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Processo: 0373507-3

Ação demarcatória c/c reivindicatória. Fixação de novos marcos entre as propriedades e


reivindicação da área invadida. Possibilidade de cumulação. Adequação do procedimento.
Invasão de parte de terreno alheio. Planta original de loteamento. Documento prevalecente.
Perícia realizada. Inexistência de prova que lhe retire a veracidade. Usucapião. Possibilidade de
argüição em defesa. STF, Súmula 237. Inobservância, no entanto, dos artigos 942 e seguintes
do Código de Processo Civil. Recurso desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n.º 373507-3, de Almirante
Tamandaré, Vara Cível e Anexos, em que são apelantes Leonardo de Paula e Vitória Pilar de
Paula e apelados, João Edgar Shermack e Francisca Martins Shermack.

Exposição

1. João Edgar Shermack e sua mulher Francisca Martins Shermack ajuizaram ação
demarcatória cumulada com restituição de área e perdas e danos em face de Leonardo de
Paula e Vitória Pilar de Paula, relatando que são legítimos proprietários do imóvel urbano
matriculado sob o n.º 1.060 no Cartório de Registro de Imóveis de Almirante Tamandaré.
Sustentaram que pretendendo edificar sobre o imóvel e utilizar seus direitos de proprietários
tiveram dificuldades em razão da inexistência de marcos que delimitassem os imóveis vizinhos,
estando um deles a invadir a área que lhes pertence. Requereram a procedência do pedido,
traçando-se a linha divisória entre os imóveis, restituindo-se a área invadida e a condenação
dos réus por perdas e danos.

1.1. Citados (f. 21), os réus apresentaram contestação (fs. 23-33), alegando em preliminar
inépcia da petição inicial, em razão da ação proposta não ser a via adequada para o pedido dos
autores. No mérito, disseram que seu imóvel encontra-se edificado desde 1966, com muros já
construídos na divisa e que quando o autor comprou o imóvel já encontrou essa situação
definida. Narraram que provavelmente houve mudanças no projeto original realizadas por
uma imobiliária. Sustentaram também que a cópia parcial da planta de loteamento juntada
pelos autores apresenta em relação ao terreno dos réus medidas laterais inferiores às que
constam em sua escritura pública e registro, demonstrando que a planta original sofreu
alterações, mas que os muros estão construídos em conformidade com as medidas constantes
da escritura pública. Aduziram também que detêm a posse mansa, pacífica e ininterrupta por
mais de 37 anos, o que lhes dá direito à usucapião. Pugnaram pela improcedência do pedido.

1.2. Após o oferecimento de réplica (fs. 43-45), o juiz designou audiência de conciliação (f. 47),
onde rejeitou a preliminar, fixou os pontos controvertidos e deferiu as provas pericial e
testemunhal.

1.3. Apresentados os quesitos (fs. 48-50 e 52), o perito agrimensor apresentou a planta e
memorial descritivo do levantamento topográfico (fs. 79-86). Os laudos foram juntados (fs. 95-
124 e 127-134).

1.4. Designada audiência de instrução e julgamento, foram prestados depoimentos pessoais e


inquiridas duas testemunhas (fs. 148-153).
1.5. Após a apresentação das razões finais (fs. 154-165 e 167-185) o digno juiz da causa,
decidindo (fs. 188-197), afastou as preliminares argüidas e no mérito entendeu que os réus
invadiram o lote de propriedade dos autores, reconhecendo o direito à demarcação e
determinou o recuo da linha de divisa na metragem estabelecida na sentença. Condenou-os ao
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, observada a Lei n.º 1.060/50.

1.6. Irresignados, os réus interpuseram recurso de apelação (fs. 199-213), sob alegação de que
compraram e construíram a casa no ano de 1966, portanto 32 anos antes dos apelados
comprarem o imóvel vizinho. Afirmam que têm o domínio da área em litígio por período
superior a 30 anos sem qualquer oposição, tendo direito à usucapião, e que os apelados já
tinham conhecimento das divisas existentes. Sustentam que o perito confirmou que existiam
cercas construídas há mais de 30 anos e que foram substituídas por muros que estão nos
limites das confrontações constantes na escritura e certidão do Registro de Imóveis.

1.6.1. Alegam que a ação demarcatória não é via processual adequada à solução de questões
dominiais existentes entre as propriedades confinantes, já que se destina a aviventar rumos
apagados ou renovar marcos destruídos, não havendo na presente demanda confusão de
limites, e que a pretensão dos autores reveste-se de reivindicatória. Por fim, dizem estar
presentes os requisitos da usucapião e que a sentença ignorou as provas constantes nos autos.
Requerem a reforma da decisão.

1.7. Com as contra-razões (fs. 215-219), subiram os autos a esta egrégia Corte de Justiça.

Voto

2. O recurso merece conhecimento, na medida em que estão presentes os pressupostos de


admissibilidade recursal, assim os intrínsecos (cabimento, legitimação e interesse em
recorrer), como os extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato
impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e preparo dispensado - fs. 215-219).

3. As matérias abordadas pelos apelantes dizem respeito à adequação da via processual


escolhida e à aquisição da propriedade pela ocorrência da prescrição aquisitiva. Vejamos:

4. O artigo 946 do Código de Processo Civil prevê que cabe a ação de demarcação ao
proprietário para obrigar seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos
limites entre eles ou aviventando-se os já apagados.

4.1. A ação demarcatória tem por objeto a sinalização de limites incontroversos, como
acontece quando a linha divisória passa a ser assinalada com marcos. No caso de controvérsia
ou confusão, torna-se necessário determinar os limites, o que se faz de conformidade com a
posse. Visa, pois, a ação de demarcação fixar ou restabelecer os marcos da linha divisória de
dois prédios confinantes. Seu objeto é a fixação de rumos novos ou aviventação dos
existentes.

4.2. Humberto Theodoro Junior1 expõe que:

A razão de ser da demarcação é a necessidade de eliminar a confusão de limites entre duas


propriedades particulares contíguas. [...]. Para admitir-se a demarcação, não importa seja a
confusão de limites oriunda do acaso, ou de fatos naturais, ou de ato doloso ou culposo do
confinante ou de terceiro. Ausentes ou confusos os limites, por qualquer motivo, cabível e
procedente será a pretensão de demarcar.

4.3. Orlando Gomes2 também leciona que a ação demarcatória não tem o fim exclusivo de
fixar a linha de separação entre dois prédios, mas, ainda, o de obter a restituição da porção de
terrenos que esteja na posse indevida do dono do prédio confinante, se o interessado não
preferir, antes de propor a ação, recorrer diretamente aos interditos possessórios. Diz também
ser possível a cumulação da demarcatória com a reivindicatória quando parte do terreno, sem
área determinada, esteja integrando indevidamente a propriedade do vizinho. Portanto, a
porção não delimitada pode ser reivindicada por aquele que se julga seu proprietário ao
mesmo tempo em que pede a demarcação mediante a qual obterá igualmente a demarcação.

4.4. Por fim, o artigo 951 do Código de Processo Civil permite a cumulação de pedido de
restituição do terreno invadido com a ação demarcatória, inclinando-se a jurisprudência no
mesmo sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. CUMULAÇÃO COM PEDIDO DEMARCATÓRIO.


POSSIBILIDADE. VENDA AD CORPUS. CONHECIMENTO PRÉVIO DOS ADQUIRENTES, NO ATO DA
COMPRA, DA DIFERENÇA DE ÁREA EXISTENTE. PROVA PERICIAL DESFAVORÁVEL À PRETENSÃO
DOS AUTORES IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

Sentença mantida. Apelo não provido.

[...].3

4.5. No caso em questão, os autores, ora apelados, objetivam fixar novos marcos entre as
propriedades e reivindicar a área que dizem invadida pelos apelantes. Sendo assim, a via eleita
pelos interessados é plenamente viável, não sendo inadequada ou incorreta.

5. Vencida a questão do procedimento adotado, passo a análise do mérito propriamente dito,


onde os apelantes invocam a desnecessidade de demarcação dos limites e a prescrição
aquisitiva.

6. Pois bem. Diante da controvérsia existente entre os litigantes acerca da limitação dos
terrenos, é necessário verificar a existência da "suposta invasão" sofrida pelos apelados em
seu imóvel por parte dos apelantes para depois verificar a ocorrência da usucapião.

6.1. Analisando exaustivamente as provas carreadas nos autos, não há qualquer dúvida de que
os apelantes invadiram parte do terreno dos autores, objeto do litígio.

6.2. Os réus-apelantes sustentam que seu imóvel encontra-se edificado desde 1966, com
muros nas divisas, e os autores, quando da compra do imóvel vizinho, já encontraram uma
situação definida, mas este fato por si só não lhes retira o direito de buscar a demarcação dos
limites e a restituição da parte que dizem invadida pelos apelados.

6.3. O laudo pericial atesta que parte da superfície do terreno dos apelados, descrita em
documentos, foi ocupada pelos apelantes (f. 101). Afirma também o perito que "considerando
a plana original do loteamento haveria 80 metros quadrados a mais na escritura sem
fundamento técnico", ou seja, as plantas originais arquivadas na prefeitura municipal de
Almirante Tamandaré e no registro de imóveis não sofreram modificações e estão em uso até
hoje. Afirmou ainda que não houve nenhuma alteração na planta original.

6.4. Pondere-se que a escritura pública (fs. 37-39), como bem observado pela magistrada, foi
lavrada conforme informações prestadas, sendo de responsabilidade das partes as declarações
lá constantes. Portanto, não havendo alteração na planta de loteamento aprovada pela
prefeitura, este é o documento que deve ser considerado para efeito de delimitar a área
litigiosa.

6.5. Ademais, pela simples observação do documento de f. 8, verifica-se que o único imóvel a
ultrapassar a linha dos lotes 5 e 7 e adentrar no lote 8 é o lote 6, pertencente aos apelantes.
Ademais, o agrimensor, ao realizar a topografia do terreno (fs. 80-84) concluiu que "para
definir a linha divisória entre os lotes 6 e 8 é necessário recuar 6,96 metros na linha de divisa
entre os lotes 6 e 7 e recuar 6,78 metros na linha de divisa entre os lotes 6 e 5, só assim os
lotes 6 e 8 da quadra B ficarão com as características da planta de loteamento".

6.6. Neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DEMARCATÓRIA. PROVA TÉCNICA. LAUDO PERICIAL.

Estabelecida a linha demarcatória, pelo julgador singular, mediante fundamentação calcada


em elementos de convicção. Prova pericial realizada em consonância com regras técnicas e
não tendo sido produzida contra prova suficientemente robusta a desmerecer a idoneidade
daquela, uma vez que o levantamento topográfico foi suficientemente claro e preciso, apto a
elucidar a questão.

Apelo improvido.4

6.7. Sendo assim, vez que não produzida prova robusta em contrário, tem-se que a prova
técnica produzida mostra-se suficientemente clara e precisa a respeito da questão analisada,
não havendo margem para dúvidas quanto à conclusão de que efetivamente houve uma
sobreposição da posse dos apelantes no imóvel dos autores-apelados, conforme verificou a
magistrada.

7. Com relação à usucapião argüida na contestação, também sem razão os apelantes.

7.1. Ainda que seja possível argüir-se a ocorrência da prescrição aquisitiva da propriedade em
defesa (STF, Súmula 237), o procedimento previsto no artigo 941 e seguintes do Código de
Processo Civil deve ser observado por aquele que pretende usucapir. Os apelantes apenas
afirmaram genericamente que têm direito à usucapião, só que não delimitaram a área
pretendida, nem requereram a citação dos confrontantes, intimação dos interessados, etc., o
que inviabiliza seu reconhecimento nesta demanda.

7.2. Aliás, colho entendimento da jurisprudência:

USUCAPIÃO. Defesa. Declaração de domínio.


- O réu de ação possessória pode argüir como defesa a sua posse e pedir o reconhecimento da
prescrição aquisitiva, mas para a procedência do seu pedido devem estar presentes os
requisitos da usucapião, entre eles a descrição da área, o que não aconteceu na espécie.

Recurso não conhecido.5

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INÉPCIA DA INICIAL. Viabilizando o relato da peça


inaugural que o demandado compreenda o pedido ali formulado, não prejudicando a ampla
defesa, não há falar em inépcia da inicial. PROVA DO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
Restando comprovado o cumprimento dos requisitos legais para a obtenção da declaração de
domínio através da ação de usucapião e estando devidamente individualizada a área
pretendida, impõe-se o acolhimento da pretensão inicial, o que implica o desacolhimento dos
argumentos do recurso.

PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA.

MÉRITO NÃO PROVIDO.6

7.3. No caso dos autos o reconhecimento da usucapião não poderia ser feito por falta de
elementos suficientes sobre o preenchimento dos requisitos necessários à prescrição
aquisitiva, especialmente quanto à descrição do imóvel objeto da posse dos réus-apelantes,
cuja área não está indicada, salvo que está situada na área maior descrita em documentos e
mede 480 metros quadrados. Isso, no entanto, não é suficiente para constituição do título. Os
apelantes não atentaram para o procedimento previsto no Código de Processo Civil,
indispensável para o desenvolvimento regular do processo e conhecimento deste pedido, para
correta e eficaz entrega da prestação jurisdicional.

8. Passando-se as coisas desta maneira, meu voto é no sentido de que se negue provimento ao
recurso, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos.

Decisão

9. À face do exposto, ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de


Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos
termos do voto do relator.

9.1. Participaram do julgamento, além do signatário (relator), os Senhores Juiz Rui Portugal
Bacellar Filho e Desembargador Carlos Mansur Arida (Presidente, com voto).

Curitiba, 22 de novembro de 2006 (data do julgamento).

Desembargador Rabello Filho

RELATOR

1 JUNIOR, Humberto Theodoro. Terras particulares: demarcação, divisão, tapumes . 4. ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 38.

2 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. revista, atualizada e aumentada por Luiz Edson
Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 228.
3 TJPR, 8.ª Câmara Cível, AC 10128211-3, de Ubiratã, acórdão 1289, unânime, rel. des. Ivan
Bortoleto, j. 10/2/2003, in DJPR 17/3/2003, p. 144.

4 TJRS, 17.ª Câmara Cível, AC 70004130704, de Nova Prata, unânime, rel. des. Alexandre
Mussoi Moreira, j. 10/2/2004.

5 STJ, 4.ª Turma, REsp 182728-SP, unânime, rel. min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 3/11/1998, in
DJU 1/2/1999, p. 212.

6 TJRS, 17.ª Câmara Cível, AC 70013046628, de Palmeira das Missões, unânime, rel. des. Alzir
Felippe Schmitz, j. 16/3/2006.

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