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São Paulo, quarta-feira, 12 de maio de 2010

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País terá fábrica de roedor transgênico


Laboratório em Campinas deve produzir linhagens de
camundongos para distribuí-las a pesquisadores de todo o
país

Iniciativa tem apoio do CNPq, mas é ameaçada por ação


no STF contra modelo de gestão "privada" do instituto
que a abrigará

Rodrigo Capote/Folha Imagem

O biólogo José Xavier Neto, chefe do Laboratório de Modificação do


Genoma, em Campinas, exibe placa de cultura de células

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS

Um serviço de "delivery" crucial para a ciência brasileira


deve começar a funcionar no mês que vem em Campinas,
interior paulista: uma fábrica de camundongos transgênicos.
Pela primeira vez, o país terá um centro de produção e
distribuição de cobaias geneticamente alteradas para uso em
pesquisas biomédicas.
Esses animais, cuja invenção rendeu o Prêmio Nobel de
Medicina em 2007, são usados por biólogos num sem-número
de aplicações: desde a identificação de genes que influenciam
doenças humanas até o teste de possíveis novos remédios.
O Brasil, porém, está atrasado nessa tecnologia.
Que o diga a bióloga santista Ivy Aneas, 36. Ela trocou o
Instituto do Coração, em São Paulo, pela Universidade de
Chicago, EUA, pois sua área de estudos -a identificação,
usando cobaias, de genes relacionados à hipertensão- era
impossível de perseguir no Brasil.
"Como eu iria fazer no Brasil um projeto que depende de
transgênicos?", questiona.
"A nova geração de pesquisadores já foi treinada nessa
deficiência. A pesquisa nacional se resignou", afirma José
Xavier Neto, ex-colega de Aneas no Incor. Ele será o
coordenador do futuro Laboratório de Modificação do
Genoma, nome provisório da nova instituição.
O novo centro ficará hospedado no LNBio (Laboratório
Nacional de Biociências), que funciona no campus do Centro
Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, mantido pelo
MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) em Campinas.
O objetivo do projeto, orçado em R$ 2 milhões, é produzir
linhagens transgênicas de camundongos de acordo com a
demanda para todo o país.
Um cientista da Paraíba, por exemplo, que queira investigar
os efeitos do desligamento de um determinado gene, poderá
mandar para Campinas um pedaço de DNA capaz de
"nocautear" o gene de interesse.
No novo laboratório, esse trecho de DNA recombinante será
injetado em embriões de camundongo, que darão origem às
linhagens geneticamente modificadas (os "nocautes").
Questão de escala
O conhecimento para produzir roedores nocautes já existe no
Brasil. Vários animais do tipo são feitos "no varejo", em
instituições como o Incor, a Unifesp e o Instituto de Biofísica
do Rio de Janeiro.
"O que ainda não conseguimos fazer foi montar estruturas de
produção regular desses animais", afirma Xavier Neto.
Há dois gargalos no momento para que isso aconteça:
primeiro, é difícil encontrar animais saudáveis em quantidade
no Brasil. A produção de um único nocaute envolve uma
centena de embriões, gerados a partir de três ou quatro
fêmeas.
Para atender à demanda da comunidade nacional, calcula
Xavier, seria preciso executar quatro vezes isso por semana.
Depois, é necessário treinar técnicos e ter equipamentos como
microscópios especiais e microinjetores (para injetar o DNA
nas células).
Isso tudo torna a produção cara: US$ 2.000 por nocaute, em
média, o que torna a produção em escala difícil fora de um
laboratório nacional, que deverá fornecê-los de graça.

Entrave jurídico
"A estrutura que eles têm é fundamental para que outros
grupos possam ter acesso a essa técnica", disse à Folha o
presidente do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento), Carlos Aragão.
Tanto o CNPq quanto o MCT se dispuseram a financiar a
iniciativa, que deve ter ainda recursos do Ministério da Saúde.
Segundo Xavier, experimentos começam em junho mesmo
sem o recurso, com equipamentos cedidos pelo Incor e pelo
Instituto de Biofísica.
O destino do laboratório, porém, está nas mãos do Supremo
Tribunal Federal.
A corte deve julgar brevemente a constitucionalidade do
modelo de gestão do LNBio, o das organizações sociais
-fundações privadas que gerenciam vários centros de ciência
em convênio com o MCT.
Segundo Aragão, o CNPq considera que a gestão pelas
organizações sociais facilita a aplicação da verba. Caso o
Supremo julgue o modelo inconstitucional, diz, "teremos de
ser criativos" e encontrar um novo modelo de gestão. "Mas
continuaremos apoiando o LNBio."

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