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A multinacional mineradora ALCOA, todos os dias, ensina muito aos moradores das
margens do Lago Juruti Velho. Ensina sobre o valor do dinheiro. Ensina que o minério
vermelho enterrado sob a floresta vale mais do que as areias brancas e as águas azuis
que formam a paisagem paradisíaca habitada imemorialmente por Mundurukus e
Muirapinimas. Ensina – como um dia já ensinaram os primeiros colonizadores
europeus – sobre a importância de eletrodomésticos, tênis americanos e outras
quinquilharias modernas. Pacientemente, os tradicionais de Juruti Velho têm ouvido os
especialistas contratados pela empresa explicarem que seu modo de vida ancestral é
rudimentar, ultrapassado, insustentável.
Essa vitória dos povos tradicionais é fruto de um processo iniciado antes mesmo das
primeiras prospecções da ALCOA em Juruti Velho, quando as comunidades
Mundurukus e Muirapinimas, com participação fundamental das Pastorais católicas
ligadas à Prelazia de Óbidos, começaram a se organizar para reivindicar a garantia dos
seus territórios ancestrais. Em 2005, o objetivo é parcialmente alcançado, com a
decretação do Projeto de Assentamento Agro-Extrativista Juruti Velho, pela recém
criada Superintendência Regional do INCRA no Oeste do Pará. Essa modalidade de
*
Chefe da Divisão de Desenvolvimento da Superintendência Regional do INCRA no Oeste do Pará.
Projeto de Reforma Agrária, voltada para a garantia de territórios tradicionais (cujo
histórico é de apropriação por agentes externos), deu base para a ocorrência de dois
fatores fundamentais na luta que se desenrolaria nos próximos anos: a aplicação
maciça de políticas públicas pelo governo federal, através do INCRA, e o
reconhecimento dos moradores, mediados por suas organizações sociais, como
protagonistas políticos inarredáveis.
Quanto vale o último olhar para uma paisagem à qual se está costumado desde o
nascimento? Quanto vale a perda de laços ancestrais com a natureza? Como se
quantifica, como se paga em dinheiro a extinção do modo de vida de um povo? Parece
o argumento do filme hollywoodiano Avatar, mas são questionamentos levantados no
estudo que visa calcular as perdas e danos da população de Juruti Velho.
A lição de Juruti Velho é ampla. Ao Estado, mostra que é possível, ainda, governar
para transformar; que temos instrumentos e capacidade de intervir decisivamente na
realidade amazônica e pautar outro modelo de desenvolvimento, mais sustentável e
com mais controle social.