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com seus lpis, e com o humor. Ainda uma vez, as palavras nos enganam. H
combate e combate, guerra e guerra, armas e armas. No se pode pr
no mesmo plano os lpis o os kalachnikov. Matar, perseguir o outro porque ele
no compartilha das nossas ideias, isso se chama fanatismo. Os filsofos das
Luzes definiram claramente o que era fanatismo, e o tomaram como alvo
Voltaire chamava isso a Infame, ele assinava alis suas cartas com essa
palavra de ordem Esmaguemos a Infame! Na poca, tratava-se sobretudo do
fanatismo catlico (a Igreja perseguia no apenas os libertinos ateus, mas
tambm os jesutas, os protestantes, todos os que ela considerava como
herticos e podia execut-los por causa disso faam-me o prazer de ler o
reler o captulo VI de Cndido!)
Nenhuma religio est ao abrigo do fanatismo, porque o fanatismo apenas
uma forma da loucura, que atinge os seres infelizes ou fracos de esprito
Molire j nos havia prevenido contra isso com seu Tartufo. Vocs se lembram?
Orgon, fanatizado por Tartufo, tem orgulho em dizer que, de tanto amar o Cu,
ele olha c todo mundo como se fosse esterco, e mesmo sua prpria famlia...
o que deviam sentir os fanticos que, ao longo destes trs dias sangrentos
que acabamos de viver, mataram jornalistas, policiais, judeus, porque eles os
consideravam como esterco.
o que eu gostaria de ter dito a vocs de viva voz. Mas no sei se teria foras
para falar tudo isso, porque me sinto pessoalmente de luto. No sei se eu teria
foras para ver na sala dos professores o falso pacote-bomba No sou
Charlie ou ouvir alguns de vocs dizerem Charlie provocou. Permitam-me,
para terminar esta carta, sair do esquema de curso, e dar um testemunho mais
ntimo.
Sou de uma famlia que assinou Charlie Hebdo desde o primeiro nmero, em
1970, h quase trs geraes, e tenho a impresso de ter perdido amigos
prximos com Cabu, Wolinski, Charb, Tignous, Tio Bernard, Honor. No os
conhecia pessoalmente, mas para mim eram como uma famlia intelectual, uma
famlia de eleio, aquela que se escolhe porque compartilhamos os mesmos
valores. Exatamente como escritores que morreram h sculos so amigos
para mim. Charlie Hebdo era o riso de resistncia, que mancha mas no mata,
que atacava com grandes traos grosseiros, e frequentemente tipo xixi-cocsexo (chama-se isso humor irreverente), com caricaturas grotescas, e textos
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