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Palavras-chave: 1. Síndrome de Möbius. 2. Audição. 3. Criança.

A Audição na Seqüência de Möebius


INTRODUÇÃO
A Seqüência de Möebius consiste em uma paralisia congênita e não progressiva do VI
e do VII par craniano, podendo envolver também outros pares, e ocorre, na maioria das
(1)
vezes, bilateralmente. Tal paralisia compromete funções motoras e sensoriais . Quanto
aos aspectos otológicos, é possível a ocorrência de deformidades no pavilhão auricular e
orelhas calciformes. Admitem a audição como normal, mas confirmam a ausência de
(1)
Reflexo Acústico, devido à paralisia do nervo facial . Outros autores citam a ocorrência de
anomalia não só de orelha externa, mas também de orelha média e interna (2).
A origem desta patologia é questionável, mas sabe-se que aspectos ambientais e
genéticos influenciam em seu aparecimento. A isquemia fetal transitória, provocada pela
insuficiência vascular em idade gestacional precoce, é a teoria mais aceita para explicá-la.
Esta pode ser causada por fatores como utilização do misoprostol, do álcool e drogas na
gestação.
(3).
A incidência desta patologia é de 1:10.000 a 1: 50.000 nascidos vivos Ocorre em
ambos os sexos, com igual freqüência (4-5).
No Brasil, a incidência de casos de Seqüência de Möebius tem aumentado, o que
possivelmente está relacionado com a popularização do uso de misoprostol, comercialmente
conhecida como Cytotec®, como abortivo.
Sabendo-se do aumento no número de casos de pacientes com esta síndrome em
nosso país, das implicações fonoaudiológicas que as paralisias podem causar - tais como
disfagia, disfonia e surdez - e dos escassos estudos nesta área, faz-se necessária uma
investigação mais precisa em tais seguimentos.

OBJETIVO
Verificar a ocorrência de perda auditiva, caracterizando seu tipo, em um grupo de
pacientes com Seqüência de Möebius e comparar tais resultados àqueles encontrados em
um grupo de pacientes sem riscos para perda auditiva neurossensorial.

METODOLOGIA
Foi avaliada a audição de 22 pacientes, sendo 11 com Seqüência de Möebius,
atendidos no Ambulatório de Distúrbios da Comunicação Humana do Departamento de
Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP (grupo estudo) e 11
pacientes sem Seqüência de Möebius e sem riscos para perda auditiva neurossensoral
(grupo controle). A amostra de ambos os grupos foi pareada quanto à idade e sexo. Assim,
foram avaliados em cada grupo três sujeitos do sexo feminino e oito do sexo masculino, com
idade variando de um mês a 13 anos completos.

Os pacientes e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e


Esclarecido, de acordo com as normas estabelecidas pelo Comitê de Ética da UNIFESP,
protocolo 0546/06.
Inicialmente, os indivíduos foram submetidos à inspeção otoscópica do meato
acústico externo. Aqueles que apresentaram excesso de cerúmen foram encaminhados
para o setor de Otorrinolaringologia do Hospital São Paulo, onde foi realizada a lavagem
otológica.
A Observação Comportamental foi realizada nos pacientes com idade inferior a dois
anos e seis meses, utilizando sons instrumentais, em sala acusticamente tratada.
Em crianças com idade entre 6 meses e um ano foi realizada a audiometria com
reforço visual. Nos pacientes com idade entre dois anos e seis anos completos foi realizada
a audiometria lúdica ou tonal, dependendo da faixa etária, privilegiando as freqüências de
500 a 4000Hz. Para todos os exames de audiometria foi empregado o audiômetro MA-41 e
cabina acústica. Foram considerados resultados dentro da normalidade os valores que,
segundo a média de 500, 1000 e 2000 Hz estevessem situados entre 0 e 15dB para
crianças de até 10 anos (6) e entre 0 e 25 dB para crianças acima de 10 anos (7).
O limiar de recepção de fala (SRT) foi obtido pelo reconhecimento de 10 figuras
familiares. Considerou-se limiar a intensidade equivalente a 50% de reconhecimento de
palavras. O Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) também foi feito com
auxílio de figuras de 10 monossílabos familiares, em intensidade fixa de 40 dB acima da
média dos limiares auditivos obtidos nas freqüências de 500, 1000 e 2000 Hz.
As medidas de imitância acústica foram pesquisadas com o auxílio do Imitanciômetro
AZ7 com tom de sonda de 226 Hz, e constaram da timpanometria e da pesquisa dos
limiares dos reflexos acústicos contralaterais nas freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz.
(8)
As curvas timpanométricas foram classificadas em curvas A, B ou C . Os resultados da
pesquisa do Reflexo Acústico Contralateral foram considerados normais quando a diferença
entre estes valores e os obtidos na pesquisa dos limiares auditivos para cada uma das
freqüências (500, 1000, 2000 e 4000 Hz) estiveram entre 70 e 90 dB (8).

As Emissões Otoacústicas Evocadas Transitórias foram efetuadas em com uso do


aparelho Otodynamics ILO96. Foram analisadas as emissões transitórias nas bandas de
1000 Hz, 1500 Hz, 2000 Hz, 3000 Hz e 4000 Hz obedecendo aos procedimentos propostos
(9)
na literatura . As respostas foram consideradas presentes quando a resposta foi igual ou
superior a 3 dB NPS, na banda com freqüência central de 1000 Hz; e igual ou superior a 6
dB NPS, nas bandas com freqüência central de 2000 Hz, 3000 Hz e 4000 Hz(10).
Ao final, os resultados dos exames foram submetidos à análise estatística sendo
aplicado o Teste de Qui-quadrado, ajustado pela Estatística de Fisher, com nível de
significância adotado de 0,05. As diferenças estatisticamente significantes foram marcadas
com asterisco, indicando que ambos os grupos são estatisticamente diferentes.

RESULTADOS
Inicialmente, procurou-se verificar se a quantidade de pacientes audiologicamente
alterados no grupo Möebius foi estatisticamente significante (tabela 01) e se o numero de
pacientes para cada um dos tipos de alteração também foi estatisticamente significante
comparando com o grupo controle (tabela 02).
Tabela 01 – Ocorrência de comprometimento auditivo em cada um dos grupos – estudo e
controle
Grupo Normal Alterado Total
Estudo 2 (22,2%) 9 (81,8%) 11 (100,00%)
Controle 8 (72,7%) 3 (33,3%) 11 (100,00%)
Total 10 (45,5%) 12 (54,5%) 22 (100,00%)
p = 0,010*

Tabela 02 – Tipos de comprometimento auditivo encontrados em cada um dos grupos –


estudo e controle
Grupo Normal Condutivo Neurossensorial Total
Estudo 2 (22,2%) 7 (63,6%) 2 (22,2%) 11 (100,00%)
Controle 8 (72,7%) 3 (33,3%) 0 (0,0%) 11 (100,00%)
Total 10 (45,5%) 10 (45,4%) 2 (9,0%) 22 (100,00%)
p = 0,027*

Depois, procurou-se verificar se a quantidade de alterações no grupo Möebius com


relação à timpanometria foi estatisticamente significante em relação ao grupo controle,
considerando o número de orelhas avaliadas – tabela 03.
Tabela 03 – Ocorrência de alterações na timpanometria considerando o número total de
orelhas avaliadas no grupo estudo e no grupo controle
Grupo Normal Alterado Total
Estudo 11 (50,0%) 11 (50,0%) 22 (100,0%)
Controle 17 (77,3%) 5 (22,7%) 22 (100,0%)
Total 28 (63,6%) 16 (36,4%) 44 (100,0%)
p = 0,060
Foi então verificado se o número de orelhas encontradas com cada um dos tipos de
curva timpanométrica (A, B ou C) foi estatisticamente significante comparando o grupo
estudo com o grupo controle (tabela 04).
Tabela 04 – Tipos de alterações encontradas na timpanometria considerando o total de
orelhas avaliadas
Grupo Normal – tipo A Alt. – tipo B Alt. – tipo C Total
Estudo 11 (50,0%) 3 (13,6%) 8 (36,4%) 22 (100,0%)
Controle 17 (77,3%) 5 (22,8%) 0 (0,0%) 22 (100,0%)
Total 28 (63,6%) 8 (18,2%) 8 (18,2%) 44 (100,0%)
p = 0,007*

Ao final, procurou-se verificar se a quantidade de alterações no grupo Möebius com


relação às emissões otoacústicas foi estatisticamente significante em relação ao grupo
controle, considerando as orelhas avaliadas (tabela 05).
Tabela 05 – Ocorrência de alterações nas emissões otoacústicas considerando o total de
orelhas avaliadas
Grupo Normal Alterado Total
Estudo 9 (40,9%) 13 (59,1%) 22 (100,0%)
Controle 17 (77,3%) 5 (22,7%) 22 (100,0%)
Total 26 (59,1%) 18 (40,9%) 44 (100,0%)
p = 0,014*
DISCUSSÃO
No grupo estudo, houve maior ocorrência de alterações auditivas do que com a
audição normal, diferentemente do grupo controle. Dentre tais alterações, a perda auditiva
condutiva foi o achado mais freqüente, estando presente em 7 (63,6%) pacientes, sendo
que no grupo controle esteve presente em apenas 3 (33,3%) dos indivíduos. O maior
número de crianças com perda auditiva condutiva no grupo estudo, estatisticamente
significante, é confirmado pelo número maior de orelhas do grupo estudo com curva
timpanométrica do tipo B em comparação ao controle, achado também estatisticamente
significante. Por conseqüência, o maior número de perdas condutivas também pode ser
confirmado pelo maior número de orelhas alteradas na pesquisa das emissões otoacústicas
no grupo estudo em comparação ao controle.
A suspeita de disfunção tubária, de perdas condutivas e freqüentes casos de otite
relatados pelos pais dos pacientes deste estudo podem ser explicados pela hipotonia
muscular, devido a uma inervação prejudicada dos músculos relacionados com a contração
(11)
da tuba auditiva em pacientes com Seqüência de Möebius . Acredita-se que o grande
número de pacientes com perda auditiva condutiva se deva à hipotonia da musculatura
perioral, à respiração bucal e à paralisia dos músculos do palato mole, importantes no
mecanismo de contração da tuba auditiva e regulação pressórica da orelha média (12).
Também é importante citar a presença de perda neurossensorial em 2 (18,2%) dos
pacientes do grupo estudo, o que não ocorreu em pacientes do grupo controle. A ocorrência
(13)
desse tipo de perda no presente estudo foi superior a citada por outro estudo , que, de 25
pacientes com Möebius avaliados, dois (8,0%) apresentaram com perda auditiva
semelhante.

CONCLUSÃO
Crianças com Seqüência de Möebius apresentaram maior ocorrência de alterações
auditivas, estatisticamente significantes, tanto de perdas auditivas condutivas quanto de
perdas auditivas neurossensoriais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Psillakis JM, Altmann EBC. Seqüência de Moebius. In: Psillakis JM, Zanini AS, Mélega JM,
Costa EA, Cruz RL. Cirurgia crânio maxilo facial estéticas da face. Rio de Janeiro: Medsi;
1997. p. 259-74.

2. Gemignani E, Longone E, Guedes ZCF. Seqüência de Möebius – Relato de um caso clínico


sob a luz da investigação fonoaudiológica e psicológica. Pro-Fono Revista de Atualização
Científica. 1996; 8 (2): 51-54.

3. Ventura LMVO. Seqüência de Moebiüs: estudo comparativo das anomalias e distúrbios


funcionais em crianças com ou sem uso de misoprostol durante a gestação [tese] Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2001.

4. Méndez J, Lee D. Diplejia facial congenita. Pediatria. 1981; 13 (3): 604-07.

5. Roth MGM, Garcias GL, Ferreira FLS, Roth JM. Seqüência de Möebius. Arq catarinenses de
medicina. 1996; 25 (1): 61-4.

6. Norhern JL, Downs MP. Hearing in children. 4th ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1991.

7. Davis H. Audiometry: pure tone and simple speech tests. In: Davis H, Silverman SR. Hearind
and Deafness. New York: Holt Rinehart and Weston; 1970. p. 179-200.

8. Jerger J. Clinical experience with impedanceaudiometry. Archieves of Otolaryngology. 1970;


92: 311-24.

9. Kemp DT, Ryan S, Bray P. Guide to the effective use of otoacustic emissions. Ear and
Hearing. 1990; 11 (2): 93-105.

10. Kennedy CR, Kimm L, Dees DC, Campbell MJ, Thornton ARD. Controlled trial of universal
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Lancet. 1998; 352: 1957-64.

11. Kahane JC. Pathophysiological effects of Möbius Syndrome on Speech and Hearing. Arch
Otolaryngol. 1979; 105 (1): 29-34.
12. Dias NH, Martins RHG, Nakanish M, Sousa JC, Tamashiro IA. Seqüência de Möebius:
Manifestações Clínicas e Avaliação Auditiva. Rev. bras. Otorrinolaringol. 2001; 67 (4 pt 1):
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Jacobson C, Anderson J, Fernell E. Möbius sequence – a Swedish miltidiscipline study.
European Journal of Paediatric Neurology. 2002; 6: 35-45.

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