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Presentes David Gonçalves Nordon

Presentes!
28 de fevereiro de 2006

Toda a história dos presentes tem sido deturpada com o passar


do tempo. Sim, é algo triste de se pensar, mas é verdade e nada
podemos fazer. Vamos voltar aos primórdios dos presentes, na época
das cavernas, e ver como tudo isso ocorreu.
Na pré-história não havia escrita, o que dificultava bastante
saber que presentes a pessoa queria e quais ela não queria, quais ela
já tinha e quais outras pessoas já iam dar. O que, na verdade, não
fazia muita diferença, uma vez que a tribo não tinha mais de duzentas
pessoas, se tanto, e os tipos de presentes variavam de um pote de
barro a uma machadinha de pedra. Ou seja, não havia tanta coisa
assim para se presentear, nem ocasiões; o aniversário era
desconhecido (já que ninguém tinha como registrar quando a pessoa
nascera, nem possuía calendário para acompanhar os dias), assim
como os dias festivos (eles não tinham religião) ou feriados nacionais
(eles não tinham nações!). Ou seja, a vida era muito chata naquela
época, e os presentes se resumiam a quando o garoto atingia a
maturidade (ou seja, quando ele conseguia matar o seu próprio
mamute com as próprias mãos – e depois ainda perguntam por que a
mortalidade era tão alta entre os neandertais!), e aí ele ganhava
trocentas mil flechas e roupas e armas e ficava com aquela cara de
trouxa, porque o que ele queria mesmo era um jogo de vídeo (e se
revoltava ao saber que ele teria de esperar mais uns 30000 anos para
conseguir um – se ele soubesse o que era um ano, claro), e a quando
um casal se tornava marido e mulher (o que era um problema,
igualmente, porque não tinha padre para oficializar nem certidão de
casamento, podendo qualquer um ser casado com qualquer um, o que
causava uma confusão na hora de dar os presentes, porque ninguém
tinha a lista de ninguém e todo mundo acabava dando o que ganhara
para outros casamentos, os quais aconteciam todo dia, uma vez que
eles não tinham muito mais coisa a fazer e a recepção do big brother
era ruim).
Aí vieram Grécia e Roma antigas, e eu não preciso dizer que
presente de grego não era o melhor de todos, não é? Para você ver, o
presente passou de uma simples ocupação do tempo livre (e uma
confusão geral) para um artefato de guerra. O que é estúpido; se os
troianos tivessem um controle rígido, como os pré-históricos, de
quando receber presentes (maioridade ou casamento), eles não teriam
caído. Não teriam aceitado o presente, ou então teriam mandado para
os romanos na mesma noite, achando que era dia de troca de
Presentes David Gonçalves Nordon

presentes e que eles haviam ficado de fora da estória, mas por pouco
se safado de uma gafe tremenda.
Presentes causaram a ruína da humanidade para a mitologia
antiga; a caixa de Pandora transformou o mundo no caos que é hoje, e
foi um presente. Para você ver que Deus deve ser grego...
Aí veio a Idade Média, mas lá era tudo tão controlado, mas tão
controlado, e todo mundo tinha tão pouco, mas tão pouco dinheiro,
que ninguém dava presente para ninguém; era cada um por si, o
senhor feudal por ninguém e Deus por si próprio. Além do mais, coisas
materiais eram pecados, logo dar presentes era uma coisa absurda.
Fora que o mercado era pequeno; a moda estava só começando e a
televisão continuava com recepção ruim, de modo que só sobravam os
casamentos (de nobres, claro) para entreter o povo e angariar
presentes dos mais variados tipos.
Os presentes entre nobres, naquela época, eram os melhores;
como eles acabavam dando presentes só no casamento (mais uma vez
por causa dos pecados), o cara que se casasse com uma princesa
ganharia, a curto prazo, sabe-se lá quantos hectares de terras e
riquezas enormes, e, a longo prazo, além de um dragão dentro de casa
(o que não era realmente um problema, porque naquela época o
homem que mandava na mulher não era mal visto), um reino. Bom,
não?
Foi aí que vieram os iluministas e viver parou de ser pecado, o
que era bom, porque as taxas de infanticídio eram enormes. Com isso,
vieram os presentes para todas as ocasiões (vocês sabem que o
iluminismo se desenvolveu pra caramba na Itália e que, curiosamente,
os italianos dão presentes à-toa. Coincidência? Acho que não), como
quando achavam uma estrela nova no céu (e na época eles tinham
muito tempo livre, muitas estrelas desconhecidas e muito pouca
poluição para atrapalhar a visão), quando criavam um prato novo,
quando acendiam uma vela, quando se casavam, claro, e tudo mais.
Até quando alguém respirava ganhava um presente.
Aliás, é hora de se discutir o motivo da palavra presente: é um
substantivo oriundo da locução verbal estar presente, que significa
participar de algo, fazer parte. Ou seja, a pessoa dava um presente
para alguém somente para o presenteado saber que ela fora à festa.
Não precisava nem ter visto a cara da pessoa; elefantas, a pessoa nem
precisava ir à festa, só o presente já era o suficiente para indicar a sua
presença lá.
Era assim que se livravam dos chás chatíssimos da rainha
Elizabeth. Um presente, ela deixava você ir embora. Presente-suborno.
Logo, o presente sempre foi deturpado. E, pensemos agora; o
que leva uma pessoa a querer presentear a outra? Gastar o seu
dinheiro suado em um negócio que a outra pessoa provavelmente não
vai usar, ou então que ela podia muito bem comprar com o seu próprio
dinheiro?
Presentes David Gonçalves Nordon

Esta é a visão de hoje em dia. Temos quinhentas mil ocasiões


nas quais trocar presentes (obra dos iluministas, claro), e, por causa
disso, presentear tornou-se um elefante branco. Enquanto, no passado,
as famílias italianas/judaicas trocavam presentes simplesmente porque
queriam ou porque não tinham nada melhor para fazer, sem nunca
cobrar nada de volta, hoje em dia, toda vez que se recebe alguma
coisa, a pessoa pára pra pensar: que droga, agora o que eu vou dar
pra ele no seu aniversário?
É sempre assim. O presente que você ganhou acaba se tornando
um fardo, porque, até o dia em que você puder redimir a sua dívida,
dando um presente para o cara que acabou de lhe dar um, ele vai ficar
encarando, encarando, e você vai ficar se remoendo, pensando que
demônios dar para aquela pessoa.
E no dia dos namorados, que você não sabe até que valor gastar
para não depreciar ou apreciar demais a pessoa? E dia das mães, a
mesma coisa? Ou dia dos pais, porque os pais são sempre os mais
enigmáticos de se presentear? Ou aniversário? De criança, que só
ganha roupa, mas nunca quer roupa, de adolescente, que finalmente
ganhar os presentes de criança que queria há dez anos, mas não as
roupas que queria no momento? O lado bom é que os casamentos de
hoje têm listas, assim, pelo menos, a pessoa não repete o presente.
Mas o pior é no natal; você nunca sabe quem vai te dar presente
ou não, então você fica fazendo listas e listas de presentes para todo
mundo que você conhece, fica horas comprando tudo, para presentear
gente que talvez nem te retribua o favor. No final, você acaba
presenteando, no máximo, 10 pessoas de quem você gosta e mais
umas 99 de quem você não gosta. Ou seja, todos compram todo o ano
99 presentes inúteis. E pra que isso serve? Só para movimentar o
comércio.
Por isso, eu tenho uma atitude revolucionária, que vai parar de
deturpar os presentes; em vez de um presentear o outro, em datas
festivas, vamos nos resumir a comprar um presente; um presente para
nós mesmos, e acabou. Eu compro um para mim, e você, um para
você. Primeiro que assim vamos economizar dinheiro, segundo que
vamos acabar com os repetecos de presentes, ou daqueles de que não
gostamos, e terceiro que vamos aniquilar este elefante branco chato
da retribuição de favores, por causa do qual, muitas vezes, é melhor
não se receber presente nenhum.
O que vocês dizem?

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