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Fundamentos do Equilíbrio Ácido-Base

PARTE 7
AVALIAÇÃO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE
OBJETIVOS: Descrever os exames que indicam o estado do equiíbrio ácido-
base. Detalhar a coleta da amostra de sangue arterial e os cuidados na
realização do exame. Analisar o significado dos resultados do exame.

CONCEITOS GERAIS

A normalidade do pH, da PCO2 e das bases do sangue e demais líquidos do


organismo é representada por faixas, ao invés de um valor simples e absoluto, por
duas razões principais:

1. As medidas de parâmetros biológicos em uma grande quantidade de indivíduos


são semelhantes, mas não são exatamente iguais. Um mesmo exame, realizado em
um grande número de indivíduos, mostrará uma curva de distribuição de
resultados. O valor encontrado o maior número de vêzes representa o ponto médio
da curva. Os valores encontrados em 95% dos indivíduos, formam um segmento
simétrico da curva, acima e abaixo do ponto médio e constituem o desvio padrão. A
faixa de normalidade nessa curva abrange o ponto médio e o desvios padrão
inferior e superior.
2. Os valores do equilíbrio ácido-base refletem a atividade metabólica das células e
a atividade química de um grande número de substâncias existentes no sangue e
nos líquidos intracelular e intersticial, onde ocorrem intercâmbio e reações químicas
muito rápidas. O conceito de normalidade e seus valores numéricos, portanto,
devem ser abrangentes e devem considerar as variações individuais.

AVALIAÇÃO DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE

A avaliação do estado ácido-base do organismo, na prática clínica, é feita pela


análise de quatro parâmetros principais, determinados em amostras de sangue
arterial. Esses parâmetros são o pH, a PCO2, o bicarbonato e a diferença de bases
(excesso ou déficit).
Gasometria é o exame que fornece os valores que permitem analisar os gases
sanguíneos e o equilíbrio ácido-base; os aparelhos utilizados para a determinação
dos gases sanguíneos e do pH são os analisadores de gases, dos quais existem
vários tipos e modelos, disponíveis no mercado. Os aparelhos mais sofisticados
fazem correções automáticas para o valor da hemoglobina e da temperatura e
emitem os resultados já impressos em formulários próprios.
Por se tratar da análise de gases, inclusive o CO2, muito volátil, diversos cuidados
são essenciais em relação à coleta das amostras de sangue, transporte ao
laboratório e realização imediata do exame, para assegurar a fidelidade dos
resultados.
A velocidade com que as condições do equilíbrio ácido-base podem se modificar,
principalmente na terapia intensiva, requer a imediata análise dos resultados do
exame, que refletem as condições do paciente, no momento da coleta da amostra.
AMOSTRAS DE SANGUE

A amostra de sangue deve ser colhida por meio da punção cuidadosa de uma
artéria periférica, geralmente a artéria radial ou a femural. A punção da artéria
femural é usada, quando a palpação dos pulsos radiais é difícil, devido à hipotensão
arterial ou baixo débito cardíaco.
Em pacientes com instabilidade cardio-respiratória, frequentemente se usa um
cateter intra-arterial para a monitorização contínua da pressão arterial e análise
seriada da gasometria arterial. Nesses casos o procedimento da coleta da amostra
fica simplificado. Isso é comum nas unidades de terapia intensiva, durante
procedimentos cirúrgicos de grande porte, como na cirurgia cardiovascular ou nos
laboratórios de hemodinâmica, durante o cateterismo cardíaco.
A amostra deve ser coletada com anticoagulante (heparina), para manter a fluidez
do sangue. A técnica recomendada para a coleta consiste em aspirar cerca de 1 mL
de heparina sódica (1.000 U/mL) e movimentar o líquido na seringa, apenas para
"lavar" as paredes internas; logo após, desprezar todo o conteudo. O resíduo que
fica no espaço morto do bico da seringa e na agulha é de cerca de 0,15mL.. Essa
quantidade de heparina é suficiente para anticoagular cerca de 2 a 4 mL. de
sangue. O volume mínimo da amostra deve ser de 2 mL., para manter a heparina
bem diluida. Esse cuidado é importante, porque a heparina é ácida (pH em torno de
6,8). Heparina em excesso, na amostra, pode falsear a determinação do pH. Na
prática, 0,05 mL. de heparina sódica são suficientes para anticoagular 1 mL. de
sangue.
As amostras de sangue devem ser isentas de ar. As bolhas de ar porventura
existentes, devem ser imediatamente removidas. Quando a amostra contém ar,
ocorre o equilíbrio gasoso com o sangue. A PCO2 da amostra será mais baixa
enquanto a PO2 poderá ser mais alta e o resultado pode não refletir as condições
reais do paciente.
Quando o laboratório é distante do local da coleta, a amostra deverá ser
transportada em gelo. O metabolismo do sangue da amostra continua; há consumo
de oxigênio e produção de CO2. Este cuidado é importante, quando o transporte
produz demora na análise da amostra de sangue.
Decisões clínicas importantes são baseadas nos resultados da gasometria arterial; é
fundamental, portanto, que os resultados do exame sejam absolutamente
confiáveis.

TÉCNICA DA PUNÇÃO ARTERIAL

A técnica da punção radial é simples mas requer alguma experiência, para ser
realizada com sucesso.

* A artéria radial é puncionada na altura do punho. Devemos inicialmente palpar a


artéria para assegurar a sua perfeita localização; a mão do paciente é posicionada
mantendo o punho em extensão ampla, para facilitar a palpação da artéria. A
posição é mantida com apoio sobre uma compressa dobrada ou enrolada, conforme
demonstra a figura 13;
* A pele no local da punção é limpa e desengordurada com algodão embebido em
álcool ou solução de álcool iodado;
* Faz-se um pequeno botão anestésico no local da punção, com agulha 25, que
permite várias tentativas sem produzir dor no local;
Figura 13. Ilustra a técnica da punção da
artéria radial, no punho do paciente.

* A artéria é palpada com uma das mãos, enquanto a outra empunha a seringa
com agulha 20 ou 21;
* A agulha deve fazer um ângulo de trinta graus com a pele, para perfurar a artéria
em posição oblíqua, que facilita a hemostasia natural pelas fibras musculares da
parede arterial;
* Ao ser alcançada a luz da artéria, observa-se o fluxo sanguíneo no interior da
seringa que em geral impulsiona o êmbolo. Esta manobra é mais fácil com as
seringas de vidro que com as de plástico. Nestas últimas, em geral, é necessário
puxar levemente o êmbolo para estabelecer o fluxo sanguíneo para o interior da
seringa;
* Se a punção transfixa a artéria, a agulha deve ser retirada vagarosamente, até
que a sua ponta alcance a luz do vaso, quando se estabelecerá o fluxo sanguíneo;
* A aspiração vigorosa com o êmbolo favorece a entrada de ar na amostra e deve
ser evitada. Quando necessário, aspirar o sangue suavemente;
* Após remover 2 mL. de sangue, retirar a agulha e comprimir o local da punção
com algodão embebido em álcool ou álcool-iodado, por três minutos, para evitar a
formação de hematomas no local da punção.
* A punção em crianças pequenas deve ser feita com um escalpe fino (calibre 21),
não adaptado à seringa, para permitir o livre fluxo do sangue. Um auxiliar deve
conectar a seringa e aspirar a amostra quando o escalpe estiver cheio. A punção
em crianças requer mais experiência com a técnica, embora as linhas gerais do
procedimento sejam as mesmas.

ANALISADORES DE GASES

Os analisadores de gases sanguíneos utilizam eletrodos especiais para a


determinação do pH, da pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2) e da pressão
parcial de oxigênio (PO2). A pressão parcial de oxigênio é determinada ao mesmo
tempo que os demais parâmetros; contudo, sua análise não tem implicações nos
mecanismos do equilíbrio ácido-base. A PO2 do sangue arterial nos informa sobre a
eficiência da oxigenação realizada nos alvéolos pulmonares.
Os eletrodos de pH, pCO2 e de pO2 são contidos em um pequeno reservatório, cuja
temperatura é controlada. O aparelho requer calibração prévia para uso, que é
obtida por comparação com soluções padronizadas.
Os aparelhos modernos calculam os parâmetros que não são diretamente medidos
pelos eletrodos e são de grande precisão.
A taxa de hemoglobina do sangue do paciente deve ser informada, para a correção
do valor das bases em excesso ou em déficit. Estes cálculos consideram a presença
do sistema tampão da hemoglobina.

INTERPRETAÇÃO DO EXAME

A interpretação da gasometria arterial, para a identificação de distúrbios do


equilíbrio ácido-base é feita em etapas sucessivas:
* Verificação do pH;
* Verificação da PCO2;
* Verificação das bases (bicarbonato);
* Verificação da diferença de bases (excesso ou déficit).

VERIFICAÇÃO DO pH

O valor do pH da amostra indica o estado do equilíbrio ácido-base. Um pH normal


demonstra a ausência de desvios ou sua completa compensação. Se o pH está
abaixo de 7,35, dizemos que existe acidose; quando o pH está acima de 7,45,
dizemos que existe alcalose, conforme representado na figura 14.

Figura 14. Comportamento do pH nos distúrbios do equilíbrio


ácido-base.

A análise do pH demonstra, simplesmente, a existência de acidose ou alcalose.


Podemos, com base na experiência clínica, estimar a gravidade dos distúrbios pelos
níveis do pH. Um pH igual ou inferior a 7,25 é indicativo de acidose severa,
enquanto que um pH, igual ou superior a 7,55 é indicativo de alcalose severa.
A avaliação isolada do pH, obviamente, não oferece qualquer indicação sobre a
origem do distúrbio, que pode ser respiratória ou metabólica.

VERIFICAÇÃO DA PCO2

Após determinar a presença de acidose ou alcalose, devemos investigar a origem


do distúrbio. O passo seguinte é avaliar o componente respiratório do equilíbrio
ácido-base.
Figura 15. Comportamento da pCO2, nos distúrbios de
natureza respiratória.

O componente respiratório é avaliado pela quantidade de ácido carbônico existente


no sangue. O ácido carbônico existe quase completamente sob a forma de CO2 +
H2O. A sua quantidade, portanto, pode ser determinada pela pressão parcial do
dióxido de carbono (PCO2).
A pressão parcial do CO2 no sangue arterial normal oscila entre 35 e 45mmHg. Um
valor anormal da PCO2, acima de 45mmHg ou abaixo de 35mmHg, indica a origem
respiratória do distúrbio.
Quando a PCO2 está acima de 45mmHg significa que há retenção de CO2 no
sangue, o que, em consequência reduz o pH. Existe, portanto, acidose respiratória.
Quando, ao contrário, a PCO2 está abaixo de 35mmHg significa que há excessiva
eliminação de CO2 do sangue e, em consequência, o pH se eleva. Nessas
circunstâncias, estamos diante de um quadro de alcalose respiratória. A figura 15
ilustra o comportamento da PCO2 que origina os dois distúrbios de natureza
respiratória.
NOTA: Embora na prática, o termo PCO2 seja de uso corrente, a expressão da
pressão parcial de gases, deve respeitar a seguinte convenção:
PACO2: refere-se à pressão parcial do CO2 no gas alveolar (com A maiúsculo).
PaCO2: refere-se à pressão parcial do CO2 no sangue arterial (com a minúsculo).
PvCO2: refere-se à pressão parcial do CO2 no sangue venoso (com v minúsculo).

VERIFICAÇÃO DAS BASES

A quantidade de bases disponíveis no sangue, indica o estado do componente


metabólico do equilíbrio ácido-base. As bases disponíveis no organismo para a
neutralização dos ácidos, não são medidas diretamente na amostra do sangue,
como acontece com o pH e a pCO2; na realidade, a medida das bases é derivada
das medidas anteriores. Os analisadores de gases de uso corrente calculam aqueles
valores.
A relação entre o bicarbonato plasmático, controlado pelos rins, e o ácido
carbônico, controlado pelos pulmões, determina o pH. Esse princípio permite o
cálculo das bases, em função da sua relação com o pH e a PCO2.
Figura 16. Comportamento do bicarbonato real (BR), nos
distúrbios de natureza metabólica.

Existem diversos modos de expressar as bases existentes no sangue. Os dois


parâmetros mais correntemente utilizados na prática, são o bicarbonato real e o
base excess.
No analisador de gases, a amostra de sangue é colocada em presença de uma
solução padronizada, cuja PCO2 é de 40mmHg. Após o equilíbrio, a PCO2 da
amostra será de 40mmHg, independente do seu valor inicial.
O bicarbonato real existente no sangue é calculado à partir do pH e do CO2. Os
valores das bases são expressos em miliequivalentes por litro ou, mais comumente
em milimols/litro (mM/L).
O valor normal do bicarbonato real (BR), oscila de 22 a 28mM/L. A figura 16 ilustra
o comportamento do bicarbonato real nos distúrbios metabólicos do equilíbrio
ácido-base.
Quando o bicarbonato real (BR) está baixo, inferior a 22mM/L, significa que parte
da reserva de bases foi consumida; em consequência o pH do sangue se reduz,
configurando o quadro de acidose metabólica. Quando, ao contrário, o bicarbonato
real (BR) está elevado, acima de 28mM/L, significa que há excesso de bases
disponíveis no sangue. O excesso das bases eleva o pH, configurando o quadro da
alcalose metabólica.

VERIFICAÇÃO DA DIFERENÇA DE BASES

Figura 17. Comportamento da diferença de bases nos


distúrbios metabólicos do equilíbrio ácido-base.

O cálculo do bicarbonato ignora o poder tamponante do fosfato e das proteinas


(principalmente a hemoglobina) do sangue e, portanto, não permite quantificar o
distúrbio com precisão. A capacidade total de neutralização das bases é melhor
refletida pelo cálculo da diferença de bases (excesso ou déficit de bases existentes).
Este parâmetro é calculado à partir das medidas do pH, da PCO2 e da hemoglobina.
O resultado expressa o excesso de bases existentes nas alcaloses metabólicas ou o
déficit de bases existentes nas acidoses metabólicas. O valor aceito como normal
para a diferença de bases é de 2mEq/L ou, em outras palavras: a diferença de
bases oscila entre um déficit (BD) de -2,0mEq/l e um excesso (BE) de +2,0mEq/l.
Usa-se o termo excesso de bases, do inglês "base excess" (BE) para exprimir o
resultado positivo e o termo déficit ou deficiência de bases, "base deficit" (BD) para
exprimir o resultado negativo.
Um déficit de bases indica a existência de acidose metabólica, enquanto o excesso
de bases indica alcalose metabólica. O comportamento da diferença de bases está
representado na figura 17.
A diferença de bases calculada, na realidade, representa o número de
miliequivalentes de bases que faltam ou que excedem para que o pH do sangue
seja normal (7,40).

DISTÚRBIOS COMPENSADOS

Os distúrbios do equilíbrio ácido-base ativam os mecanismos de compensação.


Dessa forma, se o distúrbio se prolonga, os exames poderão mostrar também o
resultado da ação dos mecanismos compensadores.
O resultado dos exames laboratoriais representa o distúrbio primário e as tentativas
de compensação do organismo. Por essa razão, quando a alteração primária tem
duração suficiente, os exames podem expressar a resultante da compensação do
distúrbio. Esses distúrbios são chamados compensados ou parcialmente
compensados. Nas fases agudas, mais comum nas unidades de terapia intensiva, a
compensação raramente ocorre, pelo menos ao ponto de mascarar o resultado dos
exames.

RESUMO DA PARTE 7

Os valores normais dos parâmetros biológicos são representados por


faixas, que representam pelo menos 95% dos indivíduos.
A avaliação do equilíbrio ácido-base é feita pela determinação do pH, da
PCO2, do bicarbonato e da diferença de bases em amostras de sangue
arterial. Para que o resultado seja confiável, a amostra de sangue deve ser
coletada em heparina, em condições anaeróbicas, refrigerada e
imediatamente analisada.
A verificação do pH indica o estado do equilíbrio ácido base. Um pH abaixo
de 7,35 indica a existência de acidose, enquanto o pH superior a 7,45
indica a presença de alcalose.
A verificação da PCO2 demonstra o estado do componente respiratório do
equilíbrio ácido-base. Se a PCO2 está anormal, a origem do distúrbio é
respiratória. A PCO2 acima de 45mmHg significa retenção de CO2 no
sangue e indica acidose de origem respiratória. A PCO2 está abaixo de
35mmHg, significa que há excessiva eliminação de CO2 do sangue e indica
alcalose de origem respiratória.
A verificação do bicarbonato demonstra o estado do componente
metabólico do equilíbrio ácido-base. Se o bicarbonato está anormal, a
origem do distúrbio é metabólica. Se o bicarbonato real é inferior a
22mM/L, significa que parte das bases foram consumidas e indica acidose
de origem metabólica. Se o bicarbonato real é superior a 28mM/L, significa
que há excesso de bases no sangue e indica alcalose de origem metabólica.
A verificação da diferença de bases permite avaliar a severidade do
distúrbio metabólico. Uma deficiência de bases (BD) indica a existência de
acidose metabólica. Quanto maior o déficit de bases, tanto mais severa é a
acidose. Um excesso de bases (BE) indica alcalose metabólica. Quanto
maior o excesso de bases, tanto mais severa é a alcalose.
A diferença de bases representa o número de miliequivalentes de bases
que faltam ou que excedem para que o pH do sangue seja normal.

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