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VOANDO ALTO Diferentes atores, cendrios, enredo, A historia da eonnaem do etnocentrismo & relativizagao assure O que é Btnocentrismo para a maturidade e complexidade da disciplina e, © que nos interessa mais de perto, para uma visio ‘menos etnocéntrica e parcial do Vamos comecar com Radcliffe-Brown porque fica mais’ n/tido entender as idéias que vou retirar dele logo apds termos visto 0 evolucionismo ¢ © difusionismo, Por mais distantes que parecam ter sido — e eu espero que isso tenha ficado claro — evolucionismo € ‘ifusionismo tinhem algo ainda em comurn, Para estes dois movimentos uma mesma preocu: Paco se fixou como questo fundamental, como um desafio permanente para o corpo tedrico da Antropologia que dava seus primeiros passos, Tanto num — 0 evolucionismo — quanto noutro Fo cklitusionismo — 0s trabalhos produzidos, via de regre, demonstravam a permanéncia de um tema, Era a historia sempre a permear os estudos ¢ reflex6es em quase toda a literatura sobre as culturas humanas, Nao se pode dizer, no entanto, que a existéncia de uma preocupacgo com a historia indicasse, nos dois movimentos, uma idéntica concepodo da ia, Uma mesma preocupagiio Se confunde com uma mesma *5es , dessa maneira, evolu. ismo e difusionismo trataram diferentemente — Everardo P. Guimartes Rocha | ‘que é Etnocentrismo wanidade. Como se, de Adéo e Eva ao Juizo Final, todos caminhé i era o do “progres propunha o estudo da histéria concreta de cada cultura, os processos préprios de mudanga, troca @ empréstimo que as caracterizeriam, & uma histéria com: ““h’” mindsculo, de cada cultura particular, especifica. A historia, no entanto, cada uma a sua maneira, permanece como tema de importéncia central no estudo da cultura para as duas escolas, Radeliffe-Brown discordou desta vinculago que entre @ compreensto do presente de uma cultura e 0 estudo do seu passado. O presente no Precisava ser necessariamente exp! passado. Em termos mais técnicos — presente — nio esté submetida 2 histéria, Estes termos exigem uma melhor expli- cago, Se estivermos jogando uma partida de xadrez @ pararmos no vigésimo movimento para analisé-| id ntos e sua seqiléncia, desde 0 primeiro até 0 vigésimo, farfa- mos uma anilise diacrénica, Explicarfamos o estado atual da partida através dos seus movimen- tos pregressos, Se, diferentemente, efetivassemos uma andlise das forgas dentro do tabuleiro, das posigdes das pecas no vigésimo movimento, dos valores atuais dos pedes, torres, etc., estar A diferenca © vigésimo movimento partindo da historia dos dezenove movimentos anteriores , por eles, estabelece seu conhecimento do vigésimo. A sincronia, por seu turno, centra sua andlise no momento determinado pelo vigésimo movimento e, af, se interessa pelas posig6es, forgas e si jos internos a este movimento. Passando para a andlise das culturas humanas, estas duas abordagens resultam em perspectivas diferentes de como conduzir um estudo antropo- légico. Para os que pensavam na historia como a via explicativa do presente cultural, 0 centro da reflexdo estava menos na compreensdo tebrica das instituigdes e mais nas transformagées diacronicas pelas quais passaram estas institui¢&es. Mi simplesmente, para o historicista, seja ele dif nista ou evolucionista, 0 presente se conhece pelo passado e estudar a ‘conhecer a.verdad Com storia das culturas: significa imenséo da cultura, amente, nao concordgu ele a historia conjetural, contrastava fortemente com sua especul iva, proposta de estudo funcional das sociedades. Chegou mesmo a escrever que o verdadeiro conflito te6rico na Antropologia no acontecia nem entre 0s diferentes tipos de difusionismo, nem entre estes € 0 evolucionismo. O verdadeiro ponto de ruptura, a discusso realmente importante, situa va-se no plano das escothas ou de uma abordagem historicista ou de uma abordagem funcional E vai ser este adjetivo funcional que vai deixar uma marca profunda na opefo da Antropologia em direcdo a relativizar. O funcionalismo, que genericamente pode ser que recobre uma parte muito significativa de Produeao antropolégica, caminha inexoravelmente no sentido de empurrar o estudo do “outr “diferenca”, para fora do etnocentrismo, A raze pela qual o funcionalismo relativizou Pode ser encontrada no fato de que ele iria se opor a0 estudo diacrénico e se conjugar com os estudos sinerénicos. Ao fazer esta opgio a Antropologia se desvincula da hist6ria e parte para o estudo da sociedade do “outro” sem se preocupar com o Passado desta sociedade, Isto 6 uma relativizagdo, fundamental na medida em que, se pensarmos bem, veremos que @ preocupago com a historia & antes de tudo, uma preocupago tipica da sociedade do “eu”. Sim, porque nem todas a3 sociedades buscaram valorizar 0 tempo linear, historico, feito de acontecimentos sucessives, como uma forma logica e interessante para pensar sua propria existéncia, Everardo P. Guimartes Rocha O que é Etnocentrismo A nossa sociedade, @ sociedade do “eu, tem Nesta forma de conceber 0 tempo um instrumento bésico para sua apreensio da vida, A Antropologia, neste sentido, como que contrabandeava para sociedade do “outro” uma concepedo do tempo, ¢ uma preocupacéo com ele, que nem sempre Poderia ser Id encontrada, Quando Radcliffe-Brown desamarra a Antropo- logia da Histéria abre um imenso espaco para que a sociedade do “outro” se mostre tal como ela é. Ao procurar ver 0 “funcionamento”” de uma sociedade 0 estudioso, por mais miope que seja, se Obriga, a0 menos, a pensar esta sociedade em seus Préprios termos. Com isto, a diferenca deixa de ser equacionada em torno do tempo histérico, o que a levava, como no evolu mente para uma € avangadas. Assim, Radeliffe-Brown, com seu corte tedrico, dé outras dimensdes & Antropologia. O jogo entre © “eu” € 0 “outro” deixa, agora, de ter na hierar- quia sua regra ntimero um. € na trilha aberta por ele que a comparacao dos diferentes se faz menos etnocéntrica. E, como. jé disse, mais relative, mais complexa. Nesta linha, vamos ver que a busca de rigor tebrico e preciso conceitual tém um papel importante a desempenhar no conjunto de sua obra, Para ele, a sincronia deveria ser analisada por Conceitos bem precisos. E 0 caso de nogées como “proceso”, “estrutura”’ e “fungi”, que so 62 Everardo P, Guimardes Rocha O que é Etnocentrismo cuidadosamente definidas para formarem um esquema interpretativo da realidade social. Em primeiro lugar, é importante que se saiba 0 que, a0 certo, se constitufa no objeto antropols- gico por exceléncia, A realidade concreta a ser estudada, observada, descrita, comparada e classi- ficada pela Antropologia é um fluxo permanente, é um processo: 0 ““processo social’’. Pode ser percebido como o encadeamento das relagées, das ages, das interagdes entre seres humanos ocu- pando “‘papéis sociais’. E esta amplitude de Contato que acontece na vida em sociedade. Por outro lado, dentro desta imensa diversidade de fatos do “proceso sox de formas regulares, repetitivas, mais sign das pola observacdo\ direta. das ages. cotidianas. Dentro do" i determinados tipos de relacdo — a dis pessoas num certo namero de fami plo . Nela as agdes eu “que se tornam sig i tecorrentes, formam redes complexas de relacdes onde cada um e todos se encontram envol- idos sistematicamente. E neste quadro, compondo-se com os conceitos de “proceso” e “‘estrutura’, que a idéia de “funcio” complementa o esquema tedrico. E ela que ira fazer a ligag¢do entre “processo’’ e “estru- i tura’, E a ponte que permite o encadeamento 16gico dos dois conceitos. Radoliffe-Brown achava conveniente estabelecer uma comparacao entre a Antropologia e as Ciéncias, Naturais. Transportava termos das Ciéncias Natu- e, por analogia, os aplicava ao estudo da sua relac¢do com “processo” e “‘estrutura’’, Comparava o sistema social a0 corpo humano. Este, como um organismo complexo que é, tem a vida como um fluxo permanente que habita este corpo, A vida caracteriza um constante processo, 0 proceso vital, de permanéncia obrigatoria para a manutengéo do organismo, Este organismo, por ssui uma estrutura composta de oss0s, idos, etc. A fungdo estabelece a corre- lagio entre o processo vital e a estrutura organcia, Assim, © coragéio, por exemplo, desempenha a fungao de bombear o sangue através do corpo. Se parar de executa-la, termina o processo vital @ a estrutura organica, enquanto estrutura viva também desaparece. Na sociedade, algumas instituigées desempe- nham uma “fungao" crucial na manutengfo do. e da “estrutura’. Se estas fungées idas aquela sociedade se transformara numa outra diferente, onde outras terdo, por seu turno, outras “‘fungde: A sociedade no morreria, no mesmo set que 0 corpo morre suprimida a funcéo do coracao, mas, atacada numa funcéo bésica, se descaracte. rizaria ao ponto de se transformar profundamente, E evidente que as colocagdes teoricas de Rad- iHfe-Brown sdo, além de mais amplas, muito mais complexas, st inteligentes ¢ profundas que esta pretensa explicagdo, Espero que ele me perdoe. Mas, aqui procuro apenas demonstrar que, 20 fazer a opcdo pelo estudo sincrdnico, pagou o prego de uma forte relativizagSo. Isto significou Que, a0 colocar novas questées em jogo, conse- qiientemente: teve de procurar, na producZo te6rica, novos instrumentos para pensé-las. O importante aqui ngo 6 entrarmos em diffceis @ detalhades discussdes de seu pensamento, mas ereebermos 0 quanto suas idéias repercutiram num abalo do etnocentrismo, E, me parece, abalaram o etnocentrismo palmente por liberarem a explicago antropo! do “outro” de uma nogao de tempo linear, histé- 0, produ; na sociedade do ‘eu’, A Antropo- logia, ento, livre para estudar a sincror passa a poder esbocar uma tentativa mais solta de com- Preender 0 “outro”. Contando, principalmente, com instrumentos teéricos que eram criados, transformados ou suprimides no contato direto do antropslogo com sociedades diversas. O antropdlogo, obrigado a estudos sincrénicos, tem de viajar, Tem de ir morar, experimentar a existéncia junto ao “outro”. Conhecer a diferenca, Everardo P: Guimardes Rocha O que & Binocentrismo if experimentando-se a si proprio como diferente, por estar, por perfodos significativos de tempo, fazendo “trabalho de campo” no mundo do “outro”, Neste sentido, Malinowski foi o grande viajante ado de seus estudos e da expresso “trabalho de campo’, para a Antro- pologia e para o processo de relativizagtio, 6 de extrema importéncia e seré visto um pouco mai adiante, Antes, € necessério entendermos 0 quanto foi Penoso @ fundamental, na questo do etnocentris- mo e de sua superagéo, a conquista de um espaco, ‘auténomo de movimento para a Antropologia, 48 vimos papel af desempenhado pela ruptura que Radcliffe-Brown estabeleceu entre Antropo- logi ‘ria. Colocou ele com preciso que as duas disciplines poderiam cooperar de diversas ™aneiras, mas seus projetos tinham rumos diversos. Um outro né, um outro lado do Iago, e nio menos importante pata @ autonomia antropologica, vai ser desatado por Emile Durkhei Qualquer estudante da vasta, bela e complexa obra deste grande mestre francés pode perceber que, em diferentes momentos e de vérias formas, um tema aparece e se repete. Durkheim afirma categoricamente uma ruptura: 0 soci explica pelo individual. Assim como os fendmenos psfquicos néo se explicam pelos biol6gicos, 0 complexo pelo simples, 0 superior pelo inferior, também 0 todo — a sociedade — néo se ex,

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