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QUATRO Universidade Federal de Santa Catarina

Curso de Jornalismo
Jornal Laboratório da disciplina de REDAÇÃO IV
Florianópolis, julho de 2009
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Supervisão: Jorge K. Ijuim

Mal de Alzheimer transforma


rotina do paciente e da família
Portador perde aos poucos a memória e conflitos no convívio são comuns
Normalmente, as pessoas asso-
Foto: Corbis.com

ciam o Mal de Alzheimer somente


ao esquecimento, porém ele é ape-
nas um entre os tantos sintomas da
doença. O mal é uma enfermidade
degenerativa que, no início, afeta
áreas do cérebro responsáveis pela
memória, raciocínio e linguagem.
Atinge, em geral, idosos acima
dos 65 anos de idade, mas existem
alguns casos em pessoas jovens.
A doença possui os estágios
inicial, intermediário e avançado,
embora não haja um padrão único
de evolução. As causas do proble-
ma ainda são desconhecidas. Não
há cura definitiva, mas existem re-
médios que controlam o avanço da
degeneração.
“Muito doloroso”, “triste” e “di-
fícil” são palavras que familiares
usam para descrever o processo
da enfermidade. Com o tempo, o
portador se desliga do mundo real
e perde as noções de tempo e es-
paço.
A falta de informação sobre o
mal dificulta a convivência em
família. O portador possui altera-
ções de comportamento que nem
sempre são compreendidas pelos
parentes.

>>Páginas 12 e 13 LEMBRANÇAS: no estágio inicial da doença, o portador perde gradualmente a memória recente, porém permanece com a antiga

Jornalismo Universidade Saúde Ambiente Esporte


Desregulamentação Perfis e preconceito: Parto domiciliar Lei estadual seria Rugby tenta
revolta estudantes Quem é o estudante contra a indústria conivente com o ganhar espaço no
e jornalistas da UFSC hoje? da cesariana desmatamento país do futebol
Supremo Tribunal Federal deter- Pelo senso comum, ingressa na uni- Numa época em que o número de Medida aprovada pela Assembléia O mesmo Charles Miller, que trou-
mina retrocesso no Jornalismo versidade pública quem pode estu- cesáreas bate recordes no Brasil, Legislativa de SC gera polêmica. xe o futebol para o Brasil, teria
ao eliminar exigência do diploma dar num bom colégio ou cursinho. em Florianópolis, uma equipe de Ela flexibiliza exigências estabe- organizado, em 1895, a primeira
para o exercício. Com o apoio da Seria um reduto de privilegiados, enfermeiras oferece alternativa hu- lecidas pela lei federal com rela- equipe de rugby brasileira. Prati-
sociedade, estudantes, sindicalistas com todas as vantagens de uma manizada para mães darem à luz ção a manuteção de matas ciliares, cado em 120 países, é popular no
e jornalistas fazem protestos contra vida confortável. Os estudos do per- com privacidade e conforto: o parto entre outros pontos. O Ministério mundo de influência inglesa. No
a decisão dos ministros. Está nas fil sócio-econômico dos estudantes domiciliar planejado. Sem esquecer do Meio Ambiente e o Ministério país tem presença tímida e sua se-
mãos de deputados e senadores um mostram que a situação não é bem dos cuidados médicos, o grupo Ha- Público alegam que um código es- leção nunca se classificou para uma
projeto para resolver a questão e esta. Ao observar quem depende da nami – florescer da vida resgata a at- tadual não pode sobrepor-se à lei Copa do Mundo. Em Florianópolis,
por fim a mais de 40 anos de lutas moradia estudantil e do restaurante mosfera acolhedora do lar num mo- maior. O Governo estadual defende o Goitakarugby é um dos poucos
pela necessidade de ensino superior universitário, já é possível sentir o mento especial que reúne familiares que a legislação precisa ser adequa- representantes no estado, formado
e qualificação desses profissionais. engano dessa generalização. e amigos para a chegada do bebê. da às condições de cada estado. essencialmente por universitários.

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2 Quatro EDITORIAL PERFIL Florianópolis, julho de 2009

Cai o diploma, mas nem lenço,


não o jornalista Fábio Queiroz nem documento

O A
Quatro representa para nós o encerramento de
os 40 anos de idade, que aprender a se virar sozinho. Calça explica que só costuma
uma etapa: ao produzi-lo, estamos concluin- dos quais 18 mo- Procurava lugares para ficar, pois, lembrar de dinheiro quando sente
do a primeira metade do curso de jornalismo. rando na rua, o pa- segundo ele conta, se sentia perdi- vontade de comer alguma coisa.
Já somos meio-jornalistas. Contudo, durante raense de Santarém, do. “Mas a necessidade vai fazen- “Daí eu vou lá na porta do mercado
a elaboração dessa edição, soubemos que não Calça-frouxa, é ar- do o cabra se adaptar ao sistema vender meus artesanatos. Um pra-
tesão. Saiu de casa aos 17, decidido em que está vivendo. Aí você vai to de comida custa três pila. Você
precisamos mais da outra metade para sermos considerados
a não voltar. “E não voltei mesmo. querendo viver melhor, não só no sempre tem um dinheiro de sobra”.
jornalistas completos. O Supremo Tribunal Federal decidiu Quando fui embora, só apareci seis sentido material, comer bem ou Pergunto o que ele possui. Cal-
derrubar a obrigatoriedade do diploma para o exercício da anos depois e nunca fiquei mais ter dinheiro, mas no ça responde apontando na direção
profissão. “Parem as máquinas!”, certo? de quatro dias nas vezes que visi- espiritual também. das suas bijuterias feitas à mão
Errado. Não paramos. Continuamos envolvidos com nos- tei minha família.” Inventou uma Se você não quer e uma bolsa surrada. “O que
história e saiu sem se despedir. Os ser incomodado, é meu está ali, minha coberta,
sas pautas, estudando os assuntos, na apuração dos fatos, na
motivos, “além da curiosidade então você minha sucata para fazer os ar-
checagem de informações e nas entrevistas de personagens. de conhecer o mundo”, tesanatos e aquele livro que eu
Tudo isso para que cada um de nós pudesse entregar um Calça explica, foram as estou lendo agora”. O livro
texto que, não importa o que diga o STF, é a essência do desavenças dentro do lar. que ele cita é o romance
jornalismo: uma reportagem. “Éramos 12 irmãos em uma casa O Triste Fim de Policar-
só. Rolava muita intriga, muita po Quaresma, escrito em
Jornalismo não é colunismo de opinião. Não é ser especia-
discussão. Não sinto falta.” De 1911 por Lima Barreto.
lista em um tema específico. Ser jornalista é ser repórter. É lá foi trabalhar no garimpo de “Não tenho apego a
ter um olhar diferente sobre aquilo que nos cerca, para que ouro, no interior do estado. nada. Eu não telefono
possamos apresentar uma visão ampla do assunto aborda- Conhece todas as capitais brasi- pra ninguém. Não uso
do. É pautar, estudar, apurar, checar e entrevistar e, com o leiras e alguns países do conti- relógio nem cordão,
nente, Paraguai, Uruguai, justamente pra não ser
prazo quase estourado, escrever algo que qualquer pessoa
Bolívia, Colômbia. Desde roubado. Assim você vai
possa compreender. E é saber que no dia seguinte terá que a última vez que esteve em casa, já não incomoda. Quando a cabeça perdendo o apego, porque na rua é
fazer isso de novo, mas sobre alguma coisa completamente se passaram oito anos. não pensa, o corpo padece”, con- assim.
distinta. Conversei com Calça-frouxa em clui filosófico.
O Quatro é isso, uma série de reportagens sobre os mais um dia comum na sua vida, gravei Calça diz que morar na rua é Cultura e cidadania
a entrevista sentado com ele na gra- questão de prática, com o tempo “Eu me considero semianalfabeto.
variados assuntos. Elas são fruto do trabalho de uma raça
ma enquanto vigiava seus artesana- a pessoa adquire certas tarimbas. Lembro que quando era criança
que, de acordo com a decisão do STF, deveria estar a cami- tos expostos à venda em um dos “Dormir na rua é só arrumar um estudava em uma escolinha de ma-
nho da extinção: estudantes de jornalismo. Nenhum de nós, lugares de maior movimento do lugar tranquilo pra ficar. Se você deira, na beira da estrada. Mas essa
aliás, é especialista sobre o que escreveu. Queremos ser es- campus da Universidade Federal está sossegado, dá até pra dormir escola da vida é graduação e pós-
pecialistas sim, mas em escrever. Sabemos, porém que ainda de Santa Catarina. Bem articulado, embaixo desse coqueiro aqui”, graduação. Pedra que muito rola
rindo, às vezes irônico, às vezes de- aponta para a palmeira sob a qual não cria lodo, mas fica lapidada”,
estamos na metade do caminho.
bochado ou evasivo, Calça-frouxa estávamos sentados. Explica que acrescenta, às gargalhadas.
falou sobre fragmentos de sua his- bons lugares são os postos de ga- Segundo conta, todo dia lê algu-
Equipe de Redação tória, falou de lembranças boas e solina e as borracharias 24 horas, ma coisa, “nem que seja o jornal de
ruins, deu conselhos, fez críticas e porque sempre tem um vigia que, ontem”. Na universidade assiste a

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citações. de certa forma, dá uma segurança. filmes e palestras. Sobre as novas
Expediente Rotina
Ele e seus amigos artesãos dormem
embaixo de uma marquise da Cai-
tecnologias, fala que não tem inte-
resse nem curiosidade. “Eu não me
Calça conta que acorda antes do sol xa Econômica próxima ao campus envolvo porque não tenho necessi-
Ano II – Nº 3 – Julho/2009 nascer, vai à emergência do Hos- universitário. dade, não faz minha cabeça.”
Jornal da disciplina Redação IV pital Universitário, faz sua higiene Nesses 18 anos, Calça conta que Desde que saiu de casa, ainda
pessoal, toma café e espera o dia já viu de tudo. “Na rua se aproxi- adolescente, Calça não tem do-
Curso de Jornalismo - UFSC amanhecer. “O banheiro é públi- ma de você todo tipo de pessoa: cumento de identidade. Por esse
Universidade Federal de Santa Catarina co, 24 horas. Não é um privilégio pobre, puta, viado, ladrão, trafi- motivo sente dificuldade de acesso
Campus Universitário Trindade, meu”, faz questão de destacar. Para cante. A nossa diferença é que a a atendimento em hospitais e nun-
Florianópolis – SC se alimentar, ele deixa claro que não gente trabalha pra conseguir o que ca participou das eleições. “Nunca
88040-900 passa dificuldades. “A coisa mais a gente quer. A gente não tem co- votei, nem pro bem nem pro mal.
fone (48) 3721-9215 simples que pode existir é comer. ragem de mexer com o que é dos Sou anarquista, graças a Deus”,
Todo mundo tem um ranguinho outros. Você também está na rua, ri, citando o famoso livro de Zélia
Reportagens, edição e diagramação: pra compartilhar com você. Tem o vê alguém roubando alguma coisa Gattai.
Alessandra Lopes Flores, Ana Clara de Andrade Montez, Bruno RU. Pra passar fome em um país e não pode fazer nada, o sistema
Volpato, Camila Collato, Camila Raposo, Cinthia Raash, Dael desse tamanho a pessoa tem que não funciona direito. No outro dia Futuro
Limaco, Fábio Souza Queiroz, Felipe Kenji Sato, Fernanda Burigo estar numa situação de emergên- o cara está na rua de novo e você Quando fala da sua mina, o tom de
Ribeiro, Francisco Gomes Dantas, Guilherme Lopes Souza, Jac- cia. Sempre tem algum amigo que dormindo por ali, acaba sobrando voz de Calça-frouxa se torna mais
queline de Carvalho Moreno, Laryssa de Almeida D’Alama, Luiza traz uma marmita pra você”, aponta pra quem não tem nada a ver com a cadenciado. “Tô namorando uma
Fregapani Silva, Marcone de Souza Tavella, Maria Luiza de Ol- para uma embalagem de alumínio história”, constata pragmático. estudante de pedagogia aqui da
iveira Gil, Mariana Della Justina, Mariana Porto, Marina Martini vazia no chão. UFSC”, ele conta orgulhoso. Se-
Lopes, Natalia Martini Izidoro, Nathalia Vieira Carlesso, Rafael Diversão só nos fins de semana. Dinheiro gundo ele, a namorada quer tirá-lo
Balbinotti, Rafael Hertel, Rayani Santos, Thomas Michel Antunes, “De vez em quando rola uma fes- “A maior quantia de dinheiro que da rua e faz planos para que morem
Tiago Machado Pereira, Tifany Ródio, Verônica Orellana, Wesley tinha, mas eu não gosto muito da eu tive na mão foi 150 mil reais, na juntos. “Não tenho filhos, mas que-
Klimpel do Nascimento, Yasmine Holanda Fiorini. babilônia, muito barulho, prefiro o época do garimpo. Mas isso para ro ter. Quero terminar minha vida
sossego. um cara de 22 anos não dura muito. aqui em Florianópolis. Arrumar um
Supervisão: Jorge Kanehide Ijuim – MTb/SP 14.543 O que é da água, a água leva” ele lugarzinho pra eu ficar. Quem sabe
Impressão: Diário Catarinense Rua conta, finalizando com mais um de eu não arrumo uma bolsa pra estu-
Tiragem: 1500 exemplares Quando saiu de casa, Calça teve seus provérbios. dar aqui?”, sonha.
Florianópolis, julho de 2009
TRABALHO INFANTIL Quatro 3

A luta para acabar com a exploração


Parceria entre Governo Federal e municípios tira crianças do mercado de trabalho e dá oportunidades

Fábio Caffé
Felipe Sato
Wesley Klimpel

À
margem da rodovia
BR-101, no muni-
cípio de São José,
um extenso muro
colorido circunda
uma área arborizada com duas
quadras poliesportivas, um campo
de futebol de areia e um parqui-
nho. Lá, crianças e adolescentes
de 6 a 16 anos praticam esportes
e se divertem fora do período es-
colar. No meio de uma partida de
futebol, uma das monitoras inter-
rompe o jogo, mandando os me-
ninos lavar as mãos, pois já era a
hora do lanche.
As atividades, bem como a re-
feição oferecida, fazem parte de
um programa do governo federal
em parceria com 2601 municípios,
o PETI – Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil, implantado
em 1996. Localizado no mesmo
prédio da secretaria de Assistência
Social de São José, pintado com as PESQUISA: 13,6% dos jovens entre 5 e 17 anos trabalham, o que deixa o Sul em segundo no país, só perdendo para o Nordeste
mesmas cores do muro externo, o
PETI do município funciona numa portivas e, quando necessário, de ta porque, em alguns casos, a falta Além disso, a melhora na qua- monitores e em espaços físicos in-
pequena sala, onde trabalham uma reforço escolar, além de receberem de frequência é justificada por más lidade de vida e da autoestima da suficientes ou inadequados.
assistente social, uma psicóloga e refeições. Há aquelas que não es- condições de saúde. Tivemos um criança foram apontadas como ou- A falta de recursos também cau-
a coordenadora do programa. tudam e, nesses casos, a assistente caso de um menino que tinha re- tros aspectos positivos do PETI. sa, segundo 21% dos municípios,
O PETI atende às crianças en- social orienta os pais a matricu- cém-passado por uma cirurgia do Em contrapartida, a inexistência oferta insuficiente para o atendi-
caminhadas pelo Conselho Tutelar lá-las nas instituições municipais. coração.” Nessas ocasiões, o bene- de estratégias para atender crian- mento, refletindo “a existência de
municipal, que recebe denúncias Quando há problemas de vagas fício é mantido. E, mesmo quando ças em atividades ilícitas, como significativo número de crianças
de escolas e nas escolas há desistência, é feita uma tentati- tráfico de drogas e exploração se- que ainda trabalham e que não são
da comuni- o PETI in- va de reinserção no programa. xual foi apontada como um obstá- contempladas com o Programa. O
dade sobre a Nas ações, as tercede junto culo a ser superado, assim como PETI, em sua trajetória, apresen-
exploração da
mão de obra
crianças participam ao Conse-
lho Tutelar
Longe da erradicação
No município, a maioria das 431
a “vinculação da Bolsa à criança,
reforçando a concepção dela como
tou um crescimento expressivo em
termos de atendimento, desde a
infantil. A de atividades lúdicas, para facilitar crianças atendidas trabalhava re- provedora do lar”. sua criação até 2002, tendo sofrido
partir desses
encaminha-
esportivas e de o ingresso
da criança
colhendo lixo e material reciclável
das ruas ou em serviços domésti-
Quanto à gestão, o atraso no re-
passe dos recursos foi uma recla-
uma inexpressiva expansão desde
então”. O Brasil ainda possui 5,1
mentos, a as- reforço escolar, além nos estudos. cos. A PNAD (Pesquisa Nacional mação de 31% dos municípios. A milhões de crianças trabalhando.
sistente social
e a psicóloga
de refeições “Trabalha-
mos sempre
por Amostra em Domicílio) de
2007 mostra que a região Sul é a
insuficiência financeira também é
um dos problemas do PETI, que
Até hoje, o PETI atendeu, em todo
o país, quase um milhão delas.
fazem uma no sentido segunda com maior percentual de acarreta na má capacitação dos Ainda há muito trabalho a fazer.
visita às famílias para o esclareci- de orientar a família, não podemos crianças trabalhando: 13,6% dos
mento sobre o PETI e tentam sen- forçar os pais a colocar o filho na jovens entre cinco e 17 anos, atrás
sibilizá-las a aderir ao programa. escola”. do nordeste, com 14,4%. Segun- Projetos que dão suporte às famílias
Em caso de não adesão, a de- O programa também oferece, do a pesquisa do IBGE, a maior
núncia é repassada ao Ministério esporadicamente, oficinas de ca- parte desses trabalhadores-mirins, Programa Bolsa Família Programa de Erradicação do
Público, que aciona judicialmen- pacitação para os adolescentes, 59,6%, atua em áreas urbanas. Trabalho Infantil
te a família. Segundo a assistente como, por exemplo, de inclusão Em 1995, antes da implantação *Famílias com casos de traba-
social Letícia Zimmermann, na digital. Mas, segundo a diretora do programa de erradicação, havia lho infantil com renda per ca- *Famílias com casos de traba-
experiência de São José a maioria Rosiani Gonsalves, “as atividades 9,5 milhões de trabalhadores in- pita mensal inferior ou igual a lho infantil com renda per capi-
das famílias acabam aceitando o não visam o mercado de trabalho, fantis em todo país. Já em 2004, R$ 120,00 ta mensal superior a R$ 120,00
programa. A participação junto ao mas, sim, a formação pessoal das esse número caiu para 5.451.438
programa proporciona à família e crianças”. e, em 2006 – PNAD 2007 –, para *Com renda até R$ 60,00: *A bolsa de R$ 40 é paga para
R$ 50,00 + R$ 18,00 por beneficiá- as famílias residentes nas áre-
à criança uma série de benefícios. Para permanecer no programa, a 5,1 milhões.
rio (3, no máximo) + R$ 30,00 por as urbanas de capitais, regiões
Além de incluir os pais no Bolsa família precisa cumprir os termos Na ‘Análise Situacional do Pro- metropolitanas e municípios
jovem entre 16 e 17 anos freqüen-
Família – se ainda não estiverem de adesão: ter retirado a criança do grama de Erradicação do Trabalho com mais de 250 mil habitan-
tando a escola (2, no máximo)
cadastrados no programa federal trabalho, e mantê-la com frequên- Infantil’, feita em 2004, o Minis- tes. Para as famílias de residen-
–, as crianças são encaminhadas cia mínima, tanto na escola como tério do Desenvolvimento Social e *Com renda entre R$ 60,00 e tes em outros municípios ou em
para ações sócio-educativas na nas ações socioeducativas. Quan- Combate à Fome considera “como R$ 120,00: R$ 18,00 por benefi- áreas rurais o valor da bolsa é
própria sede da secretaria. do é constatada ausência excessi- ponto positivo, apontado por 48% ciário (3, no máximo) + R$ 30,00 de R$ 25.
Nessas ações, as crianças – que va, uma nova visita é feita à famí- por cento dos municípios e 75% por jovem entre 16 e 17 anos fre-
são buscadas e levadas de volta lia. Se, de fato, for constatado um dos estados, a incidência do PETI qüentando a escola (2, no máxi-
por um ônibus da prefeitura – par- abandono ao programa, os benefí- nos índices de redução e erradica- mo)
ticipam de atividades lúdicas e es- cios são suspensos. “A visita é fei- ção do trabalho infantil”.
4 Quatro UNIVERSIDADE Florianópolis, julho de 2009

Jornalismo da UFSC é marcado pela ousadia


Curso que nasceu há 30 anos se destaca no país por não ser uma habilitação da Comunicação Social
conhecimento técnico, mas que

Arquivo Hemeroteca
Rayani Mariano induza também à reflexão sobre a
Yasmine Holanda

S
profissão e a sociedade. Afinal, o
papel da Universidade não é ape-
er assumidamente uma nas formar um jornalista para o
graduação em Jornalis- mercado de trabalho, mas um pro-
mo e não uma habilita- fissional comprometido com o so-
ção da Comunicação cial. Entre os professores, também
Social tem sido a mar- existem opiniões divergentes. Em
ca do curso da UFSC, que este ano 2005 a professora Gislene da Silva
completa 30 anos. Este diferencial propôs um novo currículo que in-
foi conquistado por uma decisão troduzia novas disciplinas teóricas.
política. Ele acabou não sendo aprovado
Desde os primeiros anos era por falta de consenso. A professo-
visto como inovador. O sistema de ra conta que houve resistência de
co-gestão paritária contribuiu para alguns professores, inclusive, em
que fosse conhecido como “alter- manter as disciplinas de Teoria da
nativo”. Hoje ele se destaca nos Comunicação e Estética e Cultura
sistemas de avaliação que classi- de Massas.
ficam os cursos de jornalismo do
país e atrai alunos de vários luga- Perspectivas
res. Conseguiu a nota máxima no No início, o curso de Jornalismo da UFSC enfrentava dificuldades como a falta de equipamentos A opção pelo Jornalismo não se li-
Enade de 2006, e conceito A nos mitou à graduação. O curso já teve
provões do MEC de 1999 a 2002. tação de professores, funcionários, e criando mais disciplinas no cam- de 1989 que as disciplinas práticas Especialização em Estudos de Jor-
Profissionais formados no curso aquisição de equipamentos e me- po, como Teoria do Jornalismo, passaram a ser ministradas nas pri- nalismo, que iniciou em 2001 e foi
têm evidência tanto no mercado de lhorias nas instalações. Essa mobi- apesar da vinculação com o currí- meiras fases e as de teorias passa- até 2006. Em 2007, baseado nessa
trabalho como na área acadêmica. lização representou uma distinção culo mínimo de Comunicação So- ram a ser distribuídas pelas fases primeira experiência, foi criado o
A principal razão para tal desem- em relação às outras universidades cial vigente. Em 1999 esta defini- em disciplinas de “leituras da re- Mestrado em Jornalismo, que tam-
penho pode ser o fato de ter se tor- públicas. O curso chamou a aten- ção foi oficializada pelo MEC. alidade”. bém tem os Estudos de Jornalismo
nado um curso de Jornalismo, su- ção tanto da imprensa alternativa A cada mudança de currículo como área de concentração, atual-
perando o conceito de habilitação como dos veículos da grande im- Teoria x prática as disciplinas práticas ganharam mente o único do país. Há duas li-
da Comunicação Social. prensa. A Gazeta Mercantil, por Nos anos 60, o ensino de Jornalis- mais ênfase com a justificativa de nhas de pesquisa: Fundamentos do
Em 1979, quando começou suas exemplo, veio recrutar trainees no mo no Brasil estava passando por preparar o aluno para o mercado. jornalismo e Processos e produtos
atividades, era o primeiro curso de início de 1983. Todos foram con- algumas transformações. A Unes- A professora Aglair Bernardo, que jornalísticos.
Comunicação Social de Santa Ca- tratados. No mesmo ano, o curso co estabeleceu um projeto que se atualmente atua no curso de Cine- Em março deste ano, o MEC deu
tarina, o único estado das regiões foi reconhecido como um dos dez preocupava com a formação de ma, não concorda com esse moti- início a uma revisão das diretrizes
Sul, Sudeste melhores jornalistas do terceiro mundo. Eles vo. “É um curricu-

Verônica Lemus
e Centro- do país no temiam que o Jornalismo, se mal curso mui- lares dos
Oeste que ranking da empregado, poderia aumentar os to volta- cursos de
ainda não R e v i s t a conflitos entre grupos, partidos e do para as Jornalis-
possuía um. Playboy. classes. Criou-se o Ciespal, Centro estruturas mo. Uma
Na época, o Em 79, Internacional de Estudos Superio- formais do comissão
exercício da s u r g i u res de Comunicação para América mercado de formada
profissão exi- como Co- Latina, que propôs a formação do trabalho. Eu por oito
gia formação m u n i c a - profissional polivalente, que atua- acho que o pesqui-
universitária. ção Social ria em todos os meios de comuni- curso deve sadores
Mesmo as- com habi- cação coletiva, como rádio, televi- ser mais. ficou en-
sim, muitas litação em são, imprensa e cinema. Ele deve carregada
pessoas eram Jornalis- Apesar da maioria das escolas inspirar o de revisar
contrárias à SÔNIA BRIDI: formada na UFSC em 1990 mo. Como terem mudado o nome do curso m e r c a d o MARIA JOSÉ: ex aluna, hoje é doutora e discutir
criação, ale- estava no de Jornalismo para Comunicação, de trabalho as linhas
gando que jornalistas tinham um princípio, tinha muitos proble- o mercado não aderiu a essa nova e não o contrário”. Um exemplo pedagógicas. Foi realizada uma
“dom” e que não precisavam estu- mas, como a falta de laboratórios profissão, o que acabou criando é a disciplina Cátedra RBS, que consulta e três audiências públi-
dar para atuar no mercado. As em- e, principalmente, de professores um vácuo entre as escolas e a re- traz palestras de profissionais da cas para incrementar o debate. Em
presas jornalísticas também não da área. Por isso, os alunos ti- alidade profissional. No início, o empresa, e é apresentada aos ca- agosto, a comissão deve entregar
apoiavam a iniciativa. nham aula com docentes de Le- curso da UFSC seguiu a receita do louros como uma das únicas opta- ao MEC um documento que será
O início coincidiu com a abertu- tras, História, Ciências Sociais e comunicador social. Com a saída tivas possíveis na primeira fase. A avaliado pelo Conselho Nacional
ra e a volta à democracia no Brasil. Economia. O professor Eduardo do grupo inicial de professores, o professora Valquíria Michela John de Educação (CNE).
O AI-5 acabou em 1978 e no ano Meditsch conta que, no começo, curso se reorientou para a forma- concorda que o curso não pode fi- De acordo com Meditsch, um
seguinte o general Figueiredo de- não havia uma preocupação com ção do jornalista, para a profissio- car preso ao mercado, já que este dos membros da comissão, “o ob-
cretou a Lei da Anistia e restabe- a “identidade” do curso, já que nalização. muda mais rápido que os currícu- jetivo é dar um norte para os cur-
leceu o pluripartidarismo. Devido era apenas uma habilitação. Com A rejeição à prática profissional los. Além disso, acredita que deve sos. Eles têm liberdade quanto ao
a esse contexto político, os primei- o trabalho de Nilson Lage e Adel- como objeto de estudo – no mode- haver o equilíbrio entre teoria e conteúdo, mas as diretrizes dão
ros alunos eram diferentes dos de mo Genro Filho houve um passo lo do Ciespal - trouxe efeitos ne- prática, apesar de considerar posi- um perfil do formado, as compe-
hoje. Professora do curso, Maria decisivo. Estes consideravam que gativos. Os alunos acabavam sen- tivo o fato de o curso ter assumido tências necessárias e conteúdos
José Baldessar, formada pela se- a Teoria da Comunicação não era do desmotivados a estudar o que não ficar em “cima do muro”. genéricos”. A proposta é que to-
gunda turma, conta que os alunos suficiente para explicar o Jornalis- julgavam ser sua vocação, já que Entre os alunos do curso, há os dos os cursos se desmembrem da
tinham muito interesse na política mo. Passou-se, então, a defender todas as teorias ensinadas mostra- que julgam o currículo satisfató- Comunicação Social, o que não
do país e da universidade. o Jornalismo como uma área do vam apenas os lados obscuros da rio, argumentando que os interes- significa abandonar as disciplinas
A co-gestão paritária foi muito conhecimento com suas próprias mídia. Nos dois primeiros cur- sados em outras disciplinas podem teóricas da comunicação e, sim,
importante no sentido de incentivar especificidades. Em 1989, o curso rículos do Jornalismo da UFSC, buscá-las fora do Jornalismo. E os dar a ênfase necessária às do jor-
os estudantes a se unirem e lutarem se define como graduação em Jor- 1979 e 1984, havia pouco contato que sentem falta de um curso mais nalismo. O relatório deverá sair no
por reivindicações, como a contra- nalismo, reformulando o currículo com a profissão. Foi no currículo reflexivo, que não se restrinja ao segundo semestre.
Florianópolis, julho de 2009
JORNALISMO Quatro 5

Supremo derruba exigência do diploma


Decisão inédita da justiça desregulamenta a profissão e provoca onda de manifestações pelo Brasil

Rafael Balbinotti

P
Fábio Motta/Agência Estado

ela primeira vez um tri-


bunal julgou, no Brasil,
a validade de uma pro-
fissão regulamentada.
Desde 2006, devido ao
poder de uma liminar, o exercício
do Jornalismo entrou em questão.
Pelo efeito daquele instrumento ju-
rídico, qualquer pessoa poderia ser
jornalista, independente de possuir
curso superior específico. A deci-
são foi parar no Supremo Tribu-
nal Federal (STF) que, após anos
de sucessivos adiamentos, julgou
a questão favoravelmente aos do-
nos de jornais, representados pela
Associação Nacional dos Jornais
(ANJ). Surpreendidos pela derrota
nos tribunais, sindicalistas, profes-
sores e estudantes protestam contra
a decisão que põe em risco o fu-
turo de 80 mil jornalistas. O atual
momento, delicado para os profis-
sionais da área, é considerado um
retrocesso sem precedentes na his-
tória do Jornalismo brasileiro.
Em um julgamento que durou
mais de quatro horas, em plenário,
por oito votos contra um, os mi- Estudantes e jornalistas cariocas protestam no centro do Rio de Janeiro contra a decisão do Supremo Tribunal Federal
nistros do STF revogaram, dia 17
de junho, a lei 972/69, que regula- ciedade, entretanto, desaprovaram mo fizeram passeatas nas capitais cia do diploma de curso superior em diploma, Gilmar Mendes disse que
mentava a profissão de jornalista. a decisão. Nas pesquisas realiza- dos principais estados brasilei- Comunicação Social para o exercí- a formação específica não garante
O presidente do STF e relator do das, a opinião pública demonstrou ros. Em Porto Alegre, aos gritos cio da profissão de jornalista. o fim das falhas dos profissionais.
processo, Gilmar Mendes, conside- apoio ao Jornalismo com diploma. de “Vem, vem pra luta vem, pelo A proposta prevê que o exercício “Quando uma notícia não é verídi-
rou em seu voto a incompatibilida- Na pesquisa Fenaj/Sensus, de se- diploma”, estudantes da Pontifí- dessa profissão seja privativo de ca, ela não será evitada pela exigên-
de entre a Constituição de 1988 e tembro de 2008, dos dois mil en- cia Universidade Católica do Rio portador de diploma de curso supe- cia de que os jornalistas frequentem
o texto questionado, formulado du- trevistados, 74,3% mostraram-se Grande do Sul (PUC-RS) mostra- rior em Comunicação Social, com um curso de formação. Não há ra-
rante a ditadura militar. favoráveis ao diploma e 74,8% fa- ram sua indignação na Avenida Ipi- habilitação em Jornalismo, expedi- zão para se acreditar que a exigên-
O voto de Mendes, contrário à voráveis a criação de um órgão que ranga, uma das principais da cida- do por curso reconhecido pelo Mi- cia do diploma seja a forma mais
obrigatoriedade do diploma e con- fiscalize o exercício da profissão. de, e prometeram novos protestos. nistério da Educação. Além disso, adequada para evitar o exercício
siderado magnífico pelos seus pa- O senador João Pedro (PT-AM) Desde 1918, quando foi reali- um parágrafo único torna faculta- abusivo da profissão”, disse.
res, foi seguido pela maioria dos classificou de retrocesso a derru- zado o 1º Con- tiva a exigência Se a exigência do diploma não
outros ministros. Em seu discurso, bada de exigência do diploma. “Eu gresso de Jorna- do diploma para garante perfeição no exercício pro-
Gilmar Mendes comparou a profis- estou muito triste com essa decisão listas do Brasil, Emenda colaboradores. fissional, a não exigência, além de
são de jornalista à de cozinheiro:
“Um excelente chefe de cozinha
do Supremo”. Para ele, a exigência
de formação garantia um “padrão
promovido pela
Associação Bra-
Constitucional O ministro das
Comunicações,
rebaixar a categoria, significa que-
da gradual na qualidade das reda-
certamente poderá ser formado em profissional, de confiança”. sileira de Im- deverá ser criada Hélio Costa, tam- ções de jornais, revistas, rádios e
uma faculdade de culinária, o que
não legitima o Estado a exigir que
Os sindicatos de jornalistas de
todo o país lamentaram a desregu-
prensa (ABI),
no Rio de Janei-
para tentar bém emitiu opi-
nião favorável
emissoras de televisão pelo Brasil.
Dentre os que votaram no ple-
toda e qualquer refeição seja feita lamentação da profissão. Para o pre- ro, na categoria reverter situação à exigência do nário, foi o ex-presidente do STF,
por profissional registrado median- sidente da Fenaj, Sérgio Murilo de já havia o enten- diploma, mes- Marco Aurélio Mello quem impe-
te diploma de curso superior nessa Andrade, o STF foi irresponsável. dimento da necessidade de ensino mo que, ele próprio, seja jornalis- diu a unanimidade na sessão. Ele
área”. “É natural que quando uma catego- superior para o exercício da pro- ta sem formação específica. “Acho foi o único contrario à decisão de
O voto “magnífico” do presiden- ria perde a identidade, como ocor- fissão. O primeiro curso de Jorna- que vale a pena o Congresso discutir banir a necessidade do diploma.
te do STF agradou especialmente reu, ela fique mais fragilizada e, por lismo do país surgiu em 1947, na essa questão e encontrar um cami- Segundo o ministro, “o jornalista
às grandes empresas de mídia. O isso, é mais fácil que as condições Faculdade Cásper Líbero, em São nho para oficializar a importância do deve ter uma formação básica que
maior grupo empresarial brasileiro, trabalhistas conquistadas ao longo Paulo. Em 1969, vieram o reconhe- diploma no Jornalismo. viabilize uma atividade profissio-
a Globo, expediu comunicado pelo de 40 anos sejam ignoradas”. cimento jurídico da necessidade de Existe ainda a necessidade de um nal que repercute nas vidas dos ci-
qual elogia o fim da exigência do Em nota pública, o Sindicato formação superior e a exigência do órgão fiscalizador. O sindicalista dadãos em geral”.
diploma. A Associação Nacional dos Jornalistas de Santa Catarina diploma para o seu exercício. Sergio Murilo defende a criação de Durante a defesa de seu voto,
dos Jornais (ANJ) também come- (SJSC), expressou indignação: “Os Agora, com a derrubada da obri- um conselho federal que organize e Marco Aurélio afirmou que todos
morou a decisão. Para Paulo Tonet ministros prestam um tremendo gatoriedade do diploma, a esperança mobilize a categoria. “O Conselho cometem erros e que, naquela reu-
Camargo, diretor do Comitê de Re- desserviço à nação na medida em de contornar a situação desfavorável Federal de Jornalismo (CFJ) vai nião, a decisão por eles tomada po-
lações Governamentais da entida- que tripudiam da educação formal, aos jornalistas está na aprovação de regrar o acesso à nossa profissão, deria estar errada. Se considerarmos
de, “a decisão consagra no direito o como se ela não fosse necessária emenda à Constituição que regula- fiscalizar o exercício profissional, a opinião da maior parte dos brasi-
que já acontecia na prática. A ANJ para os brasileiros. Revivem assim, mente novamente a profissão. Até o defender, lutar por um bom ensino leiros e a reação que se sucedeu à
é a favor do curso de Jornalismo, uma nação autocrática e colonial fechamento desta edição, 40 senado- de Jornalismo e zelar pelo cumpri- revogação da lei, não há dúvida de
mas o que se discutia aqui era o di- que acreditávamos sepultada”. res manifestaram apoio à apresenta- mento da ética profissional”, expli- que, ao desregulamentar a profissão
ploma como pré-requisito”, disse. Os estudantes também protesta- ção de PEC (Proposta de Emenda à ca o presidente da Fenaj. de jornalista, os ministros do Supre-
Segmentos expressivos da so- ram. Alunos de cursos de Jornalis- Constituição) que garanta a exigên- Contrário à obrigatoriedade do mo tomaram uma decisão infeliz.
6 Quatro EDUCAÇÃO Florianópolis, julho de 2009

A nova ortografia aplicada nas escolas


Mudanças vão entrar em vigor a partir de 2013. Até lá as instituições de ensino precisam se adaptar
missão Permanente de Vestibular

Os países lusitanos e a nova língua


Laryssa D’Alama
da Universidade Federal de Santa
Mariana Della Justina

O
Catarina (Coperve) declarou que
a partir do julho será debatido se
novo acordo orto- O país que já utiliza a nova regra, os que vão aplicar e os que não têm previsão de mudança irão cobrar o novo conteúdo nas
gráfico entre os pa- provas do vestibular 2010, realiza-
íses de língua por- das em dezembro deste ano.
tuguesa chegou às
escolas brasileiras. Uma mudança global
A alteração, anunciada em 2008, Com o acordo ortográfico, oito
não foi uma surpresa para alunos e países lusófonos modificarão ofi-
professores, mas surgiu o desafio: cialmente a grafia de parte de seus
como aplicar as novas regras em vocábulos. Brasil, Portugal, Cabe
sala de aula? Verde, São Tomé e Príncipe, An-
A ortografia é a parte do idioma gola, Moçambique, Guiné-Bissau
responsável pela grafia correta das e Timor Leste devem aderir às al-
palavras, baseada no padrão cul- terações.
to da língua. No Brasil, as novas O acordo foi criado em 1990,
regras já passaram a ser utilizadas mas seu conteúdo não poderia en-
desde o dia 1º de janeiro deste ano trar em vigor sem que ao menos
e alguns veículos de comunicação três nações aprovassem o docu-
já empregam unicamente a nova mento. O primeiro a assinar foi o
ortografia. As mudanças, que de Brasil em 2004, seguido de Cabo
acordo com Ministério da Educa- Verde, em 2006. No ano passado
ção (MEC) altera 0,8% das pala- o governo de São Tomé e Príncipe
vras, só serão oficiais a partir de foi o terceiro a confirmar a parti-
2013. Arte: Mariana Della Justina cipação, atitude que deu validade
oficial ao documento.
As Escolas seu programa de aula. “Eles [os bular serão atualizadas ainda este realizado este ano, os alunos utili- Enquanto o Brasil se adianta
Segundo o MEC, as escolas par- alunos] estão atentos, então volta e ano. “O importante é acostumar zarão o material desatualizado até na adoção da reforma, Portugal
ticulares têm a liberdade de esco- meia eles estão perguntando. Isso é nossos alunos ao novo conteúdo, o final de 2012. Apesar do atraso ainda não definiu um cronograma
lher quando irão ensinar as novas resultado da decisão de já começar assim quando passar a ser de uso em relação ao novo material, a para a aplicação no país. O Partido
regras aos seus alunos – desde que o ano tratando do tema.” Em feve- obrigatório eles já estarão acostu- diretora de ensino da mesma ins- Socialista, do governo, é o único
após 2012 passem a usar somente reiro deste ano os professores da mados”. tituição Silvia Damiani afirma que que apóia a implantação do acor-
o novo português. Em Florianópo- instituição fizeram uma reunião de Os colégios públicos, que de- já foram encomendados banners do. Já o deputado Mota Soares, do
lis, alguns colégios já estão ensi- planejamento para discutir a forma pendem de material cedido pelo com as novas regras. “São cerca partido português do Centro De-
nando a nova ortografia aos seus que tratariam do assunto. Um dos governo, só devem começar a re- de 20 cartazes a serem distribu- mocrático e Social – CDS, discor-
alunos. De acordo com a diretora recursos utilizados por Alencar é ceber livros atualizados a partir de ídos pelas salas, inclusive na dos da do documento e declarou que
geral do colégio Tendência e tam- trabalhar com textos jornalísticos 2010, quando as alterações forem professores.” “a língua portuguesa é o maior
bém professora de português Ma- já adaptados ao novo padrão. feitas pelas editoras. A coordena- Para quem vai prestar vestibu- patrimônio que Portugal tem no
risa Costa, os estudantes recebe- Em relação aos materiais esco- dora do Ensino Médio do Aplica- lar, é melhor ficar atento: apesar mundo.” Enquanto a situação não
ram uma tabela com as regras que lares há diferença entre as escolas ção Maria Cláudia Abraão, afirma do uso da nova ortografia ser obri- é resolvida um manifesto circula
poderão utilizar como consulta públicas e particulares. O colégio que a escola participa do sistema gatório somente a partir de 2013, pela internet para impedir a conso-
nas provas. “O uso da tabela será Tendência, por exemplo, possui de empréstimo de livros do MEC, organizadores das provas em todo lidação da reforma ortográfica. O
permitido enquanto o novo portu- uma editora própria. De acordo que determina o uso do material país advertem que os candidatos já documento, que inicialmente pro-
guês não for obrigatório”, alega. com Marisa Costa, as apostilas do por quatro anos antes de devolvê- devem começar a se preparar e ter curava reunir cinco mil assinatu-
O aluno do terceiro ano Nicholas terceiro ano e do curso pré-vesti- lo. Como o último empréstimo foi as novas regras na cabeça. A Co- ras para que o assunto pudesse ser
Andrade conta que os professores discutido de novo no parlamento,
auxiliam os alunos a se adaptarem O que muda no português do Brasil já conta com o apoio de mais de
com as alterações no idioma. “Os Antes Depois 100 mil pessoas.
As letras“k“, “w“ e “y“ são incluídas no alfabeto;
professores falam nas aulas e a Entre os brasileiros também há
gente vê o que tem de diferente. O trema não existe mais. Só continuará a ser utilizado em freqüencia, lingüiça frequencia, linguiça quem não aprove o acordo. O jor-
Nas redações a professora sim- vocábulos de origem estrangeira, como “Müller”; Müller assembléia Müller assembleia nalista, poeta e escritor Nei Duclós
plesmente assinala a palavras com O agudo some em ditongos abertos “ei” e “oi” de paroxítonas jibóia jiboia é um exemplo disso. Duclós, que
grafia antiga e diz que trocou por Também desaparece nas palavras paroxítonas com ‘i’ e ‘u’ atualiza diariamente seu blog Ou-
causa na nova ortografia”. tônicos que formam hiatos com a vogal anterior quando esta faz baiúca, feiúra baiuca, feiura tubro, não gostou da idéia de ter
O aluno André Cândido, do cur- parte de um ditongo; que escrever de maneira diferen-
so pré-vestibular Unisul comuni- O acento diferencial não é mais utilizado; pêlo, pêra, pólo, pára pelo, pera, polo, para te. “Cheguei a escrever um post
tário, diz que os seus professores Entretanto, continuam recebendo o acento diferencial: pôr, pôde, têm, vêm pôr, pôde, têm, vêm a favor do trema, mas a verdade
de português, literatura e redação O circunflexo não é usado em palavras terminadas em ‘oo’: vôo, enjôo, perdôo voo, enjoo, perdoo é que eu acho todas as mudanças
também falam da nova ortografia O hífen deixa de ser usado nos segundos casos: Quando o
um grande equívoco. Desta vez,
sempre que podem. “Existe uma anti-social, antissocial, tirar acento de vôo e idéia acho
prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com as anti-religioso
preocupação dos professores em antirreligioso uma covardia. Para quê? Acho que
consoantes ‘s’ e ‘r’. A consoante é duplicada;
passar as alterações para os alu- tem um monte de decisões superfi-
nos. Quando escrevemos da ma- Quando o prefixo termina com vogal e o segundo elemento auto-escola ciais e desnecessárias.” Para ele, a
autoescola
neira antiga, sempre procuram dar começa com uma vogal diferente: beleza da língua é justamente sua
um toque, e ressaltam a maneira O hífen continua a ser usado nos segundos casos: super-herói super-herói complexidade e essas mudanças
nova”. Nas palavras compostas com prefixos (como “super”, “hiper” e super-resistente super-resistente colocam-na em risco. “É preciso
Na rede pública, o professor de “sub”) e o segundo elemento começando com “h” ou ‘r’; que a língua ofereça dificuldades,
português do colégio Aplicação Nos prefixo que terminam em vogal seguido por segundo ele- senão viramos um patuá qualquer,
microondas micro-ondas
João Nilson de Alencar não exige mento que inicie com a mesma letra uma gíria.” Duclós afirma que
o novo conteúdo de seus alunos, Quando é utilizado o prefixo ‘vice’. vice-rei vice-rei
adota algumas das novas regras,
mas se preocupa em inseri-lo em mas permanecerá fiel a outras.
Florianópolis, julho de 2009
EDUCAÇÃO Quatro 7

Lei promete resolver a falta de vagas


Projeto que proibe graduação simultânea em duas universidades públicas é motivo de discussões
Alessandra Flores

Alessandra Flores

G
eografia e Biolo-
gia, Design e Ar-
quitetura, Direito
e Administração,
UFSC e Udesc.
Hoje, é cada vez mais comum
um estudante fazer dois cursos ao
mesmo tempo. Há quem justifique
dizendo que é uma forma de se
diferenciar frente a um mercado
de trabalho seletivo e exigente.
Mas há, também, aqueles que con-
sideram a ação injusta e incorreta.
O fato é que essa tendência pode
ter data marcada para acabar.
Em março deste ano, um projeto
de lei que proíbe que uma mesma Fiscal confere nome de candidatos para a prova da segunda fase do vestibular 2009 da Universidade do Estado de Santa Catarina
pessoa ocupe duas vagas simulta-
neamente em instituições públicas dade. Prefiro me dedicar primeiro devido ao choque de horários. participação”. Ainda assim, como estipula como seria feita a fiscali-
de ensino superior foi aprovado a uma e depois à outra. Acho que Mesmo assim, pretende se formar muitos estudantes, Thamyres con- zação dessa duplicidade de va-
pela Câmara dos Deputados e isso vai melhorar meu desempe- nas duas universidades. sidera a formação nas duas insti- gas. A partir deste ano, o Instituto
aguarda a decisão do Senado para nho”, confessa Fernanda. Uma pessoa que possui duas tuições muito importante para sua Nacional de Estudos e Pesquisas
entrar em vigor. O projeto é de au- A pró-reitora de ensino da graduações no currículo amplia vida profissional. “As faculdades Educacionais Anísio Teixeira
toria do deputado de Pernambuco, Udesc, Sandra Makowecky, con- sua área de atuação e abre mais que escolhi são complementares (Inep) passará a relacionar todos
Maurício Rands, e foi articulado corda que o trancamento do cur- opções para ingressar no mercado em diversos aspectos e considero os alunos por instituição e curso,
desde 2006. so é um fator limitante para os de trabalho. Entretanto, se-gundo a ambas muito importantes para o pois esse levantamento ainda não
Caso a lei seja aprovada, o novos candidatos. “O custo de presidente regional de Florianópo- que quero fazer no futuro”. existe. Mas não há previsão para
aluno irregular terá um prazo de um aluno ao Estado aumenta se lis da Associação Brasileira de Re- Desde que o projeto de lei foi o uso desse cadastro no cumpri-
cinco dias para optar por um dos ele permanece mais tempo den- cursos Humanos, Maria Teresinha aprovado, algumas discussões vêm mento da nova regra. Segundo o
cursos. Se não houver nenhuma tro da Universidade, porque ele Medeiros, a principal exigência na sendo estabelecidas, principal- diretor da Pró-Reitoria de Ensino
manifestação, a matrícula mais está ocupando uma vaga que não hora da seleção dos profissionais é mente relacionadas a sua possível e Graduação da UFSC, Carlos
antiga será cancelada. Entretanto, pode ser disponibilizada para out- o curso superior para a área de tra- inconstitucionalidade. É o que de- Pinto, o trabalho do Inep facili-
a medida só valerá para os estu- ras pessoas”, explica a pró-reitora. balho específica. Nesse caso, o se- clarou o presidente da Comissão taria a implantação da lei, mas não
dantes que tentarem ingressar em Sandra também afirma que, além gundo curso não traria muita dife- Nacional de Legislação da OAB, seria totalmente confiável. “Sem
duas universidades públicas após a do custo financeiro, há um custo rença. Teresinha ainda salienta que Marcus Vinício Coelho à Folha de esse levantamento, a implantação
sua publicação. Aqueles que já fre- pedagógico, pois o rendimento o critério principal para o ingresso São Paulo. Segundo ele, a Ordem é impossível. Mas, ainda assim, há
quentam duas instituições poderão do estudante cai, já que não pode de um profissional recém-formado poderá entrar com uma ação no o problema com os homônimos,
terminar os estudos normalmente. se dedicar integralmente a um só é a vontade e disponibilidade. “Po- Supremo Tribunal Federal, caso que não sei como seria resolvido”.
A proibição da duplicidade de curso. demos dizer que essas pessoas ain- a lei seja aprovada, pois esta proi- Para Carlos Pinto, o projeto de lei
vagas já é utilizada por três Uni- Mas as opiniões sobre o assunto da têm a vantagem de não possuir bição “impede que os indivíduos em questão não seria a melhor for-
versidades brasileiras: USP, Unesp são divergentes. Há muitos alu- os vícios que a prática da profissão exer-çam suas competências”. ma de diminuir a falta de acesso às
e Unicamp. Elas mantêm um acor- nos que consideram possível fazer pode trazer. Outra característica Dessa forma, os alunos também universidades públicas. “O certo
do entre si que permite o comparti- duas graduações ao mesmo tempo do profissional recém-formado pode-rão recorrer à Justiça. Rands mesmo seria abrir mais vagas nes-
lhamento da lista de aprovados. de forma proveitosa. É o caso de é a possibilidade de estar atuali- não concorda. “Considero que a sas instituições. Já há um esforço
Segundo Rands, se esta prática Thamyres Lunardi que faz História zado, já que precisa oferecer algo proposta não fere a Constituição, nesse sentido. Hoje temos três uni-
fosse adotada pelo Brasil todo, as na Udesc e Direito na UFSC e a mais, é necessário existir troca, pelo contrário. A Constituição, no versidades públicas: UFSC, Udesc
vagas seriam melhor distribuídas ainda participa de seu artigo 6º, e Cefet e todas estão em expansão
entre a população e a injustiça so- um grupo de consagra a no estado”, diz o professor.
cial seria evitada. “A proposta pre- pesquisa educação Apesar da dificuldade em se
tende ampliar o acesso ao ensino e é candi- como um pre-ver quando a lei pode ser
público superior, com a criação de data nas direito so- analisada pelo Senado, Rands é
milhares de vagas que não podem eleições cial. O que otimista. “Tenho esperança que
ser ocupadas, por estarem tranca- do Centro o projeto seja aprovada até o final deste ano.
das”, afirma o deputado. Acadêmico. pretende é ampliar Seria uma grande vitória. Nesse
Esses trancamentos ocorrem Para ela, tudo é uma o direito da coletividade à sentido, tenho conversado com
com frequência e acabam sendo questão de organização de educação”. O professor de Dire- senadores, mostrando benefícios
responsáveis pelo atraso no térmi- horários. “No semestre pas- ito Constitucional da UFSC, João que milhares de alunos terão com
no do curso. Na Universidade do sado fui uma das melhores dos Passos concorda com Rands, a ampliação de vagas. De minha
Estado de Santa Catarina (Udesc), alunas da sala em ambos os cursos. e considera que o argumento parte, tenho feito o que posso para
por exemplo, aproximadamente Vejo muitos colegas que mais forte seria a favor da que a tramitação seja a mais ágil
20% dos estudantes ultrapassam o fazem uma faculdade só e constitucionalidade dessa possível”.
prazo máximo de sete anos. Nes- são muito desorganizados lei. “Não enxergo nenhum Até a aprovação da lei, se
ses casos, ocorre o jubilamento e displicentes. Eu, por ter artigo que esteja sendo violado. mantém o debate e as divergências
do aluno. Fernanda Cecília da Sil- que estudar mais coisa, acabo me Como a constituição não é tão es- acerca do equilíbrio entre a legali-
veira cursa Geografia na Udesc e organizando bastante e estudando pecífica em relação ao número de dade e a moral dessa nova regra.
Biologia na UFSC. “Neste semes- melhor”. Mas Thamyres possui vagas por aluno em escolas públi- Afinal, o que deverá prevalecer?
tre, optei por trancar a Geografia disciplinas atrasadas na Udesc e cas, não há um choque aparente A justiça se-gundo a constituição,
porque não estava conseguindo concorda que nem sempre é pos- com a lei”, explica o professor. ou a justiça segundo seu papel so-
levar as duas com a mesma serie- sível frequentar todas as matérias O projeto de lei, entretanto, não cial?
8 Quatro UNIVERSIDADE Florianópolis, julho de 2009

Disparidade econômica marca

Rafael Vilela
perfil dos estudantes da UFSC
Rede de assistência estudantil ainda não supre a demanda

Camila Collato vaga, um auxílio de R$ 200,00 ço interno por morador. O projeto


Marina Lopes por mês. No semestre passado, do novo prédio foi embargado em

A
conseguiu ingressar na moradia e fevereiro deste ano e a obra está
hoje divide um quarto com mais paralisada.
bril de 2009. duas pessoas. “O lugar é bom, o Para aqueles que não consegui-
Estudantes de vá- ruim é a falta de privacidade”, ram uma vaga na Moradia e nem o
rias instituições diz. R.S.O. está inserido no pro- Auxílio, a opção é tentar sobreviver
engrossam um mo- grama bolsa permanência, recebe com uma bolsa permanência que
vimento de protes- R$ 364,00 ao mês trabalhando no paga R$ 364,00 por mês. Criada
to contra mais um rejuste nas pas- Núcleo de Identidades de Gênero em 2007, a Bolsa Permanência
sagens do transporte coletivo de e Subjetividades (NIGS). Porém, veio para substituir a antiga Bolsa
Florianópolis. Dentro do ônibus faz uma observação: “O progra- Treinamento. Diferente desta, a
o cobrador comenta “Não sei por ma bolsa permanência te direcio- Bolsa Permanência direciona os
quê os estudantes da UFSC estão na para algum núcleo da sua área, estudantes para trabalharem em
reclamando. Só tem gente rica lá. mas não quer dizer que necessa- áreas relacionadas aos seus cur-
Até parece que quem conseguiu riamente você vai seguir a linha sos em projetos de ensino, pes-
passar lá depende de ônibus. É só de atuação com a qual você tem quisa ou extensão. Segundo a as-
passar no estacionamento pra ver afinidade. No curso de Ciências sistente social da Pró-Reitoria de
que lá só tem carrão”. Sociais, por exemplo, você pode Assuntos Estudantis (Prae), Lílian
Sim, esta é a visão de muitas trabalhar com a área de política ou Pereira, hoje são pagas 740 Bolsas
pessoas a respeito dos estudantes de antropologia, agora, se você vai Permanência, com perspectivas de
da UFSC. Pelo senso comum só parar no núcleo com o qual você aumentar esse número no próximo MORADIA ESTUDANTIL: estrutura precária e fila de espera grande
é aprovado na federal quem teve se identifica, já é uma questão de semestre, já que a procura é bem
dinheiro para pagar um bom co- sorte”. maior que a oferta. Rafael Vilela
légio ou cursinho pré-vestibular. Estes são apenas alguns exemplos O mesmo acontece com o
Seguindo a lógica do cobrador, Restaurante Universitário, são
“só tem gente rica lá”. Quem es- 920 lugares divididos em duas
tuda e trabalha dentro do campus No último semestre alas, onde são atendidas cerca de
sabe, porém, que a realidade não
é bem esta. Um olhar cuidadoso foram enviados à 4100 pessoas por dia. A terceira
ala do RU já deveria estar pron-
identifica que os estudantes da PRAE cerca de 459 ta no início deste ano, mas as
UFSC refletem, em menor escala,
as desigualdades do nosso país. cadastros, sendo obras ainda não saíram do papel.
Enquanto esperam, os estudantes
Leandro Liberal nunca foi um 450 aprovados aguardam cerca de 40 minutos
mau aluno. Sempre estudou em na fila todos os dias para poder
bons colégios e teve boas notas. almoçar pagando R$ 1,50. A rede
Mas, quando entrou para o ensino de que há uma disparidade econô- de Assistência Estudantil também
médio, decidiu se matricular na- mica entre os alunos da UFSC, o aceita pedidos de isenção de pas-
quele colégio com terceirão refor- que demonstra que o argumento do ses do RU.
çado que, dizem, é sempre o que cobrador não é válido para todos Para Tiago Boff, aluno da sé-
mais aprova alunos no vestibular os casos. Os estudantes não se di- tima fase do curso de Física, o
– não à toa, é também o colégio videm meramente em perfis como Restaurante Universitário é um
mais caro da cidade. Ao fim do ter- “ricos” ou “pobres”, cada um pos- elemento primordial para garan-
ceirão, Leandro prestou vestibular sui necessidades específicas que tir sua permanência na universi-
na UFSC e na UDESC. Passou nos devem ser levadas em conta. A rede dade. Quando questionado sobre
dois, de primeira. Hoje, na quinta de Assistência Estudantil da UFSC como seria seu dia-a-dia sem o
fase de Direito na UFSC, ele reco- é formada por diversos progra- RU ele responde: “Seria que nem
nhece que a situação financeira de mas, como a Moradia Estudantil, hoje, estou sem almoçar até ago-
sua família é melhor do que a da o Programa Bolsa Permanência e ra (16h30). Comi só meio pacote
maioria das pessoas. Tem uma boa o Restaurante Universitário. Além de bolachas”. O “hoje” foi dia 16
casa, casa de praia, e opção de ir disso presta serviços de saúde, de junho, quando os servidores
para a UFSC de carro nos dias de como a distribuição de medica- paralisaram suas atividades por
chuva. Faz aula de francês uma vez mentos, encaminhamento para um dia. “Eu comi no RU todos
por semana e planeja uma viagem consultas médicas e odontológicas os dias da minha graduação, des-
para a França no final do ano. Mas e acompanhamento psicológico. de que entrei na UFSC. Almoço e
não se acomodou por causa disso. E, acredite ou não, isso não supre janta. Nem todos os dias na jan- RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO: são 4.100 estudantes diariamente
Estuda à noite e trabalha durante o toda a demanda. ta, pois o horário coincide com a
dia, para que seus pais não preci- A Moradia Estudantil tem 156 minha bolsa”. Tiago trabalha no ses programas, o estudante deve podem se preparar para o vestibu-
sem pagar 100% dos seus gastos. vagas e fica próxima a universida- laboratório de informática do seu preencher o cadastro sócio-eco- lar sem pagar nada por isso. Este
R.S.O., aluno da segunda fase de, no bairro Serrinha. Para quem departamento e recebe uma bolsa nômico da PRAE, anexando a do- ano, o cursinho ampliou a rede
num dos cursos de graduação da está na fila de espera, são distri- monitoria no valor de R$ 364,00. cumentação necessária. No último para cidades no interior do esta-
UFSC é de outro estado e vive em buídos 170 Auxílios-Moradia no A partir do próximo mês começa semestre foram encaminhados a do. Por isso, é possível ver que,
Florianópolis há dois anos. Morou valor de R$ 200,00 cada. A fila é a receber o Auxílio-Moradia, que PRAE cerca de 459 cadastros, dos contrariando o senso comum, não
com seu irmão mais velho, que grande apesar da precariedade das cobrirá cerca de 2/3 do valor do quais 450 foram aprovados, sendo há só “gente rica” na UFSC ou só
já reside aqui há seis anos, antes instalações do prédio e das casas. seu aluguel hoje. Sua mãe mora atendidos 743 alunos no programa “gente pobre”. Se existe uma rede
de tentar prestar vestibular para a O projeto original da casa do es- em Concórdia-SC e está desem- de isenção do RU. de assistência estudantil, isto é
UFSC. Após ingressar na universi- tudante que previa um aumento pregada, e ele não vai para casa O mais recente projeto de inclu- evidência de que os alunos têm di-
dade, o estudante entrou na fila de gradual das vagas e novas etapas desde as férias de verão: “Preciso são é o Cursinho Pré-Vestibular ferentes perfis sócio-econômicos,
espera da Moradia Estudantil, re- de ampliação física, nunca foi con- economizar”, completa. Popular da universidade, em que cada um com suas necessidades.
cebendo, enquanto aguardava uma cluído, gerando restrições do espa- Para ter acesso a qualquer um des- alunos da rede pública de ensino
Florianópolis, julho de 2009 XENOFOBIA Quatro 9
Luíza Fregapani

HAOLE: expressão foi trazida do Havai para o Brasil por meio dos surfistas, e que, atualmente, é conhecida por grande parte dos moradores da Ilha de Santa Catarina

Seja bem-vindo, mas vá embora logo


Trânsito, praias lotadas, e falta de água são motivos para a aversão que os moradores têm a turistas
ços sobem drasticamente, as praias daqueles que conhecem a cidade, 71 entrevistados para a sua coleta participantes, mas que utilizam vo-
Luiza Fregapani ficam lotadas, e uma das coisas encantam-se e não querem mais ir de dados. Do total, 43 eram pesso- cabulário muito agressivo no seu

H
que mais se escuta é sotaque de embora.  Atualmente, temos um as vindas de fora e 16 relataram ter posicionamento contra turistas.
pessoas de fora. Por estes e outros número muito elevado de pesso- sofrido ou conhecer alguém que A xenofobia em Florianópolis
aole é uma expres- motivos, não são raras as reclama- as vindas de outros estados que tenha sofrido algum tipo de hosti- está presente em várias discus-
são usada no Havaí ções a respeito dos turistas.  fixam residência na cidade. Um lidade na cidade. Os casos mais ci- sões. Em uma delas, um não-na-
para designar de Algo que incomoda o ilhéu é dos atrativos é o alto Índice de tados foram violência física, danos tivo acredita que o sentimento se
maneira pejorativa sentir-se visitante em sua própria Desenvolvimento Humano (IDH), matérias e violência moral. Em sua dá pelo medo da ocupação desor-
aqueles que vêm cidade. Os turistas vêm passear e da ordem de 0.875, dado divulga- maioria, foram acusados de ocu- denada e perda da qualidade de
de fora do arquipélago, expressão trazem consigo seus hábitos, suas do no relatório da ONU. Segundo par vagas de estudo ou trabalho, vida por parte dos moradores da
esta que também é utilizada aqui gírias e seus palavreados típicos.  dados do IBGE, no censo de 2000 as quais os agressores julgavam cidade. Outro entrevistado diz que
na ilha. Segundo Flávio Vidigal, Quem nunca viu um grupo de gaú- Florianópolis tinha 342.315 ha- ter direito. Segundo a pesquisa, o nome do movimento não deveria
no Havaí, foi criada para expressar chos tomando bitantes, hoje, praias, colégios e universidades ser “Fora Haole”, mas sim “Fora
o descontentamento dos nativos
quando anexado como estado nor-
chimarrão na
praia e falan- Os turistas vêm são 396.723.
Foi um au-
foram identificados como os lo-
cais com mais casos de hostilidade
turista mal educado e folgado”,
pois acredita que é a atitude do tu-
te-americano. Em Floripa, é usa- do “mas, bah passear e trazem mento popula- em relação às pessoas de fora. rista que incomoda os moradores
da para designar qualquer pessoa
que não seja nativa, na frase “Fora
tchê!” ?
Ou um grupo consigo hábitos, cional de quase
16%, em pouco
Rita de Cássia Silva, nascida em
Florianópolis nos anos 50, mas de
locais, e não o fato de virem de
outras cidades.
Haole”, facilmente encontrada pi- de argentinos gírias e palavras menos de dez origem tradicionalmente gaúcha, Florianópolis foi uma das cida-
chada em muros e no vocabulário jogando bocha anos. diz que em sua família foram man- des turísticas mais procuradas nes-
de alguns moradores. ou padel, aque- Pedro Au- tidos os hábitos, cultura e sotaque te verão, e é natural que as pessoas
Segundo dados da Santur, le jogo pare- gusto Kuhnen, gaúcho, a tal ponto que até hoje é queiram morar aqui depois das
Secretaria de Estado de Turismo, cido com o tênis? Ou carros com aluno de Jornalismo da Unisul, questionada quanto a sua origem. férias. Aron Lobo, de 20 anos, diz
Cultura e Esporte de Santa placa de fora que quase atropelam realizou em 2008 uma pesquisa Acredita que há sim certa resistên- que há certo receio dos moradores
Catarina, a passagem estimada de os pedestres mais desavisados que sobre a xenofobia na capital cata- cia dos novos moradores em aderir em relação à perda da cultura lo-
turistas no estado em janeiro e fe- estão acostumados com motoristas rinense, com o objetivo de iden- aos costumes ilhéus em detrimen- cal, e a destruição do ambiente.
vereiro de 2008 foi de 4,3 milhões que param na faixa de segurança? tificar as características do senti- to dos trazidos de suas cidades. Bruno Bastos Venâncio,
pessoas. Destes, 34,17% eram do Como são muitos turistas, vindos mento xenófobo em Florianópolis. Procurando em comunidades do professor de Judô, natural de
próprio estado, 25,55% do Paraná, de lugares diferentes, os morado- Xenofobia é a aversão natural do Orkut relacionadas ao tema, en- Florianópolis, diz não ter nada
20,51% do Rio Grande do Sul e res sentem uma mudança na or- ser humano em relação àquilo contram-se “Ainda vou morar em contra turistas desde que eles vol-
11,96 de São Paulo. dem da cidade. que  julga diferente. Apesar de ser Floripa”, com 27.116 membros tem para suas cidades de origem
Florianópolis é uma cidade tu- Em geral, os moradores da ilha a definição correta, é usada como e “Diga não à xenofobia”, com após as férias. Acredita que a ci-
rística que atrai visitantes, não só não se queixam da quantidade de referência a qualquer forma de 15.183 membros. Porém, existe dade está um caos, por causa do
do país, como do mundo todo. turistas, mas sim daqueles que re- preconceito, como racial, cultural, um sem número de comunidades crescimento desordenado, e que já
Durante a alta temporada o fluxo solvem ficar por aqui depois das religioso ou outro. “Fora Haole Floripa”, e variantes, não há espaço para mais ninguém.
de carros aumenta, não há abaste- férias. Isso é uma prática relati- A pesquisa sobre o movimento como “Fora Haole Joaquina”, to- Ressalta também que “manézinho
cimento suficiente de água, os pre- vamente comum, já que, muitos xenófobo em Florianópolis teve das com uma quantidade baixa de já é coisa rara por aqui”.
10 Quatro LEGISLAÇÃO Florianópolis, julho de 2009

Fumantes passivos protegidos por lei


Ambientes onde não há fumaça de cigarro recebem aprovação de grande parte dos frequentadores
nos últimos 20 anos. Em 2008, de

Natália Izidoro
Natália Izidoro acordo com um estudo do Minis-
tério da Saúde, 14,8% dos jovens

É
entre 18 e 24 anos tinham o hábito
de fumar. Em 1989, este percentu-
fim de semana. Você al era de 29% segundo o IBGE. A
marca de sair com os pesquisa revelou ainda que 10,8%
amigos, toma um ba- de jovens nessa faixa etária já são
nho, lava os cabelos, ex-fumantes.
se arruma, se perfuma O tabaco mata 5 milhões de
e se prepara para encontrá-los em pessoas ao ano e é a principal cau-
algum barzinho. Chega lá e, em sa de mortalidade no mundo que
menos de dez minutos, já está com pode ser evitada. A OMS estima
cheiro de cigarro da cabeça aos que um terço da população adulta,
pés. Quatro horas e muita fumaça isto é, 1,3 bilhão de pessoas seja
depois, volta para casa, estende a fumante. A época mais comum
roupa ao ar livre e, se tem preguiça para a iniciação ao tabagismo é a
de tomar outro banho, dorme com adolescência e, por isto, são ne-
o cheiro impregnado de cigarro, cessárias políticas públicas para
que vai ficar também no travessei- prevenir este hábito precoce. Em
ro. termos mundiais, 100 mil jovens
Além desse tipo incômodo, começam a fumar a cada dia. Se-
a fumaça do cigarro, que é uma gundo o Banco Mundial, 80% de-
combinação de mais de 400 subs- les vivem em países em desenvol-
tâncias químicas - como o dió- vimento. A pneumologista Leila
xido de enxofre, o monóxido de John Steidle alerta que 90% dos
carbono, a amônia e a nicotina - é dependentes de hoje começaram a
classificada como carcinógeno hu- fumar antes dos 19 anos. “A idade
mano de “classe A”, capaz de dar Em Florianópolis, o pub John Bull já se adaptou, mas a Vigilância ainda não passou para conferir média de iniciação é 15 anos, é um
origem a outros cinqüenta males problema pediátrico”. Outro dado
– como câncer (principalmente Para corrigir essa falha, alguns deu um período de apenas 15 dias cerca de 20 cigarros por noite que alarmante é o número de mulheres
de pulmão), infarto, AVC (aciden- municípios também têm baixado para a mudança, além de não ter sai. Ele pretende largar o hábito, brasileiras que fumam durante a
te vascular cerebral), bronquite e leis antifumo. Em junho de 2008, voltado ao pub para ver se de fato mas quase nunca sai sem compa- gestação. Elas somam 1 milhão
osteoporose. Esses males atingem a Câmara de Vereadores de Flo- a recomendação foi seguida. “Foi nhia de algum amigo fumante. “Se que mantém o hábito mesmo grá-
também as pessoas que, mesmo rianópolis recebeu o projeto de lei no início da alta temporada e exi- saio só com quem não fuma, acabo vidas e as consequências para a
não fumando, inalam a fumaça do “Floripa sem Cigarro”, fruto de giu rápida adaptação do local, que fumando menos por não ter o estí- criança são várias. Além do risco
cigarro. São os chamados fuman- um trabalho da médica oncologis- já contava com menor número de mulo visual de alguém acendendo de aborto espontâneo e do parto
tes passivos. ta Senen Dyba Hauff, que transita clientes pelo período das enchen- um cigarro”, confessa o estudante. prematuro, são inúmeros os casos
A Organização Mundial da Saú- com a mesma proposta da lei de tes e diminuição do turismo. Tive- “Apesar de ser um saco ter que de Síndrome da Morte Súbita In-
de (OMS) entende que a única São Paulo. Paralelamente, foi lan- mos sorte que já havia uma área ficar saindo, abandonando a con- fantil, pela qual o bebê morre sem
medida capaz de proteger total- çado o abaixo-assinado no ende- separada da pista que serviu para versa, subindo motivo aparen-
mente a saúde de não-fumantes reço www.floripasemcigarro.com. os fumantes e não foi preciso fazer escada e etc, te.
em recintos fechados é a adoção br para registrar os defensores reformas”, salientou a gerente. Na é melhor não Morrem ao ano A OMS cal-
de ambientes totalmente livres do
tabaco. No país e no estado há leis
da idéia e pressionar a aprovação
do projeto, que conta atualmente
entrada da casa, as caixas avisam
para todos que entram que há uma
ficar aquele ar
pesado de ba-
2655 não fumantes cula que exis-
tam 2 bilhões
que proíbem o fumo em ambien- com mais de 3 mil assinaturas área separada para quem quiser fu- lada, cheiro de por doenças de fumantes
tes fechados coletivos, privados
ou públicos. No entanto, essas leis
mas ainda não foi votado na Câ-
mara.
mar e reforçam o aviso na venda
de cigarros. A gerente afirma que
puro cigarro.
Acho tranqüilo
provocadas pela passivos
todo o mundo,
em

possuem brechas que autorizam o Enquanto isso, a Agência Na- os clientes são muito educados e sair em lugares fumaça alheia dentre os quais
fumo em áreas restritas, desde que cional de Vigilância Sanitária são raros os casos em que desres- que tenham 700 milhões
sejam devidamente isoladas dos (Anvisa) propôs normalizar a lei peitam a recomendação. Quando essa área sepa- seriam crianças.
demais ambientes e que tenham federal, estabelecendo como uma alguém fuma, os seguranças ad- rada, até prefiro”, conclui o estu- Para um fumante passivo, o risco
ventilação de suas metas vertem e pedem para que apaguem dante. de desenvolver câncer de pulmão
conveniente. para 2009 a re- o cigarro ou se desloquem para a De acordo com uma pesquisa do é três vezes superior do que o risco
A lei, na prá-
tica, criou o
Há 2 bilhões de gulamentação
das áreas isola-
área para fumantes, onde há um
exaustor e quatro ventiladores vol-
Datafolha, realizada em dezembro
de 2008, realizada com jovens en-
de quem não se expõe à fumaça do
cigarro e há 24% mais chances de
chamado “fu- fumantes passivos das para fuman- tados para a saída de ar da parte tre 12 e 22 anos em seis grandes terem infarto que os não-fumantes
módromo”,
mas deixou em
em todo o mundo. tes. A proposta
previa a criação
superior da janela. Há, na casa, 21
funcionários e, semanalmente, é
capitais, 85% dos jovens são con-
tra o fumo em ambientes fechados.
que não se expõem à fumaça do
cigarro. Isso torna o fumo passivo
aberto a defi- Destes, 700 milhões de ambientes feito um rodízio entre os locais em Mesmo os fumantes, 63% dos me- a terceira causa de morte evitável
nição sobre as
características
são crianças fechados com
ventilação es-
que atuam durante as noites. Para
Denise, a regulamentação da lei
nores de 22 anos que fumam (13%
dos entrevistados) não gostam da
no mundo, perdendo apenas para o
fumo efetivo e o consumo excessi-
que o espaço pecífica e foi federal é justa e, cumprindo-a, eles “sauna de fumaça” e apóiam a lei vo de álcool. No Brasil, de acordo
deveria ter. Em maio desse ano, colocada em prática no início des- ajudam a “educar a população”. de São Paulo. com estudos recentes do Inca, pelo
a lei antifumo sancionada pelo go- se ano. Diversos bares da ilha já se Desde que a área foi instalada, No Brasil, o Instituto Nacional menos 2.655 não-fumantes mor-
verno de São Paulo acabou com adaptaram, mas alguns ainda não houve elogios e percebeu-se um do Câncer (Inca) estima que cerca rem a cada ano por doenças pro-
essas áreas no Estado e abriu uma realizaram as modificações e, nem nível maior de satisfação entre os de 200 mil mortes por ano são de- vocadas pelo tabagismo passivo
polêmica jurídica com donos e fre- por isso, foram multados. Gerente não-fumantes. E até entre alguns correntes do tabagismo. O número – sete mortes por dia. O instituto
qüentadores de bares, restaurantes há quatro anos do pub John Bull fumantes que concordam com essa de fumantes no Brasil está cain- estimou ainda que, a cada cinco
e tabacarias. O principal argumen- de Florianópolis, Denise Pieritz se separação. do. Em 1989, 34,2% dos adultos mortes provocada pelo cigarro em
to dos envolvidos diz respeito ao mostrou insatisfeita com a Vigi- Rafael Soares Simões, aluno de fumavam e dados de 2007 apon- todo mundo, duas são de pessoas
conflito que a lei estadual estabe- lância Sanitária, que forneceu pou- arquitetura na UFSC, é fumante há tam 16,4% de fumantes. Entre os que jamais colocaram um cigarro
lece com a legislação federal. cos adesivos, não reenviou mais e sete anos e consome, em média, jovens do país, caiu mais de 50% na boca.
Florianópolis, julho de 2009
EDUCAÇÃO Quatro 11

Sexo ainda é tabu nas salas de aula


Orientação sexual é negligenciada por grande parte das instituições de ensino de Florianópolis
tes têm como principal fonte de in-

Daniel Wiedemann
Camila Raposo formação a TV. “Esses são os mais
Tifany Rodio

O
mal-informados, isso porque a
tendência da televisão brasileira é
cansaço e sofri- priorizar o entretenimento. Quan-
mento são visíveis do a questão é educação, deixa
nos olhos verdes. muito a desejar”.
Expressa a rotina O PCN propõe que a Orienta-
dos últimos meses ção Sexual oferecida pela escola
com um misto de orgulho e medo discuta o que é transmitido pela
do que está por vir. Todas as sema- mídia. “O problema não é a falta
nas, Mário Teixeira vai ao Institu- de• informação, isso eles têm de
to Estadual de Educação buscar os sobra. Mas informação é diferen-
exercícios dados em sala de aula e te de formação”, afirma Cristina
os trabalhos que a filha, Izis, deve Wagner Fritzke, orientadora edu-
fazer em casa. A menina de 16 anos cacional dos colégios Catarinense
teve Clara há dois meses, durante o e Aderbal Ramos. Essa formação
2º ano do Ensino Médio. O pai diz se dá por meio do diálogo, que
que não a deixará desistir dos es- desperta um pensamento crítico
tudos, mesmo com as dificuldades para que os jovens saibam filtrar
que os dois encontram “A escola as mensagens. Para que haja uma
não dá o apoio necessário. Apesar conscientização, é preciso que
da promessa de orientar em casa escola e família trabalhem em
quando surgissem dúvidas, não conjunto. “Às vezes os pais não
há professores disponíveis para o sabem como abrir espaço para a
deslocamento”. Carga horária e tabus são empecilhos para a abordagem frequente da sexualidade em sala de aula conversa, muitos esperam que a
Além de Izis, muitas jovens escola dê a educação. Mas a insti-
enfrentam situação semelhante. tem sua hora e que cada ato tem educação sexual na escola. “Tem alunos defendem e condenam de tuição não substitui nem concorre
Segundo dados do Instituto Bra- uma consequência”. O Instituto gente que tem tanta curiosidade, acordo com seus próprios argu- com a função da família, e sim a
sileiro de Geografia e Estatística Estadual de Educação (IEE) e a às vezes não pergunta para o pai mentos e, no final, fazem um gran- complementa”, reforça Cristina.
(IBGE), um em cada cinco partos Escola Estadual Aderbal Ramos e na aula se sente mais a vontade”. de debate. Uma outra atividade é Num mundo em que a mídia ex-
realizados no Brasil em 2006 foi de da Silva, ambos de Florianópolis, Bárbara e Maria Clara, de 14 anos, a vivência, que cria situações imi- plora constantemente a erotização,
mãe adolescente. Uma das causas tratam o assunto em disciplinas concordam. “Seria legal conversar tando a vida de pais jovens, para os jovens são expostos à sexuali-
desse alto índice é a primeira rela- isoladas e cada professor aborda um pouco mais sobre o assunto”. conscientizar sobre os impactos e dade cada vez mais cedo. Dessa
ção sexual cada vez mais cedo. De da maneira que achar mais interes- Na 8ª série, as estudantes aprende- as mudanças de comportamento forma, a escola não pode negli-
acordo com o Ministério da Saú- sante. Essa não é uma caracterís- ram sobre DSTs, preservativos e que isso implicaria. genciar seu papel como educadora
de, de 1996 a 2006 o percentual de tica exclusiva da rede pública de funcionamento do corpo. Camar- Com mais de 20 anos trabalhan- deixando de abordar o tema. É im-
garotas que perderam a virgindade ensino. O Colégio Catarinense, da go diz que é preciso mais. A escola do na área, a professora diz que portante destacar a orientação se-
antes dos 15 anos saltou de 11% capital, discute o tema em sala de não deve trazer apenas questões os adolescentes ainda conseguem xual. Izis Teixeira não tinha diálo-
para 33%. Nesta mesma idade, aula e de forma mais ampla apenas biológicas. Valores e conscientiza- surpreendê-la. “Eles recebem mui- go com os pais ou professores. Se
47% dos meninos já tiveram sua uma vez por ano, na chamada Ma- ção também são importantes. ta informação errada. A internet a participação da escola fosse mais
iniciação. Ainda assim, não existe nhã de Formação. É isso que faz o Colégio de traz pornografia que não educa. ativa e os órgãos governamentais
um projeto concreto para que as Segundo a supervisora escolar Aplicação, um dos poucos em Nas novelas a erotização é grande desenvolvessem ações mais efi-
escolas tenham programas especí- do IEE, Elizabeth Jacques, além Florianópolis que mantêm uma e há pouca conscientização”. De cientes voltadas para os jovens,
ficos de Educação Sexual. da restrição da carga horária, outra disciplina fixa sobre o assunto. O acordo com a pesquisa talvez sua história fosse diferente.
Desde 1998, os Parâmetros Cur- dificuldade para implantar encon- projeto foi implantado em 1984 de Camargo, 41% diferente.
riculares Nacionais (PCN), elabo- tros freqüentes é o grande tabu que e hoje é realizado nas tur- dos estudan-
rados pelo Governo Federal, suge- ainda existe em torno do assunto mas de 5ª e 6ª séries pela
rem que o assunto seja introduzido e a vergonha de falar com pais e professora de Biologia
nas instituições de ensino como professores. Uma pesquisa feita Maria Helena Lima,
um Tema Transversal, ou seja, que em 2000 pelos professores Brígido pós-graduada em Educa- Falando em números
a sexualidade seja tratada por cada Vizeu Camargo e Lúcio Botelho ção Sexual pela Udesc. “As
professor em sua área e também com estudantes do Ensino Médio aulas surgiram da necessida-
de forma interdisciplinar. Para o das cidades de Florianópolis, Ita- de dos próprios alunos, que • A média de idade da primeira relação sexual
psicólogo e professor do Depar- jaí e Balneário Camboriú revelou não tinham um momento para é de 14 anos e 4 meses para os meninos e de 15 anos
tamento de Psicologia da UFSC, que os alunos gostariam de tirar esclarecer suas curiosidades e e 2 meses para as meninas.
Brígido Vizeu Camargo, isso não suas dúvidas sobre sexo com pes- dúvidas”. A professora constrói
é o suficiente, uma vez que por soas especializadas. A maioria não suas aulas seguindo uma didáti- • 77,8% dos adolescentes conversam sobre sexo com os amigos
não ser uma disciplina obrigató- se sente à vontade para falar com ca leve e gradual, cuidando para e 45,5% com os pais.
ria, poucas escolas a adotam. Ele os professores. Segundo dados do que as diferenças de cada aluno
defende que o Ministério da Edu- estudo, 77,8% dos entrevistados sejam respeitadas, no que se refe- • As duas principais fontes de informação dos estudantes sobre
cação deve buscar programas con- conversam principalmente com rem à religião, valores familiares Aids são a escola (44,8%) e a televisão (41,5%).
juntos com o Ministério da Saúde, amigos e 45,5% com os pais. e ao nível de informação que cada
do Bem-Estar e da Criança e do Gabriel Sartori, de 14 anos, é um tem. São desenvolvidos temas • 86,7% dos adolescentes consideram-se bem informados sobre
Adolescente. “É essencial haver um dos que prefere conversar com como diferença de gênero, cor- Aids.
ações constantes com profissio- os pais. “Sexo é uma coisa que, po humano, doenças, prevenção,
nais. Falar disso só no carnaval e além de boa, é séria. Você escuta além de polêmicas como aborto e • Somente 49,5% estão dispostos a participar de discussões sobre
em 1º de dezembro, Dia Mundial muita besteira do pessoal... Tem homossexualidade. este tema na escola.
de Luta Contra a Aids, não basta”. que ter responsabilidade”. No Maria Helena utiliza diferentes
Mário Teixeira também acredita entanto, não são todos que têm a recursos para atrair a atenção dos • 21,6% dos jovens não usaram preservativos no último ano.
que falta a participação das esco- mesma liberdade de diálogo com alunos, como cartazes e drama-
las. “Deveriam ter aulas fixas para a família. Jennifer de 15 anos, tizações. Para discutir o aborto é Dados retirados da pesquisa realizada no ano 2000 em escolas do Ensino Médio
pelos professores Brígido Camargo e Lúcio Botelho.
mostrar aos adolescentes que tudo por exemplo, acha que deveria ter feito um júri simulado, em que os
12 Quatro SAÚDE Florianópolis, julho de 2009

Lembranças perdidas no tempo


Mal de Alzheimer afeta memória do portador e família sofre com o seu desligamento da realidade

I
tam, como dar banho e colocar

Corbis.com
Francisco Dantas

magine-se chegar à velhice “O melhor lugar frauda. A dificuldade é ainda maior


quando um idoso tem que cuidar
e perceber que faltam algu-
mas páginas no livro que
para o paciente é de outro. A terapeuta ocupacional
Leila Heck Peiter, participante da
narra a sua história. Até se- perto da família, ABRAz-SC, orienta que “cada
família tem que perceber qual é o
ria interessante, se as folhas
que faltassem fossem de momen- desde que ela seu limite”. E acrescenta: “o me-
tos de tristeza ou de perdas, mas lhor lugar para o portador sempre
seria ruim se com elas também possa cuidá-lo” é perto da família, mas desde que
sumissem trechos de alegria e de ela possa dar o suporte necessá-
conquistas. É mais ou menos isso rio”.
que ocorre com quem tem o Mal Quando recebe o diagnóstico da
de Alzheimer. doença, às vezes o familiar fica
A doença, que tem a perda de revoltado, alguns chegam a dizer
memória como uma das principais “eu não escolhi isso”. Mas depois
características, foi diagnosticada reconhecem que “o paciente não
pela primeira vez pelo médico ale- tem culpa”. Segundo psicólogos,
mão Alois Alzheimer, em 1906. É nos casos em que o portador se
comum as pessoas a associarem apega muito a uma pessoa, é pro-
somente ao esquecimento, mas ele vável que ela seja o porto seguro, o
é apenas um entre os tantos sinto- fio que o conduz à realidade. Não
mas da enfermidade. se deve esquecer que o paciente
O mal atinge, inicialmente, áre- vive um conflito interno, por isso
as do cérebro responsáveis pela se sente perdido.
memória, raciocínio e linguagem. A atriz Irene Ravache participou
Com o tempo, a doença evolui e de uma campanha para conscienti-
o paciente passa a ter dificuldades zação sobre a enfermidade, reali-
de locomoção, para se alimentar, zada pela ABRAz nacional e pelo
entre outras. O Alzheimer possui programa Saúde Brasil. “O pior
estágios, inicial, intermediário e papel da minha vida? Foi quando
avançado, embora não exista um a minha mãe teve Alzheimer e eu
padrão único de evolução (veja não sabia nada sobre a doença. Aí
box). eu perdi muito tempo em procu-
O convívio familiar é muito afe- rar ajuda correta. E tempo é uma
tado com o aparecimento da enfer- coisa que o portador da doença de
midade e a falta de conhecimento DESORDEM: paciente vive um conflito interno e se sente perdido, por isso, se apega a uma pessoa Alzheimer não pode perder”, fala
aumenta os conflitos. “Muito do- a atriz no vídeo da campanha.
loroso”, “triste”, “difícil” é como piores, de acordo com a fase da do- como a residência era no passado cemira Bonetti. Ela ressalta ainda Embora não tenha cura, existem
alguns familiares qualificam o ença. Por exemplo, um dos filhos e não no presente. Como os fami- que, em estágios avançados, o por- remédios que contém o avanço da
processo da doença. As mudan- de Maria* deixou de visitá-la, pois liares nem sempre entendem a po- tador não tem mais autonomia, fica enfermidade. Por isso, quanto an-
ças na personalidade do paciente seu marido, portador de Alzhei- sição do doente, ele se sente mal, totalmente dependente, por isso é tes ocorrer o diagnóstico, melhor
são grandes e o familiar precisa se mer, pensa que o rapaz é aman- incompreendido e procura enfren- preciso uma atenção constante. No para o paciente. De acordo com
acostumar a tratar uma outra pes- te da mulher. O filho precisou se tar os parentes, é quando, às vezes, entanto, enfatiza a necessidade de a professora do Curso de Enfer-
soa, muitas vezes totalmente dife- acostumar com a condição do pai. torna-se agressivo. Imagine-se mais de um cuidador, para que não magem da UFSC, Silvia Azevedo
rente daquela que ele conviveu por Janete*, filha de uma portadora, acordar num dia, não saber onde ocorra sobrecarga de um só. dos Santos, ainda não se tem como
vários anos. afirma: “Eu te- está e não conhecer as pessoas ao Gelcemira prevenir ou
Globo.com
Corbis.com

De repente, nho que apren- seu redor. É assim que se sente o participa do evitar o Mal
uma avó resol- der a conviver portador de Alzheimer. Como ex- grupo de apoio de Alzheimer,
ve que quer ir com ela”; e plicar para o paciente que ele vi- da ABRAz-SC. mas existem
para a sua casa. acrescenta: “a veu uma série de acontecimentos, Ela relata situ- alguns fato-
No entanto, ela família se uniu mas que ele não lembra? ações de casais res protetores
está na sua re- mais depois da Em alguns casos, a pessoa que que se separa- contra a do-
sidência. Um doença”. Mar- tem a doença percebe mudanças ram por causa ença, como o
senhor pergun- cia* viajava no seu comportamento, em ou- de um familiar lazer e o uso
ta por sua es- com o mari- tros não há consciência do esque- que teve a en- da mente.
posa, mas ela do, frequen- cimento progressivo. Segundo a fermidade. Para Leitura, mú-
já morreu. Uma temente, mas presidente da regional catarinen- a cuidadora, sica, dança e
senhora não depois que foi se da Associação Brasileira de ainda há pouco alguns exercí-
lembra quem diagnosticada Alzheimer (ABRAz-SC), Tani entendimento cios mentais,
são seus filhos. a doença nele, Jacobsen Prellvitz, o principal das pessoas so- como mudar
Outra termina ambos para- sintoma é uma perda de memória bre o mal. Há trajetos e fa-
de cozinhar e ram de viajar. não normal, que prejudica a rotina algumas déca- zer cálculos
deixa o gás do Alzheimer descobriu a doença No início da do paciente, como por exemplo ir das, quando ain- IRENE participou de campanha sem calcula-
fogão ligado. enfermidade, a um supermercado e não saber o da não se falava dora, ativam
Uma pessoa faz perguntas repeti- o sofrimento do portador é grande, caminho de volta para casa, ou es- em Alzheimer, os pacientes que certos mecanismos do cérebro e
tivas, num curto espaço de tempo. pois perde a memória recente, mas quecer de comer. apresentavam os sintomas eram ajudam na proteção contra o mal.
Um idoso não quer mais tomar permanece com a antiga. Então, é Uma figura importante no tratados como loucos, afirma.
banho. Essas são apenas algumas comum um paciente lembrar da acompanhamento do paciente com Um dos pontos polêmicos em * Os nomes foram trocados para preser-
das situações que ocorrem com o infância e esquecer de fatos atu- Alzheimer é o cuidador. “A difi- relação ao Alzheimer é a interna- var a identidade das personagens.
paciente de Alzheimer. ais. Quando o idoso diz que quer culdade maior é não saber como ção. Com o avanço da doença, os
No entanto, existem momentos ir para casa, é porque lembra de lidar”, destaca a cuidadora Gel- cuidados com o portador aumen-
Florianópolis, julho de 2009
SAÚDE Quatro 13

Foto: Corbis.com
ENTENDA O MAL DE ALZHEIMER
O que é? cia (andar sem parar), alterações
O Mal ou Doença de Alzheimer de humor e de comportamento,
é uma enfermidade degenera- como agitação, agressividade,
tiva que, inicialmente, atinge que pode ser física e/ou verbal;
áreas do cérebro que contro- tem delírios, como ser roubado,
lam a memória, o raciocínio e ou traído pelo marido ou espo-
a linguagem. Contudo, pode sa; apresenta apatia, depressão,
afetar demais regiões cerebrais ansiedade, desinibição (tirar a
e comprometer outras funções. roupa em público, indiscrições
Em geral, aparece após os 65 sexuais, linguagem maliciosa,
anos de idade. O Alzheimer é o etc).
tipo mais comum de demência
do idoso. A demência é popu- Estágio Avançado
lar e erroneamente confundida A dependência do portador é
com “loucura”, “esclerose”, bem grande, os distúrbios de
“caduquice” ou “gagá”. memória são mais acentuados
e o aspecto físico da doença se CANSAÇO: cuidadores se sentem sobrecarregados quando não possuem informações sobre a doença
O que causa? torna mais aparente. O pacien-
A causa do Mal de Alzheimer
ainda é desconhecida. Porém,
sabe-se que a doença não está
te pode apresentar dificuldades
para se alimentar por conta pró-
pria, não reconhecer familiares
Voluntários ensinam a cuidar
ligada ao endurecimento das e objetos conhecidos, além de A Regional de Santa Catarina da vividas e aliviam a tensão. A tera- cente de Souza, a participação nos
artérias, pouco ou muito uso do não conseguir entender o que Associação Brasileira de Alzhei- peuta Leila salienta que “quando grupos é flutuante, pois depende
cérebro, infecções, envelheci- acontece ao seu redor. Pode ter mer (ABRAz-SC) desenvolve a pessoa tem um sofrimento, ele da necessidade das famílias. Elas
mento, exposição ao alumínio também dificuldade de locomo- trabalhos de assistência aos cui- fica diluído quando se percebe que se aproximam, procuram ajuda e
ou a outro metal. O mal atinge ção, incontinência urinária e fe- dadores e familiares de portadores existem outros que passam pelo quando percebem que já conse-
todos os grupos da sociedade, cal, comportamentos inadequa- do Mal de Alzheimer. A entidade mesmo problema”. guem lidar com a doença, se afas-
portanto, não há influência de dos em público, agressividade e funciona na sala de espera do am- A associação em Santa Catarina tam.
classe social, sexo, grupo étnico agitação. bulatório da área B do Hospital surgiu de um trabalho preliminar Os membros da associação são
ou localização geográfica. Em- Universitário da UFSC, somente de acolhimento desenvolvido pelo voluntários, os quais são cuida-
bora a doença seja mais comum Como é o diagnóstico? nas terças-feiras à tarde. Entre as Departamento de Enfermagem dores, familiares, profissionais
em pessoas idosas, também jo- O diagnóstico do Mal de Al- atividades realizadas, estão a Reu- da UFSC, há 15 anos. Em 2004, da área de saúde, entre outros. A
vens podem ser afetados. zheimer é feito através de exa- nião de Acolhimento e o Grupo de um grupo de Florianópolis resol- regional não possui nenhum médi-
mes físicos e mentais. Também Apoio. veu institucionalizar a regional da co como membro e não tem sede
Quais são os sintomas? são utilizados testes de conhe- O momento de acolhida ocor- ABRAz no estado. própria. Tani Prellvitz ressalta a
A Doença de Alzheimer atinge cimento e o relato cuidadoso da re quando o familiar ou cuidador A associação também realiza importância do voluntariado para
as pessoas de diferentes manei- história do paciente, para poder procura a associação pela primeira uma festa julhina e uma de natal, a ABRAz: “somos poucos pelo
ras. Existem alguns sintomas excluir outras enfermidades que vez e serve como preparação para em que os associados trazem os tanto de trabalho que temos para
comuns, mas não há um padrão causam perda de memória. o grupo. É um atendimento indi- portadores, que dançam e se diver- fazer”, enfatiza. Ela também rei-
único de evolução da enfermi- vidualizado, no qual se procura tem e, assim, se socializam. Tani vindica a construção de um centro
dade. As fases ou estágios do Existe tratamento? saber como a família se sente e Prellvitz destaca que essas são al- de referência para portadores de
mal servem como guia para o Até o momento não há cura quais são as dúvidas e dificulda- gumas das poucas oportunidades Alzheimer, em Florianópolis, com
familiar/cuidador perceber a para a doença. Porém, existem des enfrentadas. De acordo com a em que os pacientes podem sair, serviço odontológico e espaço
progressividade da doença, co- medicamentos que estabilizam terapeuta ocupacional Leila Heck para lazer.
nhecer os problemas potenciais e retardam a evolução do mal. Peiter, as pessoas chegam angus-
e planejar as necessidades futu- Somente o médico é capaz de tiadas e se emocionam muito, pois O sofrimento fica Serviço
ras do portador. fazer a opção terapêutica corre-
ta em cada caso. Mudanças no
estão sobrecarregadas. A reunião
de acolhida também tem a partici-
diluído quando se Associação Brasileira de Alzhei-
mer – Regional Santa Catarina
Estágio Inicial relacionamento do familiar/cui- pação de estagiárias do Curso de sabe que outros (ABRAz-SC)
O início da doença nem sem-
pre é percebido pelo familiar
dador com o paciente também
podem diminuir a gravidade e
Psicologia da UFSC.
Por meio de uma escuta sensí-
também passam Local: Sala de espera do Ambu-
latório (Área B) do Hospital Uni-
e, em alguns casos, considera- a frequência dos distúrbios. Em vel, os voluntários da ABRAz-SC pelo problema versitário (HU) da UFSC, onde
do como “processo normal do abril de 2002, o Ministério da recebem os familiares e procuram funciona o NIPEG (Núcleo Inter-
envelhecimento”. Nessa fase, a Saúde aprovou o tratamento ao orientá-los sobre a maneira corre- disciplinar de Pesquisa, Ensino e
pessoa pode apresentar dificul- portador da doença de Alzhei- ta de lidar com o portador. Leila pois, como o portador, às vezes, Assistência Geronto-geriátrica).
dades com a linguagem, deso- mer na rede pública (SUS), que destaca que primeiro é preciso co- tem um comportamento inadequa- Endereço: Campus universitário,
rientação de tempo e espaço, garante a medicação e outras nhecer a doença, depois aceitá-la do em alguns lugares, os parentes bairro Trindade, Florianópolis.
dificuldades para tomar deci- atenções ao paciente. e, por último, se preparar para con- o deixam em casa. Telefone: (48) 3721-8041.
sões, dificuldades para lembrar viver com ela. Próximo a 21 de setembro, dia E-mail: abraz.sc@abraz.org.br
fatos recentes, perda de inicia- Quem cuida do paciente? O grupo de apoio ou de ajuda internacional da doença de Al- Atendimento: terças-feiras à tarde
tiva e motivação, sinais de de- A pessoa que cuida do porta- mútua ocorre com um número zheimer, a ABRAz-SC promove Grupo de Apoio_ na 1ª e 3ª terça-
pressão, perda de interesse pelo dor de Alzheimer é chamada de maior de participantes, no qual um simpósio, que busca trazer in- feira do mês, às 14h30.
passatempo predileto e outras cuidador. Paciência, dedicação, há troca de experiências entre os formações recentes sobre a enfer- Reunião de Acolhimento_ na 2ª e
atividades. solidariedade e amor são algu- familiares, cuidadores e profissio- midade, como novidades em re- 4ª terça-feira do mês, às 14h30.
mas atitudes que quem cuida nais da área da saúde. Segundo a lação ao diagnóstico. Familiares, Sub-regionais: Araranguá, Blume-
Estágio Intermediário do doente deve ter. Informação presidente da regional da ABRAz profissionais da saúde e pessoas nau, Balneário Camboriú, Chape-
Com o avanço da doença, os e conhecimento sobre a enfer- catarinense, Tani Jacobsen Prell- interessadas na doença compõem có, Concórdia, Criciúma, Itajaí,
problemas ficam mais eviden- midade também são fundamen- vitz, o grupo tem como objetivo o público do evento. Neste ano, Joaçaba, Joinville, Lages e Xan-
tes e restritivos. O portador do tais para um bom convívio com “que a pessoa saia bem informada ocorre a 13ª edição do simpósio, xerê.
Mal de Alzheimer apresenta o portador. Na parte médica, os a respeito daquilo que está aconte- que acontece geralmente no audi- Site: www.abraz.com.br
dificuldades com as atividades cuidados com o paciente devem cendo e do que pode vir a aconte- tório da Reitoria da UFSC.
do cotidiano, como administrar ser realizados por uma equipe cer e, com a troca de informações, Em Santa Catarina, nos 12 muni-
a casa ou negócios, além de es- multiprofissional, com neuro- aprenda a lidar com o doente”. cípios em que há grupos de apoio,
quecimento de fatos recentes e logistas, geriatras, dentistas, Durante o grupo, os familiares a ABRAz atende em torno de 700
nomes de pessoas; necessidade enfermeiros, fisioterapeutas, relatam como está o parente por- familiares, dos quais 400 são da
de assistência na higiene pesso- fonoaudiólogos, entre outros. tador de Alzheimer. Inclusive, há Grande Florianópolis. De acordo
al; possui problemas de vagân- Fonte: ABRAz momentos em que se descontraem, com a ex-presidente da regional
chegam a rir de certas situações catarinense, Zilda de Faveri Vi-
14 Quatro VIDA Florianópolis, julho de 2009

Histórias de vidas que

Nathalia Carlesso
persistem, mesmo solitárias
O dia das mães tem seu propósito cada vez
mais corrompido. Enquanto os shoppings estão
lotados, o Asilo Irmão Joaquim abriga inúmeras
mulheres que passam o dia esperando por uma
visita, alguém para conversar

Nathalia Carlesso Estrelinha, seu apelido de infân-

D
cia – é a moradora mais idosa do
Asilo Irmão Joaquim, e uma das
ez de maio. poucas a receber uma visita da
Estrelinha estava família naquele dia das mães. A
sentada no sofá neta veio acompanhada da filha,
laranja quando eu Kris Costa Pinho, que também
cheguei. Os olhos levou o namorado. “A bisa não o
quase que fechados moveram-se reconhece, mas eu trago mesmo
ESTRELINHA: a senhora de 104 anos que ganhou da filha um presente muito precioso, a vida
devagar na minha direção, mas assim. Hoje é dia das mães, ela
não se incomodaram em abrir. merece receber visitas”, disse a sua disposição 24 horas por dia. o almoço em família seria bem da sua mãe, Teresinha Padilha da
A sala comprida e espaçosa era Eu não posso deixar de traba- diferente daquele que eu presen- Costa. “Há anos atrás minha mãe
contornada por poltronas e so- lhar, e não tenho condições para ciava. Com menos de uma dúzia estava andando na calçada com a
fás, cada um com uma estampa “Antes minha vó contratar um enfermeiro particu- de colheradas Estrelinha já esta- minha avó, quando um carro des-
diferente. Ao redor, quase to- lar”, esclarece. Estrelinha mora va satisfeita e se recusou a abrir governado foi na direção delas.
dos os assentos ocupados, mas brincava comigo no asilo há mais de oito anos. A a boca mais uma vez. “É assim, a Minha mãe se jogou na frente do
a sala permanecia em silêncio. de comidinha, família garante que ela não foi gente tem que cuidar dela como carro para salvar Estrelinha, e fa-
Sem se mover, Estrelinha can- abandonada e recebe visitas da se fosse criança... Quando eu era leceu no acidente.”
tarolou alguns versos baixinho hoje eu faço o neta toda semana. pequena ela brincava comigo de Hoje, a sobrevivente alcançou
e eu me sentei ao seu lado para mesmo com ela” “Ela é o meu bebezão”, fa- comidinha, hoje eu faço o mes- 104 anos, de certo aproveitando
escutar, não consegui entender lava Eva enquanto ajudava o mo com ela”, acrescentou Eva. ao máximo a vida que ganhou
o que a música dizia. “São ver- enfermeiro a ‘dar de papá’ para “Mas agora tem que comer de de presente da filha. Eva fala da
sos da Literatura de Cordel, que menina enquanto alisava os ca- Estrelinha. Já passava do meio- verdade, né Dona Estrelinha?”, mãe com muito orgulho. “A mi-
ela cantava no tempo que lava- belos ralos e branquinhos da bi- dia. O mingau branco parecia completou a bisneta, em tom de nha mãe é um exemplo do amor
va roupa no rio”, explicou Eva savó, que acabou dormindo por simplesmente farinha com água, brincadeira. que todo filho deveria sentir”. Ao
Cristiani Padilha da Costa, neta alguns instantes. não me admirei com a resistên- Naquele encontro de gerações redor, a sala ainda permanecia
da senhora de 104 anos que esta- Eva levou Estrelinha para o cia da velhinha ao almoço. Mal faltava uma mulher, a filha de em completo silêncio... Mesmo
va ao meu lado. asilo por falta de opção. “Ela abria a boca, e custava a engo- Estrelinha. A visita já chegava ao com a maioria dos assentos ocu-
Maria Padilha de Melo – ou precisa de alguém que fique a lir. Hoje, na casa da minha avó, fim quando Eva contou a história pados.

O cavalheiro que frequentava seus ção no hospital. Com o ocorrido,


Nathalia Carlesso

sonhos há tanto tempo resolveu Sebastiana conheceu a ex-mulher


aparecer em sua vida enquanto ela do seu marinheiro. “Ela era metida
esperava o ônibus, a caminho do com essas coisas de macumba. Eu
centro para comprar remédios na sempre tive medo dessas bruxarias.
farmácia. Sebastiana não escondia Por isso que a nossa vida desan-
o entusiasmo e os detalhes de cada dou”. O sorriso de menina deu lu-
situação. “Sentamos no chafariz e gar a uma nova expressão no rosto
conversamos a tarde inteira. Ele de Sebastiana, que combinava com
dizia que meu cabelo era lindo... seu olhar triste. O amado nunca
Naquela época eu tinha o cabe- mais voltou para casa, e em pouco
lo comprido e tempo a hospi-
cheio de cachos. talizada era ela.
E a gente se co- Sempre rodeada Impossibilitada
nheceu assim,
combinava de
de pessoas e de andar por
um problema
se encontrar no contando casos, nas articulações,
centro e passava
o dia todo juntos.
Sebastiana tem Sebastiana não
podia mais so-
E o tempo passa- medo da solidão breviver sozi-
va tão depressa nha. O asilo foi

S
SEBASTIANA: cheia de lembranças do seu amor do passado, a velhinha passou o dia sem visitas
quando eu estava sugestão de uma
com ele”, dizia como que reviven- enfermeira do hospital, que sabia
e havia alguém capaz que a vaidade não tinha sido esque- fiquei muito nervosa... Mas conti- do o namoro. da sua situação crítica.
de quebrar aquele si- cida ao longo de seus 67 anos, e a nuei ali no ponto de ônibus, sentada Sebastiana precisou de muita co- Sobre seu amado, Sebastiana
lêncio era Sebastiana sua história também não. esperando. Mulher direita não po- ragem para largar sua casa e viver ainda tem esperanças. “O nos-
Antunes da Luz. As li- “Fiquei até sem respiração quan- dia nem olhar os rapazes, imagina ao lado do homem amado. Trocou so amor é eterno, vai além dessa
mitações impostas pela do eu vi aquele homem descendo jogar conversa fora. Até que ele o certo pelo incerto em nome de vida. A gente ainda vai se encon-
cadeira de rodas não a impediam de a rua. Loiro, alto, todo bem apes- parou do meu lado e disse: ‘bom uma história que, dizia a velhinha, trar de novo e ser muito feliz”,
passear na sala arejada, ora em dire- soado. Ele era marinheiro quando dia, posso te fazer companhia?’. já estava escrita há muito tempo. afirma apaixonada. Quanto ao dia
ção ao sol que entrava pela janela, jovem, e andava com uma benga- Menina, até a voz era igualzinha a Quando partilharam o mesmo teto das mães, a velhinha não recebeu
ora à procura de alguém para con- la naquele dia. Nunca vi homem do sonho”, confidenciava a senho- ela não era mais uma menina, e ele nenhuma visita. “Os filhos que eu
versar. Sebastiana fez questão de tão lindo... Igualzinho como ele ra, revelando um sorriso de menina já começava a sofrer os impactos deixei nesse mundo não saíram da
me mostrar cada colar que levava apareceu no meu sonho”, conta- que não fugiu mais do seu rosto. da idade: tinha um problema sério minha barriga. Estes estão cuidan-
no pescoço quando me apresentei. va Sebastiana, aproveitando cada Foi assim que começou a histó- no joelho, que pouco tempo depois do de suas vidas, como eu tratei de
Tinha três, um de cada cor. Via-se segundo da minha atenção. “Eu ria de amor de Dona Sebastiana. seria responsável pela sua interna- cuidar da minha”.
Florianópolis, julho de 2009
SAÚDE Quatro 15

E se Dilma precisasse ir para o SUS?


Demora na marcação de consultas e exames causa questionamentos nos profissionais e na população
trada no sistema público de saúde

Bruno Volpato
Bruno Volpato brasileiro.

N
No Centro de Saúde do Estrei-
to, região continental de Florianó-
o dia 20 de março, polis, a professora Tânia Regina
a ministra-chefe da Souza procura informações so-
Casa Civil, Dilma bre uma ultra-sonografia. Ela não
Roussef, foi infor- lembra exatamente quando fez
mada, durante um a consulta, mas afirma que, com
check-up de rotina, de que havia certeza, há mais de cinco meses o
sido encontrado algo anormal na ginecologista do Centro requisitou
região de sua axila esquerda. Ha- o exame para averiguar a causa de
via um nódulo de 2,5 centímetros dores que ela sente no seio esquer-
num gânglio, a base do sistema lin- do. Ao ser informada que ainda
fático, que precisaria ser retirado está na fila de espera, reclama. “O
cirurgicamente para uma análise governo faz campanha de preven-
mais aprofundada. O procedimen- ção do câncer de mama, mas o
to foi realizado oito dias depois e, que adianta?”, questiona. “A gente
após a biópsia do material, aven- acaba desistindo.”
tou-se um provável câncer do Quem ouve as queixas é o as-
tipo linfoma. Mais alguns dias e sistente administrativo do Centro
o diagnóstico foi ratificado, mas, de Saúde, Diego Rosa. É ele o res-
para ter certeza, a equipe médica ponsável local por operar o Sisreg
do Hospital Sírio-Líbanês, de São (Sistema de Regulação) e a inter-
Paulo, requisitou a confirmação face do Ciasc (Centro de Informá-
para um hospital americano refe- tica e Automação de Santa Catari-
rência na doença. As notícias eram na), respectivamente os softwares
mesmo más e no dia 20 de abril, municipal e estadual de controle
exatamente um mês após o primei- da saúde pública. Quando não está CENTRO DE SAÚDE DO ESTREITO: A base do Sistema Único de Saúde, embora nem todos saibam
ro susto, Dilma realizou a primeira colocando as requisições, encami-
sessão de quimioterapia. nhamentos e solicitações no siste- afirma. “Muitas vezes os pacientes cientes. Se todos seguissem o de uma política governamental
O diagnóstico precoce e a ação ma, Diego se ocupa em atender as desistem devido à demora. Só que exemplo da ministra Dilma, seria que estimule especializações nas
terapêutica rápida são fundamen- reclamações e dúvidas dos pacien- eles não desmarcam, continuam na o caos. “Se os pacientes do SUS áreas da medicina em que o país
tais para o aumento das possibili- tes, muitas vezes angustiados com fila e atrasam ainda mais o sistema resolvessem fazer o que é certo, ou apresentasse necessidade de novos
dades de cura de um câncer, o que uma consulta ou um exame que todo, já que nós muitas vezes não seja, exames preventivos periódi- quadros.
leva a crer que a ministra tem boas parece não chegar nunca. conseguimos entrar em contato cos, o sistema entraria em colap- Hoje as residências médicas
chances de recuperação completa. “Quando há datas, alocamos o com eles. Não podemos fazer liga- so”, afirma o doutor Luiz Alberto. mais procuradas pelos recém-for-
Ela teve a sorte de poder contar paciente o mais cedo possível, mas ções para celular, por exemplo.” No caso do Centro de Saúde do mados são a cirurgia plástica e a
com uma equipe dedicada ao seu em geral há fila de espera grande, Estreito, as consultas para um mês dermatologia. “Outra idéia seria
caso, bem como equipamentos de como no caso das radiografias: O sistema e as filas inteiro são marcadas na segunda- um tipo de serviço civil obrigató-
primeira linha e intercâmbio in- nesse mês (maio), estão sendo re- As palavras de Diego ganham eco feira da última semana do mês rio, onde os formados por univer-
ternacional de informações, uma alizadas as que foram solicitadas no oncologista Luiz Alberto da anterior, por ordem de chegada. sidades pagas pelo contribuinte
realidade bem diferente da encon- em setembro do ano passado”, Silveira, ex-secretário de saúde Nesse dia, as filas começam antes cumpririam um período trabalhan-
de Florianópolis. “O SUS conta da abertura, às 7 horas, e o movi- do em áreas designadas pelo go-
Agência Brasil

com bons aparelhos e bons pro- mento é intenso, fazendo com que verno”, elabora o oncologista. “Há
fissionais, mas o problema é que os horários disponibilizados sejam pouco estímulo para o profissional
eles não suprem à demanda, que é logo tomados. Quem chega tarde, trabalhar no sistema público e aca-
enorme”, aponta o médico. Ele diz, vai para a fila de espera. Cabe a ba havendo uma grande migração
ainda, que o sistema de referência Diego, o assistente, agendar tudo para as clínicas e hospitais particu-
e contra-referência adotado pela no sistema, já que é a única pessoa lares, onde as condições de traba-
saúde pública seria fantástico, se que faz o serviço, num turno de lho são melhores.”
de fato funcionasse. A base de tudo seis horas diárias. A conseqüência disso é que os
é o Centro de Saúde local, onde o pacientes também precisam buscar
paciente é inicialmente avaliado Áreas carentes alternativas ao SUS. A professora
para depois ser encaminhado a Luiz Alberto lembra que a situação Tânia estava lá para saber, além
hospitais ou clínicas maiores para de Santa Catarina, porém, está lon- do seu exame, o que houve com
o tratamento. No fim, ele é mais ge de ser uma das piores do Bra- uma consulta que marcou para seu
uma vez direcionado para o mé- sil. “A situação nas regiões Norte filho, com um urologista, há mais
dico local, onde dará seguimento e Nordeste é mais crítica, devido de cinco anos. Diego procurou a
ao processo terapêutico. Só falta aos deslocamentos envolvidos”, informação por alguns minutos
explicar à população. “Às vezes explica. O médico cita o caso da no sistema e nos arquivos de pa-
a pessoa tem dor de cabeça e vai oncologia, em que os principais pel. “Faz tanto tempo, que acho
para a emergência de um hospi- centros de tratamento, assim como que nem entrou no sistema novo,
tal, de forma desnecessária, o que os de formação de profissionais, deve ter se perdido na migração”,
acaba aumentando as filas”, diz. estão concentrados basicamente explica educadamente o assistente
Diego corrobora o comentário, ao no Sul e Sudeste. Dessa forma, administrativo. Tânia suspirou e
contar o caso de um paciente já fa- os profissionais tendem a se con- contou que o garoto estava com
moso pela equipe do Estreito. “Ele centrar nessas regiões, causando muitas dores nos testículos, o que
vem sempre aqui, pede consulta e um déficit de atendimentos ainda a fez procurar um especialista na
requisição com tudo que é especia- maior nas áreas mais carentes. rede particular. “Eu queria ter neti-
lista e nunca tem nada”, diverte-se. Ele defende que a universidade nhos, então não quis correr riscos.
Eles sabem, porém, que o pro- pública e gratuita deve ajudar a Pelo jeito, estaria esperando até
DILMA ROUSSEF: O drama do câncer sob os holofotes da mídia blema principal não está nos pa- sanar esse problema, sob a forma hoje”, explica, sincera.
16 Quatro SAÚDE Florianópolis, julho de 2009

Parto domiciliar, uma prova de amor


Em Florianópolis, equipe Hanami resgata a tradição do parto normal humanizado feito em casa

Fernanda Burigo juntas”, se diverte Iara, que além

Acervo Hanami
Mariana Porto de integrante do grupo, teve suas

A
duas filhas em casa.
A posição em que a grávida vai
cesariana é hoje o ficar no momento do nascimento é
parto considerado escolhida por ela mesma. A maio-
normal, e o Brasil ria tem preferência pelo parto na
é um dos países água, que pode ser de cócoras ou
responsáveis por genopeitoral (quatro apoios). No
isso. De acordo com a Organiza- parto na água, ao contrário do que
ção Mundial de Saúde (OMS), a muita gente pensa, a criança não se
taxa ideal de partos cesáreos é de afoga. “O bebê só respira quando
cerca de 7%, podendo chegar no entra em contato com o ar. Ele ain-
máximo aos 15%. A incidência da recebe oxigênio através do cor-
no Brasil é uma das mais altas do dão umbilical”, explica Renata. A
mundo. Na rede pública de saúde água ajuda a amenizar a sensação
chega a 27,5%, enquanto que nos dolorosa da contração e diminui a
partos feitos por planos de saúde necessidade de manuseio por par-
o número sobe para 80%, segun- te das enfermeiras, pois o próprio
do dados da Agência Nacional líquido sustenta a musculatura e
de Saúde Suplementar (ANS), de ampara a vinda do bebê.
2006. Para que tudo corra bem na hora
As taxas são tão altas devido do nascimento, a mulher deve agir
a fatores como o medo da dor, por instinto. “Parto é uma coisa
menor tempo de trabalho para os selvagem, você tem que se desli-
médicos, possibilidade de realizar gar completamente”, enfatiza Iara.
a ligadura de trompas durante a ci- Luciana Frandalozo, que teve seu
rurgia e o temor de comprometer a Ao contrário dos partos em hospitais, em casa, há mais liberdade e participação ativa da família primeiro filho com a equipe, con-
elasticidade vaginal. Em Florianó- corda: “Eu não lembro de muita
polis, a equipe Hanami – O flores- da lei, ainda há quem ache que de conclusão do curso de enfer- Os encontros que o Hanami faz coisa. Entrei nesse mundo que elas
cer da vida - parto domiciliar pla- enfermeiras não estão habilitadas magem na Universidade Federal antes dos partos são chamados de chamam de partolândia”.
nejado, faz um trabalho que busca a desempenhar a função de “par- de Santa Catarina, feito em 2005 pré-natal sensível. A primeira con-
um outro conceito do nascimento, teira”. Marcos defende a classe e por Iara e Renata. Em 2006, elas sulta acontece na 37ª semana de Pós parto
o parto humanizado. acredita que existe ainda muito se juntaram à orientadora Vânia gravidez, quando o bebê deixa de Depois de nascer, o bebê vai ime-
O parto realizado em hospitais é preconceito. “A maioria dos médi- Sorgatto e começaram a oferecer ser prematuro. Todas as consultas diatamente para o colo da mãe e
uma prática relativamente recente cos é contra o parto domiciliar por seus serviços, inicialmente para são feitas semanalmente na casa da com ela permanece enquanto a
– tem cerca de 50 anos -, mesmo pura ignorância, por não conhecer pessoas conhecidas. Hoje, com própria grávida. Nesse momento, equipe faz o monitoramento. O
assim, o preconceito com o parto a equipe aproveita para conhecer corte do cordão umbilical só é feito
domiciliar é muito grande entre um pouco mais a futura mamãe: com o fim da pulsação, após a sa-
Acervo Hanami

alguns profissionais da área da se ela teme a dor, se a opção pelo ída da placenta. Ao respeitar esse
saúde. Mesmo com a margem de método domiciliar é dela mesma processo, as enfermeiras garantem
segurança estabelecida pelas en- ou do companheiro, e para onde que o bebê tem um nascimento
fermeiras do Hanami, segundo a elas desejam ser encaminhadas, tranqüilo. “Muitas vezes eles nem
médica Adriana Magalhães, ainda caso necessário. Além de trabalhar choram. O corte precipitado do
existem riscos imprevisíveis. “Não esses aspectos, elas abordam tam- cordão provoca a entrada brusca
existe gravidez de baixo risco. bém a sexualidade e o prazer no do oxigênio em seus pulmões e
Mesmo com as precauções, pode momento do nascimento. arde”, diz Renata.
acontecer algum imprevisto em O grupo ainda realiza mais qua-
que não há tempo para encaminhar O parto tro consultas no pós-parto: no dia
a mulher para o hospital”. No dia do parto, a mãe pode con- seguinte, elas avaliam se o bebê
Outros profissionais, no en- vidar quem ela quiser, desde que a está com a pele amarelada e seu
tanto, mesmo reconhecendo os pessoa seja a favor do parto domi- aspecto geral. No terceiro e quarto,
perigos, defendem o parto huma- ciliar e tenha participado de pelo a equipe auxilia a mãe na ordenha
nizado feito em casa. “O parto menos uma consulta pré-natal. do leite com técnicas japonesas e
domiciliar está se revelando uma “Teve uma moça que fez até chur- incentiva a amamentação até os
tendência mundial. Em países de rasco no dia do parto! Convidou seis meses. No décimo dia, acon-
primeiro mundo, como a Holanda, EQUIPE HANAMI: Iara, Renata, Mayra, Vãnia, Joyce e Jacqueline muita gente”, comenta Renata. tece a finalização do trabalho. As
a maioria dos nascimentos é feito Mais importante do que a presença enfermeiras verificam o peso do
em casa. Lá, existe curso que for- direito o assunto, acham que é ar- seis enfermeiras (sendo três delas de pessoas próximas é a participa- bebê, que deve estar pelo menos
ma parteira, como se fosse uma riscado”. O grupo não tem uma obstétricas), já realizaram mais de ção do pai da criança e, eventual- igual ao dia do nascimento.
graduação. A cesárea só é realiza- opinião radical sobre o assunto. 70 atendimentos em três anos. mente dos irmãos. Tudo é pensado
da em casos extremos”, defende o “Nós não somos contra a cesaria- para criar um ambiente caseiro e
médico Marcos Leite. na. Ela salva muitas vidas. Eu só O pré-natal aconchegante que deixe a mãe à Hanami, o florescer da vida foi o
No Brasil, as enfermeiras têm discordo de marcar uma data pro Tudo começa com o “consultão”, vontade. Ela pode dormir, comer, nome escolhido para a equipe pela
sua atividade como “parteira” pro- nascimento. Muitas vezes o bebê uma palestra em que elas mostram ficar sozinha. Todos os seus dese- influência do Japão nas técnicas
tegida por lei. Segundo o artigo não está pronto”, defende Renata como é o trabalho, através de ví- jos são respeitados. “A participa- utilizadas. Hanami, ou “contempla-
11 da Lei nº 7.498, de 25 de junho Burigo, enfermeira. “O bebê tem deos e fotos. Para a equipe aceitar ção do meu marido foi muito in- ção das flores” é uma tradição ja-
de 1986, enfermeiros podem exe- uma vida dentro do útero. A cesá- assistir um parto, a gravidez tem tensa. Ele me ajudou bastante com ponesa criada em torno do ano 900
cutar partos sem distocia, ou seja, rea agendada interrompe isso, pois que ser de baixo risco (problemas massagens para aliviar a dor. No e preservada até hoje. Ela acontece
sem complicações. No caso de um acontece sem aviso”, acrescenta como hipertensão e diabetes des- meu segundo parto, minha primei- na época do florescer das cerejei-
parto distócico, a mulher deve ser Iara Silveira, colega de profissão. classificam a mãe) e a mulher tem ra filha ficou bastante empolgada ras, que marcam o fim do inverno
encaminhada para os cuidados de A idéia da criação do grupo Ha- que estar fazendo pré-natal com com a experiência e a chegada da japonês e o início da primavera.
um médico. Apesar do respaldo nami surgiu a partir de um trabalho um médico. irmã. Hoje, elas brincam de parto
Florianópolis, julho de 2009
SAÚDE Quatro 17

Aborto mata mais de 10 mil por ano


Mulheres arriscam suas vidas ao utilizar método ilegal com medo de punição ou constrangimento

Rafael Hertel
Verônica Lemus

M
aria Helena*
tem 40 anos e
é mãe de dois
filhos. Há seis
anos, descobriu
que estava grávida, mas, apesar
da boa notícia, ela sentia que algo
não estava bem. Depois de realizar
exames, Maria Helena descobriu
que seu bebê tinha trissomia do 18,
doença que causa má formação do
corpo e retardo mental. A médica
que cuidava do caso explicou que
o bebê tinha pouca chance de nas-
cer vivo e levar a gravidez adiante
seria uma tortura para a família.
José Antonio*, pai da criança e
marido de Maria Helena, conta que
a médica é quem sugeriu o aborto.
“Imagina, levar nove meses uma
criança na barriga sabendo que ela
não ia viver”, disse José.
O caso de Maria Helena é ape-
nas um de um milhão e 400 mil
abortos clandestinos realizados
por ano no Brasil de acordo com ORKUT: Comunidades na rede de relacionamentos propõem esclarecimentos sobre o assunto e ajuda para quem deseja abortar
estimativas do SUS. A lei diz que a
interrupção da gravidez não é cri- paróquia que freqüentam. O pa- vo. As técnicas modernas, como a
me nos casos em que a gravidez é dre se mostrou solidário e não foi aspiração uterina a vácuo, podem
decorrente de violência sexual ou contra a interrupção da gravidez, custar até US$ 1.000,00, restrin-
oferece risco de morte para a mãe mesmo sendo a Igreja Católica gindo o seu acesso a mulheres de
(Código Penal, Artigos 126-129, forte opositora do aborto induzi- alta renda. As mulheres de baixa
Decreto-Lei no 2.848/1969). Mas do. Para a instituição, a vida co- renda devem recorrer a medidas
é possível conseguir permissão le- meça no momento da concepção. de alto risco à saúde, como procu-
gal concedida por juizes para ca- “O aborto para nós não é enten- rar um “aborteiro” ou se autome-
sos como o de Maria Helena em dido apenas como interrupção de dicar com drogas abortivas.
que a criança não teria chance de gravidez, mas como assassinato A venda do Cytotec é proibida
sobreviver. de uma vida inocente na sua fase no Brasil, podendo ser utilizado
Desde 1993, foram conferidos de desenvolvimento”, explicou o apenas em hospitais. Mesmo assim
mais de 350 alvarás para realiza- padre Alexandre Borges, membro não é difícil adquiri-lo. Na internet
ção de aborto de fetos mal forma- da diocese de Criciúma e mestre é possível encontrá-la, bastando
dos, especialmente anencéfalos. em teologia moral pela Academia apenas encomendar o produto com
Para conseguir essa autorização, é Alfonsiana e Academia Pontifícia um fornecedor não qualificado.
preciso contratar um advogado, já Lateranense em Roma. Mercados municipais e camelôs
que se trata de um pedido judicial. A Igreja aceita a interrupção so- também comercializam o Cytotec CYTOTEC: Proibido, porém amplamente utilizado como abortivo
Além disso, alguns papéis são ne- mente em uma circunstância, que pelo preço de 50 reais. Bem mais
cessários para serem anexados ao é nos casos chamados de aborto barato do que uma cirurgia, o me- procedimentos de interrupção de ção judicial. A paciente se interna
processo. Por exemplo, para com- indireto. “Digamos que a mulher dicamento chega a ser responsável gravidez. No entanto, em Santa numa maternidade pública para a
provar que o feto não tem possibi- tenha um tumor cancerígeno no por cerca de 80% dos casos de Catarina, somente o Hospital interrupção da gravidez, e está de
lidade de viver fora do útero, um útero, ou se algum órgão repro- aborto no Brasil. Entretanto, 70% Universitário de Florianópolis têm plantão um obstetra que tem suas
laudo assinado por três médicos dutivo dela estiver comprometido das mulheres que tomam o remé- cuidado dos casos de aborto. O convicções religiosas. Pelo nosso
diferentes precisa ser apresentado. e, neste exato momento, ela esteja dio acabam precisando fazer uma HU decidiu restringir seu atendi- código de ética e pela lei, ele está
A mulher deve apresentar um ates- grávida. Para extirpar o mal que é curetagem, que é a raspagem de mento somente para mulheres da autorizado a passar o caso para ou-
tado psicológico, garantindo que o câncer é necessário também ti- resíduos no interior do útero após cidade, na tentativa de forçar que tro colega”, explica.
tem condições emocionais para rar a criança. Neste caso se chama a expulsão do embrião. O procedi- outros hospitais do estado também Maria Helena teve a chance de
decidir pelo aborto. Depois de aborto indireto. Nós não avalia- mento é necessário para eliminar realizem o procedimento. O moti- receber acompanhamento médico
tudo pronto, a espera pelo alvará é mos como antiético porque não há as chances de uma infecção. vo para o não atendimento desses durante o período de recuperação.
curta: a média nacional é de quatro a intenção de abortar”. Estimativas apontam para cerca casos pode estar na cláusula de Nem todas têm a mesma sorte.
dias. No entanto, existe a possibi- O procedimento de inter- de 10 mil mortes por ano decor- consciência médica. Milhares de mulheres brasileiras
lidade de que o alvará leve alguns rupção de gravidez no caso de rentes de abortos mal feitos. Ele O médico legista Zulmar Vieira continuam a arriscar suas vidas,
meses para sair e a criança pode Maria Helena “foi feito como se é a terceira causa de mortalida- Coutinho, que também é professor com medo da punição e do cons-
acabar nascendo antes mesmo de ela tivesse passado mal e o nenê de materna no país. O índice de de ética, medicina legal e ética mé- trangimento aos quais estão sujei-
deferido o processo. Com medo tivesse abortado naturalmente”. mortandade por esse motivo é dez dica, há 25 anos na Universidade tas.
da demora, Maria Helena e José José também contou que o méto- vezes maior que o tolerado pela Federal de Santa Catarina, expli-
Antonio optaram por realizar o do utilizado foi o uso de Cytotec, Organização Mundial da Saúde, ca que o médico pode se recusar
aborto diretamente com a médica remédio indicado para tratamento chegando a ultrapassar o número a atender um paciente. “O nosso *os nomes são fictícios para pre-
que os atendia, sem a autorização. de úlcera, mas que por provocar de vítimas do câncer de mama. código de ética médica permite. servar a identidade dos entrevista-
O casal só tomou a decisão de- contrações uterinas acaba sendo Os hospitais públicos têm capa- Por exemplo, uma gravidez re- dos.
pois de conversar com o padre da empregado como método aborti- cidade e são autorizados a exercer sultante de estupro, com autoriza-
18 Quatro MEIO AMBIENTE Florianópolis, julho de 2009

Novo código ambiental gera polêmica


Legislação é acusada de ser inconstitucional e conivente com desmatamento
declara Kreuz. O diretor da Epagri da legislação ambiental de Santa

Arquivo AL
Cinthia Raasch está convicto de com a lei, o es- Catarina. Além da ação, Souza

O
Jacqueline Moreno tado terá mais áreas preservadas. abriu um pedido de medida cau-
“É ótimo, o código de Santa Cata- telar para assegurar que os artigos
novo código am- rina benificiará o estado e o país, postos em questão tenham seus
biental de Santa as leis trazem o que não existe de efeitos adiados até o julgamento,
Catarina foi sancio- forma apropriada para a nossa re- já que na opinião do procurador
nado em 13 de abril alidade.” eles podem provocar danos graves
em meio a muita Já para os ambientalistas e o ao meio ambiente.
polêmica. A discussão é princi- ministro do Meio Ambiente, Car- Apesar da controvérsia sobre sua
palmente sobre o artigo 114, que los Minc, um código estadual eficácia na proteção do meio ambi-
trata das áreas de preservação per- não pode sobrepor-se a legislação ente ou não, o código catarinense
manente (APP). Segundo os am- federal. “Na verdade, a legislação pode levar outros estados a criar-
bientalistas as regras catarinenses estadual só pode complementar a em sua própria legislação ou então
diminuem a área de preservação legislação federal, de maneira a a reformular a que já possuem. O
de mata ciliar às margens de rios proteger mais o meio ambiente. deputado Jorginho diz que 15 esta-
se comparadas à legislação fed- Se ela não protege, ela é inválida”, dos, como Paraná, Rio Grande do
eral. Já para a parcela favorável ao disse a procuradora do Ministério Sul, Mato Grosso e Minas Gerais,
novo código, não se trata de uma Público Federal, Ana Lucia Hart- demonstraram interesse pelas leis
redução, mas de uma adequação mann à rede Globo. catarinense.
à realidade do estado, que é con- O ministro Minc e o Ministério Juliana Corte indigna-se com
stituído por 90% de pequenas pro- Público orientaram que para efeito as matérias divulgadas a respeito
priedades. Assim, com mais es- de fiscalização seja seguido o códi- da legislação. Ela explica que não
paço para cultivar, os agricultores Composição do território de Santa Catarina go florestal federal em detrimento se trata de uma redução da área de
teriam mais condições de per- das regras estaduais. Os ambien- preservação. A diminuição refere-
manecer no campo. talistas alertam que a aplicação do se às áreas consolidadas, ou seja,
A legislação estadual estabelece código pode agravar catástrofes àquelas já tiveram sua mata ciliar
JORGINHO MELLO: código ambiental pode diminuir êxodo rural
que para propriedades com até 50 climáticas como a que castigou o retirada. “Está escrito no código
hectares sejam mantidos ao menos em ambos os códigos. mais de 1% do território nacional, estado em 2008. A alegação é de que não é permitida a supressão
cinco metros de mata ciliar às mar- A criação de um código próp- 30 metros em cada margem de rio que promovendo o desmatamento, de vegetação.” Ela elucida que
gens de cursos de água que tenham rio foi sugestão do governador do podem reduzir a nada uma pro- há mais infiltração e mais erosão, cabe ao produtor que desmatou
até cinco metros de largura. Para estado, Luiz Henrique da Silveira. priedade”, diz o deputado. resultando em deslizamentos. sua propriedade além da área
essa mesma condição, o código Antes de sancionada, a legislação O governador reitera as afir- Sobre esta questão a consul- de preservação que compete a
federal prevê 30 metros. Para ter- foi discutida em audiências públi- mações do presidente da Assem- tora jurídica ela, reparar os
renos acima de 50 hectares, devem cas por agricultores, organizações bléia. “Nós temos que escolher. da Secretaria danos causa-
ser deixados no mínimo 10 metros
para rios com no máximo 10 met-
não governamentais, sociedade
civil, técnicos e membros da as-
Queremos lavouras ou favelas?
Este código ambiental precisa ser
do Desen-
volvimento
Código pretende dos à natureza.
Juliana destaca
ros de largura conforme as normas sembléia legislativa. O presidente flexibilizado para a realidade dos Sustentável, recompensar os ainda que o es-
catarinenses.
Não há diferença entre as duas
da assembléia de Santa Catarina,
deputado Jorginho Mello, afirma
estados”, afirma Luiz Henrique.
Conforme Carlos Luiz Kreuz,
Juliana Malta
Corte, afirma
agricultores que tado é pioneiro
na reserva am-
legislações no que se refere à por- que muitos pequenos agricultores diretor da Epagri (Empresa de que as áreas preservarem mais biental, pois
centagem de reserva legal. Con-
forme o Código Florestal Bra-
que cumpriram as leis federais
viram-se sem condições de man-
Pesquisa Agropecuária e Extensão
Rural de Santa Catarina), 80% dos
que desmoro-
naram foram
do que a lei prevê criará o “princí-
pio conserva-
sileiro, reserva legal é uma área ter-se no campo e migraram às ci- agricultores do estado não deixam conseqüências dor recebedor”,
preservada dentro de uma pro- dades. “Para produtores do Ama- mata ciliar alguma. “Para muitos do excesso de projeto que
priedade rural, necessária ao uso zonas, 30, 50 ou 100 metros talvez produtores que mantêm os 30 met- água e não estavam à margem de prevê remuneração aos agricul-
sustentável dos recursos naturais seja pouco num estado com aquela ros de vegetação nativa conforme rios, para ela não há relação entre tores que preservarem mais que o
e à manutenção da biodiversidade. dimensão, mas em Santa Catarina, a lei federal não sobra nem um os fatos. previsto em lei. Quanto mais for
Este espaço é de 20% do terreno que representa apenas um pouco quarto de terreno para cultivar”, A respeito do argumento de in- protegido, maior será o valor a re-
constitucionalidade levantado pelo ceber. Ainda não está definido de
Partido Verde (PV) e pelo ministro que fundo virão os recursos para
Carlos Minc, o deputado Mello estes pagamentos. A Secretaria do
rebate: “A Constituição brasileira Desenvolvimento tem 180 dias de
diz que cabe à união legislar sob prazo a partir da data de aprov-
características gerais e aos estados ação do código para concretizar o
sob as especificidades. E é isso que planejamento.
estamos fazendo. Não tem nada de A consultora jurídica recon-
inconstitucional”. hece que apenas o código não é
O pedido de ação direta de in- suficiente para a preservação am-
constitucionalidade (Adin) pro- biental, é necessário também que
posta pelo PV foi extinto pela falta a fiscalização seja intensificada.
de legitimidade do partido - que Um agricultor que não quis se
está atualmente sem representa- identificar, de Corupá, no norte do
tividade no parlamento estadual - estado, reconhece estar ciente da
e pelo equívoco da ação, uma vez legislação federal, a qual previa a
que ela foi movida contra o projeto conservação de 30 metros de mata
de lei e não contra a lei aprovada. ciliar, porém, assim como seus
Em junho, o procurador-geral da três irmãos e seus vizinhos, todos
República, Antônio Fernando Bar- produtores da fruta, não a cumpria
ros e Silva de Souza entrou com pela falta de vistorias. Muitos ag-
outra Adin no Supremo Tribunal ricultores preocupam-se mais em
Fonte: Epagri Federal (STF) contra sete arti- não serem multados do que com a
COBERTURA VEGETAL E USO DO SOLO: florestas ainda representam 41,5% do território catarinense gos, além de incisos e parágrafos preservação do meio ambiente.
Florianópolis, julho de 2009
CIÊNCIA Quatro 19

Quando a vida pode ser patenteada?


Debate ético e econômico divide comunidade científica e causa danos à pesquisa e ao comércio

Pedro Spoladore
Thomas Michel

J
á usou ou conhece algum
cosmético feito de Aloe
Vera? São os cremes de
barbear ou hidratantes,
loções, xampus, entre ou-
tros. Esses produtos são impor-
tados e poderiam ser bem mais
baratos não fosse o fato de que
são pagos royalties para usar esse
nome, que é uma marca registrada
da babosa, planta comum no bio-
ma brasileiro.
Casos como esse existem no
mundo inteiro: no México, um la-
boratório processou agricultores
por plantarem feijão Enola, pois
estariam violando sua patente.
Detalhe é que esse grão é nativo
e tem a mesma constituição gené-
tica do feijão Azufrado, alimento
de 98% dos mexicanos. Pior ainda
foi o patenteamento da linhagem
genética de uma índia Guaymi do A empresa Asashi Foods registrou “Cupuaçu” como marca obrigando comerciantes da fruta a pagarem royaltes. A patente caiu
Panamá. Essas patentes, obvia-
mente, caíram, mas há muitas ou- um híbrido. Supondo que uma Palma, defende a propriedade in- diversidades do planeta. acordo sobre a lei de patentes (re-
tras que persistem. empresa use dois híbridos paten- telectual sobre os recursos biológi- Hoje o Brasil faz parte do TRIPs gida por medida provisória) para
O principal argumento usado teados para fazer um novo tipo de cos nacionais, uma vez que 9% das (Acordo Subsidiário em Aspectos seres vivos. Há um projeto trami-
por quem é contra a detenção de tomate, o preço final desse tomate publicações científicas de caráter dos Direitos de Propriedade tando desde 1995 para definir cri-
propriedade intelectual de seres terá royalties das três plantas en- biológico são focadas no bioma Intelectual Relacionados com o térios de acesso à biodiversidade
vivos é que a vida não é uma in- volvidas no processo. do Brasil, e apenas 0,7% desse to- Comércio) que estabelece, entre nacional. Esse projeto, apresen-
venção e não pode ser registrada Outra discussão é que a produ- tal são produzidas por brasileiros. outras coisas, regras para escri- tado pela senadora Marina Silva,
como propriedade intelectual. ção científica brasileira não se pre- Como 0,9% das plantas nacionais tórios de propriedade intelectual. foi reelaborado várias vezes, mas
Além da discussão ética, a paten- ocupa muito em patentear seu co- possuem registro de proprieda- O TRIPs dita critérios básicos de o Ministério do Meio Ambiente
te de seres vivos dá poderes para nhecimento. Uma vez divulgado, de intelectual, há um leque muito patenteabilidade e deixa livre cada ainda não entrou em acordo com o
que se cobrem royalties (espécie o resultado do trabalho não pode grande para que estrangeiros pos- país para decidir se permite o re- Ministério da Ciência e Tecnologia
de taxa por uso do conhecimento ser patenteado por mais ninguém sam patentear plantas nacionais. gistro de propriedade intelectual (MCT) para a finalização do texto.
alheio). Cria-se então um proble- além do autor, desestimulando os Isso pode acarretar em pagamento sobre organismos vivos ou não. Atualmente, o maior impasse é
ma econômico. cientistas a registrarem seus tra- de royalties e taxas de importação A diplomacia nacional luta para que o MCT não aceita a proposta
Royalties podem aumentar mui- balhos no Instituto Nacional de de produtos que existem dentro mudar esse acordo, que dá brechas de que cientistas precisem pedir
to o preço final de um produto, por Propriedade Intelectual (INPI). do próprio país. O Brasil, parti- para biopirataria, já que permite autorização para órgãos ambien-
exemplo: quando se cruza dois ou O professor de biologia da cularmente, sofre muito com isso casos como o do feijão Enola. tais cada vez que forem realizar
mais tipos de tomate, é formado Unesp de Rio Claro, Mário César porque tem uma das maiores bio- Nem dentro do Brasil há um pesquisas.

Requisitos do registro intelectual no INPI No Brasil há regras para


A lei brasileira de patentes pro-
tege a “propriedade intelectual”,
patentear uma proteína que tem
função parecida, mas deixa a
Nesse ponto os EUA também
têm uma política diferente, o
que se registrem vegetais
ou seja, dá créditos ao inventor maça prateada. O pedido de pa- Projeto genoma Humano, por
de determinado processo, pro- tente será recusado. exemplo, aceita patente de pe- A lei de patentes do Brasil não aceita o registro de uma planta in-
duto ou descoberta. Há critérios Atividade inventiva - a des- quenas seqüências de genes, teira, mas dá brechas para dois casos: transgenia e hibridismo.
a serem seguidos: o produto não coberta de uma planta no inte- mesmo que não se saiba o que A transgenia é a inserção de um gene em um organismo. O pro-
pode ser um organismo vivo, rior do deserto do Atacama não eles fazem. fessor geneticista Altamir Guidolin, da Udesc de Lages, explica
nem parte dele, mas há brechas é passível de patenteabilidade, Depois do projeto aprovado, que não é uma tecnologia nova e foi popularizada com a inserção
para proteínas, trechos de DNA pois já existe na natureza. Mas o autor recebe uma carta-patente de genes humanos em bactérias para a produção de insulina. “No
e microorganismos. a descoberta de uma nova prote- lhe dando monopólio do inven- caso das plantas, o que o cientista faz é ‘acelerar’ o processo natu-
O projeto de patente deve ína, ou propriedade, dessa planta to. O técnico do INPI (Instituto ral de mutação e seleção. Ao invés de gastar décadas selecionando
ser apresentado para análise de pode sim ser patenteada. Aqui o Nacional de Propriedade plantas com determinada característica, esse atributo é procurado
técnicos que vão considerar três escritório brasileiro de patentes Intelectual) Josué Lima explica em bactérias que se reproduzem rapidamente. Depois, o gene des-
critérios básicos: diverge com o americano, onde que “de posse dessa carta, o au- coberto é transferido para planta”.
Novidade - além do ineditis- toda descoberta pode ser paten- tor decide como aplicar seu co- Já o hibridismo é o cruzamento de duas, ou mais, cultivares (ex-
mo, um processo já patenteado teada inclusive de plantas, caso nhecimento: pode vender, deixar pressão do inglês que quer dizer “variedades cultivadas”) para for-
não pode sofrer pequenas alte- do Aloe Vera. como ‘uso livre’ ou fazer o que mar uma terceira. Esse cruzamento só pode ser patenteado se ele
rações para ser patenteado de Aplicação industrial - conhe- bem entender. Os royalties são for impossível de acontecer naturalmente. Empresas geralmente
novo. Por exemplo, existe uma cida também por ‘usabilidade’. apenas uma forma de comércio, não requerem a propriedade intelectual sobre híbridos, elas sim-
proteína que deixa a maçã azul, Não se pode patentear uma de- que não está atrelado necessaria- plesmente “escondem” (como segredo industrial) as duas primei-
e, pelo mesmo processo e pela terminada seqüência gênica sem mente à patente” ras variedades que dão origem à terceira.
mesma lógica, outra pessoa quer saber sua função ou aplicação. T.M. T.M.
20 Quatro ESPORTE Florianópolis, julho de 2009

Jovens seguem na onda dos campeões


Em um mercado em que nem todos os fortes conseguem sobreviver, eles pretendem ser exceções

Maria Luiza Gil


Maria Luiza Gil
Tiago Pereira

R
esgate promessas
de qualquer esporte,
que despontaram há
alguns anos. Agora
veja quantas delas
são hoje os ídolos que todos jura-
vam que seriam. Em qualquer es-
porte alguns grandes talentos fi-
cam para trás. E os poucos que
permanecem no topo contam para
os mais novos os segredos que de-
ram raízes às suas carreiras.
Quando Jacqueline Silva come-
çou a competir, era só ela e mais
duas meninas. “Não tinha catego-
ria feminina, a gente corria com
os meninos. E eu nunca me inti-
midei, até porque a pressão era
deles de não perder pra uma me-
nina”.
O surfe começou como
uma brincadeira entre irmãos.
Ninguém mais na família surfa-
va. Jacqueline só foi ganhar uma No Complexo Aranguá, na Praia Mole, as jovens promessas do surfe nacional recebem as dicas da experiente campeã Jacqueline
prancha quando Bira Schauffer,
seu técnico e empresário até ho- De um lado da conversa, al- é viver daquilo. Chega num pon-
Acervo Jacqueline

je, a descobriu na água e lhe deu guém com 20 anos de prancha, do to em que nada mais divide a aten-
uma, aos nove anos. O espor- outro estão os calouros: Carlinhos, ção com o surfe. Aí, só treinando
te, inicialmente, não foi uma me- Júlio, Yuri e Magno. Eles compar- porque é o que vai render os fru-
ta traçada para a vida. Ela estuda- tilham o mesmo sonho, o de com- tos”, afirma Yuri, enquanto con-
va, e surfava por hobby. Na oita- petir entre os melhores surfistas versava, por MSN, com seus ami-
va série estava conciliando o estu- do mundo. gos que ficaram em Garopaba. Ele
do com o Brasileiro Amador, e já Carlinhos, com sotaque nor- larga o computador e conta que
tinha títulos catarinenses na baga- destino carregado, conta que veio até a vida social acaba ficando
gem. “As coisas foram acontecen- de Natal, Rio Grande do Norte. em segundo plano. “A gente con-
do de um jeito que eu não espe- “Deixei todo mundo lá e vim se- segue sair fim de semana quando
rava. Não achei que fosse me dar guir minha carreira”, fala com to- não tem treino. Senão não aguen-
bem e evoluir tão rápido. Quanto da pompa de adulto, aos 14 anos. ta o ritmo. Quando chega à noite,
mais cedo começa, mais fácil é de Tão novo e decidido conta que sua tem que descansar. Você depende
a criança crescer no esporte”. Ao fraqueza é a falta da família que do corpo para se dar bem, tem que
terminar o segundo grau, ela já ele às vezes visita, mas comple- estar inteiro pra competir de igual
não pensava em dar continuidade ta: “Eles encararam numa boa, me pra igual”. Vale a pena? “Claro, é
aos estudos, tinha um bom patro- apoiaram e ainda apoiam. Sei que o que eu quero. Você abre mão de
cínio. A carreira profissional era sou novo, mas a carreira começa algumas coisas quando opta por JACQUELINE SILVA: brincadeira de criança virou paixão e profissão
inevitável. desde pequeno”. ser atleta”.
Aos 17 anos era a melhor ama- Aos dez anos pegou o gosto pe- E os meninos sabem o que os e com quatro anos já tinha patroci- saber que hoje as meninas se es-
dora do mundo e, ao se profissio- lo esporte. Dali a iniciar a carrei- espera. A evolução que acompa- nador. Mas o estalo de ser profis- pelham em mim”.
nalizar, aos 18, foi eleita revela- ra foi um pulo. Olheiros o encon- nha o esporte, deixa-o ao mesmo sional veio com sua primeira via- O mais tímido, Magno Pacheco,
ção do ano. Dali deu grandes pas- traram em campeonatos, e o enca- tempo mais injusto. O mercado gem internacional, para o Hawaii. de 20 anos, confessa que a via-
sos até o vice-campeonato mun- minharam para a vida de treinos não consegue absorver toda a de- Quando conseguiu o patrocínio da gem dos sonhos mexe com a ca-
dial, auge da carreira, em 2002. e responsabilidades de um garoto manda de talentos, e bons atletas Mormaii, começou a ter contato beça dos jovens. “Vi que era o que
Àqueles que sonham alcançar o patrocinado. Os treinos são pen- acabam ficando sem patrocínio. com Ian Gouveia, filho do surfista eu queria quando viajei, corri com
patamar de Jacqueline, a catari- sados para o preparo não só físico “Vida de surfista é competir, trei- profissional Fábio Gouveia. os surfistas que saiam nos filmes.
nense recomenda determinação e e técnico, mas também psicológi- nar, viajar, pegar patrocínio. Surfe A amizade o colocava no dia- Eu via os caras nas ondas ‘grin-
persistência. “Não pode desistir co. Apesar de ainda serem jovens, não é mais coisa de vagabundo, é a-dia de um ídolo. “Ver como ele gas’ da Indonésia, Hawaii, ficava
fácil, quando se tem um objetivo, sabem que não existe atalho para um trabalho. E para quem está co- é na vida real é muito legal. Tudo imaginando como seria”. Aí es-
é só correr atrás. Dificilmente vai uma carreira de sucesso. O surfe meçando, a vida é difícil. A gra- que ele faz tu absorve para a car- tá um obstáculo, como conseguir
dar errado, pois quem sabe o que é um trabalho como qualquer ou- na só vem dos patrocínios e é pa- reira. Já peguei onda com ele, ele dinheiro para as viagens. Ter pa-
quer, faz com gosto”. tro. Aqueles que mais trabalha- ra os surfistas que correm o mun- via o meu surfe, dava opiniões”. trocínio coloca esses meninos no
Quando fala de estrutura, não rem e investirem terão os melho- dial. Entrar de cabeça assim é ar- Esse vislumbre é comum até pa- grupo dos privilegiados. Por is-
esconde a gratidão por Bira e sua res resultados. E sinônimo de su- riscado, mas é o que a gente quer”, ra Jacqueline. No primeiro mun- so, apesar da distância da famí-
família. “O segredo do sucesso é cesso para esses jovens atletas é o arremata Julio Terres, que ainda dial “foi estranho me dar con- lia e de ter perdido parte da infân-
talento e estrutura. O que seria circuito mundial onde competem compete entre os amadores, on- ta que estava competindo com as cia pensando na vida adulta, pare-
de mim sem o apoio da minha fa- os 45 melhores do mundo. “Todo de já ocupou o terceiro lugar no pessoas que via na revista”. A par- ce que para esses garotos as difi-
mília? Se não tivesse conhecido o mundo quer ser campeão mun- ranking brasileiro. tir daí, sabendo de seu pioneiris- culdades se tornam menores, pois
Bira, que me deu minha primeira dial”, justifica Yuri que este ano, Julio é manezinho da ilha e nas- mo, e de sua responsabilidade co- estão atrás de um sonho. A expec-
prancha? Isso tira a pressão, por- aos 18, entrou para as competi- ceu com o surfe no sangue. O pai mo tal, procurou manter uma pos- tativa é que esses jovens consi-
que tu sabes que tem uma pessoa ções profissionais. “Quando você o levou para o mar com dois anos, tura profissional, para dar o exem- gam pegar boas ondas a exemplo
que está cuidando de tudo pra ti”. se torna profissional, a tendência deu uma prancha “da Jacque até”, plo. “E é uma satisfação enorme de Jacqueline.
Florianópolis, julho de 2009 ESPORTE Quatro 21
Daniel Zabot / Goitakarugby.blogspot

SCRUM DO GOITAKA (à direita): equipe que treina no campus da UFSC ficou em penúltimo no Seven de Curitiba, mas não deixou de comparecer ao “Terceiro Tempo”

Um esporte exótico no país do futebol


Popular em 120 países, rugby brasileiro ainda não se dinfundiu além da comunidade universitária
Apesar de antigo, foi feito muito Norte de Florianópolis, onze pes- dades: 7, 10 ou 15 jogadores. Por vai chegar com força descomunal
Marcone Tavella pouco para que se consolidasse o soas, na maioria universitários, se isso, uma equipe forte e competi- no jogador do outro time, pois
rugby entre os esportes popula- encontravam para mais um treino tiva tem que ter, primeiramente, o além de machucá-lo você acaba
res. Ao longo dos anos, algumas do Goitakarugby. Penúltimo co- dobro do números de titulares. A se machucando também”, explica
“O maior mal do partidas foram realizadas no eixo locado do Seven de Curitiba, no maior causa da falta de jogadores Felipe Rocha. “Qualquer choque
Rio-São Paulo ou em confrontos começo de 2009, o time não tem no Goitaka é a alta rotatividade, mais forte que acontece no jogo,
rugby brasileiro é internacionais, estes com menor muitas pretensões que não seja a pois muitos se formam, mudam de fica no jogo. Isto é muito presente
incidência. Os estados mais fortes de se divertir, garante o treinador cidade, ou simplesmente param de no rugby”, acrescenta Karasiak.
existir no país do são Rio de Janeiro, Rio Grande do Felipe Karasiak, 26 anos, estudan- jogar. Existem regras para tacklear um
Sul e São Paulo. Santa Catarina, te do curso de Educação Física da Outra dificuldade, relacionada adversário. Tackle é a ação pela
rei do futebol”

E
assim como o estado do Paraná, UFSC. muito mais à popularização des- qual o jogador com a bola é der-
vem se organizando apoiados pela O treino do Goitaka começa com se esporte, é a pouca difusão nos rubado pelo oponente. O contato
sta frase, do jorna- experiência do estado gaúcho. alguns exercícios de coordenação meios de comunicação. Somente tem que acontecer de modo a não
lista Éric Frósio, em Mesmo assim, possui destaques motora, velocidade e impulsão. “A alguns canais de TV a cabo trans- oferecer riscos à integridade física
matéria publicada no como o próprio Desterro RC, tri- primeira coisa que a gente trabalha mitem partidas de rugby. A saída é dos jogadores. É proibido, portan-
jornal esportivo fran- campeão brasileiro e o Coritiba com quem chega aqui é aprender a internet. É ritual dos membros do to, efetuar um tackle segurando o
cês L’Equipe, traduz RC (Unibrasil RC), uma das equi- a correr”, esclarece Karasiak. O Goitaka se reunirem todas às se- oponente na altura do pescoço ou
bem a realidade deste esporte no pes com melhor estrutura no cená- motivo para explicar o que para gundas para tomar cerveja e acom- cabeça, assim como não é permi-
Brasil. A seleção brasileira mas- rio nacional. muitos esportistas soaria como es- panhar à partidas baixadas da rede. tido desestabilizar o jogador pelo
culina, que ocupa a 27ª posição Disputado em mais de 120 tranho está ligado à ideologia da “Há dez anos era muito pior. Não tornozelo com a mão ou o pé.
no ranking da International Rugby países, é extremamente popular equipe. “Aquele rejeitado no fute- existia nem material esportivo de Uma regra não oficial compar-
Board (IRB), nunca se classificou sobretudo nas partes do mundo bol, muito baixo para o basquete, rugby. O que tínhamos era trazido tilhada entre os praticantes é o
para a Copa do Mundo. O even- de forte influência inglesa, como gordinho ou nerd e não tem cos- de fora, bem mais caro. Hoje uma “Terceiro Tempo”. Consiste em
to acontece a cada quatro anos e nas Ilhas Britânicas, na Austrália tume de praticar esporte é muito bola oficial custa em torno de 60 uma reunião das duas equipes,
só perde para Copa do Mundo de (conhecido como Wallabies), na bem-vindo reais”, analisa após o jogo, para comemorar e co-
Futebol e Jogos Olímpicos em nú-
mero de telespectadores.
Nova Zelândia (All Blacks) e na
África do Sul (Springboks), além
no Goitaka”,
conta, entre “Aquele rejeitado Felipe Rocha.
Além da
mentar lances e expectativas dos
dois times. Qualquer rivalidade é
Com 200 milhões de habitantes, da França (Les Bleus). É tam- risos, o trei- nos outros esportes bola oval, é esquecida, reinando o companhei-
aproximadamente 5 mil jogadores
são licenciados junto à Associação
bém bastante difundido na Itália
(Gli Azzurri), na Argentina (Los
nador.
Segundo ou que não costuma necessário
um calção,
rismo, característica forte do es-
porte. Tradicionalmente, o time da
Brasileira de Rugby, órgão regu- Pumas) e no Uruguai (Los Teros). Felipe Rocha, praticá-los é bem um meião, casa banca toda a bebida, indepen-
lador deste esporte no Brasil. Em A última final do maior torneio 31 anos, árbi- camiseta de dentemente do resultado do jogo.
todo território nacional existe ape- de clubes europeus, a Heineken tro e jogador tecido leve e O Goitaka tem o Donovan Irish
nas um campo oficial. A maioria Cup of Rugby, ocorreu no dia 23 do Goitaka, uma chuteira Pub como bar oficial para seu
dos praticantes joga em campos de maio de 2009, em Murrayfield, o rugby tem como maior reduto a de cravo ou tênis esportivo para Terceiro Tempo. Com temática
de futebol, praias, terrenos ou em na Escócia. Mais de 60 mil pesso- comunidade universitária. Times começar a jogar rugby. Tem que irlandesa, o local tem sempre um
espaços gramados. as acompanharam o time irlandês como o Goitaka são comuns em ter consciência das prováveis le- jogo de rugby passando no telão.
O rugby chegou ao Brasil no sé- Leinster vencer a equipe inglesa várias capitais brasileiras. Quase sões. “Uma hora ou outra você vai Eventualmente cenas como ho-
culo XIX. Segundo o historiador do Leicester Tigers, por 19 a 16, e a totalidade destes partilham das se machucar”, adianta o técnico mens robustos com copo de cer-
Paulo Várzea, Charles Miller, o conquistar o seu primeiro título na mesmas dificuldades. No caso da Karasiak. Apesar de muito contato veja na mão, rebolando e cantan-
mesmo responsável pela a introdu- competição. equipe de Florianópolis, por exem- físico, com choques constantes en- do músicas indecifráveis também
ção do futebol no país, teria orga- Exatamente uma semana antes, plo, o maior problema é a falta de tre os oponentes em busca da bola, acontecem. São jogadores de ru-
nizado, em 1895, o primeiro time em um dos campos de futebol do jogadores (são cerca de 12). O engana-se quem pensa que existe gby, desse esporte exótico no país
de rugby brasileiro, em São Paulo. Jurerê Sports Center (JSC), no rugby é praticado em três modali- violência nesse esporte. “Você não do futebol.
22 Quatro CULTURA Florianópolis, julho de 2009
Divulgação

A Erva do Rato de Julio Bressane inaugurou o 13º FAM. Selton Mello e Alessandra Negrini contracenam na livre adaptação de dois contos de Machado de Assis

Esqueleto, ghost-writer, câmera, ação


13º Festival Audiovisual Mercosul abre portas para o cinema brasileiro e co-produções internacionais
plação dos objetos da realidade. cesa (convidada para o festival em Brasileiro é dependente cativo de vendo o trânsito de equipamentos,
Dael Limaco
Uma fita que está para a Literatura função do ano da França no Brasil) auxílio estatal. pessoas e negativos entre os paí-
Guilherme Lopes Souza

O
como está para o extra-tela; hiper- e se desdobrava em sessões infan- Foi a partir dos anos 90 que os ses. A partir de 99, O FAM passou
realidade que alcança um enceta- to-juvenis e filmes de diversos paí- incentivos mistos (privado e esta- a ser também um festival, com
Brasil tem 2.300 mento com o que vai a frente do ses, como Portugal e Peru. À tarde, tal) começaram a se tornar mais exibição de curtas e longas ibero-
salas de cinema. É pano branco, tornando rota toda a convidados ligados à produção ci- comuns. Até aí o cinema sobrevi- americanos.
do tamanho de um ordem quando culmina em sessões nematográfica debatiam temas po- via basicamente de investimentos La Buena Vida, co-produção
continente e sua po- de fotografia erótica que Ele agen- líticas relativas ao desenvolvimen- particulares. São diversos os meios entre Chile, Argentina, Espanha,
pulação soma 190 da com o esqueleto d’Ela. to do setor no Fórum Audiovisual pelos quais uma obra pode anga- França e Reino Unido – é um filme
milhões. A divisão faz uma sala Bressane faz filmes desde o fi- do Mercosul. O público, bastante riar recursos públicos no Brasil. de histórias que correm paralelas e
por 83 mil habitantes. As salas, nal da década de 60. Foi o cario- reduzido nos eventos diurnos, au- A mais comum é pelo abatimento se cruzam à sorte do acaso. Como
por sua conta, estão em complexos ca de maior destaque no Cinema mentava substancialmente à noite, de imposto de renda de uma com- na vida, não há um enredo princi-
de cinema, usualmente em me- Marginal. Junto a Rogério proporcionando o verdadeiro cli- panhia pela Lei do Audiovisual pal que domine a ação na película,
gashoppings, e esses contam ape- Sganzerla e André Tonacci, deu ma do festival quando se reunia ou pela Rouanet – lei para a qual apenas pessoas lutando para solu-
nas 816. Um complexo de cinema impulso ao movimento de contra- para assistir e comentar os cur- há, devido a novas proposições cionar as circunstâncias a que estão
para 232 mil pessoas, se a equação cultura que se propunha a fazer fil- tas-metragens por parte do atreladas. As causas que as movem
desconsiderar, erradamente, a pro- mes baratos e sujos e questionava 35mm da mos- Ministério da são sublinhadas por buscas obsti-
porção entre as regiões. Um qua-
dro mais aproximado revela que
as narrativas cinematográficas en-
tão utilizadas. Num país que desco-
tra competiti-
va e os longas 10% do público Cultura, uma
acalorada dis-
nadas ou caóticas em busca de um
encontro com a felicidade. Buscas
de 2.300 salas 1.100, quase meta- nhece o próprio cinema, Bressane convidados. que foi ao cinema cussão envol- grandiosas ou singelas, a depen-
de, estão nos estados de São Paulo
e Rio de Janeiro. Panorama que
é um nome acertado para o iní-
cio do 13º Festival Audiovisual
A primeira
noite do evento no ano passado vendo os diver-
sos setores de
der dos dilemas criados a cada
decisão. Comprar um carro, entrar
do primeiro momento nos apon- Mercosul, o FAM. Segundo Jair recebeu o único assistiu a filmes produção artís- para a Filarmônica ou sobreviver à
ta: o Cinema, das criações mais
deslumbrantes do século XIX, a
Fonseca, professor de Literatura e
Cinema da Universidade Federal
rolo d’A Erva
do Rato dispo- brasileiros tica e cultural
do país. Há ain-
miséria são sonhos, objetivos, que
têm igual importância para quem
Sétima Arte que veio a colocar to- de Santa Catarina, trata-se de um nível no Brasil da os Funcines, os vive. A narrativa do filme tem
das as outras num pacote só, ainda filme experimental, que não com- - a França re- fundos criados o ar da simultaneidade com que
não é uma realidade disseminada pete no circuito das salas de cine- cebeu quatro cópias -, sintoma de por empresas ou sindicatos, doa- a vida se desenrola; forma uma
por todo o Brasil, é para minorias ma. O tipo de filme para o qual os uma certa deficiência a que a pro- ções por pessoa física, incentivos colcha de retalhos em pleno coser
metropolitanas, é para raros. festivais têm maior importância. dução audiovisual está sujeita no municipais e estatais. – as partes se tocam e se alteram
A Erva do Rato, longa de Julio Em todo o Brasil, 50 mostras dão próprio país. Do total de pessoas Como seminário, para debate de –, é impossível precisar os efeitos
Bressane, conta uma história sim- conta de disseminar parte da cres- que foram ao cinema no ano pas- leis e parcerias, o FAM começou que os sonhos de uma pessoa vão
ples, balizada por dois contos de cente produção cinematográfica sado, apenas 10% assistiram a fil- em 1997. Em carta que resultou da ter sobre os de outra.
Machado de Assis. A Causa Secreta brasileira. mes brasileiros. Um dos motivos é primeira edição, a principal reivin- Não é a primeira co-produção
e O Esqueleto, associação que em A 13ª edição do FAM, que ocor- a falta de salas em todo o território dicação era a isenção de impostos apresentada por Andrés Wood
si traz o germe do inusitado, ma- reu de 5 a 12 de junho na UFSC, e o alto custo dos ingressos, que na alfandegários para equipamentos no Festival. Em 2004, o filme
téria-prima do filme. Ele e Ela, contemplou cerca de duzentos fil- década de 70 já custou um dólar e entre os países do mercado co- Machuca, sobre o golpe militar
assim se chamam Selton Mello mes, distribuídos em 13 mostras hoje custa oito vezes mais. Outro, mum. Cláudio MacDowel relatou, chileno, foi fruto de colaboração
e Alessandra Negrini, juntam-se espalhadas pelos auditórios da a desproporção entre os cerca de em 98, a saga que viveu na pro- com a Espanha. A seleção do fes-
sob o teto de uma casa colonial, Universidade. A despeito do frio, 80 longas nacionais produzidos dução de O Toque do Oboé, com tival esse ano deixa evidente que
em paz, com preocupações cruas todas as manhãs, a programação anualmente contra 400 dos Estados o qual gastou R$ 30 mil acima do a co-produção é das principais
numa vida de singular contem- começava cedo com a mostra fran- Unidos. Resulta daí que o Cinema previsto em burocracias envol- alternativas para tornar um filme
Florianópolis, julho de 2009 CULTURA Quatro 23
financeiramente viável e compe- tos porque não há uma calha que Festival. O público lotou o auditó- Afora o distanciamento da Este ano, a Cinemateca disponibi-
titivo no mercado externo. Mas garanta recursos para co-produ- rio para assistir à película que che- academia de cinema, que é uma lizará R$ 1,9 milhão divididos en-
ainda que tenham predominado na ções, inclusive quando o investi- gou ao FAM em condições bem realidade de apenas 40 anos no tre 17 projetos de documentários,
tela – quatro dos sete longa-metra- mento brasileiro é minoritário. A diversas às do filme de estréia, A Brasil, pode soar ingênuo apon- curtas e longas.
gens exibidos na mostra principal Argentina, por exemplo, garante Erva do Rato. Budapeste é resul- tar que o conteúdo do festival Como o húngaro (dita a úni-
foram parcerias internacionais –, anualmente mais co-produções tado de co-produção entre Brasil, seja subutilizado, quando o pró- ca língua que o diabo respeita),
as co-produções têm de enfrentar com Alemanha, Tchecoslováquia, Portugal e Hungria e conta com 80 prio acesso, e, portanto, a noção Cinema é algo que se apreende por
os mencionados entraves burocrá- Espanha do que com o Brasil. cópias em circulação. José Costa é e a necessidade de (re)conhecer o confronto e exposição. Nesse sen-
ticos. Beto Rodrigues e Assunção um escritor que não pode revelar a Cinema Latinoamericano, sejam tido, os festivais são janelas para
No Brasil, a responsabilidade Hernandez compuseram ambos autoria de seus livros e assim não desconhecidas. Atualmente, 80% o diálogo e principalmente para a
de revisar e apurar os mecanismos a mesa do fórum Os parceiros da se sente autor nem da própria vida; dos recursos obtidos através da projeção no pano branco; no fim, o
de cooperação em acordos multi- política de cooperação audiovisu- porta-se como um fantasma que Rouanet, por exemplo, ficam no que realmente importa.
laterais é dividida entre Secretaria al no âmbito ibero-americano. Em nunca está em circuito Rio- O livro de Chico Buarque fala de
do Audiovisual, do Ministério contraste com a urgência do tema, lugar nenhum. São Paulo. Em um escritor-fantasma e suas obras,
da Cultura, Instituto de Cinema
e Audiovisual (ICA) e Agência
preenchiam a sala dez pessoas,
tornando o debate em torno da co-
Walter Carvalho
deixa explícito
“As políticas de abril, o Ministro
da Cultura Juca
metalinguagem que o longa tam-
bém explora. A certa altura Costa
Nacional do Cinema (Ancine). produção, distribuição e exibição o deslocamento co-produções Ferreira anun- fala em direção a câmera, como
Segundo Beto Rodrigues, da pro-
dutora porto-alegrense Panda
dos filmes no Mercosul um ponto
de encontro para uma dezena de
do personagem
quando Costa,
no Mercosul ciou que o
novo texto da
que consciente do espectador e de
sua atuação. Na cena final, a au-
Filmes, a sinergia política no pessoas que já se conheciam. Ao de longe, obser- melhoram lei, feito para diência é confrontada ela mesma
Mercosul tem melhorado pou-
co a pouco. “Em 2004, eu penei
contrário das exibições em tela,
nenhuma das mesas ou palestras
va a si mesmo,
na cama, fazen-
pouco a pouco” regular essas
distorções, está
a uma câmera, como estivesse a
ser gravada. A autoria, a experiên-
para conseguir um produtor que propostas, de interesse para quem do sexo com a parcialmente cia, a interpretação dependem do
se interessasse pelo nosso filme produz cinema, alcançou público mulher. Fala-se definido. Outras outro. Por último, o que se ouve é
[Diário de um Novo Mundo]. significativo. O que parece mais em húngaro durante metade da medidas de incentivo ao audio- “corta, valeu”.
Hoje, eu tenho pelo menos cin- estranho se considerarmos que película, que explora o poder da visual aos poucos começam a se
co projetos com outros países do Florianópolis possui dois Cursos linguagem como aquilo que dá estabelecer no país. Um importan-
bloco”. Mas o avanço é relativo. de Cinema. significado aos sentimentos. Em te evento que ocorre desde 2007
Assunção Hernandez, da paulista Budapeste, adaptação às telas Budapeste, Costa se apaixona por no FAM é a abertura do Edital
Raiz Filmes, aponta que o Brasil do livro de Chico Buarque dirigi- uma língua indecifrável e por uma Prêmio Cinemateca Catarinense -
deixa de realizar diversos proje- da por Walter Carvalho, encerra o mulher disposta a ensiná-la. Fundação Catarinense de Cultura.

Dez horas de estrada, duas de música


Em uma excursão rumo a um show de rock, a viagem pode ser tão divertida quanto o próprio destino
conhecer só Wonderwall e Live bocado com o público entre uma

Marina Lopes
Marina Lopes Forever, sabe?” Sei. Mas preferi música e outra, mas seu sotaque

D
não mencionar que não sei cantar britânico é tão enrolado que é
todas as músicas do Oasis. difícil entender algo do que ele diz.
ez de maio, O grupo de amigos de Bernardo Além de um ou outro “thank you”,
domingo. Dia das é um dos mais animados. Todos a única coisa que todo mundo
mães. Hora de estar vestindo camisetas do mesmo time entende é um “fucking amazing”
em casa, almoçando de futebol, André Lui, Leonardo no final de uma frase. Então tá.
em família, com a dos Santos, Eduardo Drapichinski No caminho de volta até o
mãe e a avó. Típico programa de e Samuel de Oliveira parecem ônibus, ainda dá para comprar
dia das mães, mas não para todo mais estar indo a um jogo do que uma camiseta de recordação.
mundo. Ao meio-dia e meia, mais a um show. Mas logo se enturmam Um menino pechincha com um
de oitenta pessoas embarcam em com o pessoal das camisetas de vendedor: “Não dá prá fazer por
dois ônibus no Terminal Cidade de banda. Tem de tudo: The Police, quinze?” O vendedor diz que não,
Florianópolis, o “terminal velho”. Incubus, ACDC, U2. E Oasis, que a camiseta custa vinte e cinco
Depois de meia hora de atraso, muito Oasis. Lá pela metade da reais. “Então faz duas por trinta?”
os ônibus partem em direção viagem, quando os passageiros Não sei se ele estava falando sério,
a Curitiba e ao show da banda parecem estar ficando cansados e mas o vendedor não teve paciência
inglesa Oasis, marcado para as silenciosos, Guilherme Linhares, para responder.
sete e meia da noite. devidamente uniformizado com DISTRIBUIÇÃO DE INGRESSOS: VIP ou não, todos querem o seu Na volta, com as pernas doendo
Pensando em números, não uma camiseta branca com o logo de tanto pular e as luzes apagadas,
parece uma troca justa: são cinco do Oasis, reclama: “Que silêncio eles vão tocar no show”, comenta show do Cachorro Grande dura é impossível se animar a continuar
horas de viagem, duas horas e meia é esse, gente? Parece mais uma Gladys Taparello, animada. E pouco mais de meia hora, e então cantando. Não sei se na volta
de show (incluindo a abertura da excursão indo para Nova Trento como ela sabe? “Eu vi na Internet o vocalista Beto Bruno conclui: da excursão da Madre Paulina
banda gaúcha Cachorro Grande), e ver a Madre Paulina do que uma o show deles no Rio. E a set list “Tá bom, a gente sabe que vocês o pessoal dorme, mas na volta
mais cinco horas para voltar. Isso excursão para ver um show de vai ser a mesma. Pena que não vai só vieram aqui para ver o Oasis. do show do Oasis, sim. Até o
considerando que é domingo, dia rock...” E, pegando o violão, puxa ter Stop Crying Your Heart Out”. Então vamos deixar vocês verem Guilherme, que eu vi. E chegando
das mães, e que no dia seguinte há o coro: today is gonna be the A chegada na Arena Expotrade, eles de uma vez”. em Florianópolis ainda teremos
faculdade e trabalho pela frente. day that they’re gonna throw it em Curitiba, é tumultuada. Todo Gladys tinha razão: Lyla é que caminhar até o TICEN e
“Ah, mas não interessa, onde o back to you. Logo todo mundo se mundo quer ser o primeiro a a segunda música do show. garimpar um ônibus para casa,
Oasis vai eu vou”, diz Bernardo junta à cantoria. E não fica só em correr para a fila. Por causa do Wonderwall é a décima quinta naqueles horários raríssimos
Santos, logo depois de pedir Wonderwall, claro (porque fã que atraso, a excursão chega depois – uma “surpresa”, brinca Liam de meio de madrugada... Mas
ao responsável pela excursão é fã sabe cantar todas as músicas). que o show do Cachorro Grande já Gallagher, o vocalista, como se alguém reclama? Longe disso.
que ligue um CD que ele e seus Cada um pede a sua favorita, e, começou. É ao som estranhamente ninguém estivesse esperando por Antes de dormir, dois meninos
amigos trouxeram. Do Oasis, quando uma das músicas está além apropriado de Que Loucura que ela. Eles cantam todas aquelas ainda levantam e perguntam ao
naturalmente. “Já fui no show das habilidades do responsável finalmente avistamos o palco, músicas que o pessoal já tinha responsável pela excursão se ainda
deles em 2006, quando vieram ao pelo violão, o instrumento troca quase atropelando a moça da cantado lá no ônibus – e mais tem ingressos para o show do Oasis
Brasil. Mas queria mesmo ver um de mãos. E lá vem Champagne bilheteria para poder entrar. Se Morning Glory, Rock’n’Roll Star, em Porto Alegre, que aconteceria
show deles na Argentina. Dizem Supernova, The Masterplan, enfiar no meio da multidão até Cigarettes and Alcohol... Mesmo na terça-feira. É, parece que valeu
que lá o pessoal é fã mesmo, Supersonic... E Lyla? Ninguém finalmente alcançar a grade é com reputação de arrogante e mal- a pena. Como bem disse Liam
canta todas as músicas, nada de sabe tocar Lyla. “Mas tudo bem, apenas o começo da diversão. O humorado, Liam conversa um Gallagher: fucking amazing.
24 Quatro ARTE URBANA Florianópolis, julho de 2009

Na rua é protesto, na galeria vira arte


O graffiti se originou da pichação, adquiriu valor estético e artístico e ganhou espaço nos museus
desde janeiro de 2007, muitas pin-

Acervo pessoal - Driin


Ana Clara Montez
turas foram apagadas, inclusive

B
desenhos de grafiteiros famosos
como os Os Gêmeos, Nunca e
em no centro de Nina. O secretário das sub-prefei-
Florianópolis, en- turas, Andrea Mattarazzo, alegou
tre a Praça XV e a que as empresas terceirizadas mui-
Catedral Metropo- tas vezes não distinguem o grafite
litana, na Rua Arci- da pichação e acabam cometendo
preste Paiva, um muro chama equívocos.
atenção. A imagem de uma menina O problema é: quem vai julgar
de olhos fechados segurando um o que é arte ou não? Esse é um dos
guarda-chuva, como se estivesse motivos que levam alguns artis-
sendo levada pelo vento, contras- tas a não fazer convênios com o
ta com o cenário sério da cidade. governo. “A Prefeitura quer fazer
O desenho foi feito pelo grafitei- parcerias, nós é que não queremos,
ro Pedro Teixeira, conhecido por pois para ter um projeto é necessá-
Driin, e remete ao quadro “Vento rio um layout sujeito a aprovação.
sul”, do catarinense Hassis. “A ci- E quem vai dizer o que é bonito
Grafite inspirado na obra “Vento Sul”, de Hassis, contrasta com a seriedade do centro da capital
dade já é caótica, as relações hu- ou não para a população? Agora
manas são ridículas. Quando eu conhecido como Rizo, 21 anos, ou depreciação. É usar e modificar portado e começa a atirar. Eu saí eles vão virar curadores de arte?”,
ponho isso na rua, chama a aten- estudante de Publicidade, “não o espaço urbano. É técnica, arte e correndo. Em compensação, outro questiona Rizo.
ção das pessoas”, diz Driin, 29 tem como distinguir graffiti e pi- cultura, além de ser um registro dia, no sul da Ilha, comecei a pin-
anos, formado em Design Gráfico chação. Os dois têm a mesma raiz: histórico, porque representa o que tar o muro da casa de um pescador, Graffiti e arte
e atualmente cursando mestrado transgredir, causar reação nas pes- as pessoas estão vivendo no mo- e eu não tinha levado comida. O Em 1938, a obra de um grafiteiro
em Artes. soas. O que muda é a intenção”. mento”, explica Rizo. dono da casa não reclamou e ainda americano foi exposta no Museu
Como esse, existem mais vá- Muitos grafiteiros respeitáveis me ofereceu alguma coisa para be- de Arte Contemporânea de São
rios grafites espalhados por outros vieram da pichação, como os bra- Preconceito ber. Aí, ele chega com uma cesta Paulo (foi o primeiro do país a
pontos da cidade, como na Beira sileiros Os Gêmeos, que já pin- “Spray na mão é sinônimo de cheia de tainhas. Eu pedi para dar adquirir este tipo de obra para seu
Mar, Lagoa, em túneis e viadu- taram várias paredes no mundo, marginal”, afirma Driin, “Até Os uma olhada, pois estava fazendo acervo). De lá para cá, o graffiti se
tos. Apesar de ser reconhecido por incluindo a grande fachada do mu- Gêmeos, cuja tela custa no míni- uma Bernunça (personagem do espalhou pelas metrópoles brasi-
muitos como uma forma de ex- seu de arte moderna Tate Modern, mo 100 mil reais, quando estão Boi de Mamão) e queria colocar leiras.
pressão artística – arte urbana – há em Londres. pintando em São Paulo, são para- uns peixes na textura. Depois, Há muita polêmica sobre esse
muito preconceito e desconheci- Nem sempre essa prática é fei- dos pela polícia.” “Eu já fui preso ele fez aquelas tainhas de almoço assunto. Driin e Rizo têm a mesma
mento com relação a essa prática. ta com autorização. Um grupo de várias vezes. Uma vez, eu e meus e me chamou para comer junto”, opinião: graffiti é na rua. Quando
amigos escolhe o muro, pega os amigos estávamos pintando um conta Driin. sai de lá, é outro processo que
Pichação X Graffiti materiais e passa o dia pintando, túnel no Kobrasol. Era um espaço pode utilizar a mesma técnica.
Pichação é considerada vandalis- ou seja, tiram dinheiro do próprio zoado. O cara da concessionária Legislação Para Driin, a galeria dá espaço e
mo, um ato ilegal produzido à noi- bolso para isso. “Embora seja ile- que toma conta do túnel chamou No Brasil, há uma lei que consi- suporte. “O cara que canta, vende
te. Geralmente, são frases de pro- gal, é para melhorar”, diz Rizo. a polícia. Era meia-noite, a gente dera crime pichar, grafitar ou por música. O cara que desenha, ven-
testo ou forma de demarcação de A escolha do local depende do tinha passado o dia inteiro lá e fal- outro meio agredir qualquer pré- de desenho. Não vejo problema
território entre gangues, feitas com bom senso de cada um. Driin, por tavam cinco minutos para acabar dio ou monumento urbano. A pena em usar a estética do graffiti para
tinta spray, de uma cor só. Desde a exemplo, prefere muros que este- o painel. Eu queria terminar, mas de detenção é de três meses a um decoração, telas, porque esses tra-
Antiguidade, é possível encontrar jam abandonados, depredados. A a polícia não deixou e nós fomos ano e multa. No entanto, a situa- balhos te dão dinheiro para poder
elementos desta prática. decisão do que vai ser desenha- levados para a delegacia. A gente ção atual é bem diferente. Além pintar na rua”.
A palavra grafite vem do ita- do também varia. “Cada espaço mostrou uma foto para o delegado de essa prática ser cada vez mais “Eu, particularmente, não con-
liano graffiti. É utilizada desde o pede uma coisa. O bom grafiteiro e ele disse que não tinha motivo aceita, ela recebe, muitas vezes, sidero arte”, confessa Rizo. “Para
Império Romano e significa “es- tem que saber reconhecer isso. O para a gente estar lá e liberou”, incentivo público. Mas tudo isso mim, arte é expressão pessoal e
crita feita com carvão”. Hoje, o graffiti é uma reposta ao que a ci- relata Rizo. Mesmo com esses ris- é muito subjetivo. Em São Paulo, graffiti, coletiva. Quando você
termo se refere, em princípio, a dade passa”, explica Rizo, que é cos, ele não desiste. “Me arriscar é a ex-prefeita Marta Suplicy apoia- está pintando na rua, seus amigos
desenhos bem mais elaborados, paulistano e mora aqui desde os uma forma de dizer que não estou va a prática, financiou projetos e te dão opinião sobre o que ficaria
de várias cores, com valor estéti- 13 anos. calado”. incluiu o dia 27 de março, “Dia legal em determinada parte. Não
co, aceito como expressão artística “Graffiti não é bonzinho, é uma “Uma vez, eu fui pintar lá no do Grafite”, no calendário de co- tem ego, aquela coisa de ‘a minha
contemporânea. transgressão”, diz Driin. “É para alto do morro da Lagoa. Eu fiquei memorações da cidade. Já o atual obra é intocável’. É efêmero, não
fazer pensar. Graffiti oferece arte um tempão raspando o muro que prefeito, Gilberto Kassab, retirou fica presa no tempo. Não é igual
Transgressão para as pessoas, sem restrição de estava todo podre. De repente, o dia 27 do calendário e, por conta à Monalisa, que é sempre a mes-
Para o grafiteiro Rodrigo Finone, público. Fica livre para apreciação chega um cara, num carro im- da lei “Cidade Limpa”, em vigor ma”.
Acervo pessoal - Driin

Desenho de uma bernunça (personagem do Boi de Mamão), no Sul da Ilha, por Driin. O grafiteiro se inspirou nas tainhas que o dono da casa tinha acabado de pescar

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