O documento discute as complexas relações históricas entre Portugal e Brasil. Em três frases:
1) A colonização portuguesa teve um profundo impacto no Brasil através da escravidão e do genocídio indígena, cujos efeitos ainda são sentidos hoje.
2) Muitos portugueses ignoram ou subestimam o alcance da violência da colonização e como isso ainda afeta a sociedade brasileira, revelando preconceitos coloniais.
3) Embora haja alguns preconceitos no Brasil, os bras
O documento discute as complexas relações históricas entre Portugal e Brasil. Em três frases:
1) A colonização portuguesa teve um profundo impacto no Brasil através da escravidão e do genocídio indígena, cujos efeitos ainda são sentidos hoje.
2) Muitos portugueses ignoram ou subestimam o alcance da violência da colonização e como isso ainda afeta a sociedade brasileira, revelando preconceitos coloniais.
3) Embora haja alguns preconceitos no Brasil, os bras
O documento discute as complexas relações históricas entre Portugal e Brasil. Em três frases:
1) A colonização portuguesa teve um profundo impacto no Brasil através da escravidão e do genocídio indígena, cujos efeitos ainda são sentidos hoje.
2) Muitos portugueses ignoram ou subestimam o alcance da violência da colonização e como isso ainda afeta a sociedade brasileira, revelando preconceitos coloniais.
3) Embora haja alguns preconceitos no Brasil, os bras
com os brasileiros, disse-me uma alem, conhecedora profissional de Portugal e Brasil. Estvamos na Alemanha, o Brasil temia uma guerra civil, foi h dez dias. A minha interlocutora no se referia relao de portugueses com brasileiros nesta crise, e sim em geral. A minha resposta instintiva foi contrapor, contar por exemplo como muitos portugueses cresceram com msica brasileira, e isso parte da nossa vida. Agora, de volta a casa, continuo a pensar na observao desta veterana, que nada tinha de provocadora, era s vontade de entender. Muitos portugueses, creio, teriam respondido da mesma forma instintiva, a que podemos chamaramorosa. Mas impossvel ignorar o que se tem manifestado em Portugal de equvoco face ao Brasil ao longo destes dias. No sendo novidade, acho que nunca o tinha visto propagado assim, talvez porque nunca houve tantos meios para isso, e porque este tempo apocalptico favorece uma excitao de circo romano. Em 2016, facilmente o clamor se torna viral, entre media e redes sociais. Justiceiros instntaneos brotam de um clique, prolongando 516 anos de equvocos. Segundo um desses equvocos, provvel pai dos outros, o tema da colonizao encerrou-se, chega de falar dele, passado. Penso o contrrio, que mal comemos, que presente, e a actual crise brasileira acentua isso. No s pelo que expe das estruturas brasileiras, como pelo que revelou do olhar de Portugal sobre o Brasil, e sobre si mesmo. 2. Com esse nome, o Brasil viveu 322 anos de ocupao portuguesa e 194 de independncia. Se algum acredita que o tempo da independncia poderia j ter curado o tempo da ocupao, precisa de voltar histria luso-brasileira, porque o alcance da violncia vai longe, e em muitas direces. Esses 322 anos actuam diariamente naquilo que hoje o Brasil, na clivagem entre So Paulo e o Nordeste, nos milhes que ainda moram em favelas, na relao Casa-Grande & Senzala das elites com os
empregados, na violncia da polcia que continua a
ser militar, do desmando oligrquico dos que controlam aparelhos e estados, no saque catastrfico da natureza, na traio aos grupos indgenas, na evangelizao dos pobres, radicalizando o conservadorismo num pas onde se morre de aborto. No elenco para uma crnica, tem sido e ser para muitas, livros, bibliotecas. O lulismo fez coisas importantes contra parte dessa herana (nas desigualdades mais urgentes, na cultura), no fez o suficiente contra boa parte disto (na educao, na sade, na polcia), fez coisas que pioraram isto (um capitalismo com consequncias devastadoras no ambiente e nas questes indgenas), e historicamente produziu uma gerao que o critica e supera pela esquerda, num caldo indito de periferias politicamente empoderadas e uma nova faixa politizada vinda da elite. Ento, qualquer discurso maniquesta de besta ou bestial no dar conta de Luiz Incio Lula da Silva, figura complexa, decisiva, que ainda desafiar a histria quando j no restar memria de quem agora, com reconhecvel sobranceria colonial, o tenta reduzir. O prazer de ver algum cair sempre fez dos homens uma alcateia. E a recente lista de subornos da Odebrecht um exemplo de como a corrupo se mantm transversal na poltica. 3. A violncia sistmica brasileira tem razes nas duas violncias fundadoras da colonizao portuguesa, extermnio indgena e escravatura africana. Os portugueses no inventaram a escravatura, mas inauguraram o trfico em grande escala. Dos 12 milhes de indivduos que as potncias europeias deportaram de frica at ao sculo XVIII, 5,8 milhes foram traficados por Portugal. Isto significa 47 por cento, ou seja quase metade do trfico foi assegurado por Portugal, e a grande maioria destinava-se a sustentar a colonizao do Brasil (os nmeros podem variar consoante os estudos, estes so do recente Racismos, de Francisco Bethencourt). A escravatura um horror antiqussimo, sim, e entre os sculos XV e XVIII a forma portuguesa de a praticar foi secundada por ingleses, espanhis, franceses, holandeses, sim. Mas a Portugal coube esta iniciativa: deportao em massa, para nela assentar a explorao brutal de um territrio gigante, custa do qual um territrio minsculo
viveu, como toda uma bibliografia tem mostrado de
forma cada vez mais desassombrada. No aprendi isto na escola, e tenho srias dvidas de que a maior parte dos portugueses faa ideia de que Portugal, sozinho, deportou tantos africanos como os judeus mortos no Holocausto, com a ajuda teolgica e logstica da Igreja Catlica, depois de ter levado ao extermnio de ningum sabe quantos ndios, provavelmente no menos de um milho. Enquanto isto (e tudo o que nisto diz respeito a frica, claro, e o tanto que falta do Oriente, etc, etc) no entrar a srio nos programas escolares, o imprio colonial portugus ser futuro por enfrentar, e no passado: um problema nosso. Ao Brasil, mais do que nunca, cabe superar o que o Brasil-colnia deixou no Brasil-independente, depois repblica, ditadura, democracia. A Portugal cabe integrar as vrias partes desta histria que foram deixadas para trs, por razes pesudopatriticas que s bloqueiam os portugueses. Feito, aventura, audcia seria descobrir o encoberto, que no o de lcacer-Quibir, mas o que nos recusamos a saber. No se trata de auto-flagelao, desculpabilizao do Brasil independente, dio a Portugal ou substituio de uma verso por outra, mas, como j escrevi a propsito da posse de Marcelo, de ter coragem para integrar na histria outros factos, torn-la mais prismtica e liberta de servios. No possvel usar um pedao de histria na lapela, remetendo os outros para um tempo anacrnico, com o argumento: nesse tempo era assim. Foi assim porque os portugueses tambm fizeram muito por isso. E nem sempre era assim, e para muitos no foi assim, a histria est cheia de exemplos de quem se ops, sempre houve embates, o espanhol Bartolom de las Casas no partilhava a viso concentracionria dos jesutas portugueses em relao aos amerndios, tal como vrias vozes se foram levantando contra a escravatura africana: mas o Brasil escravocrata, herdeiro dos privilgios, foi o ltimo pas americano a aboli-la, em 1888. Dito de outro modo, a histria presente, faz-nos e feita por ns, agora. Mas, claro, podemos continuar bloqueados no pensamento nico de como fomos grandes, e os brasileiros no tm emenda, no mnimo uns bons selvagens, como na clebre metfora das esculturas em murta do padre Antnio Vieira, esse sem dvida brilhante orador do
imprio, e idealizador do quinto imprio, que no
viu obstculos morais a substituir a escravatura indgena pela africana. Ao contrrio das firmes esculturas em pedra, as de murta fingem comportar-se, mas voltam rebaldaria selvagem, mal o jardineiro, leia-se, colonizador, se ausenta. Muito do que li nestes dez dias, entre media e comentrios em Portugal, podia resumir-se a isto. Brasil: uma rebaldaria. 4. Sim, s que no. O mais perto de um milagre para mim, invocando Noel Rosa, como o brasileiro todos os dias passa de portugus. Sendo a violncia diria que , sendo a tristeza trgica que , o Brasil consegue ser uma laranja no Inverno. Imaginar um mundo sem Brasil lembra-me aquela no-fico de Oliver Sacks em que um homem comea a ver tudo cinzento, at as laranjas. O mundo sem Brasil: impensvel, como uma laranja cinzenta. Ou pensvel, sim: meio caminho para amar ainda mais o Brasil, alm das muitas razes que o Brasil todos os dias nos d, de Joo Guimares Rosa a qualquer roda danando sobre cacos e cinzas. 5. E com imbatvel auto-crtica. Se a auto-estima de um carioca no tem par, at porque o Rio no tem par, a disponibilidade para a auto-crtica tambm no. Despedi-me do Rio com uma crnica no Globo falando do Brasil racista, capitalista, violento. No quero imaginar os comentrios no PBLICO se um carioca fizesse o mesmo em relao a Portugal. Lendo os comentrios do PBLICO por estes dias, um amigo brasileiro, daqueles que vieram da periferia mais pobre, comentou, impressionado: que violncia, esses leitores. E que fizeram os cariocas comigo? Multiplicaram as crticas que eu fazia milhares de vezes, no tenho outra forma de dizer isto para sublinhar a espantosa capacidade carioca. Onde a gente diz mata, eles vo dizer esfola, bem mais do que xingar o ex-colonizador. H preconceito no Brasil contra portugus? H, sobretudo entre as elites mais ignorantes. H anedotas de padeiros, da terrinha, dos lusos literais? Desinteresse, ignorncia? Sim. Mas que isso comparado com a violncia portuguesa que desponta quando se sente um pouco mais autorizada? Tudo pesado, raro brasileiros serem violentos em relao a portugueses. O contrrio no verdadeiro. Pasmo vendo como essa violncia vem ao de cima, ignorando a histria portuguesa e a odisseia
extraordinria, quotidiana, de milhes de
brasileiros. Recorri muito a uma ideia de Jaime Corteso nas ltimas semanas, mas nunca a citei nestas crnicas, e acho que valia a pena ir ao fundo do que ela diz: uma das melhores formas de ser portugus amar o Brasil.
Ingleses x Ingleses: poder e conflito entre a diplomacia londrina e os comerciantes britânicos no comércio proibido de escravos (Rio de Janeiro, 1826-1850)