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A atualidade do materialismo histórico e dialético

Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro1

Resumo
O presente artigo recupera alguns dos principais conceitos marxistas e a visão de
sociedade em Marx, a qual deve ser compreendida de acordo com a concepção
materialista, histórica e dialética da realidade, tal como foi definida pelo próprio
Marx. Concepção indissociável e presente em toda a sua obra como expressão
filosófica, científica e política do seu pensamento, segundo afirmações do mesmo
para quem, quando se pretende estudar um país ou uma dada formação social,
“o correto é começar pelo real e pelo concreto” que é a divisão do trabalho, o
dinheiro, o valor etc. Esses elementos é que dão origem aos sistemas
econômicos, ao Estado, ao modo de se constituir a sociedade, à troca entre as
nações e ao mercado mundial. Afirmou, ainda, que a evidência da realidade (a
essência) se dá a partir do conhecimento da base material, tal como ele mesmo
declarou no prefácio de Para a Crítica da Economia Política. A partir das
principais obras filosóficas de Marx e de autores que revisaram suas teorias e
questionaram sua validade na pós-modernidade, conclui-se que o pensamento
de Marx, seus conceitos básicos e suas categorias dialéticas continuam a ser
utilizadas tanto como métodos de abordagem quanto como instrumentos
imprescindíveis para a análise da realidade. Mesmo quando omitidas pelos
próprios autores.

Palavras-chave: Marxismo - materialismo histórico e dialético - categorias


dialéticas

1.Introdução
Apesar do avanço do conhecimento científico e da crescente convergência
de métodos usados nas ciências exatas para se explicar fenômenos acontecidos
nas ciências sociais, como evidenciam Alan Sokal e Jean Bricmont (1997),
observamos que o materialismo dialético continua sendo um método poderoso
para se explicar os fenômenos sociais, mesmo quando, às vezes, ele aparece de
maneira indireta.
Quem o diz é Boaventura de Sousa Santos no texto Tudo que é Sólido
Desmancha no Ar: O Marxismo Também? (1995, p.23-49), da coletânea de
textos do autor, publicada sob o título: Pela Mão de Alice: o social e o político na
pós-modernidade. Nas suas palavras,

Se para alguns autores, a obra de Marx, sujeita muitas vezes a exercícios


de exegese escolástica, era o ponto de partida e o ponto de chegada da
análise (Poulantzas e Wright, por exemplo), para outros, era apenas o
ponto de partida (Bourdieu, Habermas, Gouldner, Giddens) e para outros
ainda não era sequer o ponto de partida, embora a sua investigação só
fosse inteligível contra um pano de fundo em que abundava o marxismo,
como é o caso mais notável, de Foucault (SANTOS, 1999, p. 28).
Assim, vale a pena recuperar alguns dos conceitos de Marx, fundamentais
para a compreensão do materialismo dialético e reintroduzir a discussão de
como, para Marx, se organiza a sociedade, no geral, e uma formação social, no
particular.

2.Pressupostos do método
Para se compreender a história da humanidade, e o desenvolvimento
das ciências gerais, principalmente as ciências humanas, algumas questões,
especificamente, devem ser postas e algumas afirmações devem ser feitas,
tomando-se o método marxista, também chamado de materialista, histórico e
dialético, como teoria geral de base.

Tal método é chamado materialista, porque parte da realidade material


do objeto; histórico, porque leva em conta o movimento histórico onde o objeto
está inserido sincrônica e diacronicamente; e dialético, porque parte do
pressuposto de que nem a natureza nem a sociedade são fixas ou paradas, mas,
estão em constante movimento dialético (daí a necessidade do uso das
categorias dialéticas: o todo e a parte, o particular e o universal, a aparência e a
essência; o passado e o presente).

As premissas do método marxista, e que servem para a compreensão


de qualquer conceito (como ética, justiça, sociedade, ideologia etc.), são as
seguintes:
• O homem se humaniza no trabalho, pela transformação de objetos da
natureza em ferramentas de trabalho e em bens para satisfação das suas
necessidades básicas. Depois de satisfeitas suas necessidades básicas, o
homem cria novas necessidades socioculturais (música, objetos de conforto,
arte e lazer);
• Além do trabalho, o processo de humanização se dá, também, pela vida em
sociedade, junto com outros homens;
• Porém, nas relações sociais, alguns homens se apropriam da terra, das
ferramentas de trabalho, dos animais (pela força ou pelas guerras), e se
transformam em donos dos meios de produção material;
• A partir daí, a sociedade se divide entre aqueles que possuem os meios de
produção e os bens produzidos e aqueles que não possuem. É assim que se
formam as classes sociais;
• Os que possuem os meios e o bens se apropriam, ainda, da força de trabalho
de outros homens, que passam a trabalhar, ganhar um salário, mas não são
donos dos bens produzidos e dos lucros, acumulando capital;
• As classes sociais se configuram, portanto em grupos antagônicos, que são
chamados de várias maneiras: aqueles que detém privilégios e aqueles
desprivilegiados; ou ricos e pobres; dominadores e domi nados; vestidos e
descamisados; com terra e sem terra; burgueses e proletários; escravos e
senhores; patrões e empregados. Cada nome varia a depender de cada
contexto histórico, ou de cada movimento político;
• Os donos dos meios de produção e dos lucros passam a ser cada dia mais
rico e os que vendem as suas força de trabalho recebem salários que dão
apenas para satisfazer, muito mal, as necessidades básicas (por isso é que
chama salário mínimo) passando a ser, cada dia mais pobres (hoje,
desempregados, sem teto e miseráveis);
• Nos países em que existem classes sociais antagônicas (hoje são todos, basta
ver as pirâmides da concentração de renda), as classes que dominam o
dinheiro (o capital), dominam também o Estado, a política, a justiça, os
meios de comunicação, a educação; as forças armadas etc;
• Assim, a educação é feita para os que possuem; o Estado contempla aos
ricos; a justiça protege aos poderosos; os meios de comunicação veiculam
mensagens de perpetuação do sistema; a polícia e o exército protegem os
proprietários etc;
• Além disso, esses donos do poder veiculam ideologias (idéias disseminadas
na sociedade) que visam garantir e perpetuar os seus privilégios, levando a
crer que é normal que existam aqueles que são os donos do Planeta e
aqueles que devem ser escravizados, ganhar salário mínimo e não ter direito
a um palmo de terra;
• O termo ‘ideologia’ é compreendido aqui como um conjunto sistemático de
idéias sobre a organização sócio-política e econômica da sociedade. Quando
uma ideologia pretende organizar a sociedade em benefício de minorias
privilegiadas, ela é unilateral. Igualmente a ideologia é unilateral quando
pretende se impor pela força;
• Essas ideologias se manifestam em todas as instâncias da vida social: nas
escolas, nos livros, nas igrejas, nas novelas, na publicidade, na arte, nos
noticiários etc;
• Na medida em que essas ideologias asseguram a manutenção desse sistema
de classes sociais antagônicas (manutenção do status quo), elas asseguram,
também, a possibilidade de reprodução dessas mesmas classes no poder,
pois anestesiam as consciências e escondem a verdadeira essência da
realidade, com discursos falsos.

3.Revisitando a concepção marxiana de sociedade

Segundo o método materialista, histórico e dialético, para se analisar,


compreender e explicar os fenômenos (ou objetos), e, depois, conceituá-los,
tendo em vista a realidade social na qual eles se inserem, precisamos analisar
essa realidade a partir de três focos. Isto é: devemos ter em mente:
primeiramente, o modo como os homens produzem seus bens materiais
(possuidores e despojados; países pobres e países ricos; propriedade privada;
patrões e empregados; lucros para uns e salários para outros; desemprego etc.);
em segundo lugar, o modo como se organizam em sociedade (classes sociais;
forma de governo, elites intelectuais, religiões, movimentos sociais - dos sem
terra, dos sem teto, greves, passeatas, sindicatos etc); e, finalmente, o modo
como produzem conhecimentos (escolas, universidades, saberes, filosofia,
pesquisas, estudos, livros, imprensa etc);

A visão de sociedade em Marx deve ser compreendida de acordo com a


concepção materialista, histórica e dialética da realidade, tal como foi definida
por ele próprio. Concepção indissociável e presente em toda a sua obra como
expressão filosófica, científica e política do seu pensamento e que pressupõe: a)
a ênfase na significação da natureza para o homem; b) a negação da autonomia
das idéias na vida social; c) a concepção da centralidade da práxis humana na
produção e a reprodução da vida social e, em conseqüência disso, d) a ênfase na
significação do trabalho enquanto transformação da natureza e mediação das
relações sociais, na história humana (BOTTOMORE, 1988, p.255).
De acordo com Marx (1996), quando se pretende estudar um país ou uma
dada formação social, “o correto é começar pelo real e pelo concreto” que é a
divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Esses elementos é que dão origem
aos sistemas econômicos, ao Estado, ao modo de se constituir a sociedade, à
troca entre as nações e ao mercado mundial. Afirmou, ainda, que a evidência da
realidade (a essência) se dá a partir do conhecimento da base material, tal como
ele mesmo declarou no prefácio de Para a Crítica da Economia Política:

os homens contraem relações determinadas, necessárias e


independentes de sua vontade, relações de produção estas que
correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas
forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção
forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se
levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem
formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da
vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e
espiritual (MARX, 1996, p.52).

Marx (1996) deixou claro, também, que não é a consciência dos homens
que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua
consciência e afirmou, ainda, que, pela própria lógica das contradições dialéticas,
as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as
relações de produção existentes, sucedendo-se uma época de revolução social:

Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura


se transforma com maior ou menor rapidez (...) na consideração de tais
transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação
material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de
rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas,
religiosas, artísticas ou filosóficas pelas quais os homens tomam
consciência desse conflito e o conduzem até o fim (MARX, 1996, p.52).

Entretanto a compreensão da realidade a partir da concepção materialista,


histórica e dialética não o impediu de valorizar a influência dos fatores
superestruturais. Luckács (1979), ao examinar a tese de doutoramento de Marx,
observou a colocação de um problema, paradoxal e de grande importância, na
compreensão da obra marxiana que se divide em: a) enunciados diretos sobre
um certo tipo de ser, ou seja, afirmações ontológicas e, b) nenhum tratamento
autônomo de problemas antológicos;

Essas tendências encontram sua primeira expressão adequada nos


Manuscritos Econômico-Filosóficos, cuja originalidade inovadora reside,
não em último lugar, no fato de que, pela primeira vez na história da
filosofia, as categorias econômicas aparecem como categorias da
produção e reprodução da vida humana, tornando assim possível uma
descrição ontológica do ser social sobre bases materialistas. (LUCkÁCS,
1979, p.15).

Tudo isso ajuda a compreender as expressões: ‘condições de existência’ e


‘produção de consciência’ no sentido dado por Marx. Por outro lado, a maneira
como ele analisou o ‘trabalho’, abre múltiplas possibilidades para o entendimento
de seu método, pois aquele não exclui um fator teleológico  o homem que
projeta antes de fazer. É novamente Luckács quem evidencia o valor da
categoria trabalho, tal como aparece na sua obra madura, contendo, porém, o
cerne das suas idéias originais. Trabalho humano mediando natureza e
sociedade:

Através do trabalho, tem lugar uma dupla transformação. Por um lado, o


próprio homem que trabalha é transformado pelo seu trabalho; ele atua
sobre a natureza exterior e modifica, ao mesmo tempo, a sua própria
natureza [...] O homem que trabalha ‘utiliza as propriedades mecânicas,
físicas e químicas das coisas, a fim de fazê-las atuar como meios para
poder exercer seu poder sobre as coisas, de acordo com a sua finalidade’
[...] e tão-somente através de um conhecimento correto, através do
trabalho, é que podem ser postos em movimento, podem ser convertidos
em coisas úteis. Essa conversão em coisas úteis, porém é um processo
teleológico: ‘no fim do processo de trabalho, emerge um resultado que já
estava presente desde o início da idéia’ (LUCKÁCS, 1979, p. 16).

Antes disso, Engels, em carta a Bloch, explicou a tese marxista


destacando o papel da superestrutura na concepção materialista da história:

o fator que, em última instância, determina a história é a produção e a


reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos, uma vez sequer,
algo mais do que isso. Se alguém o modifica, afirmando que o fato
econômico é o único fato determinante converte aquela tese numa frase
vazia, abstrata e absurda. A situação econômica é a base, mas os
diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela  as
formas políticas da luta de classes e seus resultados, as constituições
que, uma vez vencida uma batalha, a classe triunfante redige etc, as
formas jurídicas, filosóficas, as idéias religiosas e o desenvolvimento
ulterior que as leva a converter-se num sistema de dogmas  também
exercem sua influência sôbre o curso das lutas históricas e, em muitos
casos determinam sua forma, como fator predominante (MARX e
ENGELS, s/d, p.284).

Para Engels, trata-se de um jogo de ações e reações entre todos os


fatores infra e superestruturais, mas, onde acaba sempre por impor-se, como
fator de maior importância, o movimento econômico. Isto quer dizer que

as premissas e as condições econômicas são as que decidem, em última


instância. No entanto, as condições políticas e mesmo a tradição que
perambula como um duende no cérebro dos homens também
desempenham seu papel, embora não decisivo (MARX e ENGELS, s/d, p
285).

Engels refletiu bem o pensamento de Marx. Aliás, a colaboração


intelectual entre eles foi fato declarado por ambos. Mas, a despeito disso,
determinação da infra-estrutura como único motor histórico e dialético, acabou
por se constituir, no florescer do marxismo, numa visão economicista, que não
condiz com a concepção materialista marxiana. Surgiram, assim, apropriações e
interpretações enviezadas das idéias de Marx, que se estabeleceram no
pensamento contemporâneo, a despeito de seus próprios escritos.
Para ele, as mudanças na base material provocam mudanças em todas as
camadas estruturais da sociedade, se bem que, nas sociedades atuais,
principalmente a partir do aceleramento das relações capitalistas, é necessária
uma atenção redobrada para se compreender como se movimentam as relações
sociais, dados os inúmeros fatores que complicam tais relações, camuflando a
realidade concreta.
Por circunstâncias históricas, a determinação da infra-estrutura como
único motor histórico e dialético, acabou por se constituir, no florescer do
marxismo, numa visão economicista, que não condiz com a concepção
materialista marxiana. Surgiram, assim, apropriações e interpretações
enviezadas das idéias de Marx, que se estabeleceram no pensamento
contemporâneo, a despeito dos próprios escritos marxianos. Mas ele deixou isso
bem claro, ainda em vida, como, por exemplo, na carta que escreveu a
Annenkov, datada de 1846:

As determinadas fases de desenvolvimento da produção, do comércio, do


consumo, correspondem formas determinadas de organização social,
uma determinada organização de família, das camadas ou das classes;
em resumo: uma determinada sociedade civil. A uma sociedade civil
determinada corresponde uma situação política determinada que, por sua
vez, nada mais é que a expressão oficial dessa sociedade civil [...]
Conclusão obrigatória: a história social dos homens nada mais é que a
história do seu desenvolvimento individual, tenham ou não consciência
disso. Suas relações materiais constituem a base de tôdas as demais
relações (MARX e ENGELS, s/d, p.245).

Marx usou a palavra sociedade, em três sentidos: 1) a sociedade humana,


ou ‘humanidade socializada’ enquanto tal; 2) tipos historicamente existentes de
sociedade (por exemplo a sociedade feudal ou a sociedade capitalista); e, 3)
qualquer sociedade particular(por exemplo, a Roma antiga ou a França
moderna). O que há de característico nessa concepção é, primeiro, que ele
partiu da idéia de seres humanos que vivem em sociedade e são seres sociais;
segundo, é que ele não separou a sociedade da natureza, pelo contrário, os seres
humanos foram vistos como parte do mundo natural, que é a base real de todas
as suas atividades. “A produção e a reprodução da vida material, pelo trabalho e
pela procriação, são, assim, uma relação ao mesmo tempo natural e social, diz-
nos Marx nos Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844” (BOTTOMORE,
1988, p. 342).
Pressupostos da existência da sociedade, para Marx:
• São pressupostos da existência da sociedade: a) o homem (concreto); b)
homens diante de um substrato (a natureza); c) homens em relação com a
natureza; d) homens em relação com outros homens (produção social); e)
homens produzindo (consciência, representações, mentalidade, arte, religião).
• São componentes essenciais da sociedade: a) uma economia
(produção/circulação/consumo); b) uma cultura (modo de vida, objetos
culturais); c) uma organização (família, tribo, horda, Estado). Com isso,
pretende-se encontrar características comuns a “todas” as sociedades
(perspectiva antropológica).
• A sociedade historicamente existente situada e localizada caracteriza-se por
possuir: a) um modo de produção/reprodução da existência; b) uma
formação social específica.
Para se compreender melhor o conceito de sociedade, pretendido por Marx
e presente em toda a sua obra, mas, principalmente, na sua obra inicial, deve-se
tomar como ponto de partida a visão de mundo marxiana, denominada por
Felipe Serpa como ‘metamoderna’ (s/d, p. 4) isto é, o modo como os homens
produzem os bens materiais; o modo como produzem conhecimento e o modo
como organizam a sociedade.
Nessa perspectiva está contida a concepção filosófica marxiana que
pressupõe a relação homem-natureza (como a de sujeito-objetivo e a de objeto-
subjetivo, uma vez que o homem é parte da natureza e uma vez que a sua
práxis transforma a natureza) e a relação homem-sociedade. Marx só admitiu a
relação homem-sociedade como relação mediada pela práxis e pelas relações na
produção da vida material. Nesse caso, pela práxis, homem-natureza-sociedade
estão indissociavelmente ligados. Serpa, em abordagem original, desenvolve a
temática da visão metamoderna e o conceito de historicidade em Marx, tomando
por base a Ideologia Alemã:

Conhecemos apenas uma única ciência, a ciência da história. A história


pode ser considerada de dois lados, dividida em história da natureza e
história dos homens. No entanto, estes dois aspectos não se podem
separar; enquanto existirem homens, a história da natureza e a história
dos homens condicionam-se mutuamente (MARX e ENGELS, apud Serpa,
1991, p.44).
No entender de Serpa, é neste ponto que se encontra o princípio
unificador de superação da contradição homem-natureza, e a base desse
princípio é a historicidade do homem e da natureza. Pois, de acordo com o
conceito de Marx, o homem é um ser objetivo, sensível, real, vivente e
corpóreo que expressa sua vida em objetos sensíveis reais. Além disso, segundo
o filósofo, ‘um ser não-objetivo é um não-ser’. Além disso, o homem não é
somente um ser natural, ele é um ser natural humano, isto é, um ser da espécie
que tem seu processo de origem na história.
No caso marxiano, a atividade humana (práxis) objetiva o sujeito e
subjetiva o objeto. Além disso, para Marx, o trabalho é a objetivação da vida da
espécie humana e, mais do que isso, a relação do homem com seu trabalho é,
também, a sua relação com outros homens, isto é, o ser social. Então, afirmou
Marx, na produção, o homem não somente atua sobre a natureza, mas também
sobre outro homem e, para produzir, eles entram em conexão e relações entre si
e somente dentro dessas conexões e relações sociais sua ação sobre a natureza,
a produção ocorre. Essa práxis se dá na história e é mediante essa atividade,
envolvendo matéria e conhecimento (atividade gnoseológica e ontológica), que,
na concepção marxiana, o homem e a sociedade emergem na História.
Em A Ideologia Alemã (1981), Marx considerou a história em si como uma
parte real da história natural e da história do homem tornando-se natureza, e foi
por isso que ele definiu a história como ciência dividida em história da natureza e
história dos homens. Portanto, na sua obra inicial, mais precisamente, nos
Manuscritos econômicos e filosóficos vai colocar a questão da origem do homem
e do universo, a fim de reiterar o ser auto-mediado e, assim, trabalhar na
relação homem-sociedade-ciência, com base na história, que nada mais é que a
criação do homem através do trabalho humano, na práxis humana (SERPA, s/d,
p. 29).
Assim, nesses textos iniciais, Marx trabalhou com questões e respostas
sobre a ciência da história a partir da idéia de que a história universal é
construída a partir da criação do próprio homem, através do trabalho humano e
da sua relação-transformação da natureza, em um processo no qual, ao invés da
relação de causa e efeito, acontece a emergência, do homem e da sociedade,
advinda de um processo anterior.
É a partir desse entendimento que Serpa, ao considerar uma possível
estrutura da teoria da História, explica a concepção marxiana da natureza e da
história natural como predecessoras da história da qual emergem o homem e a
sociedade. O autor afirma:

É na visão de mundo de Marx expressa na concepção de homem e


natureza, tendo como substrato a História, ou seja, a historicidade do
homem e da natureza, que se encontra a característica metamoderna,
pois homem e natureza não se contrapõem e sim se estendem
reciprocamente através da práxis humana, tendo como fundamento a
história. É uma visão de mundo natural e humana, que supera as
antíteses idealismo-materialismo e sujeito-objeto [...] Em síntese, a visão
de mundo de Marx expressa na concepção de homem e natureza é
qualitativamente distinta da visão de mundo moderna, onde a relação
sujeito-objeto forma uma antítese (SERPA, s/d, p. 13).

Assim, Marx tratou a relação entre a sociedade e a natureza como um


intercâmbio que se desenvolve historicamente através do trabalho humano e que
ao mesmo tempo cria e transforma as relações sociais entre os seres humanos.
Segundo Bottomore:

Esse processo histórico tem dois aspectos: o desenvolvimento de


forças produtivas (ou o progresso tecnológico) e a divisão social do
trabalho em permanente transformação que constitui as relações sociais
de produção e sobretudo as relações de classes” (BOTTOMORE, 1988, p.
343).

Concluímos, concordando com Boaventura Santos, para quem a obra de


Marx, era e é o ponto de partida e o ponto de chegada da análise para alguns
autores; era apenas o ponto de partida para outros; e, para outros, ainda, não
era sequer o ponto de partida, embora a sua investigação só fosse inteligível
contra um pano de fundo em que abundava o marxismo. Assim, apesar do
avanço do conhecimento científico e da crescente convergência de métodos
usados nas ciências exatas para se explicar fenômenos acontecidos nas ciências
sociais, observamos que o materialismo dialético continua sendo um método
poderoso para se explicar os fenômenos sociais, mesmo quando, às vezes, ele
aparece de maneira indireta.
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1
Mestre em Teoria e História da Arte; Doutora em Educação; Professora Titular da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: casimiro@uesb.br

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