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Adriana B. Ribeiro
Mestranda em design
adriana.ribeiro@iaiafilmes.com.br
RESUMO
ABSTRACT
The present article has the objective of discussing ethics and Brazilian national
culture in the context of human relations and the appreciation of its territories. We
intend to do so through the case study found within the work of the Brazilian
filmmaker, Glauber Rocha. We intend to begin with some considerations about the
concepts of ethics and Brazilian culture before the case presentation on how such
notions would be represented in the manipulation of the use of the colors at the film in
question.
Por meio do estudo da forma como conduzia seus filmes, vimos delinearem-se
aspectos menos evidentes em relação à produção intelectual de Glauber, pois, tanto é
notória sua trajetória como realizador cinematográfico quanto menos conhecidas suas
habilidades como pensador crítico e estratégico na cultura brasileira. Apesar de
Glauber Rocha, segundo suas palavras, ter escrito muito mais do que filmado, é na
condução estética de suas cenas que encontramos expressos com maior vivacidade os
conceitos éticos a que nos referimos.
... “Em todas as escalas individuais e coletivas, naquilo que concerne tanto à vida
cotidiana quanto à reinvenção da democracia - no registro do urbanismo, da criação artística,
do esporte etc. - trata-se, a cada vez, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos
de produção de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização individual e/ou
coletiva, ao invés de ir no sentido de uma usinagem pela mídia, sinônimo de desolação e
desespero.” (GUATTARI, 1990, pág.6)
Um filme em cores
O ano de 1968 foi ano de maior radicalização dos movimentos contra a ditadura
militar instalada no Brasil em 1964 e também o ano que culminou com o AI-5 em
dezembro. Glauber Rocha viaja para o município de Milagres no interior da Bahia,
acompanhado da mãe, Lucia Rocha, que faria parte do figurino, da mulher, Rosa
Maria Penna, atriz do filme, e de mais um conjunto de atores conhecidos – Odete
Lara, Hugo Carvana, Maurício do Valle, Othon Bastos, Jofre Soares – e uma equipe
técnica de renome: Affonso Beato na fotografia, Antonio Calmon na assistência de
direção, Zelito Viana na produção, Walter Goulart no som, Hélio Eichbauer, Paulo
Lima e Paulo Gil Soares na cenografia. As filmagens acontecem no inverno, no
começo do segundo semestre, e as atividades de finalização ocuparam Glauber
durante os últimos meses do ano. O filme pronto é enviado ao co-produtor francês
Claude Antoine, para legendagem e versão francesa, em meio a prisões e instabilidade
civil do país provocada pelo AI-5.
... Glauber me procurou no Rio de Janeiro com o projeto do Dragão, mas pra me fazer
uma pergunta específica, ele queria fazer um efeito especial na câmera que era a explosão de
luz quando o Santo Guerreiro, São Jorge, espeta a lança. Na época eu tinha uma fama de que
conhecia bastante a tecnologia, então eu fiquei conversando com ele. Eu me lembro muito do
Amarelinho, ali na Cinelândia, a gente estava tomando um chopinho e eu disse: “pô, Glauber,
a meu ver esse é um efeito muito simples, entende? Quer dizer, o filme vai ser... é uma cena
filmada de dia com o negativo... o diafragma da câmera deve ser onze, dezesseis, bem
fechado... Eu faria uma coisa bem simples: na hora que o Santo Guerreiro espetasse eu abriria
violentamente o diafragma da câmera e isso faria a luz explodir. Eu acho que isso cumpriria a
façanha”. Ele adorou a simplicidade. (BEATO, 2008, pág. 3)
A técnica para Glauber está a serviço de uma idéia e nunca o contrário. Não
adotamos de forma alguma uma postura tecnofóbica, apenas apontamos para o que
entendemos ser prioritário para o encaminhamento das relações humanas, que os
ideais de simplicidade, preservação e humanidade se sobressaiam.
...”A expressão ‘Tropicolor’ é uma invenção baiana. O que é tropicolor? Isso remete à
idéia de uma cinematografia, de uma expressão, de um conjunto de filmes como Macunaíma,
que fazem parte desse momento. Enfim, a busca de uma cor tropical em que o verde, os
amarelos, os vermelhos são tão fortes, no sentido que a nouvelle vague sempre foi assim,
aquele azulzinho, entende? A coisa das latitudes de clima temperado, entende? Tudo muito
suave e tudo. E nós fizemos uma coisa de alto contraste e alta densidade, alta saturação.
Tropicolor é o expressionismo tropical.” (BEATO, 2008, pág. 3)
A repercussão
A recepção do filme foi tão calorosa que mereceu a primeira capa em cores da
revista Cahiers du Cinema tida como referência na crítica cinematográfica. Diversos
críticos internacionais teceram elogios ao filme na época de seu lançamento, como
Jean de Baroncelli, para o jornal Le Monde.
“Romanceiro, ópera barroca, poema épico atravessado de gritos de cólera e de sofrimento,
“tapeçaria” de cores fulgurantes, canto de revolta e de esperança: O Dragão da Maldade
Contra o Santo Guerreiro é tudo isso ao mesmo tempo. Mas essa obra calorosa e veemente é,
além disso, o fruto de uma reflexão pessoal, de uma análise lúcida daquilo que devem ser as
relações do cinema brasileiro com a realidade brasileira.” (BARONCELLI, 1969)
No Brasil não foi diferente e o filme ficou dois meses em cartaz e sobre ele o
historiador Alex Viany escreveu:
“Ópera-Macumba, sim. A definição do próprio Glauber Rocha é bastante boa. Mas o filme é
mais, muito mais, em sua desembestada desarrumação, em sua alucinada tentativa de
descobrir nossa bárbara verdade. Desarrumar o (aparentemente) arrumado é a missão não de
Antônio das Mortes, mas de Glauber Rocha, provavelmente o mais importante e atuante de
nossos artistas: um homem que, pegando e destroçando todas as noções culturais e
subculturais que vai encontrando em sua rota, propõe, de fato, uma nova cultura para um novo
povo” (VIANY, 1969)
O Restauro
REFERÊNCIAS
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 17ª ed. São Paulo: Papirus, 1990.
________. Caosmose: um novo paradigma estético. 4ª ed. São Paulo: Ed. 34, 1992.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense,
2000.
________. Estudos culturais. Tempo soc. , São Paulo, v. 16, n. 1, 2004. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
20702004000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 abr 2008. doi:
10.1590/S0103-20702004000100007.
ii
... “Entendo o poder como sendo a capacidade estrutural de um ator social para impor a sua vontade sobre
outro ator (es) social. Todos os sistemas institucionais refletem relações de poder, bem como os limites dessas
relações de poder sendo negociados por um processo histórico de dominação e contra-dominação. Assim,
faço também uma análise o processo de formação do contra-poder, que entendo ser a capacidade de um ator
social de resistir e desafiar relações de poder que são institucionalizadas. De fato, as relações de poder são
conflituosas por natureza, uma vez que sociedades são diversas e contraditórias. Por isso, a relação entre
tecnologia, comunicação, e poder reflete valores e interesses opostos, e emprega uma pluralidade de atores
sociais no conflito.” (CASTELLS, 2007, pág.238)
iii
... a problemática da cultura encerra algo de qualitativamente diferente em relação às perspectivas
trabalhadas antes? Creio que sim. A tradição das ciências sociais, nos seus diversos ramos disciplinares,
confinava a esfera da cultura a certos gêneros específicos: na literatura, a discussão estética; na antropologia,
a compreensão das sociedades indígenas... (ORTIZ, 2004)
iv