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AUGUSTO DE FRANCO
Carta Capital Social 93 (01/09/2005)
Vou tentar resumir, nesta ‘Carta Capital Social 93’, de modo bastante
simplificado, o que venho dizendo sobre o assunto, em aulas e
palestras que tenho ministrado em vários lugares do Brasil, nos
últimos dois anos (2003-2005).
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medida de prosperidade econômica) e também éramos o país do
mundo onde se verificava o maior hiato, o maior distanciamento, o
maior abismo, entre o valor do PIB e os índices de desenvolvimento
social.
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pelos estudiosos do desenvolvimento, pelos economistas, pelos
policymakers, pelas instituições de apoio e fomento ao
desenvolvimento. O ar atmosférico, a água, sobretudo a água doce,
os recursos minerais, a fauna e a flora, os ecossistemas, os biomas,
enfim, todos esses recursos são “capitais”, no sentido de que são
fatores que comparecem na equação do desenvolvimento.
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Mas vou em frente, dizendo que o que mais chamou a atenção de
Tocqueville naquela velha e notável América (que havia realizado um
processo também notável de independência), sobretudo na região da
Nova Inglaterra, foi o espírito de associação, o vigor associacionista
bastante generalizado. Os americanos se associavam para fazer
quase tudo, em um grau jamais visto no velho mundo. Inclusive as
crianças se juntavam para brincar com as instituições republicanas,
encenando réplicas de parlamentos ao invés de forjarem espadas de
madeira para brincadeiras de cavaleiros e reinados. Reafirmo que o
interesse de Tocqueville era pela democracia à americana e que o
resultado de suas observações de viagem foram publicados em um
clássico da literatura política chamado “A Democracia na América”,
que veio à luz na segunda metade da década de 1830.
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civil” (que não foi tão valorizada pelos leitores e estudiosos de
Tocqueville) é o antepassado, em linha direta, do conceito de capital
social.
Jacobs então vai fazer uma pesquisa empírica para tentar desvendar
o segredo da vitalidade das cidades. E descobre que naquelas cidades
que pareciam entidades vivas, efervescentes, com alto dinamismo
social, existiam, nos seus bairros e distritos, pessoas conectando-se
com pessoas, horizontalmente, voluntariamente, para discutir os
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problemas comuns, as questões coletivas relacionadas com o bem-
estar geral. E que, naquelas cidades que pareciam estar morrendo,
não se observava a ocorrência desse fenômeno. Conto que Jacobs
explicou a questão dizendo que essas redes sociais são o capital
social indispensável à vivificação (hoje diríamos, ao desenvolvimento)
das localidades. E assinalo que Jacobs, no início da década de 60 do
século passado, foi à primeira pessoa que empregou a expressão
capital social com esse sentido contemporâneo. Evidencio que ela foi
uma visionária. Quando muito pouca gente falava em rede social, ela
define um capital – quer dizer, um fator do desenvolvimento – como
rede. Não que a rede produzisse capital social, não foi isso que ela
disse. Para ela a rede era ‘o’ capital social.
Além disso, Jacobs teve uma intuição poderosa. Ela estimou que
bastavam 100 pessoas fazendo isso (quer dizer, se conectando
horizontalmente em rede para tratar dos assuntos comuns), para que
o efeito “vivificador” de sua atuação se fizesse sentir em uma
localidade mil vezes maior. Observo que Jacobs errou apenas por um
zero, porque não tinha ainda o instrumental conceitual, sobretudo as
ferramentas matemáticas, para justificar o seu insight. Não havia
ainda a Social Network Analysis, não havia a teoria dos grafos e não
havia os estudos de Duncan Watts sobre o “small world network” e
sobre a “refiação” em redes P2P.
Muito bem. Jacobs deu essa enorme contribuição, mas ela não a
traduziu em uma nova visão do desenvolvimento, capaz de afetar as
interpretações correntes, até o início da década de 1990.
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Então, auxiliado por alguns acadêmicos italianos, Putnam se entrega
a uma pesquisa de campo exaustiva, que dura mais de década. E
descobre que, naquelas cidades italianas com prosperidade
econômica e boa governança (hoje diríamos, com bons índices de
desenvolvimento), havia uma história de organização da sociedade
civil. E descobre que naquelas localidades com baixos índices de
desenvolvimento, onde a sociedade civil foi menos ativa, menos
vibrante (talvez ele, Putnam, tenha dito menos organizada, porém
resisto bastante em usar tal expressão, preferiria dizer menos
conectada – embora o autor não tenha dito isso), tal fenômeno não
ocorria.
Mas o fato é que Putnam descobriu que sua constatação não era
fortuita, não se tratava de coincidência nem de uma constante
introduzida pelo modo de olhar. A presença de uma sociedade civil
forte era realmente um fator que acompanhava o nível de
desenvolvimento.
Assinalo que Putnam, pelo menos até àquela época, não foi o criador
de nenhuma teoria do capital social, porém foi o principal divulgador
do conceito. A partir de sua pesquisa, “a ficha caiu” na cabeça de
economistas, policymakers, governantes, empresários e agentes de
organizações de apoio e fomento ao desenvolvimento. Pela primeira
vez de modo científico, se puder falar assim, aparecia um nexo entre
desenvolvimento (inclusive em termos econômicos) e organização da
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sociedade civil.
Mas por quê? O que a sociedade civil tem a ver com o chamado
capital social?
Explico então que o capital social se refere aos laços fracos (não
hierárquicos, não funcionais, não parentais ou consangüíneos) entre
pessoas, em conexões voluntárias, baseadas em reciprocidade,
cooperação, solidariedade. E esse fenômeno se manifesta na
sociedade civil em maior intensidade do que aquela se verifica nas
outras esferas da realidade social ou nos outros tipos de
agenciamento, como o Estado e o mercado.
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Usando o exemplo de Fukuyama, tento mostrar por que os keiretsu
japoneses tiveram dificuldade de concorrer – em número de
inovações por segundo, vamos dizer assim – com o Vale do Silício.
Explico que no Vale do Silício, embora se tenha menos densidade de
capital humano, existe mais capital social, porquanto existem mais
conexões, as pessoas almoçam juntas, estabelecem laços fracos e
gratuitos de amizade e camaradagem, constroem canais por onde
trafegam informações etc.
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um empréstimo no banco tal, numa linha de financiamento que foi
aberta para estimular os pequenos negócios. Os amigos então
retrucam: “– Cuidado, fulano! Olha que você ficará pendurado no
banco, igualzinho ao beltrano, que acabou perdendo até a casa”.
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nova localidade criada pelo assentamento, em um mesmo território,
de duas mil famílias do sultão de Brunei. Pergunta: o nível de
desenvolvimento social dessa nova localidade será, necessariamente,
tão alto quanto o nível de desenvolvimento humano das famílias que
a compõem?
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décadas a fio). Ou seja, os níveis de confiança social na Argentina são
menores do que os do Brasil.
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compensem aquela falta. É o que acontece com um ecossistema,
quando uma intervenção antrópica, desarmonizante, altera o
equilíbrio natural. Dependendo do tamanho da intervenção, o
ecossistema se recupera, redirecionando o papel de seus vários
elementos até conseguir restabelecer o equilíbrio. Explico que tudo
isso só pode acontecer em razão do padrão de organização desses
conjuntos de muitos organismos, de organismos ou de partes de
organismos, ser um padrão de rede.
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