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FOLCLORE

Que fazer para preservá-lo

O pesquisador e folclorista Mário Souto Maior define o folclore como “um estudo
integrante das ciências antropológicas e culturais: é qualquer aceitação coletiva, anônima ou
não, e essencialmente popular. As maneiras de pensar, agir, sentir de um povo, constituem o
fato folclórico, preservadas pela tradição popular e pela imitação”.
No tocante ao anonimato, o fato folclórico despersonaliza o autor porque, aceito e
modificado pela coletividade, passa a ser uma obra do povo. Duas origens tem o fato folclórico:
ou é uma criação de alguém, que foi aceita e tomada de todos, ou é um fato erudito, que desceu
às camadas populares, onde se folclorizou.
Nesta entrevista, Mário Souto Maior fala sobre o folclore nordestino, principalmente o
pernambucano, e analisa a sua “morte” nos centros urbanos, e o que ainda se pode fazer para
preservá-lo. Além disso, o pesquisador denuncia a descaracterização do folclore, onde o povo
não mais participa, dando lugar a uma simples recriação.

JC - Considera o folclore nordestino como o mais rico do Brasil?


Souto Maior - Sim; é o mais rico porque é o mais unido. Como se sabe, todo o Nordeste foi
colonizado pelo português, sofrendo, ainda, a influência do negro e do indígena. Com isso, há
mais união já que são poucos povos. Na região Sul, muitos povos participaram e participam do
folclore: japoneses, húngaros, portugueses, árabes, entre outros. Juntou-se tudo e não deu em
nada. O nosso não, é formado por apenas três raças; portanto é puro, unido e muito mais rico.

JC - Existe um folclore definido para cada Estado do Nordeste?


Souto Maior - O folclore nordestino é de uma riqueza incalculável e não sou de opinião
que exista um folclore pernambucano, um alagoano, um paraibano. Existe, sim, um folclore
nordestino com pernambucanidade: Ciranda, Frevo, Maracatu. E assim com relação aos demais
estados do Nordeste. A região é um grande laboratório, visitado e explorado até por
estrangeiros.

JC - O povo brasileiro curte o seu folclore?


Souto Maior - Sim; principalmente os jovens e os velhos, haja vista a grande freqüência ao
Pátio de São Pedro, ao pastoril do Mané Faceta, ao pastoril do Velho Barroso, a Ciranda da Lia
de Itamaracá. No lugar onde há maior unidade de elemento colonizador, o folclore é mais usado
que nos lugares onde se aglutinam vários elementos colonizadores.

Um dos lugares citados pelo folclorista e pesquisador Mário Souto Maior, pela inexistência
dos folguedos populares é o Rio Grande do Sul, onde o folclore está elitizado. Lá o povo - o
verdadeiro povo que faz o folclore - não dança mais. O que está acontecendo é uma recriação.
“No Nordeste, o próprio povo já é o folclore”, diz complementando: “quanto maior reunião de
gente que fale a mesma língua e tenha os mesmos costumes, o folclore é mais forte”.

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JC - O que se deve fazer para o folclore não morrer?
Souto Maior - O nosso folclore não está morrendo. O que acontece é que moramos na
cidade grande e esta cidade é o laboratório onde se estuda o folclore. O verdadeiro está no
interior. Mas está faltando um apoio do Governo, não em termos de dinheiro. Mas se fazer o
que fez o Governo de Sergipe, por exemplo: dar roupas aos grupos folclóricos. Certos folguedos
ficam sem vez por causa do alto custo das roupas.

E o folclore está sendo descaracterizado aos poucos. Mário Souto Maior dá alguns
exemplos: “na Vaquejada, é oferecido como prêmio um carro zelo quilômetro e a inscrição
custa Cr$ 2 mil; o verdadeiro vaqueiro não pode concorrer. Quem concorre? O dentista, o
médico ou um fazendeiro”. Outro exemplo: cadeiras na calçada. Porém, o trânsito de hoje não
permite, e tem mais: como se vai fazer adivinhações na bananeira, ou acender uma fogueira,
morando-se num apartamento? “Para o folclorista não se pode medir a intensidade do folclore
na cidade grande, porque o povo é elitizado”.
Outras formas de folclore citadas pelo pesquisador Mário Souto Maior são os provérbios,
as legendas de caminhão, as superstições. Nesta última, ele dá um exemplo atual: “o homem
quando foi à Lua levou uma mascote e pisou em solo lunar com o pé direito. O que é isso? É
folclore”.
Os remédios populares também são uma forma de folclore e estão desaparecendo, cedendo
lugar aos quimioterápicos. Porém, antes que acabassem, Mário Souto Maior fez uso deles, para
cura da ameba: “me ensinaram tomar durante 30 dias, em jejum, um copo d'água gelada com
três gotas de creolina. Fiquei bom até hoje”.

JC - Mudando um pouco de assunto, mas sem sair do tema central, quais os


problemas do artista brasileiro ligado à cultura local?
Souto Maior - O maior problema do artista popular brasileiro é o intermediário. Este,
compra barato e vende caro em exposições, imprimindo álbuns, fazendo com que o folclore não
seja consumido pelo próprio povo. Um outro problema é o turismo: as entidades de turismo,
acredito, não fazem de má fé. Os folcloristas estão sendo transformados em artistas de tv.
Estão sendo transformados em profissionais. Fazem da sua arte um ganha-pão quando, na
verdade, antigamente faziam por distração, por divertimento. Deveria existir uma Secretaria de
Turismo, mas não para trazer o artista até a cidade, para o turista ver; e sim levar o turista até
o lugar onde o artista popular faz seu trabalho. Trazendo o artista para a cidade, ele perde a
atmosfera local, o tempo e o espaço que conhece. Deste modo, o folclore já não é mais au-
têntico.

Quanto à cultura indígena, Mário Souto Maior a analisa em termos de folclore: “O negro é
mais musical e o índio é mais místico. Era muito de adorar. Ganhamos dele a maneira de fazer
as lendas, a casa popular e todas as comidas à base de mandioca”.

JC - Por que alguns folguedos populares estão desaparecendo como, por exemplo, a
Nau Catarineta?
Souto Maior - A Nau Catarineta nunca foi uma manifestação muito difundida. Tem seu

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lugar de destaque em Cabedelo e João Pessoa. A Nau Catarineta é um folguedo que implica na
arregimentação de muitas pessoas e na preparação do navio. Quanto maior for o número de
pessoas, mais se torna difícil e apresentação do folclore.

Conta Mário Souto Maior que o folclore é, acima de tudo, dinâmico: “Em 1977, em Olinda,
assisti a um mamulengo onde um dos personagens era uma aeromoça da Varig. Outra vez, vi
em João Pessoa um caboclinho totalmente influenciado pela tv: era uma tribo de índio com
rifle, tenda e machado”. Segundo o pesquisador, o folclore está sendo prejudicado pela tv.
Ambos distraem, porém, o folclore é mais dispendioso e gasta tempo para os ensaios. A tv está
mais à mão.
Quase ao final da entrevista, perguntado por que tanta dedicação ao estudo sobre o
folclore, o pesquisador conta mais uma estória: “Há dez anos atrás, quando Mauro Mota era
diretor do IJNPS, li uma revista que estava pagando 200 mil réis a quem escrevesse o melhor
artigo sobre folclore. Perguntei a Mauro Mota o que era folclore, escrevi o artigo “Três Histórias
de Deus Quando Fez o Mundo” e ganhei. Tomei gosto pela coisa, transformei-me num
folclorista e pesquisador e hoje, em qualquer jornal, fala-se quase que diariamente sobre o
folclore. Fico feliz de haver contribuído para a divulgação do folclore”.

Feliz fica o Nordeste em possuir um grande nome, como o de Mário Souto Maior que, há
uma década, vem pesquisando e difundindo o nosso folclore, “preservando e cultuando a
pureza do folclore para que ele não se misture com a tecnologia - como ele mesmo diz - porque
vai desaparecer”. E um povo sem folclore também está fadado a desaparecer.

Fonte: D’ OLIVEIRA, Fernanda. Folclore: que fazer para preservá-lo. Jornal do Commercio, Recife, 12 ago. 1979. p. 42.

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