You are on page 1of 14
Revitalizacio da capela de Sao Miguel Paulista Antonia Augusto Arantes® Pediram-me que falesse sobre um trabalho que 1978, em Sio Miguel Pa oan peace, cf AA. Avene. 0 "ne Roista de’ Anwropoiogia, USP, 150 ANTONIO AUGUSTO A! =) vas do ponto de vista da mim era interessante ses bens como monumentos, como: te significativa om termos da histéria de S30 Paulo ¢ mesmo do Brasil. Essa capela de Sto Miguel Paulista é de 1622, como voots ‘todos sabem. Esse trabalho partia de um pressuposto que, 2 meu ver, ca 1. Os que me convidaram a faz8-lo considerayam a area onde se .va esse hem, a Zona Leste de Sao Paulo, uma area cultural pobre, com uma produglo loca! praticame: jerem formas de produgo ‘2 produgdio artistica e as formas de expresso de maneira ‘da populagdo. Uma de nossas primeiras discussOes -que, na yerdade, concepedes -nogies a respeito do que seja ‘ou do que seja ou deva ser “cultura” Deixando de lado as concepsdes mais usuais e est aque seje cultura ou arte, eu propus a esse brgio, de cer uma aventura, que era, em prim ‘eatar descobrir num ponte da Zona Leste o que fosse a cfetivamente, considerado “arte, aquilo sobre o que, nA0 importa com que coneep¢io, estariamos atuando, Evidentemente, um tra- balho desse tipo, que pracura cavaro terreno da producao cultural, ‘de modo a encontrar o que nio é imediatamente visivel, a partir das, rossas eategorias, da nossa vivéncia, das nossas concepgdes, & um trabalho de longo prazo e de muitos detalhes. Entio, ai ¢ que nés roa da pesquisa em torno de um Capela de Sto Miguel Paulista. hhavia sido pensado para a Capel ‘angio del sngio da revitalizagio de bens de vator fizados em bairros populares. E-n6s escolhemos a Capela eum auxiliar. Na verdade, a Havia quatro pessoas fazendo bibliogrAfiea, documental, etc., mais trabalho de gabinete. EE. quando consideramos que trabalho de campo estara suficiente- mente organizado, passamos a atuar na drea da pesquisa, propria- PRODUZINDO 0 PASSADO 181 ie hme pi a sae Todo o trabatho de eseavagto, qu: , parte necessariamente do que é me ppartida foram as Sociedades Amigos de de arqueologia cul- rel. O nosso ponte de veres antes do amanhecer, para trabalhar ‘o nfimero de associngbes e de entidades ante grande, assim como eram muito sifieadas as concepgSes que estavam por tris de todas essas associacSes. Mas, na verdade, nio eram as associacies formals que ‘nés querlames, porque jente esses grupos eram aqueles que j& finham aeziso'aosequpamentosextntes no aio, aot oveos equipamentos existent ‘om vis grupos na cidade de Sao Paulo. Evidentemente, a ia nndo termina na Penha... E rauitos deles se beneficiavam desses ‘contatos para se promoverem e desenvolverem 0 seu, de qualquer maneira, nés tinhamos o recorte que potencial daguele espago. E nés achvamos que dificilmente 0 mo- rador do Jardim Paulista irja participar ativament ‘de um espago morto, por assim dizer, em So Miguel Paulista. ‘Alids, nds também pensamos que seria razofvel que pensdssemos prioritariamente o uso dessa Capela com os moradores, com 0s vizi- fnhos e particularmente aqueles vizinhos que no tinham acesso acs, equipamentos necessirios 8 produgao “artistic Comesamos a pesquisa. Estabelecem ou menos arbi- peando a produgo cultural na érea, Vimos que a Peaha éum marco significative, assim como Itaquera e como o Itaim. De uma certa ‘manera, essa area da cidade tem suas fronteiras sociais e culturais: pessoas que freqi sinhos, trabatham tham 0 problema fessas, digamos, as condicdes de carfncia particulares comparti- JIhadss e que sao particularmente identificadoras da Area. Entao, delimitada a Area geogréfica por critérios scci espaciais ou administrativos) fomos nos aprofundando. dessa rede de instituigbes mais vistveis, procuramos recuperar, di- ‘gamos, essa trama inicialmente invisfvel onde se produza cultura na vida cotidiana, A nossa meta era encontrar grupos com os quais pudéssomos discutir a revitalizago da Capela de S30 lista, Iniciamos fazendo varias entrevistas formais com ‘Sociedades de Amigos de Bairro, do Rotary, do Lions, ‘minhados a varias pessoas reputadas no bairro como profundos conhecedores da sua historia e colhemos, realmente, depoimentos ‘muito bonitos que permitiram, inclusive, que fdssemos periodizando 4 hist6ria, a partir de_acontecimentos considerados significativos pelos moradores de. Até que, finalmente, comegamos a encontrar fs pontas dessas raizes nos. bailes, no barbeire, no botequim, no ‘quarteirfo, na praga, no mercado, das maneiras mais inesperadas... até numa escola de Esperant ‘Mas isso sé foi possivel depois desse rastreamento mais super- ficial oa partir de momento em que nés passamos a viver no bairro. és alugamos um quartinho, numa espécie de cortigo. Evidente mente, @ nossa aparéncia nfo ora de pessoas que morariam Id em So Miguel Paulista. Apesar de nossas explicagbes, nos identifi- cearam desde logo como vendedores, criaram uma historia sobre n6s, ‘mudaram 0 meu nome, passaram a me chamar de Toninho. E foi muito interessante esse processo de incorporacao do pesquisador as formas de sociabilidade locais. Evidentemente, isso era assober- bbante porque, embora So Miguel Paulista esteja na area do muni- cipio de Sido Paulo, distava uns 20 ou 35 km da minha casa e, realmente, as vezes eu sentia necessidade de fugir para casa, um ppouco para recuperar 0 meu espayo, o meu universo, Embora es- tando na mesma cidade, quando se chega a esse grau de contato com um grupo socialmente diferenciado, ficam muito salientes, vislveis, as diferencas vio sendo trabathadas pelo grupo ¢ por voce mesmo'e isso vai desde a mudanga do seu nome (fui, por assim dizer, rebatizado): passei a ser 0 Toninho, que era um vendedor. EB, PRODUZINDO © PAssADO 3 eslava pesquisando, isso no fazia ‘uma histéria que ninguém testem continuei a ser um vendedor por balho de pesquisador passou a ser mi r dizer, no safa para o trabalho de m: ‘ou para procurar emprego. Foi porque as primeiras relagtes que pessoas foi aos sébados de manha, qi encontravam. Em Sao Miguel, & muito comum a existéncia de varios quar- tinhos, construfdos um ao lado do outro, com uma passage 10 meio, um chuveiro e um tanque comuns. As pesso4s, entio, se encontram no tanque, no chuveiro, na porta do quartinho... Eo rimeiro sinal positive de contato que percebi, foi numa manha de sabado quando, por baixo da ports de um desses quartinhos onde eu Passara a tesidir, recebi um convite para participar de um curso de speranto. Era um vizinho, que freqlentava pela manh&. Esse senhor, jé de meia-idade, ‘me conduziram, me inielaram nessas re¢ ‘bairro. Outro, foi um barbeiro que, apés atender seu tltimo fregues, ‘is 9 h da noite, costumava fechar as portas da barbearia e com ‘outros dois ou érés mésicos, ficavam tocando ¢ cantando chorinko pela noite adentro. Assim, pouco a pouco, fomos encontrande esses pequenos grupos e, com eles, tenlando entender 0 processo de produgdo cul tural na frea de Sto Miguel Paulista de um outro angulo, nfo do Angulo das instituigdes — que eram mais visiveis quando nbs che- {gaimos 1a pela primeira vez ¢ pelas quais teriamos de passar necessa- riamente, porque é a primeira estraturagao do universo de obser- vvagilo que se tem. Ai, comecamos a recuperar uma out que também é estruturada, mas de uma outra man¢ ‘mais fluida, muito mais taue, porque justamente ela niko dispte esse aparato material, institucional, de pessoal, de equipamento, {que a tornam visivel. Muitas vezes, a razio de ser dela é essa invisi- Dilidade, uma invisibilidade que, nas circunstincias de S30 Miguel Paulista, 6 quase condigao de sobrevivéncia, Quando se condigdes extremamente adversas ao exercfcio da liberda ‘ago de eriacao, enfim, 20 prazer, acaba sendo justamente is reflui para o botequlm, para quinal, para os eneomtros exporde 1st ANTONIO AUGUSTO ARANTES (ore) smal visto pelas pessoas de ms ¢ meio, dois meses, ‘saimos de So Miguel, j4 tinhamas estabelecido as nossas raizes 1a ¢ ‘a voltar esporadicaments para encontros, reunides ou ‘ou observacio, nos fins de semana, dicos, ceasionais, 0 que era, na verda calle da metodolog! ampliandoe, de uma certa mancira, n6s eorrigimos aai ‘que ia da Penha para Leste, pois descobr! certas reas onde as s exam mais densas, par Ermelino Matarazzo e Itaim. Eram Sio Miguel, Ermetino Mata- razzo e Ttaim um tridngulo de redes de produgdo cultural bastante densa. "Ai fomos conhecendo miisicos, poetas, pintores, desenbistas, grupos de teatro, grupos de danga, circo-teatro, esse grupo de Esperanio, varias pessoas que trabathavam ingividualmente ou em. grupo em aiguma forma de expressio artistiea, mas no, oo profissionais, fora do tempo do trabalho, muitos até durante © batho, Uma dupla que nés conhecemos, por exemplo, formou: hho baakeiro da fabrica, Um estava cantazolando qualquer coisa, 0 outro respondeu, ai se conheceram, e acabaram formando uma upla musical que, aliés, € muito apreciada em Séo Miguel. Um igrupe de teatro que conbecemos, também, formou-se numa seo a Nitroquimica, uma fabrica enorme instalada em Sao Miguel © ‘que é um dos marcas da historia do bairro. Dots senhores traba- thavam la e foram desenvolvendo a idéia de fazer um grupo de teatro, de escrever uma peca para montar. Acabaram criando um durante treze, quatorze anos € que ‘em Sio Miguel Paulista, Um casal, que fazia uma dupla de musica caipira, orgt também um Grupo de teatro que traballiou durante muitos amos. Esse grupo, tide, guardava documentos de sua historia, desde atas de reunides até relatdrios financeiros, fotografias, recortes de jornal. £ também {interessante notar como varias dessas pessoas, como quase todas, tinham uma caixinha de guardados, com objetos considerados re presentativos da sua meméria, da meméria de seu grupo. Uma ver Estabelecida uma relagio mais amistosa, mais franca, mais direta, les traziam a caixinha de sapato, com recortes. “Ota, talvez isto {nteresse para a pesquisa.” Poomas nunca publicados, pegas de tear iro nunca representadas, algumas manuscritas, outras datilografa- ddas, ou até mimeografadas. Fomos, ento, descobrindo que essas redes informais t@m a sua histéria e fomos nos aproximando cada PRODUZINDO 0 PASSADO 155 ss, Mas, nto ea 0 n0s0 objetivo. Emo bjt neha ume ce cree erete weve ens tule or aon So feonrsio dasa tntian india © ope, cole, this tenon oma stra da weil to ire, Mae ruil pues maruayen wera coo sarsaders ‘Copan res Hn nino do erp, a formas a tyre fv te Go ade uaa si ee rae oe 8 hao ten oo poe tne aot historia da praca. nae Chg nmen om gu ma eh conde ee cca at pani" nt hom es Cpl sais oti que ols foos made fer slg Apnea hue de aoe mat ov mes dade constante. Para eles, aquel fs ate am epg ac Pine ques sid, a lage do ho, teteade protearmeta Ao daa dada so bio. Retrads pls refs gue fers relat, rr piano do tgs wo ou voter of Scots telinte pr ade pues sa Yer ae Bee fora do expo co Biro, bo abies One dae, ms vin al fini eri wba tier quan sun, de eta muna veto eater de historia do bairro) pela histéria da praga, aa Foi, entdo, nesse momento, n&o sem algum constrangimento, qvoutvailanigconplecemls emis yrdaiGn teeters i Suc com, com auc pssst nfo com ues fear com aqule Cop tna cour tila gute no bao : at a prt deve monenin, en gue fl cslocado probe do qe fer som aula Capen aay as nossas relagdes passaram a se estruturar de forma mais 1 woe 4 mate omegaccs naan argo ac see ct psa ge ieee sentavam cinco propos bastante diferencias ene he sgnfcat ‘or de prodreo cual no aio, By wmenaimere ower “do toe No pram demas ts semanas aus mvs roies Duntun toe ifuras Capes ean shrine mac oe Sic taba om ye te pura ua dear Slee ‘ets dso, acer eam no Cab Se Euan ov no Barge produgao culturs 186 ANTONIO ALOUSTO ARANTES (ore) Paulistano, no barracio onde funcionaya um grupo de teatro ama- Gor, Corpo Cénico Parque Paulistano. ‘Nesses reunibes, ficou decidido que eles nfo queriam fazer um ago da Capela, O que eles queriam era, na mente a Capela e, em a ocupando, expressary itar uma coneepeio de uso. Foi possivel negociar isso e houvs para que fizéssernos uma programagSo em cardter expert srental einda como parte desse projeto, Jé tinha ficado ui gancho para isso nos meus primeiros eontatos com esse Orgio do Estado, Porque eu também no acredito muito nesses planejamentos que so secomendados como se cafssem do cfu, a despeite da boa intenv3o das pessoas que estavam coordenando 0 trabalho na época. Seu um fponco eético em relagio a isso. Acho que, por uma razio ex por patra, acaba-se fazendo um projeto étimo, incrivel, inovador, mas Gque é engavetado até ser, quem sabe, um dia utilizado. Os grupos tumbém chegaram a esse. conclustio e preferiram, ao invés de um projeto, fazer uma série de atividades. Na verdade, slo grupos que Piuam mais do que pensam abstratamente sobre como se poderia eventaalmento utilizar um espago. Foratn estabelecides alguns principios gerais de como deveria ser otganizado o programa experimental e fomos implantando, 20 Tongo de um processo de mais ou menso dois meses de duragao. As atividades, propriamente, do programa se realizaram ao longo do més de dezembro de 1976. ‘Gostaria aqui de repastar rapidamente alguns princfpios que foram eslabelecidos pelos grupos. Isto me parece interessante na medida em que esses principios explicitam a ideologia do projeto. E preciso que se diga que um poueo antes do inicio desta ditima fase Te seuniges, jé estdvamos na Capela e era iminente a realizacio de figuma alividade. Houve uma proposta de que se distribufsse um Geeumento durante a programaglo — um pronunciamento, na yer dade —- dessas pessoas para as outras que quisessem vir a partleipar Gessos eventos, explicitando as suas intengbes © colocando 0 pro ‘blema da revitalizagto da Capela. Eles acharam que ndo era uma (questto para ser resolvida por uma, duas ou cingjienta pessoas jé Sotatadas, mas pelas pessoas que participassem das atividades. Por fjvo, era muito importante que no houvesse nenhuma divulgagao pelos jornais, pelo radio, pela televislo. Seria muito artificial ter pessoas de outras éreas da cidade que, eventualmente, podeciam Reaver idéias, mas que, certamente, no acompanhariam esse pro- cesso por muito tempo. Fizeram © documento ¢, no momento de projeto para a PRODUZINDO 0 PASSADO ast assiné-lo, “quem assina?” Nesse momento, j4 havia se configurado ‘0 que eles mesmos vieram a denominar de Moyimento Popular de ‘Arte, Quer dizer, formou-se efetivamente ao longo desse processo tum nicleo de debate e atuacto em torno da questo do acesso aos equipamentos de produgio cultural nessa rea da cidade, com todas as caracterfsticas de um mo ym caréncias seme experiéneia diversi- muita coisa agui evidentemente ‘a atengao dos moradores de $40 Miguel Paulista para a existéncia de uma produgio artistiea popular local e para os problemas que vém sendo enfrentados pelos seus produtores. Essa programago experi- mental 6 uma primeira atividade desenvolvida pelo nosso movi mento, Além de oferecer uma amostra do que existe atualmente nessa rea, desejamos reunir as pessoas que se interessam pelas artes populares © promover debates sobre quais deveriam ser as ‘methores maneiras de incentivé-las e desenvolvé-las.” Esse foi um outro ponto que o grupo achou fundamental: que ndo se colocasse especificamente ou exclusivamente a questi da Capela. Eles no ‘queriam, como nunca quiseram, na verdade, centrar a sua preocu- ‘pagio ou a razio de ser do movimento em torno da Capela. A ques. ‘io deles era a questio da produgdo cultural. Valeria a pena abrir um paréntese. Esta reflexio, como voces ‘esto vendo, 2 esse trabalho foram muito mais sobre a produgio cultural em Sao Miguel Paulista em relagdo & utilizacso da Capela do que propriamente com a Capela em si mesma. O foco nao é a Capela, mas o movimento social em torno da sua utilizaczo, Continuando o documento: “Além das exposigies e aprese! ‘goes dos grupos, haverd reuniao no final de cada dia de trat para discutir 0 prosseguimento das nossas atividades. Assim, pre- tendemos verificar 0 interesse dos moradores da regio de Sao Miguel sobre 0 uso da Igreja Velha”” — é como eles denominam a Capela — “para o desenvolvimento das artes lovais © para o inter- ‘cambio com grupos de outras localidades. Se, além de assistir programagio, voc quiser apresentar algum trabalho ou participer dos debates, procure-nos na entrada da Capela”. 18 ANTONIO AUGUSTO ARANTES (ore) Apresento, a seguir, algumes das decisdes tomadas pelo cole tivo que se formou em torno dessa programacio, que df0 mais ou menos ums idéia da ideologia que orientou © uso da Capela nesse periodo, “|, Usar principalmente o interior da Igreja Vetha, utilizando também os alpendres |, o adro e a Praga Padre ‘Aleixo, canforme as caraé s de cada atividade.”” Mesmo pensando sobre a Capel, orecorte, o objeto de interesse era ‘a Capela na Praca. Praga e Capela sio uma unidade para eles. 2, Apresentar simultaneamente mais de ume etividade em Siferentes locais, de modo que © piblico se desloque no espago.”” Essa é uma idéia que reforga a primeira, que a Capela nfo fosse uusada mum momento a Praca em outro, mas que houvesse essa cGteulagao de pessons entre a Capela ¢ a Praca, 0 alpendre, ete., € que, para tanto, se abrisse a porta principal da Capela, 0 que iraplicava se ter algum tipo de pira-vento. E foi sugerido que fosse ‘ado logo na entrada um pano, que acabou sendo uma colcha de ‘puseram uma mesinha com uma carto- Tina eserita “Entrada-Franca”. Isto foi, aliés, muito importante, porque muita gente nfo ousava entrar na Capela porque achave que tinha de pagar muito dinheiro. “3, Organizar mostras permanentes de modo a nio reduzir a aflutncia de pliblico aos fins de semana ¢ deixar a Capela aberta todas as noites para que possa ser visitada apés 0 hordrio de traba~ tho.” Porque, evidentemente, todas as pessoas trabalham, chegam fem casa as oito da noite. Entio, se deixassem a Capela aberta durante o dia, durante a semana, ficaria assim ou para as criancas cero que era bom — ou As moscas. Entilo, houve essa questio de se manter a Capela aberia & noite. E a Capela foi duminada pela ‘Administragao Regional, que puxou a instalagio elétrica para den- ‘ro, pois nbs também precisariamos de eletricidade para refletores © sistema de som. E os bancos, uns quinze bances, foram feitos, porque a Capela ndo tinha nada, Entao, a Capela podia ser aberta & hoite e foi organizado um sistema de revezamento. Foi muito inte- ressante, porque, conforme 0 tempo ia passando, as pessoas... du- rante o dia ficavam os guardas da Prefeitura, a noite, a chave ficava Conosco e nés nos revezdvamos, na verdade, eles se revezavam, ficeram um hordrio pera cada um e af acabaram até dormindo na Capela ¢ nao queriam mais sair de 18, Foi uma tata para sair. A -a muito interessante, porque as pessoas vinham ver @ expo- ® ficavam ali para conversar, principalmente no alpendre PRODUZINDO © PASSADO 19 frontal, que passov a ser um ponto de enei ficavam conversando sobre isso, mas também sobre tudo. E :0 de sevitalizagao, realmet 14 muito tempo. Tinha um c! to, As pessoas se sm grupo que yoio lé do Ferreira, ‘meu-boi muito bonito — chovia a cimtares ¢ ensopou todo mundo. Conclusfio: o grupo no péde se aprecentar por causa da chuval “4, Concentra: as apresentagtes de grupos ao vivo nos feria dos ¢ fins de semana por serem dias em que deverd haver maior afluéncia de piiblice e pelo fato de os préprios artistas trabalharem durante a semana.” Entio, apresentagdes de grupos eram feitas nos fins de semana e durante a semana havia sempre exposigio de sistia em amarrar um fio, um cordao, onde as pessoas que tinham poesias vinham e prendiam, como varal de roupa. Alids, o interes sante & que estava um téenico da Prefeitura no meio da gente, quando sugeriram: "Vamos fazer poesia de varal?” Ele respondeu: “Nao, poesia de cordel”. Ai, disseram: “Nio, é de varal mesmo”. E explicaram que é de varal mesmo, colocavam os papéis como roupa, E foi inerivel. No alpendre da igreja puseram o yaral e, depois, como todo varal de fundo de casa, puscram mais um outro nna outra diregio, e mais um outro e, pelas tantas, a toda a volta da nave da igreja tinha um cordio, e no altar lateral também, ¢ isso foi ‘crescendo, foi crescendo. Cada dia vinha mais uma pessoa e punha jum poema, trocavam os poemas, deixavam alguns dias © depois yuaham outro, deixavam recadinho um no poema do ‘Achei uma droga”, etc... E vieram stribuir as atividades num crescendo, de modo a facili tara produgdoe para atender umn provérel crescimento de piblico.” Essa é wma outra caracteristiea que me parece relevante, A intengio do grupo nao ere, absolutamente, que se equipasse a Capela de uma rmaneira que eles viessem a depencler de todo aquele equipamento, toda aquela paraferndlia para desenvolverem qualquer tipo de tra- balho. A idéia deles era que a Capelativesse Agua e luz e... que m0 fivesse goteiras, para que pudessem com os equipamentos deles, continuar as atividades. Foi soliitada apenas a instalagio de luz & 0 ANTONIO AUGUSTO ARANTES (org) alguns bancos para que as pessoas pudessem se sontar. Nao havia uma infra-estrutura montada, Os alto-falantes eram de um grupo, ‘um microfone que alguém et de um senhor que tinha um . © equipamento que aquelas Je espago. Era neces- da produgéo. sério que a programagio atende ‘Depois, “Franquear as atividades ao pablico nto se devendo cobrar ingresso nem fazer coletas”. E isso foi muito significative porque hi uma resisténcia ‘grande por parte das pessoas do ‘porque pelo menos nesses dez anos que ja, enquanto igreja, foram reali- ivro, algumas atividades 5 pessoas que estavam se jam tido a ousadia de entrar. ‘Umas porque ti que 14 dentro s6 tinha mos- ito, moreego, esqueleto de fndio, e que era uma coisa horroresa © petigosissima, ou, entio, que era lugar que nao thes di porque faziam parte de outra esfera da sociedade. He fqve ficayam olhando de longe: “Mas pode entrar?” iter ao méximo dar um carter competitive & programa ‘lo, incentivar 0 contato 0 a colaboragio entre os diversos partici antes ¢ destes com o piblico mais amplo.” Essa idéia de comur Gade que € comum aos movimentes sociais. Nao tinha, para eles, sentido instituir prémio do melhor miisico da temporada, do melhor ‘grupo teatral. A idéia era, na verdade, juntar, reunir as pessoas em foro de interesses comuns, pessoas que compartilham as necessi- dades e podem compartilhar os interesses. “Cada participante deve suprir 0 que for necessério & sua apresentagao, recorrendo aos demais em caso de necessidade. Em ‘iktimo caso, © para © atendimento das necessidades bésicas da produgo da programagée como um todo, recorrer & Administrag0 Regional oa DPH por serem os érgios piblicos aos quais a Capela ¢ ‘a Praga esldo diretamente vinculndas.” Efoi ai que foram pedides a instalagao de luz e os bancos, ¢ © acesso ao banhieiro pablico que ha embaixo do coreto. O" pessoal queria acesso exclusive aquele ba~ rheiro que estava fechado e sendo usado precariamente. ‘“Além das atividades programadas de antemdo, incentivar novas adestes e assegurar condigdes para a participagio de novos ‘grupos e artistas, tanto espontiinea e imediata como mais a longo ‘prazo, envolvendo sessio de maior espago de tempo como implica, PRODUZINDO © PASSADO 181 a sealizagto de uma pega te foram sendo incorporados aglutinar grupos © deser conjunto. Jém de grupos ¢ artistas do bairro, estimular a participag3o e grupos de fora que passam contribuir no sentido da proposta.”” questiio da negritude, que dizia respeito mui moradores de So Miguel Paulista. “Promover reunives {reqientes, pelo menos semanais, com os participantes, abertas ao piblico interessado para avaliar o anda- ‘mento dos trabathos. Deixar um pessoal de plantao 0 tempo todo & promover pelo menos uma reunigo no final para discutiro resultado a programagio, divulgar a programagio sobretudo no bairro e na regito de modo a poder avaliar o piiblico provével para um pro- de . rnem envolver coberturas jornalisticas de modo a ndo descaracterizar 0 piiblico a finalidade do experimento.” Entio, dentro dessa concepgi, a Capela foi ocupada durante ‘mais o menos um més, no fim do qual ela foi fechada novamente, foi cortada a luz e continuou,.. Desde 19 de janeiro de 1979 volta aos ‘Srgios competentes o problema da revitalizagio da Capela de Sao Miguel. Foi muito proveitoso esse experimento, porque mostrou que Jiferentemente do que acontece no Teatro Martins Penna na Penha, por exemplo, que mal consoguia tor uma freqléncia média de pi- , naquela época, de cem pessoas por més, cmbora promovesse atividades junto as escolas, entrega de diplomas, e trouxesse muitas vezes grupos bons de teatro ou de mésicos daqui do centro, no caso de Sto Miguel, a affuéncia de publico foi realmente espantosa, ‘muito acima das nossas expectativas. Na segunda ou terceira se- ‘mana da programacto, o pessoal resolveu fazer um livro de assi- nnaturas e foram colhidas mais de quatro mil assinaturas em duas semanas e meia, mais ou menos. Isso, na verdade, explicitou, por ‘um lado, uma potencialidade enorme na propria regio para ativi- dades dessa natureza, Por outro lado, ¢ diferentemente do que se as ANTONIO AUGUSTO ARANTES (ora) pensa, demonstrou a grande capacidade de articulagio dessas redes Informais onde se produz, no dia-a-dia, a cultura. Aliés, demons- sa. que 80 col tivo exclusive do movimento a Capela, embora cla fosse muito importante, embora fosse da maior importfineia que eles pudessem ter acesso a ela. Na verdade, eles continvaram nessa disputs até o ano passado. Eles vém insistindo, porque, realmente, a Capela é um fespago gue tem essa ligagdo histériea, porque tem a ver com @ identidade do bairro, porque é um espago central no bairro, porque, até o momento em que a praca foi cortada da vida do bairro, era um jugar onde aconteciam as coisas, onde as pessoas se encontravam, brigavam, namoravam, jam 8 missa, onde fieavam depois da missa, onde as criangas brincayam, enfim, era 0 lugar de encontro do tive em Sz0 Miguel Paulista ha uns dois meses « foi chocante larain um parque de diversbes na praga, por cima dos canteiros, por cima de tude. Uma maravilhal Ha um cearrossel enorme no adro da igreja. ‘Bom, acho que esse experimento mostrou tudo isso. Na yer dade, como tinha sido proposto inicialmente, esse movimento conti- muou fora da igreja. Depois de fechada a Capela, tinha de ser fechada para o resiauro, para isso e para aquilo, eles continuaram {rabalhando e se encontrando em outros lugares. Nao quero me alongar demais, mas um aspecto que valeria a pena ressaltar ainda é a dessacralizagao da Capela. Evidentemente, ft Capela é um loca! de culto religioso, muitas pessoas foram bati- Zadas e se casaram ld, Bla é um espago onde, por definigao, se produz o sagrado. A concepeio do movimento cra a de que a Programagao deveria comegar e acebar com muito barulho, como ‘quate todo rito, Foi, por assim dizer, um rto de inversio o que nés Yivemos nessa Capela durante um més. Ha uma escola de samba, Jnuito fraca no bairro, mas acharam que a escola de samba tinka de ‘vir para a frente da igreja, A bateria da escola marcou 0 infcio das btividades num sébado A larde. Ai, acharam que a escola de samba tinha de entrar na Capela e que atris da bateria viriam as pessoas Acharam que a bateria ficaria em frente & fgreja. Em torno dela se reuniriam as pessoas ¢ af entrariam, como hhum coriejo. E assim fizeram. Evidentemente, foi um esedindalo do PRODUZINDO O PASSADO 163 ponto de vista de Terje, nao tanto do ponto de vsia dos moradores, 2 que existe na val teorizando mente um rite, como todas as suas fases, iniciando com a criagio de uma separacao ent 1 separagdo entre aquele tempo ¢ 0 tempo do cotidiano em que aquela capela existe de uma ontra ‘maneira. E, 20 ser reutilizada em outras bases, essa Capela passou elas paredes, pela mesa de eomonhgo,polas obras Ge madeira que cara I mito maior do aso rao pbs « ia Tgrea, a quem cabe a manutensao do pred, the costume devotar. Mas, enfim.. 2 . oles foram redenominando todas as pepas da igri, A sacis: tia virou camacim,o altar principal feou sendo o paleo. Sarai um teatro, com uma sala de reunites, que era o altar lateral ecabine de ilominagao, que era coro. Entereseante, porgue os espagos sndo andloges, culturalmente, se pestam a esse processo de relabo- ragHo, de redenominagio, que parte justamente da ruptura com o sagrado, Foi esse o process de transormacdo que se propds para a Capela © que deveia prescindir de qualquer alteragio Fisica do espego, # n80 ser pela insilagao de hz elérca, o conserto da cater, al de itereo do famowo bane da pas. Mas, Debate Piblco — Neta Secretaria na stl gestae mula do bron ua aon psa te Begun tera Ge sgnfiea“produtor cultural” © sun relagho com v cont antropolégico de cultura, senesio TArntes — Nts pensaios a cultura artculada &atvidade soca no 6, alo a peso como tstema de valores disodon de tele, Eu pense na verdad, «pari do ume valde completa que EXeplosmoolcn.O pont de para ate dint, Ponano i pets dt, a ouracarecerstca dou concep 6 que em gar de fixar a atencdo sobre o que é produzido, o produto, sejam_ representages, ages ou objeto, foala-e 0 proso de prods [ANTONIO AUGUSTO ARANTES (o"8)) . PRODUZINDO 0 PASSADO 1s 1 da o processo de producto das representagSes, Gc agdes ¢ dos objetos, vase dat conta de que ele se realiza no Saterigr de um eamapo que é estruturado politicamente, éestruturado institucionalmente, ele 6 estruturado materialmente. B o deovends- sFa. mas nfo so toda ela. eo, E quando se estu: la é sempre confundida ela se superpte, ela encobre, esconde. mento desse eampo que propse o estudo da produgao cultural. P — Encobre. Por isso estou colocande essa questéo, pois esse sentido, & mais relevante para a reflexto, o processe de t és, como Seeretaria da Cultura, estamos sempre pensando em 4 pradugte de um evento, por exemplo, nesse caso de Sie Miguel produgées culturais”. Para o Presidente da gestAo atual, a pelavra- aro eea’g processo relaiade me parect mais signifiativo, inclusive chaye 8 comunidades e produeao cultural. A com do ponto de vista do entendimento das representagies, que ss sepelagdo tom em relagdo A Capela, das aptes que cla desenvotve pe Pigeto a Capea, Go que proprismente o que Finalmente fot or gazido, fei apresentado como produto final. Ov se, uma ava, produgde cultural popular Hegao das pntaras ave foam mostradas, dos evens On Oo ‘A — E... no sei exatamente como isso vai ser, ou est sendo ta foram encenadas, das misicas que foram apresentadas. O ei=> esenvolvide pela Secretaria como um todo. Na minha esfera, no Jarpreocupacao se destoca do produto para a produgo, © 0 agente as eee; da producto 6 0 produtor. : de partid lesmente é a concepgae que eu tenho desenvoivido dave nfo esté, em geral, se confundindo muito dentro | ‘como antrop6togo, © tipo de orientago que tenho dado acs meus formas ditas artis- 1 prOprios trabalhos. Mas, em relagio ao patrimOnio, essa concepeao de todo esse sistema de reptesentayso com as fem algumas conseqiéncias que devem ser discutidas. Esse deslo- teas? : 'A.— Acredito que nfo. Estudando os papéis sexuais, por q ‘camento de foco coloca mais em evidéncia a questdo da preservagio, exemplo, aa relages entre o homer ¢ a mulher» a8 representagtes i o que permite problematizar de preservago, o que permite Ge informam essas relagdes, 0 que Se propte & que n6s nko ref ] aque se avance nessa diregdo. Imente, que se deve deixar de ‘iMpmos az representagBes que podemos obvervar a partir das res: Jado os chavdes, as palavras de ordem, que nao levam a mutta coisa, ‘es concretas, mas que a6s desloquemos 0 eixo para o acompartha: ‘Mas existe uma conseqiéncia pritiea dessa concepio que eu gosta- sae tae atividades na estera doméstica, na dvisio social de tra- ria de desenvolver — ¢ tenho procurado, na medida do poss weihe, on movimentos socials que debate a questo da sexual sempre incentivar — que é a reflexdo sobre a preservagdiventendi Bal gue ae junie a questto da sexvalidade 2 divisto social do jstamente come parte desse processo pelo qual se constitii um sis- cane ne ivisto dos papéis dentro da familia, 8 ocupacio do tema de bens considerados de interesse da nagdo como um todo. nas preceupagses nao sho 0s valores em si P— Esse processo de oeupagdo e spropriacao da igreja, 2 qe representagbes fas os process socials que as geram e so proposta se manteve enquanto uma proposta temporéria, mesmo erados por elas. Se voc for estuder @ indéatria cultural, evidcnie depois desse éxito de programagio, ou foram os entraves dos 6refos sera eiparato técnico, o material da produelo cultural val ser ‘gue... No final, qual foi o resultado dessa proposta de revitalizacito estaca. Se voe® for estudar a questio ds para aCapela? preeminente, logo s¢ Panta ¢ doe papeis sexuais, evidentemente 0 aparato material nto 'A — Houve virias reunites depois do dia 2 de janeiro, & fora fatter muita importancia, v2o ter preeminéncia outras dimensOes- dda igreja, om que se fez uma avaliagao do programa experimental. A Mes, basicamente, os sistemas tm analogias entre si, nfo sto basi: idéia era de que esse programa informaria uma reflexao sobre como camente diferentes. utilizar a Capela. E foi feita uma proposte. Naquele época a idéia aN gecrelaria da Cultura sempre se baseou em apresenta era.a seguinte 7 ‘qbes de eventos cutturais. Sempre se coloca ‘Orquestra Sinfénica, “J, Em vista das precérias condigtes de trabalho dos grupos .. Nés estamos sem estudados, somos favoraveis a que se eriem na Capela condigies, Exposigio de pintura, exposicto disso ¢ daqui antarg,,& deems ‘para 0 desenvolvimento das atividades, por assim dizer, cotidianas pre privilegiando, dentro da palavra “cultura”, 186 ANTONIO AUGUSTO ARANTES (ore) esses gropos, tais como: ensaios, laboratbrio de arte dramiética, ¢, mesmo resolvendo esse aspecto téonico, laboratério fotogré- fien. atividades para as quais existe, desde j&, um grande mimero de pessoas em atividade." Contando com {ais instalagBes moinimas ¢ vnentos dos varios grapes, a igreja velha podetia se com tairag mesmo tempo em oficinas de trabalho pare Os grupos frtisticos e em espago de expresso de la: smoradores da regifo de um modo geral, pois poderiam ser ofereci as a eles atividades como as realizadas durante o programa expe Que se minimizer interferéncias por parte dos poderes ablicos sobre o norteamento dessas etividades © que clas s© desor: re Wvam, o maximo possvel, com os recursos dos prOprios grupos." A Meese ver, essa interferéneia é indesejével porque, sendo exercida pelos setores da sociedade outros que nio os produtores diretos Desees atividades ¢ 0 seu pablico, ela tenders a esvaziar o eu sentido Gebase, ou seja, 0 fato de elas possuirem ratzes estruturais ¢ simbé- leas no proprio bairro. impega # absorgao do organismo dirigents de tals inistracao pul 0 certamente acarre- sagho e fortaleceria a dade de sua mani- bes alheias a0 desenvolvimento cultural efetive rmedas populares, colocando 0 uso de mais espaco nas mAos Ge interesses exeusos do nepotism, do controle politico-ideolbgico, tem ocorrido em Si0 Miguel Paulista conforme nos revela & presente pesqui "Feram essas, digamos, as diretrizes que o grupo, enquanto gropo, decidie apresentar & Prefeitura, Na verdade, esse relatrio foro que en apresentei a0 DPH ¢ ele foi, por exigéncia do grupo, idiscutido antes de ser entregue, porque 0 relatério, nesse momento, Gra um documento politice. Entio, fiz. c6pias desse relatério © nés organizamos — eles organizaram, aliés — durante dois de leitura e discussie. Foi discutide capitulo por capit Gneaminhado © que foi aprovado nessas reuniées. Para mim, foi ma experincia marcante, Nunea vivenciara uma experiéncia desse po ¢ nao acho que seja muito comum entre os pesquisadores que jee acontega, Hoave, realmente, um processo de redefinigio da Sinha posigio diante do grupo. Eu tui realmente absorvido como Thembro do grupo nesse processo. E comegou com a minha redeno~ minaglo. Evidentemente, como antropélogo ¢ fxzendo um trabalho de observagdo participante, nao tinha sentido en me manter 2 PRODUZINDO © PASSADO rargem dos acontecimentos. A proposta metodolgca do trabalho ra utilizar a thnica da observagao participants. PE esea proposta ndo tore prosseguimento dentro do DPE? me pesemimeae Soe "A — la tere prosseguimento..Na verdade, etsa concepsto fot oplantada nos out trabalboe realizadon pelo grupo, em oo {ros lagaes, Foram para frente do mercado de Sto Miguel, que tom tim espayo razoivel na calgada, se apresentaram sos bairos, nas Sociedades Amigos de Bairo, Sindeatos, na igreja de Sto Miguel se apresentaram no Morumbi quando foram convidados a par dia recepgdo a0 Papa pelos trabathadores, efi bathando segundo essasconcep¢des, ras em Ou PA minha pergunta € para tentar esclarecer um pouco mais a questio anterior. Vooé tem a propesta e voeé tinha um documento dessa popula inher a algum redo para que foseetetivado isso? E qual a respostadesss Grglos? Por que nfo se elev? Tustifcou como, quais foram os motires, 0 ucentravou ano utlizagao dessa Capela? ‘A Eu acho gue 0 lugar qu ela ocupa no espago politico adiinisttatve da edade.. uma Capela mat diel. Na verdad, essa 1do € a primeira proposta de revtalzagio du Capela. Hi visas propostas, varias intengtes. Mas é um erdzamento Sifell entre a Administragao municipal, a Céris, que é a proprie- tiria da Capela, e os motadores de um bai, com os quais a comunicagdo é muito diffe porque ela pasa jostamente pela exchi- Sho, que éhistrica, que esth na historia da praga, como todos cles saben e contam. Torna pratcamente um ddiogo impossivl. E fesse sentido que eu disse que nos viremos sm ritmo de inversdo dlurante esse més em que ocupamos o espago central do balrro, um Sspago nobre, por assim dizer. E um poco « senzala invadindo a Gass-Grande. Politicamente, para que isso acontera, 0 processo & Saullo longo e os entraves sto um pouco por al. Nao creo que haja fhocinhose bandidos na histéia, mas existe uma difculdade estra- tural enorme em tomo da Capela de Sto Miguel Paulista que dlcorre do fato de que ela € totalmente fora de hagas, de uma ceria tnaneira. Se ela estivess 0 Morumbi, por exemple, aio haveria tantos problemas quanto & sua revitaliacd0. fu quero tants a fag, B iso que eu P— Arantes, acho que voct conseguiu desenvolver uma pes- quisa com uma ceria antonomla em relaglo ao poder pablic, ‘Eipore indiretamente vinculado ao DPH e's outros Grgios. Como matinuaram 168 ANTONIO AUGUSTO ARANTES (org) ‘yood veria, agora que nés, ov Yoo8, estamos inseridos num aparelho Uo Estado, uma experiéneia desse tipo, na medida em que houve ‘uma ceria deliberagdo no sentido de que no houvesse interferéncia do Estado ou de outras figuras que pudessem interfcrir na producio local, ou tta produce especffica de Sao Miguel Paulista? A—E, na verdade, esse projeto datado. Nao esti em questio requenté-lo ¢ implanté-lo. Existem, porém, algu- mas coneepgbes que perduram © hoje se encoatram no Indo do poder. E, como é que se faz, 0 que se faz agora? Acho que estamos ‘tentando, coneretamente, enfrentar essa questio em relagio a Ipo- Tanga, que € um caso, de uma certa maneira, anilogo ao de Sao Miguel Paulista. Vocé tem, de um lado, uma cidade que é avesse, por vérias razdes, & preservacio ou para a qual 2 preservacdo é um fator de restrigio,um constraint, uma camisa-de-forga, um logro. IB, de outro, essa nossa concepedo de que € nosso dever preservar aquela cidade, na medida em que se trata de um bem tombado. E um niicleo histérieo tombado, considerado de interesse supra~ focal, ¢ nés devemos corresponder a esse interesse. Agora, més pretendemos dar releyo & questo da preservaglo, & questio da relagao entre 0 fombamento e © uso, uso pelo proprietério, uso pelo morador da cidade, Acho que preservagio, estruturalmente, esti nesse intervalo entre o tombamento e'0 uso, Entéo, vocé tem de trabathar nessa tensio, £ um desafio intelectualmente interessante. E politicamente, como ele se coloca? ‘P— Queria fazer uma pergunta que talvez seja um tanto cespecifica ¢ um tanto académica. Esse processo de reapropriagdo da Capela que esse grupo teve a oportunidade de realizar nfo permitin, flém de todas aquelas manifestagSes de natureza cultural que cor- respondem a0 dia-a-dia dessa comunidade, que se estabelecesse algum outro nexo com o bem tombado que remontasse 4 sua ori- igem? Eu acho interessante essa questiio, porque essas situasoes, como Sio Miguel, so, de alguma forma, bem marcadas. Aquilo deve permanecer ‘na meméria ¢ se transformar adquirir outro sentido que até, talvez, seja rovelado nesse receio de adentrar a ceapela porque la estardo enterrados indios ¢ coisas do género. E, ‘apenas como referéncia, eu digo que esses locais sio bem marcados, titando o exemplo de Carapicufba, onde esté muita viva uma mani- festagdo que remonta &origem queé a danca de Santa Cruz, ‘A — Sim, falou-se muito a respeito das festas que se faziam zo Largo da Igreja, a festa de Santa Cruz prineipalmente. Algumas ‘pessoas tinham participado dessas festas e se lembravam delas. Eu el taba PRODUZINDO © PASSADO 168 focalizei bastante essa questio, porque na visio deles — ¢ eu com cordo — 0 problema foi que as fesias se transformaram cm espeti- culos. Assim como a praga, as festas foram sendo recortadas da do bairro. Mas falou-se muito a respeito delas. E elas for: ‘Zindo na escala evidentemente da ccupagto que nés fizemos, muito tenuemente. E também se trouxe um reisado. As pessoas sabiam que um senhor que trabalha numa ereche tinha um reisado ala- goano que ele fazia sempre. Foram ld e convidaram © reisado. Foram 16 buscar o reisado, foram busear as tradigdes, por assim dizer, tal como eles puderam reconstituir. Fo interessante, porque no ano seguinte a escola de samba do bbairro escolheu como tema do enredo "Sd Miguel de Ururai”, um tema nativista, sobre a origem de Sto Miguel. Foi interessante porque foi reelaborado. Esse trabalho, na verds jocou pergun- tas, escavou um pouco a questo da origem. Além dessa questio, da rigem primeira de Sto Miguel Paulista, que foi o tema da escola de samba, tem as origens migrantes. Recebi peas teatrais sobre a vyinda do migrante, acho que umas cinco ou seis. Pegas teatrais que foram escritas depois sobre os migrantes, como eles chegaram, Porque ¢ um bairro com forte densidade de moradores de origem migrante recente, Enlio, essa questio das origens foi escavada com a ocupacio da capela. 'P — Bu queria perguntar sobre essa reutilizaglo da capela, utilizagiio para fins, de certa forma, diferenciados do uso religioso. ‘Voc falou que ela foi transformada e que ha uma relagio estrutural enire paleo eo altar, a sacristia © 0 camarim, ha uma reutilizagao de um mesmo espago porque h4 uma estrutura que permite fazer isso, Eu acho interessante essa idéia de que um espago pode ter iiiltiplos usos e, no fundo, 6 a comunidade e 0 usuario que outor- ‘gam esse significado; outorgam, mas nio de mancira aleatéria. Tem ‘uma base estrutural que permite dar este ou aquele uso. Agora, se fesse uso que foi dado, uso mais cultural, de atividades culturais da prépria comunidade, de certa maneira, nfo esteve na proposta de ‘yoots fazer uma espécie de agitacio cultural, se a populagio no foi levada a dar essa utilizagio? Onde é que ficou, digamos, 0 uso religioso? Se nfo dew para perceber na pesquisa que deve ter haviio fou nao uma futa, porque hé uma luta, na verdade, para quem usa © 10 ANTONIO AUGUSTO ARANTES (ors) dé 0 uso final ao bem, se ndo sparocen @ necessidade, alguma forma de utilizacio religiosa? A — E, apareceu sim, ‘excludentes. Nem todas 5 fades iuaimente profane. profanagtes, Fora isso, houve ume margem imensa di ‘que a idéia no era numa oficina de programagio: “Francamente, tinado & primeira finalidade, ¢ aproveiel para conhecer a igrsja que, embora no pareya, mas 12 boa mesmo aqueles ‘pessoas se envolveram, pois era um lugar de encontro, brinca- deira, bate-pay 'P — Arantes, de repente vejo que 0 espaco fisico da igreja tem ‘uma proximidade com o espace do teatro. Eu queria saber se nesse allo houve uma preocupagio no sentido de explicitar essa seme- a. ‘A — Aquele espago, da maneira como ele é, tem por um lado essa conotagdo de igreja mesmo, espago sagrado de templo e, por ‘outro lado, ele tem esta possibilidade estrutural de ser explorado interno da igreja, desenvolvendo-se também na praga. O objeto PRODUZINDO 0 PASSADO m ‘mesmo a praca, a igraja para eles ¢ parte da praca. E teve iidade. A proposta final era que @ igreja fosse equipada para poder ser um lugar de trabalho para os grupos, 0 ra sugestio de ocupacao que jd escapou dessa concepedo, da pi da igreja como teatro. Isso é mui P — De qualquer mod acho isso muito interessant cro, porque se trata de um terreiro cespago aberto e com ‘pena’ do que propti ‘no interior da igreja. Ha quem diga que ‘mais valia uma danga do que trés horas de discurso do Padre Vieira. ‘A — Bisso mesmo. P — A danga indigena era em frente A —Nesse sentido, que sé foram feitas na praga, uma que merece destaque Hepes daquele espaco ce ite a reconstituigao dessa visio original do alta uma medida complementar que é 0 desvio do transito. P — Arantes, uma oulra coisa que me ocorreu ao longo desse debate, apés a sua colocagio, é o soguinte: um edificio fechado, fechado durante muito tempo, um edificio onde as atengdes esto concentradss, nunca ¢ um edlfieio efetivamente des jue a fantasia acaba poyoando esse edificio de wr indigenas enterrados, de casas mal-assombradas, enfin, sdifioio passa a ser habitado de uma outra mancira. E, de isso acaba criando um dist " ‘Até certo ponto, ele Ge longe, a distancia, visto como um obj {que no necessariamente 0 concreto, quer dizer, umn universo mais imitico. Essa ocupagie da eapela, na medida em que ela passa a ser ocupada, isso proveca um esvaziamento nesses sentidos que vaio sendo criados a0 longo do tempo. A pergunta vem no seguinte sentido da capela, dentro dessa linha que eu estava colocando? ‘Como & que esse tipo de coisa fo visto no trabalho? ‘A — E como uma interferéncia mesmo, como uma interven- Eu concorde que uma atividade como essa cria novas signifi- ara aquele espago, muda as representagGes que se tem a respeito dele. As pessoas que associavam aquele espaco a um misis- Flo, mistério do passado, que é um valor que deve ser preservado, m ANTONIO AUGUSTO ARANTES (ors) tinham a possibilidade de conviver com 0 espago, de entrar, de olhar tras do altar, abrir a porta da sacristia para yer o que tem lé dentro, tocar uquelas coisas. Isso muda a relacio. Além di vyoc propde um uso que nio & aquele para o qual o edificio foi ‘concebide, o distanciamento é ainda msicr. Mas isso nfo é neces- sério, porque quando um edificio continua sendo utilizado... Estou pensando, por exemplo, nessas construgbes ingleses dos colleges, das universidades brit€nicas, edificios eonstruidos nos séeulos XV, que ainda sfo usados como escoias. E teressante, voot ‘com o$ morcegos, voo8 convive com os fantasmas, vocé conta uma historia de fantasma, yoot faz visita aos forros dos prédios, ‘mas é parte da histori. ‘P — Est integrade. A — Esté integrado & sua yida. O problema com relagio a Slo Miguel, que eu vejo, 6 que ¢ um mistério segregado, € um mistério e € uma proibigo. Nao se permite que se conviva com 0 ristério. Nesse sentido, eu vejo como uma invasio, yoo? realmente penetra um espago que é, de corta maneira, proibide, Além de ser isterioso, 6 proibido. P— Neste sentido, entio, extravasa um pouco a carga da significagao da aqdo do grupo sobre a cape, pare outa probe bes. A—Bexato. P — Passa a ter uma carga simbélica forte, ‘A — Exato, mexe com a noglio de mistério associado a0 pas- sado. Talvex por isso esse interesse enorme que surgi em tomo da histéria de Sko Miguel, que no 36 foi objeto — a origem de Sao ‘Miguel — de um tema do enredo da escola de samba, como esse interesse muito grande para que se formasse um niicleo de estudo sobre a histéria de $a0 Miguel, sobre a historia des imigrantes. P — Acho interessante que esses aspectos, em geral, niio se- jam levados em conta, essa sensagio de mistério, esses outros habi- ‘antes do edifico. Isso, eu acho extremamente rico. ‘A — E, Osiléncio, o vazio, preencher tudo. Nao se leva muito em considerapao a necessidade de manter 0 siléncio, o vazio, o mis- ‘rio, E como se tudo tivesse de ser preenchido, descoberto. P — Queria voltar um pouco a pesquisa, quando voeé fala daqueles grupos de associagdo mais formais, Lions, Rotary, etc. ‘Como & que ficou o envolvimento desses grupos? Eles manifestaram também uma disputa pelo uso da capela? Como é que ficou 0 pro- bblema dessas liderangas locais e do movimento? ie ai ais at 4 = = 2 PRODUZINDO 0 PASSADO m ‘A — Decepeionarsm-se, pois queriam comparecer a grande inauguraglo, que nio houve... Mas foram, expuseram alguns tra balhos — tinha uma associagao de pintores ligados ao Rotary — alguns trabalhos até interessantes. Expuseram 14 ¢ ficaram la 0 tempo todo. Mas nfo acompanharam 0 ritmo de todo 0 trabalho, foram ficando pelo caminko. P — Opr6prio movimento, o proprio processo da coisa foi de uma certa maneira afastando. ‘A — Foi numa outra direeao e foi ficando claro que era dificil compartithar, quer dizer, a tGnica foi sendo outra, entio... Mas pparticipavam assim mesmo, expuseram esses trabalhos, compare- ‘ceram varias vezes. P — Agora, no sentido de manipular isso politicamente, de capitalizar esse movimento, nao houve problemas por parte dessas associagtes? ‘A — Bu tenho a impressio de que a dificuldade da continua- ‘¢80 do trabalho do grupo nio se deveu a isso, nao. Acko que € mais problema desse conflito que se criou em torno do movimento, © Bispo ¢ a Prefeitura. Mas eu gostaria de acrescentar 0 seguinte: hhouve um saldo positive para 0 grupo, porque esses confit fe oalter do grupo acabou sendo, justaments, essas inst , Tereja © a Prefeitura. Essas redes dispersas, que eu havia colocado no infcio da exposicio, acabaram constituindo um movimento, uma ‘margem das manipulagtes Porém, pelas dificuldades de implantagao de um trabalho no bairro, de conquista de um espace efetivo (chegaram até a alugar ‘uma casa, numa ocasiio), por virias dificuldades, 0 grupo foi-se esmanchando. Mas, durante 0 processo, houve claramente a cons- cesteve sempre como “frente” — também isso é nnunea se cristalizou a idéia de que ele seria géneo. Isso, talvez, porque era justamente da condig3o de frente que vinha a forga deles, as alternativas. Um conseguia 0 Saldo Paro- quial, outro conseguia um tesiro de bairro, outro um sindicato, outro, ouiro, Um pouco, um pool de recursos para levar adiante um trabalho de grupo. Mas depois mudou o ceniio politico também. m4 ANTONIO AUGUSTO ARANTES (org) Essa é uma época muito particular. Depois das eleigdes madou muito, mesmo durante o provesso eleitoral e logo depois. Mudou bastante. Entdo, nem sei se o grupo teria mais interesse em perma necer dessa maneira. A Casa das Retortas Paulo Mendes da Rocha* vir aqui porque acho interessante que se estabeleca sntre nbs, além do que uma ver. fiz um projeto, com a Colaboragao inclusive de alguns colegas que aqui estio, Roberto ‘Teme Ferreira particularmente, para uma recuperagio, um remane- jamento ¢ um trabalho de preservagio no edificio da COMGAS, & ‘Casa das Retorias, O que me coloca quase na obrigacto de discutir igumas questdes ligadas a esse problema da meméria cultural ¢ hhistérica e, principalmente, porque, sem divide, independente disso, é um assunto que interessa e aborda, enquanio um problema figado a cultura de uma maneira geral, 0 trabalho de arquitetos, de ‘uma maneira muito particular. Qualquer perspectiva na formagio lds um arquileto, a nossa formagio, e acho mesmo que de tudo faquito que puder se chamar uma especulagio de cardter intelectual cultura e a idéia de projeto nfo se mantém sem uma visto ‘a, om 0 apoio objetivo, material visual, concrete, ‘de uma relagio formal com os testemunhos do passado, daquilo que ia come arquitetura e urbanismo, lependente do que seja especifico desse trabalho que fiz, 20, ‘gostaria de estabelecer algumas consideragies a respeito dessa ques ‘fo da meméria cultural, ‘Tenho certeza que mio you trazer ne- (+) Paulo Mendes da Rocha & arqitsto © professor de Arquittura de Foouldade de Argutoture © Urbanismo da Universidade de So Paulo (USP).

You might also like