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Com o declínio da tensão, iniciou viagem de re-

torno à Capital em agosto, e em setembro já se encon-


trava em Traíras 56.

Conclusões

1. Durante a fase aguda do processo de inde-


pendência, Goiás já não detinha importância política,
pelo desaparecimento da economia mineradora.
2. A crise de transição para uma economia agrá-
ria alienara a capitania do conjunto da vida nacional.
A debilitação dessas articulações e o declínio da vida
"urbana" — com a dispersão da população por um
vasto território — impediam que a maioria absoluta
dos habitantes tivesse acesso, ou pudesse compreender,
ao que se passava fora, e mesmo dentro, dos limites
físicos da província.
3. O diminuto estamento senhorial-burocrático
do Sul encontrou no processo de independência a opor-
tunidade de expressar seu descontentamento contra uma
administração que aão satisfazia as solicitações de uma
sociedade agropecuária, desde que estruturada para go-
vernar e fiscalizar uma sociedade mineradora. Virtual-
mente, suas aspirações políticas limitaram-se ao desejo
de autodirigir-se e esse foi o sentido que deram à sua
ação política.
4. O ainda mais diminuto estamento senhorial-
-burocrático do Norte utilizou o processo de indepen-
EM MINAS GERAIS
dência para dar expressão política ao seu desconten-
tamento com a administração, e mais especificamente
contra sua sujeição a um governo regional instalado no
'Cada um de nós tem seu pedaço
Sul, do qual estavam desvinculados pelas suas articula- no pico do Cauê
ções sócio-econômicas e pelos condicionamentos ecoló- Na cidade toda de ferro
gicos, que os aproximavam mais do oeste baiano e do as ferraduras batem como sinos.
Pará.
Os meninos seguem para a escola
5. Tornar u Brasil independente de Portugal foi Os homens olham para o chão.
uma preocupação sensível apenas em pequeno número Os ingleses compram a mina.
de homens, os quais em momento algum expressaram Só. na porta da venda, Tutu Caramujo cisma
o pensamento político dominante. na derrota i n comparável."

(56) Idem, 70-99v. (CARLOS D R U M M O N D DL A N D R A D E )

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Consideradas as balizas cronológicas dadas pelos
anos de 1789 ("Inconfidência") e 1842 (a chamada
Revolução Liberal), pode-se dizer que as linhas mes-
tras de toda a história mineira esteve inscrita nos parâ-
metros da colonização européia. Tentar uma substan-
tivação da situação de Minas Gerais a essa época, como
parte integrante de um subsistema periférico, dentro
do qual ganharia sentido e se explicitaria concretamen-
te, é tarefa por demais ambiciosa para os limites desta
nota. Na melhor das hipóteses se conseguirá recolocar
as questões já formuladas pelos poucos autores que até
aqui se inquietaram diante de temas dessa história.
Não são poucos os problemas. Partindo de cate-
gorias mais amplas, pode-se notar que o período em
foco (fim do século XVIII e início do século XIX)
caracterizou-se significativamente como ponto de infle-
xão dentro do sistema capitalista, marcando o longo e
complexo processo de "passagem" do capitalismo mer-
cantilista ao capitalismo liberal.1
No mundo europeu assistia-se à crescente aíirma-
cão econômica da Inglaterra, onde o processo de indus-
trialização acabaria por conduzi-la a um-a posição pri-
vilegiada — no plano das hegemonias : políticas — em
relação às demais potências. Efetivamente, as áreas
coloniais ou subsistemas periféricos —- razão e base de
todo o sistema — também passaram . por expressivas
transformações. No caso do Brasil, a Abertura dos
Portos (1808) e a assinatura dos Tratados de Comér-
cio (1810) são marcos expressivos da penetração in-
glesa. A descolonização portuguesa deu-se, como se
percebe, nos quadros do domínio inglês. Em outras
palavras, "esse encadeamento entre os dois tipos de
colonialismo explica por que a sociedade nacional emer-
gente não era uma Nação independente do ponto de
vista econômico".2
A exempío do que já se pode perceber a partir de
investigações realizadas, a análise das manifestações
concretas do capitalismo em regiões periféricas envolve
uma multiplicação de fatores onde as categorias mais
abrangentes sofrem um processo de retração, tendo em

CARICATURA DE D. PEDRO i. DE DAUMÍER COLEÇÃO DO CARICATL-


RISTA ALVARUS.
subdesenvolvi-
visíci as partícüíai idades das formações sociais especí- apreender os "momentos decisivos" de um processo
ficas.3 maior que abrange as etapas de descolonização portu-
guesa, a afirmação do domínio inglês (no âmbito ex-
Por outro lado não é demais lembrar a natureza
terno), assim como o processo de afirmação dos seg-
estaraental-escravista da sociedade brasileira no período
era destaque. O domínio senhorial, ao marginalizar os mentos estamentais proprietários no plano das relações
setores esíamentais interiorizados, conseguia manter tal de mando (em âmbito interno). Esse balizamento, vale
esquema de esrratifi cação graças à presença das cama- dizer, foi proposto em função das particularidades re-
das tornadas servis (os escravos), base de todo o com- gionais de Minas.s
plexo social. O poder político das camadas senhoriais Muito embora as conturbações nas Minas Gerais
pôde com isso se desdobrar em âmbito local,-regional e, não se tivessem verificado pela primeira vez em 1789
posteriormente, nacional, mantendo-se sempre subjacen- — lembremo-nos da "inconfidência" de Curvelo (1777)6
te a todo o processo de emancipação política. "Às for- — é com a "Inconfidência" Mineira que se consegue
mas tradicionais ou legais de dominação patrimoníalista, perceber com maior nitidez a dimensão das tensões que
afirma Fíorestan Fernandes, acrescentam-Se formas es- começavam a aflorar nos limites do Antigo Sistema Co-
pecificamente burocráticas e políticas de dominação so- lonial, tanto em seu segmento luso-brasileiro come», mais
cial".4 particularmente, na própria sociedade mineira.
Essas proposições, a despeito de parecerem abs- É largamente sabido que Minas se constituiu, a
trações genéricas, talvez pelo caráter sintético com que partir de inícios do século XVIII, no centro dinâmico
são aqui apresentadas, podem eventualmente ser efica- de todo relacionamento Metrópole-Colônia. A essa épo-
zes para uma compreensão menos esquemática das ca, porém, Portugal era, no dizer de Alan K. Manches-
questões mineiras. ter "vassalo comercial da Inglaterra", 7 o que significa
dizer que, além de estar vivendo um período crítico, o
influxo de riquezas minerais provenientes das áreas de
extração era endereçado, não a Portugal, mas sim ao
Impõe-se, de início, a discussão dos marcos cro- Tesouro britânico (Tratado de Methuen, 1703), Para
nológicos. A periodização histórica, ao contrário do a Inglaterra, o significado desse "desvio" foi altamente
que geralmente se supõe, está estreitamente vinculada expressivo, trazendo, segundo Celso Furtado, muita
às concepções que informa uma interpretação qualquer. flexibilidade à sua capacidade de importar e permi-
As balizas aqui sugeridas (1789-1842) não pretendem tindo a concentração de reservas que tornaram a rede
apenas se afastar da cronologia oficial e do nível jurí- bancária ingiesa o principal centro financeiro de toda
dico-formal das "grandes decisões". Pretendem, isto sim, a Europa.9 Diante dessa perspectiva não é de estranhar
(3) Se de um lado isso é razão de complexidade, tornando a impotência de Portugal em introduzir técnicas mais
inexpressiva qualquer transposição mecânica de esquemas explicativos,
por outro confere concreção histórica à análise assim conduzida. O tran-
sitar das crises de conjuntura às tensões e-truturais só se faz ao se (5) Os marcos podem e devem, portanto, ser rediscutidos para a
reconhecer as prioridades do real. Nessa linha de abordagem, ver os êptcensão das dimensões gerais do processo da descolonização portuguesa
trabalhos de Carlos Guilherme Mota {Atitudes de inovação no Brasil, nas demais regiões.
1789-I80D, Lisboa, Horizonte, 1970 e Nordeste, 1917, São Paulo, perspec- (6) Trata-se de uma devassa contra o Pé. Carlos José de Lim.i pelo
tiva, 1972} E de Fernando A. Novais ("Coloaítação e sistema colonial: "abominável crime de censura H El-Rei e seu Ministro". Cf, Antônio
discussão de conceito) e perspectiva histórica" iri Colonização e migração, Gabriel Diniz. A Inconfidência de Curvela. Belo Horizonte, S. Vjçente,
IV Simpósio dos Professores Universitários dçi História, Porto Alegre, 1965. p. 6.
3-8 de set. de 1967, São Paulo, Col. da Kevisfa de História, 1969, pp. (7) Citado por Celso Furtado. Formaçãy econômica da Brasil. 7?
243 e 262 e "O Brasil nos quadros do antigo sísjefna colonial" ín MOTA, íd. São Paulo, £d. Nacional. 15,67, P- 37.
Carlos Guilherme (ocg.), Brasil em Peripectívb, São Psulo, DIFEL.
1968. pp. 53-71, ;
(H) Cf. Celso Furiatio. op. ei!., p. 39. Ver lambam o excelente
trabalho de Pierre V i t a r , Ora y mane tia en !u historia, (1458-1920). irad.
(4 j Cf. Florestan Fernandes. "A sociediidi; estamental e de cas- de A. S. Buesa e J. I. Borrei, rev. por J, N. Oiller. Barcelona. Ariel.
tas" ín Comunidade e Sociedade na Brasil. São Paulo, Ba. Nacional,
1972. p. 313. 1965, pp. 266-273.
operacionais de extração. 9 "£xpl orou-se o ouro de su-
perfície, destaca Francisco íglésias, que ao fim de pouco escravos de 1820. £m 1789, o movimento esteve
tempo já não apresentava resultado compensador. Para liderado por proprietários (como o Pé. Carlos Corrêa
exploração mais convincente das jazidas só poucos dis- de Toledo) ou por elementos a eles ideologicamente
punham de recursos. E no trabalho das minas os em- vinculados (como Tiradentes), transparecendo em am-
baraços logo impediam avanço mais positivo. O homem bos, atitudes comprometidas com o universo ideológico
que se aventurava na empresa mineira não tinha a in- das camadas senhoriais. Não é por acaso que o modelo
dispensável técnica".'"
norte-americano alcançou grandes repercussões entre os
Não surpreendia igualmente o recrudescirnento ca- inconfidentes. Em sua rejeição pela situação colonial,
da vez mais intenso d G' aparato repressivo .português. não desejavam qualquer mudança na estrutura da so-
A única alternativa que ae configurou para o Estado em ciedade. 13
sua política econômica colonial foi a de tributar. A
fiscalização rigorosa se encarregaria, ela própria, de O levante de 1820,14 por sua vez, além de reunir
tentar evitar lutas, contrabandos e qualquer tipo de ao todo cerca de 21 000 homens, esteve marcado por
atividade contrária aos seus firmes propósitos de "cobrar um radicalismo até então pouco comum, chegando-se
sempre e cada vez mais". 11 E nesse esforço por manter até ao assassinato dos negros que não os seguissem. A
as determinações básicas do sistema que podern ser en- própria organização do movimento se fundamentou em
tendidos os alvarás proibi to rios de 1785: um deles termos constitucionais, segundo se depreende da pro-
combatendo o contrabando (de resto, sem muito su- clamação de seu chefe Argoim:
cesso) e outro proibindo as manufaturas. 13
"Em PortQgaí proclamou a Constituição que nos iguala aos
Internamente a atividade mineradora representou brancos: esta mesma Constituição jurou-se aqui no Brasil.
alterações expressivas na composição quantitativa e qua- Morte ou constituição decretemos contra os pretos e brancos:
litativa da estrutura social da Província.' Com a grande morte aos que nos u p r i m i i a m — pretos miseráveis! Vede a
expansão demográfica, o contingente Ele escravos aos vcssa escravidão: já sois livres. No campo da honra derrama: a
poucos irá tornar-se a parcela majoritária da população. última gota de sangue pela constituição que fizeram nossos ir-
mãos em Portugal!" ís
Se de um lado a situação colonial começava a ge-
rar junto aos setores estamentais propíietários as pri- Acontece porém que a Constituição liberal jurada
meiras atitudes de oposição ao governo central metro- em 1820 só era liberal para a Metrópole. A idéia de
politano, de outro, as camadas social e economicamente
recolonizaçao do Brasil, nela implícita permaneceria
interiorizadas iam tomando pálida consciência das rela-
ções de exploração a que estavam submetidas. como orientação diretriz da política econômica colo-
nial portuguesa até a definição da emancipação polí-
Em meio a essas duas tendências podem ser en- tica, a essa altura irreversível. E os próprios deputa-
tendidas a "Inconfidência" de 1789 e o levante de
dos mineiros que iriam participar das reuniões nas Cor-
(13) Carlos Guilherme Mota realiza um estudo comparativo das
"inconfidências" mineira e baiana, indicando as especificidades de cada
qual. Importa chamar a atenção para a caracterização nítida de qiifi
houve camadas senhoriais distintas quanto a seus interesses. Cf. "Con-
iribudon i 1'étude dês formes de pensée coloniale au Brésil à ia fia
do >í'/III.« siècle: 1'Ídés de révolution". Annales historiques de Ia
Révohiíion F-rançaíse, Paris (202): 613-6*5, oct-déc, 1970 e Atitudes de
Inovação no Brasil, (1789-1801), Lisboa, Horizonte, 1970. Ver também
Kenneth R. Maxwell —- The generaí/on af lhe I790's and lhe idea oj
\ttx0~braziliati empire. (Trabalho apresentado rio seminário tia Newberry
Library em novembro de 1969 — mimeografado).
(14) Cl. Emília Vioili da Co:ia. Da Senzala à Colônia, Sim
Paula. DiFEL, 1966. p, ií)4, u João Dornas Filho, .-l Escravidão no Braul,
Riu, 1939. p. 121,
( 1 5 ) Citado por João C. de Otiveira Torres. Etfratltlcação Social
no Brasil. São Paulo. DIFEL, 1965, p. 42.
te* de Lisboa não foram insensíveis a tal constatação,
não participando das sessões (1821). ifl err; todo território por uma série de movimentos atra-
O que, aliás, não significa que houvesse em Minas vés dos quais a chamada aristocracia rural se impôs
unanimidade de interesses entre os setores es ia meu tais definitivamente no plano político. O levante militar de
proprietários, sobretudo na questão de oposição às de- 1833 c a referida Revolução Liberal de 1842 atestam-
terminações de Lisboa. £ o que transparece, ainda em -no de maneira clara, notadamente se se observarem as
1821, quando D. Manuel de Portugal e Castro, gover- comutações das penas (políticas) impostas aos insur-
nador da Província, mesmo não aceitando a autoridade gentes. Tratava-se agora — nada mais que isso de
do Príncipe Regente sem a tutela portuguesa,17 procurou redefinir o poder no interior da camada senhorial.
se manter era seu cargo através de conciliações, o que
contudo se tornou impraticável após setembro de 1822.
Antes, porém, o Príncipe visitara Minas à procura do
apoio, no que fo-ra bem sucedido.

Seria simplista, todavia, supor que a visita a Minas


e a consumação formal da emancipação política elimi-
nassem os descompasses entre as camadas senhoriais s
e figura de D. Pedro I.
Os choques de interesses perduraram ao longo de
todo o Primeiro Reinado. Os setores estarnentaís pro-
prietários, entretanto., conseguiram afirmar-se gradati-
vamente. Antes da Abdicação, D. Pedro ainda tentou
ama reconciliação com os grupos mineiros, não tendo
conseguido, porém, resultados concretos.
Enquanto isso acontecia, um decreto governamen-
tal (1826) permitia às empresas européias (inglesas
especialmente) à exploração econômica das minas. Daí
por diante, a instalaçãoi de novos interesses capitalistas
não se fez sem que se manifestasse oposição por parte
de certos elementos, como Soares Andreia.18
O período regência!, que se seguiu às pressões que
levaram Pedro I à abdicação (1831), caracterizou-se
f 16} Veja-se nesta mesma coletânea o trabalho de Fertiaadct Tomaz.
( 1 7 ) Cf. Francisco Iglésia. Op. cit., p. 383.
(18) A penetração de empresas estrangeiras provocará em 1843
reações como aquela encontrada por Francisco Iglésias entre os escritos
de Soafes Andreia:
"... teorias bem concebidas e pubttcadas para nosso governo, e não
para o governo dos autores, fizeram cair as nossas melhores minas de
ouço em mãos estrangeiras, que pelo serviço que fasem em deinoristrar-
-nos que err nossa terra ainda, há muito ouro, o vau tirando todo e
dando-nos cm prêmio de, nossa correspondência e urbanidade uns dez
por cento do produto de nossas minas". Cf. Francisco Iglé-sias. Op. cit ,
P. 396.

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