You are on page 1of 2

Preconceitos a propósito do ateísmo - Anti-teísmo vs.

Anti-religiosidade

Sou acusado, diariamente, de ser contra as pessoas que


acreditam em deus. Infelizmente, este equívoco tem sido cometido
repetidamente em relação aos ateus desde tempos imemoriais.
Afinal os ateus são contra a crença em deus ou não?
Não podendo responder por todos os ateus, resta-me expor a
minha opinião explicando o porquê de achar que esta acusação é
uma manobra populista de quem tenta descredibilizar uma
mensagem racional com argumentum ad hominem.
Existe uma grande diferença entre ser-se teísta e ser-se
religioso no sentido institucional. É fácil perceber que é possível
acreditar em deus sem que, para isso, se pertença a um grupo de
culto organizado. Por exemplo, qualquer português pode ser portista
sem fazer parte de uma claque ou, tão pouco, ser sócio do clube.
Qualquer pessoa pode, na sua privacidade, adoptar como
axioma da existência humana, a existência de um criador divino sem
que isso constitua prejuízo social. Pessoalmente, o facto de um
indivíduo ser puramente teísta não me é, de todo, abominável. A
questão de se deus existe ou não é puramente filosófica e duvido
que, per si, cause dano.
Partamos de um conceito de um deus criador e não
interventivo, que admite o livre-arbítrio e a moral como concepção
meramente humana. Provavelmente, um teísta que partilhe desta
ideologia será, dificilmente, distinguível de um ateísta pelas suas
acções quotidianas no mundo social pois estas serão baseadas na
lógica e razão, sendo expectáveis conceitos que são fruto de
reflexões críticas.
Assim, cada teísta terá a sua própria concepção de deus, que
advém da sua experiência pessoal única, da sua mundividência e até
de algum espírito crítico.
O problema surge, essencialmente, com a institucionalização da
crença e a normalização do conceito de deus como consequência da
religião organizada.
Se o pensamento crítico pode ser perseguido por um teísta livre
de dogmas, não o poderá ser por um religioso.
Tomemos o exemplo católico. Todos os milhões de católicos no
mundo partilham do mesmo conceito base sobre deus, de acordo com
os ensinamentos e dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana. O
seguidor desta fé abdica do espírito crítico que lhe permite a sua
concepção única e pessoal sobre deus para ser instruído a seguir
uma doutrina oficial.
Tudo o que refiro conduz a situações absurdas e
extraordinariamente irracionais como, por exemplo, a auto-flagelação
e a privação de alimentos como meio de agradar um deus. Além
disso, a falsa confirmação da verdade moral, supostamente
corroborada por milhões de seguidores dessa mesma fé, leva à
perseguição dos que professam ideologias “falsas” sendo a inquisição
um exemplo (entre milhares) deste fenómeno religioso.
Não posso terminar sem referir a questão clerical. Se a evolução
social ditou, ao longo dos séculos, que todos os homens são livres e
iguais quando se trata de escolher o seu caminho conceptual, é no
mínimo ridículo que existam figuras de autoridade teísta. Se numa
perspectiva humanista, o indivíduo persegue ideias próprias, numa
perspectiva de hierarquia institucional religiosa, o crente terá de
seguir as ideias e concepções que o seu superior lhe transmite. Este
problema leva à homofobia difundida pelo clero, à condenação do
sexo para fins não procriativos, à condenação moral do prazer e à
conivência com a propagação do vírus HIV no continente africano, por
se negar aos seguidores o uso do preservativo. Em última análise, a
institucionalização e respectiva hierarquização da crença numa
entidade divina é usada pelo clero como um instrumento de
efectivação de uma agenda política e económica pessoal e da
instituição que representa.
Apesar de estar ciente de que muitos mais argumentos a favor
da minha causa não foram apresentados, podemos concluir que
existe uma enorme diferença entre anti-teísmo e anti-religiosidade.
Se o anti-teísmo faz sentido apenas dando-se o caso de o indivíduo
adoptar uma postura prejudicial ao seu semelhante, a anti-
religiosidade é uma luta justa e sustentada contra a manutenção de
um lobby religioso e contra a estupidificação da espécie.

Nuno Leal

http://nunoleal.com

You might also like