orgulhoso de si
mesmo, porque entre nós a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Um povo
sem peias que nos atenham a qualquer servidão, desafiado a frorescer,
finalmente, como uma civilização nova, autônoma e melhor. (1995, p.13)

Nossa matriz negra foi responsável por remarcar o amálgama racial e cultural
brasileiro com suas cores mais fortes. Pelo fato de aprenderem o português
com que os capatazes lhes gritavam e que com o tempo passavam a se
comunicar entre si, acabaram conseguindo aportuguesar o Brasil. Diz:

Nossa matriz africana é a mais abrasileirada delas. Já na primeira geração, o


negro, nascido aqui, é um brasileiro. O era antes mesmo do brasileiro existir,
reconhecido e assumido como tal. O era, porque só aqui ele saberia viver,
falando como sua língua do amo. Língua que não só difundiu e fixou nas áreas
onde mais se concentrou, mas amoldou, fazendo do idioma o Brasil um
português falado por bocas negras, o que se constata ouvindo o sotaque de
Lisboa e o de Luanda. (1995, p. 14)

A condição de vida do negro é descrita por Darcy como uma situação


espantosa. Relata a violência permanente pela qual foram obrigados a viver.
Pergunta-se: como conseguiram permanecer humanos? Como sobreviver sobre
tanta pressão, trabalhando dezoito horas por dia todos os dias do ano? A triste
conclusão é de que seu destino era morrer de estafa que era sua morte natural.

Para Darcy:

Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de
séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros,
somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós
brasileiros somos, por igual a mão possessa que os supliciou. A doçura mais
terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente
sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos.
Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da
marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor
intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da
brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto
de nossa fúria. (1996, p. 120)

Darcy assinala com grande lamento que "nossos patrícios negros" sofreram e
ainda sofrem o drama de sua penosa ascensão de escravo a assalariado e a
cidadão, sobre a dureza do preconceito racial.

3. Processo Sociocultural

Segundo a visão de nosso autor, o processo de formação do povo brasileiro foi


marcado constantemente por situações de conflitos. Caracteriza o entendido
entrechoque dos contingentes índios, negros e brancos dentro do quadro de
conflitos não puros. Pois, segundo entende, sempre ocorreu uma mescla entre
uns e outros.

Para Darcy uma nova situação se impôs com a chegada do dominador europeu,
tendo em vista que este queria buscar de todas as formas impor uma hegemonia
nessas terras.

Os conflitos interétnicos que aqui existiam, sem maiores consequências, agora


de maneira mais ampla, é surpreendido por uma nova situação de guerra
irreconciliável.

Nesse confronto, as forças que se chocam são muito desiguais. Comenta:

De um lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras


formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identificação étnica,
irmanadas por um modo de vida essencialmente solidário. Do lado oposto, uma
estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos
habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada
em classes, vale dizer, antagonicamente opostas mas imperativamente
unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente
irresponsáveis. A primeira das quais é a ocupação do território. Onde quer que
um contingente etnicamente estranho procure, dentro desse território, manter
seu próprio modo tradicional de vida, ou queira criar para si um gênero
autônomo de existência, estala o conflito cruento. (1996, p.169)

Entre os momentos conflitivos Darcy aponta para os conflitos entre os


invasores. Dizendo que entre colonos e jesuítas houve uma longa guerra sem
quartéis, marcada por componentes classistas, racistas e étnicos, situa as
motivações de colonização dos jesuítas num plano distinto ao da colonização
espanhola e portuguesa.

Um outro enfrentamento altamente conflitivo é o que se deu por consequências


predominantemente raciais. Entre as três matrizes vemos um sentimento de
preconceito. Darcy diz que para o negros de ontem e de hoje, a liberdade passa
a ser uma difícil e utópica busca. Por ela, são forçados a luta constante a fim de
alcançarem uma situação de vida mais digna. Diz:

As lutas são inevitavelmente sangrentas, porque só à força se pode impor e


manter a condição de escravos. Desde a chegada do primeiro negro, até hoje,
eles estão na luta para fugir da inferioridade que lhes foi imposta
originalmente, e que é mantida através de toda a sorte de opressões,
dificultando extremamente sua integração na condição de trabalhadores
comuns, iguais aos outros, ou de cidadãos com os mesmos direitos. (1996, p.
173)

Outra situação é a de caráter fundamentalmente classista, que configura a luta


entre proprietários e as massas trabalhadoras. Darcy, ao que parece, vê essas
lutas identificando-a como o recrutamento de mão-de-obra para a produção
mercantil.

No processo de formação sociocultural do Brasil, Darcy vê a organização do


que ele chama de empresas. A empresa escravista, ele a vê como a principal,
latifundiária e monocultora que foi sempre altamente especializada e
essencialmente mercantil. Outra, já como forma alternativa de colonização, foi
a empresa jesuítica. Esta estava fundada na mão-de-obra servil dos índios. Uma
terceira, que tinha um alcance social bastante considerável, foram as múltiplas
microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado,
baseada em diferentes formas de aliciamento de mão-de-obra. Estas
incorporam os mestiços de europeus com índios e negros dando corpo ao que
viria a ser o grosso do povo brasileiro.

Darcy diz que essas empresas, cada qual com seus fins específicos, atuaram
para garantir o êxito do empreendimento colonial português no Brasil.

Uma quarta empresa foi constituída pelo núcleo portuário de banqueiros


armadores e comerciantes de importação e exportação. Formavam o
componente predominante da economia colonial e o mais lucrativo dela.

Ainda sobre o processo de formação sociocultural, Darcy elabora uma visão de


conjunto do processo de urbanização brasileira. Segundo ele, o Brasil nasceu já
como uma civilização urbana, separada em conteúdos rurais e citadinos.
Comenta:

Essas cidades e vilas, grandes e pequenas, constituíam agências de uma


civilização agrário-mercantil, cujo papel fundamental era gerir a ordenação
colonial da sociedade brasileira, integrando-a no corpo de tradições religiosas e
civis da Europa pré-indústrial e fazendo-a render proventos à Coroa
portuguesa. Como tal, eram centros de imposição das idéias e das crenças
oficiais e de defesa do velho corpo de tradições ocidentais, muito mais que
núcleos criadores de uma tradição própria. (1996, p. 197)

Ele elabora um quadro da questão agrária brasileira, onde comenta as


dimensões espantosas dos latifúndios, a questão do monopólio da terra e a
monocultura. Relaciona o temível êxodo rural com o inchaço das cidades em
consequência causando a miserabilização da população urbana. Para Darcy
formou-se um modelo político-econômico que estratifica a população
brasileira. Diz:

A estratificação social gerada historicamente tem também como característica a


racionalidade resultuante de sua montagem como negócio que a uns privilegia
e enobrece, fazendo-os donos da vida, e aos demais subjuga e degrada, como
objeto de enriquecimento alheio. Esse caráter intencional do empreendimento
faz do Brasil, ainda hoje, menos uma sociedade do que uma feitoria, porque
não estrutura a população para o prenchimento de suas condições de
sobrevivência e de progresso, mas para enriquecer uma camada senhorial
voltada para atender às solicitações exógenas. (1996, p. 212)

Sobretudo, a distância social entre ricos e pobres é, para Darcy, uma condição
extremamente espantosa, somando-se a isso a discriminação sofrida pelos
negros, mulatos e índios. O problema racial constitui-se num sério problema no
Brasil. De maneira mais seria é aquele que pesa sobre os negros, a mais árdua
foi e, ainda é, a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo
na sociedade nacional. Comenta:

A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, numca fez nada
pela massa negra que a construira. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de
terra para viver e cultivar, de escolas em pudesse educar seus filhos, e de
qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e
repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontra um
ambiente de convivência social menos hostil. Constituíram, originalmente, os
chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm
se multiplicando, como a soluçào que o pobre encontra para morar e conviver.
Sempre debaixo da permanente ameaça de serem erradicados e expulsos.
(1996, p. 222)

Ainda hoje, comenta haver a mentalidade assimilacionista que leva os


brasileiros a supor e desejar que os negros desapareçam pela branqueação
progressiva. Para Darcy a característica distintiva do racismo brasileiro é que
ele não incide sobre a origem racial das pessoas, mas sobre a cor de sua pele.
Para ele, a possibilidade de existência de uma democracia racial está vinculada
com a prática de uma democracia social, onde negros e brancos partilhem das
mesmas oportunidades sem qualquer forma de desigualdade.

Darcy avalia o processo de estruturação como uma configuração diferente de


quantas haja, segundo ele só explicável em termos, históricas. Comenta:

Composta como uma constelação de áreas culturais, a configuração histórico-


cultural brasileira conforma uma cultura nacional com alto grau de
homogeneidade. Em cada uma delas, milhões de brasileiros, através de
gerações, nascem e vivem toda a sua vida encontrando soluções para seus
problemas vitais, motivações e explicações que se lhes afiguram como o modo
natural e necessário de exprimir sua humanidade e sua brasilidade. Constituem,
essencialmente, partes integrantes de uma sociedade maior, dentro da qual
interagem como subculturas, atuando entre si de modo diverso do que o fariam
em relação a estrangeiros. Sua unidade fundamental decorre de serem todas
elas produto do mesmo processo civilizatório que as atingiu quase ao mesmo
tempo; de terem se formado pela multiplicação de uma mesma protocélula
étnica e de haverem estado sempre debaixo do domínio de um mesmo centro
reitor, o que não enseja definições étnicas conflitivas. (1996, p. 254)

Para Darcy, os brasileiros são hoje, um dos povos mais homogêneos linguística
e culturalmente. Fala-se, como diz, uma mesma língua, sem dialetos.

Como mestiços "na carne e no espírito" temos o desafio de firmar nosso


potencial, nossos modos distintos entre todos os povos. Devemos forjar um
verdadeiro conceito de povo que englobe a todos sem distinção, em todos os
direitos que devem assistir a cada cidadão brasileiro.

Nesse país mestiço, o povo brasileiro segundo Darcy, veio formando-se como
uma nova Roma. A maior presença neo-latina no mundo, ainda em ser, forja-se
como a grande presença do futuro.

CONCLUSÃO

No conjunto da obra de Darcy Ribeiro reconhecemos uma clara contribuição


para o pensamento latino-americano, a qual Darcy escreveu uma vasta obra
sobre indígenas, negros e mestiços no processo de formação do povo brasileiro.
Sua obra surge como um espelho em que nós brasileiros podemos nos
identificar, nos reconhecer. Nela encontra-se um esforço que ilumina o
processo de desenvolvimento humano, social e cultural do nosso povo e de
toda a América Latina. Acredito que seja indispensável o conhecimento da
obra de Darcy Ribeiro para uma profunda tomada de consciência a partir de
uma visão de conjunto do Brasil e da América Latina.

A obra de Ribeiro abre-se ainda para uma nova perspectiva onde identificamos
o brasileiro com características revalorizadas peculiarmente. Assim, há uma
consciência que ainda estamos construindo, o que, para Darcy, é um dos
grandes desafios que enfrentamos: o de inventar o humano, com propriedades
diferentes, mais solidários e fraternas.

Como uma descrição de aventuras, Darcy fala do processo de formação do


povo fazendo-se a si mesmo. Expõe sua grande convicção sobre a formação de
um novo gênero humano, a partir do estudo dos componentes novos da
transfiguração, resultado do choque entre índios, negros e europeus. Daí lança
sua denúncia, "o Brasil sempre foi um moinho gastando gente", "endossando" a
boca do europeu, enriquecendo-o com a exploração do Brasil. Na angústia por
entender porque o Brasil não deu certo do ponto de vista de seu povo, dá um
importante exemplo de compromisso com este povo, sobretudo, através de sua
sensibilidade com os índios, com os quais se comoveu e se identificou. Destes,
emocionado, diz haver ganhado dignidade.

Por fim, identificamos em Darcy, de forma inconfundível, os traços fortes dos


grandes pensadores latino-americanos, como: Simón Bolívar e José Martí,
principalmente no que tange a construção a idéia de uma "nação latino-
americana" mais humana, como uma nova civilização, mais "generosa, porque
aberta à convivência com todos as raças e todos as culturas".

*Biografia: trecho extraída do livro O Brasil como Problema de Darcy Ribeiro


publicado pela editora Francisco Alves).

BIBLIOGRAFIA

• RIBEIRO, Darcy. O processo Civilizatório: Etapas da Evolução Sócio-


Cultural. 10º ed., Petrópolis: Vozes, 1987.
• _____________. As Américas e a Civilização: Processo de Formação
e Causas do Desenvolvimento Cultural Desigual dos Povos
Americanos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1970.
• _____________. O Dilema da América Latina: Estruturas de Poder e
Forças Insurgentes. 5º ed., Petrópolis: Vozes, 1988.
• _____________. Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil. Editora Paz e
Terra, 1972.
• _____________. Os Índios e a Civilização: A Integração das
Populações Indígenas no Brasil Moderno. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 1970.
• _____________. O Brasil como Problema. 2º ed., Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1995.

• _____________. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil.


2º ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1996

Frases de Darcy Ribeiro


"A escola brasileira é a escola da mentira: o professor finge que
ensina, e o aluno finge que aprende."
( Darcy Ribeiro )
"A universidade é o últero das classes dirigentes da nação do futuro.
Nenhuma sociedade pode viver sem universidades."
( Darcy Ribeiro )

"Não me arrependo de nada que fiz. Arrependo-me, isto sim, de


algum malfeitos que não fiz."
( Darcy Ribeiro )
5

"Nós na América Latina, só podemos ser indignados ou resignados.


E eu não vou me resignar nunca."
( Darcy Ribeiro )
4

"Os índios viram chegar os portugueses, crescer os brasileiros, e


têm mais direito do que ninguém a serem eles próprios."
( Darcy Ribeiro ) "A ditadura generalizou a corrupção até nas cúpulas
dos órgãos supremos do poder."
( Darcy Ribeiro )
4

"A única coisa séria que aconteceu no Brasil nos últimos anos foi o
movimento dos sem terra."
( Darcy Ribeiro )
3

"O mundo é um projeto que os homens poderiam fazer. A essência


da natureza humana é que ela é utópica."
( Darcy Ribeiro )
2

"Ninguém sabe como provocar um surto de criatividade cultural e


artística."
( Darcy Ribeiro )
2
"O que mais me comove é o Brasil que não deu certo. Um país tão
rico tem o povo passando fome."
( Darcy Ribeiro )

"Não é a esquerda latino-americana que está desalentada,


desanimada é a esquerda mundial que está acovardada."
( Darcy Ribeiro )
2

"É uma coisa tremenda a brutalidade dessa sociedade. Ela come


não só o pobre, mas a consciência dele."
( Darcy Ribeiro )
2

"A grande coisa que há na vida são o nascimento e a morte."


"Evidentemente nós, os intelectuais, não somos
( Darcy Ribeiro )
nenhuma maravilha."
( Darcy Ribeiro )
"Nossa classe dominante está enferma de desigualdade, de
descaso."
( Darcy Ribeiro )

Darcy Ribeiro O antropólogo Darcy Darcy Ribeiro, Laís Darcy Ribeiro


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