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Ne quadre dos estudos machadianos, uma andlise das relagses de Machado de Assis com a Itdlia — isto 6, dos eentatos de Machado com a lingua, a cultura, os homens e 68 acentecimentos da Peninsula — poderia parecer, « primeira vista, de pouea relevéncia e de aleance meramente episodico. NGo deixc, porém, de proporcionar dados e elementos de real interésse, quer para uma melhor interpretagdo do escritor ¢ do homem, quer pelo que diz respeito a um determinado momento da formagdo cultural brasileira, Pretendende lever ¢ cabo, com o devide rigor critica e filolégico, uma pesquiza desta natureza, esbarra-se logo em duas dificuldades: de um ledo a qusencia de documentacde de interésse biagréfico (particularmente pelo que se refere & adolescincia e & juven- tude, cos estudes, ds leituras e ds amizades do escritor), e doutro lado a falta de uma edicao completa, e eritiea, da tao extensa e tGo esparsa produgao de Machado (1), © que vai @ seguir, porianto, pretende ser apenas uma primeira tentativa de colocar em féco materia que até agora, e incompreensi- velmente, escapou & atengae des especialistas (2), MACHADO E A LINGUA ITALIANA Quando e como Machedo aprendeu o italiano? Os dados biogrdficos de que dispomos ndo permitem uma resposta (1) A recente odiggo Aguilor, erganizada pelo prof, Alranio Coutinho, Ge © titulo “Obra Completa”, ndo apresenta toda a produgéo de. ichada. (2) A biblicarafia aSbre o assunto limite-se « algumas obserwagSes de Mario de Andrade, relativas 4 presenga de Dante no poeme “Ultima Tomeda” (em 'Aspectos da literatura brasileira”, od. Martins, pp. 97-102), um artigo de Otte Maria Corpoaux, “Uma fonte da filosotia de Machado de Assis” (om “Letras e Arles” de 4 de abril de 1848), ea um breve ensaio de Raimundo MagaihGes |r. “Machado de Aasia ea Unidede Italiana” (no volume “Ao redor de Machado de Assia", ed, Civilizagio Brasileira, 1988, pp, 45-52), Edoardo Hizzarri satistatéria. Sabe-se que Machado, quando ainde crianga, foi iniciado na lingua de Voltcire por um fomeiro francés da padaria de madame Gallot, na rua Sao Luiz Gonzaga, mas infelizmente nenhuma nolicia chegou até nés, a respeito do iniciador de Machado na lingua de Dante, Temos, portanto, qué aventurar-nes em suposigies, sendo que trés hipéteses igualmente plausiveis podem ser formuladas, sem que uma exclua a outra: 1) que ienha sido algum religese, no periods de sua primeira adolescéncia, quande Machado demonstrava certo pendor para ¢ misticismo, tende sido, ao que parece, também coroinha. No Rio de Janeiro imperial, pela metade do século passado, era grande o numero de religiosos itelianes, e alguns deles aparecem, ainda que de escdrgo, na fiegGo de Machado: © copuchinho amigo de Pedro, no romance “Esai e Jacs" (1903), ¢ aquele sacerdote grande apreciador da “Storia fio- rentina” de Benedetto Varchi, na novela “Casa Velha” (1885). Independentemente da nacionalidade, née faltam na obra narrativa de Machado figuras de religiosos que conhegam e © apreciem c lingua italianc, desde © tio de Teofilo “que sabia entremear as oragées do brevicrio com os cantos de Virgilic e Petrarca” (no conto “Poss{vel ¢ impossivel”, 1867), ao padre Lopes que “cultiveva Dente" e fazia de vez em quande citagoes de terestos que os ouvintes pensavam’ fossem oragGes em latim (no conto “O alienista”, 1881-82). Uma referéncia & amizade com capuchinhes, sempre que possa ser tomada ao ‘pé da letra, encontra-se, enfim, numa cronica de Machado (3); 2) que tenha sido, ao contrario, algum liberal italiano, nos anes em que Machado comecou a frequentar « livraria de Paula Brito. Naquela époce havia no Rio um grupo bastemte: nurmereso de liberais italianes, cujo decano era Vicente de Simoni, professor das princess, primeiro docente de italiano no Colégio D. Pedro I, diretor do Hospital da Misericordia além de animador da Qpera Nacional, que contou também com a colaboragGo de Machado, E muito provavel que do convivio com liberais italiancs Machado tenha adquirido desde a ado- Jescéncia, além do amor pela Itdlia e pela cousa de sua independéncig, orientagSes e ensinamentos para 9 estudo da (2) *...Weu daqui para os espuchinhos, onde tenho amigos, ¢ despego-me de um mundo tio perverso ¢ comupte, onde um eidadéo bo- neato néia pode cumprir simplesmente o seu dever sem acordar clogiada” (em “Gozeta de Noticios” de 15 de navombro de 1888). 6 Machada de Assis ¢ a Tealia Tingua. Umar referéncia explicit a amigos italianes pode ser encontrada numa cronica que citeremos mais adicnte: 3) que, impelide pelo amor & opera lirica, e talvez mesmo pela ctragdo que sdbre ele deve ter exercido desde cedo o mito Tomantice da poesia de Dante, Machado — que se beneficiava, sem diivida, dos contatos acima indicades — tenhe sido essen- cialmente um cutodideta também no estudo da lingua italiana. Neste caso, poderia ter utilizado a "Metodo prdtica para aprender a lingua italiana", publicade justamente naquele periodo por A. Galleano Rivara, um italiano residente no. Ria. _De qualquer forma, certo e incontestavel € que o inte- résse pela lingua, a arte e as coisas da Italia aparece muito cedo em Machado. A uma italiana (que obviamente & cantora) foi dedicada uma das primeiras poosias de Machade, que eniGo conlava apenas dezesseis anos: esta poesia leva a data de 29 de junho de 1855, tendo sido publicada na “Marmota fluminense” de 15 de julho daquele mesmo ano (4). Os pre- nincies da segunda guerra pela independéncia italiana sus- citam em Machado, com menos de vinte anos, um ferverosa hine de exortagae a Itdlia (“palida lidlia”, “bela cativa”, “patria de Roma”), que apareceu em 10 de fevereiro de 1859 na pri- meira pagina do “Correio Mercantil" do Rio (5). Desde as primeiras cronicas escritas para "O Espelhe”, "O Diario do Rio de Janeiro“ e “A Semana Ilustrada”, de 1859 a 1864, pode-se constatar que Machado se compraz em usar palavras ou locugées italianas. Por fim, come epigrafe aos “Versos a Corinna” (no “Diario do Rio de Jomeiro”, de 16 a 21 de abril de 1884) foura uma citagGo dantesca extraida do capitulo XXII da “Vit Nuova” (6). Este interésse, mais ainda este amor juvenil pele Itélia e pelos coisas italionas — destinado @ permanecer ative du- ~~ (4) A poesia & acompanhada por esta expressiva epigrafe do autor ‘E sempre nog teus contos scnorosos / que eu bebo inspiraptio".— (5) Este poems, intitulade "A Iidlia” © seproduzide naquele mean ano em diversoe jornais das peovincias, foi exclaido por Machado de sua primeira coletémec, “Chrysalidas" (1884), bem como do volume “Poesias completes” (1901). Fol exumado por Raimunde Magalhéies Jr, ¢ pode ser encontrade na volume “Ao redor de Machade de Assis", pp. 47-48, No poemer ee encontrar « tematica tipicc da poesia potristion do romentismo. italiane, (6) “Tacendo il nome di questa gentilissima”: @ citagdo, embora pertencends a um doz conhacides copitules da “Vita: Nuova, ndo se inscreve entre os cilagdes de Donte mais comuns e tradicionais. Edoardo Pizzarri rante teda a vida do escritor — estimulou sem=divida um maior conhecimenta da Iingua e deste, por sua vez, se ali- mentou. As reservas levantadas a esse respeito por Mucio Teixeira (7) em relago & tradugtio do canto XXV de “Inferno”, nao s6 ccem diante des decumentadas arguigses do maior benemerite dos estudes machadianos, José Galante de Souza (8), mas revelam sua inconsisténcia também a um simples leitor da obra de Machado. De fato (independentemente das conclusses a que pode lever uma exegese filologica e estétiea da versdo do canto denteseo), toda a predugdo do ficsionista e do cronista, com aquele gosto costante para © emprego de palawras @ locugSes italianas e ct citagdo de versos italianos em lingua original, confirma claramente que Machade tinha o hébito de leituras diretas de autores italianos. Qual teria sido, em todo casa, o gnu de conhecimento da Ingua italiana em Machado de Assis? Dir-se-ia que, a este respeito, o préprio escritor goslasse de brincar, Em data de 26 de julho de 1885, numa cronica da “Gezeta de Noticias”; eacteve: “Podia ir ac Teatro de S, Pedra, onde a cadeira custe menos; mog eu sé eniendo italiano cantado, e a Duse-Checchi néo conta. Fui 1é algumas vezes, levado pelo que ouvia dizer dela e da companhia; fui, gostei muito do diabo da mulher, tingi que rasgava as luvas de entusiasmo, para dar a entender que sabia daquilo; nes lugares engragades ria que me escan- galhava, muito mais do que se fosse em portugués; mas, Tepito, italiano por musica”, Nestas palavras, porém, mais do que um caso pessoal (Machade amiude se compraz em transformar_o imagindrio autor de seus crénicas, Dr. Semana ou, Lelio, JoGe das Regras ou 0 ex-joatheiro Folicarpo, num personagem com o quel nem sempre pode ser identificade), parece repercutir uma situagGo pertilhada por boa parte do pilblico carieca e jc fixada numa “boutade” que se tornou lugar comum. Voltames a encontra-la numa eronica da “Gazeta de Noticias” (13 de outubro de 1895): Machade conta que um itcliane, tomade de improvisa crise de loucura, “irepou & estatua de Pedro I e la de cima arengou eo povo", mas “ninguem sabe o que cle disse, por falar na linguct meéterna, e nés s6 entendemoes italieno per musica”. (7) Ne série de artiges intitulades “Meia duzia de livros", no “Jornal do Brasil" de 20 27 de maio; de 3,10 @ 17 de junho de 1901. (8) V. “Bibliegratia de Machade de Assis", Rio, 1955, pp. 9-10. Machado de Assis 0 a Italia De outro lado, palo que diz respeito & comunicabilidade de italiano como expresso artistica, um curiosa exemplo nos é fornecide pelo pai de Cecilia, no conto “Curta histéria™ (1886) © bom homem leva toda a familia ver Ernesto Rossi interpre- tendo “Romeu ¢ Giulietta” e no fim da ale diz dos artistas: ",..8G0 bons a voler. Eu, que nGo entendo nada, parece que estou entendendo tud: Qualquer que fosse sua prética do italiana falado, Ma- chado, sem diivida alguma, teve um suficiente conhecimento da lingua italiana, e principalmente muito gostou dela, sendo numerosas a5 provas, diretas e indiretas, desta simpatic. Bastaria lembror aqui — pelas varias consideragdes a que se presta — © que nosso autor escrevia numa croniea da “Gazeta de Noticias”, em data de 15 de novembro de 1895: “Lopes Neto foi meter-se na Italia, para que esquecessem os seus provades talentos © os servigas que prestou ao Brauil. Nao faltam ali cidades nem vilas onde um homem possa dormir as ultimas neites, cu ondar os ultimos dias entre um quadro eterno e uma etema ruina. A lingua que ali se houve imagine que repercutiré na alma estrangeira como as estrofes dos poetas da terra, Por mais que o velho Crispi e o seu inimigo Cavallotti estraguem ¢ proprio idioma com os barkarismos que © porlamento impée, um homem de bea vontade pode ouvi-los, com o pensamento nos terestes de Dante, e se os repetir consige, acaba crendo que os ouviu do propria poeta”. Enfim, de interésse particular para este nosso esiude é a afirmagGo & qual se entrega Machado, a respite da lingua italiana, na primeira das criticas que dedicou, no “Diario do Rio de Janeiro”, & temporada de Adelaide Ristori, com referencia &s pecas apresentadas no més de julho de 1869. Apés ter elencado os dons que a natureza havia prodigado ¢ ilustre atriz (“genio superior entre os primeiros”, “figura imponente, escul- tural”, "voz sonora e vibrante"), Machado conclua: “— Depois, q@ fim de que a obra lhe ficasse de todo completa, fé-la nascer na Italia, terra classica da arte, onde a cada passe se encontret um monumento e uma tradigge e cuja lingua, harmoniosa entre todas, 6 um dos mais cabais instrumentes da palewra humana". (9) Musicalidade e expressividade: eis os dois elementos que determinam a inclinagdo de Machado para a lingue iteliana. (3) Machado de Assis, “Adslaide Ristori, Felhotina". Rio de Jansiro, Aoodemin Firewilaint de Letras, 1955, p17 Edoardo Rizzarri Nao 4 de estramhar, portanto, que os intermedidrios mais atives para o conhecimentc e a apreciagdo do italicne foram, para Machado, © teatro (especialmente a opera lirica) e Dante. MACHADO, AS CANTORAS E O TEATRO ITALIANO “A verdade é que nés amamos a musica sébre todas as coisas e as primasdonas como a més mesmos": cbservou ceria vez jocosamente Machado de Assis (10). Endo hé divida que ele proprio partilhara plenamente este amor de seus con- temporémeos para a musica e a opera, além da paixao, mesmo Platonica, nos cmos da mocidade, e do mais descontrolado entusiasme para as cantoras italianas. Os nomes de duas can- joras que provocaram verdadleiro delirio no publico carioca entre 1855 e 1860, Augusta Candiani e Emy La Grua, encon- tram-se frequentemente em Machado, ligados & reevocagao dos sonhos da primeira juventude. © futuro presidente da Academic Brasileira, o eseritor que ge tornou proverbial pelo seu comedimento, foi, quando rapaz, entre os entusiastas que arrastaram a bragos a carruagem da Candiani, apés uma triunfal interpretagdo da “Nerma”. Ele mesmo o conlessava, vinte anos mais torde, numa cronica publicada na “Iustragdo Bresileira” de 15 de julho de 1877: “A Comdiani ndo é conhecida da geragdo presente. Mas os velhos, como eu, dinda se lembram do que ela fez, porque eu fui (me, me adsum), eu fui um dos cavalos tempo- rarios do carro da prima-dona, nas noites da bela Normal O tempes! O scudades! Tinha en vinle anos, um bigede em flor, muito sangue nas veios e um entusiasme capaz de puxar todos os carres, desde © carro do Estado até o carro do sol — duas meiaforas que envelheceram como eu. Bom tempo! A Candiani née cantava, punha o ¢éu na boed, a a boca no mundo. Quando ela suspirava a Norma, era de pér a gente fora de si. O publico fluminense, que morre por melodia como Macaco por banana, estava entao nas suas auroras liricas, Ouvia a Candiani e perdia a nogio da realidade. Qualquer badameco ert um Pindaro. E hoje velta a Candicmi, depois de téo largo silencio, a acordar os esos daqueles dias. Os velhos como eu irGo recordar um pouco a mocidade: a melhor coisa da vide, e talvez a unica”. (IN) No “Corate da Noticias” de 9 de setembro de 1854. w Machado de Assis o a Malia Este episodio, mesmo sem o pormenor autobiegratico, eo sucesso da Candiani sao lembrades varias vezes por Machado (11), assim como as lutas entre os fautores de Anne Arséne Charion e os de Emy La Gruc. Numa cronica om verses, na “Gazeta de Noticias” de 12 de novembro de 1886, nosso autor, entoande o eterno motive da saudade do passado, escreve! “Mudou tude! Existe ainda O Teatro Provisoria? Onde esté Lagrua, a linda, Que teve um lapso amatorio?” Este “lapso amotorio” da cantora tem sua reevecagao, de interésse especifico, numa cronica da mesma “Gazeta de Noticias", de B de julho de 18%. Apdés ter afirmado que (1) Em “Memorios postumas de Eris Cubs", no cop. LXV, com uma alusio cot ciumos dos senhors brasileiras ("A Candi Gelicicss. Que mulher! Gasta da Cendiomi? £ natural, Os senhores aio todea ca menmos. © bardo disia ontem, no camarole, que uma sd itoliana vale por cinca brasileira. Que desaforo!" diz a baroneza X.), ¢ no cap. 30 (“Mex e Candionil sim senhor, era papa-fina"); no conto "Verba Testamentéria:”, de 1882 ("O entusiosmo de populagae fluminonse para com a fomosa Candioni e a Mereic, mas a Candiani principalmente, cujo caro purarom alguns biegos humans, chaequio tanto mais insigne quanto que onda fariam ao préprio Platio...“). Aqui vaio, enfim, além das j& citadas, ce releréncias que se encontram nes crOnioas: “Até aqui nenhum. canter 88 benzeu com uma leta de partidos igual a que houve entre a La Gru e a Charton; nenhum viu ainda o seu carro puxorlo per homens, come « Cemdiemi”, no “Diario do Rio de Janeiro’, 7/12/1855; “H& muitos ance Candiani, representondo aqui « Histéria ce umer moge riod, inteo- duziu no segunda ato, ne momento de fugir co meride, ume aria da Norma, erelo eu. Processo feliz, max jd agora processo velho", na "Gazeta do Noticias", 30/7/1884: “Néa rementendo a um soprone que aqui viveu morrey, homem alto, gordo e italiano, que cantava somente nas igrejes. sei quo c opera liriea, propriamente dita, comegou a luzir de 1840 « 1850, com outro soprane, desia vez mulher, a celebre Candiani. Quem néo ¢ haveré citade? Netos dos que se babaram de gosto nas cadeirus @ camarates do teatro de Sao Pedro, iambém vds a conheceis de neme, sem @ terdes visto, nem provavelmente vossos pais. Jd 6 alguma coisa viver durante meio século na memoria de ume cidede, néo tendo feito outa 0isa mais que cuniar o melancelica Eellini, Ao que parece. a canto ent tal que orrebatova as alms ¢ o¢ corpos, elas pura o ofu, eles para o coro da diva, cujos cavalos eram substituidos por homens de hoa von- lade. Nao molsis disto; para a cemtora foi a gloria, para ca seus ackanadores foi o entusiasmo, ¢ o entusiasme nao é tae mesquinha coisa que se despxeze, Invejei, antes, estes covolos dé uma hora..." na “Gazeta de Noticias", 8/7/1094; “Também née riamos muito dos que entéo recordavam 9 tempo em que foram ocvalos da Candiani, ¢ riam ents dos que falowam de sutras festaz de tempo do Pedro I", ne “Gazeta de Noticias", 29/9/1096, n Edoardo Bizzarri “Cavour sem Verdi, Bismark sem Wagner n@o teriam feito © que fizerem”, ¢ apés ter estabelecido um ameno paralelo entre a opera lirica e a representagde nacional, Machado esboga em largos tragos a histéria da opera no Rio, lembrando « Candicni e particularmente La Gruc: “Novas comtoras jéndo se deixem ir des bragos de Pollido ou de Mamrico aos de um senhor da platea, como a La Grua, e antes dela a Candiani. Aguas passadas; mas nem por serem passadas deixam de refrescar a memoria dos seus contempo- réneos. O caso da La Gruc entristece-me, porque um amigo meu a amava muito. Tinha vinte anos, uma lira nas méos um tiste emprego ¢ aquele amor, ndo subido de ninguem. Salve o emprego, era riquissimo. Nao combatia entre os la- gruisias contra os chartenistas; era franco-atirader. Nao queri meter © seu omer na multiddo dos entusiasmes de passagem. O seu amor era eterno, dizia em todes os versos que compunha, & noite, quando vinha do teatro para casa. E ria-se muito de um senher de suisses que, na platec, devorava com os clhos a La Grua. Uma noite, acabado o espetdculo, o mogo posta recolheu-se, compés dais sonetos e dormiu com os anjos, O mais adoravel deles era a prépria imagem da La Grua. Na monh& seguinte, ele ¢ a cidade acordaram assombrados. A diver desaparecera, e o senhor das suissas nGo torncu & platea, ¢ 9 meu rapez adesceu, definhou, até morrer de melancolic. Assim lhe fecharam a era das revolugdes” (12). NGo parece hipdiese totalmente arbitrdria pensar que o jovem de vinte anos o qual alimenteva um amor "ndo sabide de ninguem”, fosse o préprio Machado, e neste caso & La Grua, alvo de um amor platenice e nao confessado, seria dedicoda qa lirica “Teu canto", composia em epoca que coincide com o aparecimento da cantora nos paleos do Rio. (02) Alem das crénicas jd ciladas, releréncias &@ La Gruc encontram-be no conto "Onda", de 186? (“nessa noite nao. cantava a competidera de Chazton, Emmy Lagma"}, no conto “A mulher de preto” (1868). cuja agio @ colacnda “Ne tempo da memordvel Juke entre lagrulstas @ cherio. nists"; nume: cronies da "Semenc Mustrada” de 15 de eetembro de 1872 ("Eram os bons tempos de Charton e da La Grua, muitos de cujas parti déries sGo hoje pais de familia, outros velhos celibatarics, alguns foram-se @ oulro munde, quires enfim frequentam ainda o teatro, to esquocides dolas come elas deles"); ¢ enfim na prosa “Um agregado", que constitue uma redagGo iniciel de “Dom Casmurro” @ foi publicada na “Republies” de 15 de novembro de 1825, 12 » Machado de Assis ea Italia Fosse, ou menos, climentado imicialmente por uma paixdo juvenil, (124) o amor de Machado para a opera momteve-se firme desde os anos da adolescéncia até a velhi com evidente predilegao para a opera italiana. Téo numerosos sGo os testemunhos a respeito na obra de nosso autor, que vimo-nos obrigados a nes limitar shmente a algumas conside- ragées e ds citagdes de maior relevo. Machado cronista dedicou constemte atengdio ds tempo- radas das companhias liricas, aos cantores e aos empresarios. Suas crénicas — que abrangem, com inevildveis interrupgdes ¢ lacunas, o periado de 1859 a 1900, © cuja colegao, mesmo incompleta, ocupa uma dezena de volumes — oferecem uma nolavel e ainda ndo devidamente selecionada contribuigdo para uma éria_ do teatro italiano no Brasil. Com referéncia & importémcia que os cariccas, e com eles nosso autor, atribuiom & temporada lirics itcliena, sio significativos cs comentarics a respeito da ventilada mudanga da capital (13) e a croniea zombeteira dedicada na “Gazetd de Noticias" de 15 de agesto de 1884 ae maestro Ferrari, prin- cipal empresario das companhias itclianas naqueles anos (12a) Partillasse ou nGo det jd citade: opiniéio de Bardo X ("Memerias poatumas ds Brés Cuban", omp. LXV), cerlo 6 que Machada manifestou em mais de uma circunsténcia signilicaliva admiragdo pela Beleza @ tempo- raments dos mulheres italianas, Tedes lembram preceupagio de Capiti diante da eventual viagom de Bentinho: “A Europe dizer que é to bonite, a Iidlia principalmente. N&o & de Id que wim os comtoras?”. Um eco das perturbagies que aa contoras ifalianas provecuvam na md cidade eerioce aparece no conte ~A mulher perdida” (1841), nda o major Bente, vendo © sobrinho sombrio e meio trsnstornade, diz- “Vece esté folondo 66, rapz? Hum? oqui hé coisa, Hao de ver os iteliemas do teatro”. Quanto no temperamento ematerio dos itelianes, encontramas ducs curicsas referéncias: no conto “Questio de vaidade” (1864), quando se diz de Moria Luise que “amava come ce italianas: era ardente, apai- xonada, violonta’; @ numa crinica da "Gazeta de Noticias” de 27 de selembro de 1896, que trata da imigrapdo italiona: depois de uma digressdi Machado volia co cssunto com estas palavras: “Creis que eatnvernes nos braves italicncs, nGo cs que omam e fazem amor, mas os que lavram a ma". (13) Na “Gazeta de Nolicias” de 28 de janeiro de 1894; “Contentemo- nos com ser uma espécie de Nova York, aperleioemos a nova Broadway, endo abramos méo da épera itoliona. Ca viréis cs deputadea, por turmas, ouvir as sumidades Ifricas"; @ na “Gazeta de Noticias” de 7 de junho de 1896: “Também nao nes levarao as companhics Lricus, os nossos trdgicos ita- Tinnos, suceasores daquela pobre Rossi, qua acaba de morrer, e opencs ce dividiremos com 6. Puulc, segundo o castune de ulyuno uss". 13 Edoarde Rizsarri “Nenhuma pessoa medianamente instruida ignora que © Brasil foi descoberto pelo maestro Ferrari. As pretengdes portuguesas a dste respeifo nasceram de uma interpolagdo no livro V1, cap. VII, de Demido de Goes, achada e provada q todas as luzes; ninguem mais lhe dé crédito. Hoje esta do- menstrade, ndo sé que o maestro Ferrari descobriu o Brasil, mas também que este lhe pertence Se ele abuscsse do poder, era provavel que assim como as outras colonies ame- Ticonas se rebelaram, assim o Brasil levantesse o grito de guerra, e se separasse; mas tal ndo hé, A mameira com que © maestro Ferrari dispde do Brasil, é um modelo de brandura e de amor”. Quanto & influéncia da opera na mocidade de Machado, é significative a confisséo contida num artigo da “Gazeta de Noticias" de 16 de julhe de 1893: “Na antevespera tinha sonhade que era um mocinho de quinze a dezesscis ance, prestes @ derrubar este mundo ¢ a criar outre; tude porque me deram a Lucia de Lammermoor © a Sonnambula..." Em iato de preferéncies musicais, poderia-se dizer — atendendo « um critério estatistico — que os personagens de Machado tenham uma predilegae por Bellini: ne conto "Qual dos dois" (1872) “pediu um dos amigos da casa que a moga eantasse a cavatina de Norma, justamente na ocasido em que Daniel, por entabular intimidade, lhe pedia um pedage da Lucia”; ne conto “As bodes de Luis Duarte” (1873), Mariquinhas 6 solicitada a tocar “alguma coisa da Sonnambula”; no to- mance "A mGo e a luva" (1874), no capitulo VI, Estevao vai ao Lirico “onde se cantava a Sonnambula”, e no capitulo XIV, Luiz Alves pede a Guiomar de tocar um treche de Bellini; no Tomance “Helena” (1876), cap. I, o doutor Camargo, voltando Para casa, encontra a filha Eugenia tocando ao piemo um trecho de Bellini; nas “Memorias postumas de Bras Cubas" (1880) cap, CII, © protagonisia observa que quando nado se sabe o que responder “alguns preferem recitar uma citava des Lusiadas, outros adotam o recurso de assobier a Norma”; no conto “Verba testamentaria” (1882), hd uma alusdo & Norma cantada pela Candiani; no conto “86” (1885), 0 prota- gonista, para vencer ag sensagdes opressivas da soliddo, can iarola alternadamente uma aria do Trovatore ¢ uma da Norma; no conto “O diplomatico” (1886), Queiroz toca a aria Casta Diva; ¢ afinal, na conto “Trio em la menor” (1886), a avé de Maria Regina tem “a religide de Bellini e da Narma" Sequem 4 Machade de Assis ea Iealia no ordem, por numero de relerénelas, na obra narrativa de Machado, Verdi, Donizetti e Rossini (14) Mats dificil torna-se um pronunciamento sébre as prefe- rén¢ias pessoais de Machado. Nao ha divida que ele tivesse largos conhecimentos do repertério italiano, e uma predilegdo para a “Norma” oe a “Aide” (15). Dos catorze citagces de livretos de opera que encontramos em toda a produgao de Machado ficcionista e cronista, sote referom-se a Verdi, trés a Donizetti, trés a Bellini e uma a Rossini. As operas das quais derivam sao: “Emeni”, “Trovatore”, “Traviata”, “Nabucco”, “Rigoletto”, “Norma”, “Lucia de Lammermoor”, “Fevorita’, “Elisir d’Amor” ¢ “Barbiere di Siviglia”. De qualquer maneira, Verdi & © compositor mais citado nas crénicas de Machado, endo s6 devide ao fate que suas operas dominavam 0 reper- torie das temporadas liricas, mas também pelo que sua figura sua obra representam na histéria contemportnea da Talia A este respeito, e para as outras consideragdes ds quais pode ptestar-se, nGo é inoportuno lembrar o que Machado escraven. na “Ilustragdo Brasileira” de 4 de novembre de 1876, com teferéncia a Verdi senador: “Senador! Aqueles italianos sGo artistas até nas ele Nés somos eleitores até nas artes. Um dia lembram-se de dar go seu grande maestro uma grande posigde politica, e ndo lhe perguntaram sa teria lide Machiavelli nem o que penscver (4) Werdi: na comedic “O caminho da porta” (1862), 0 doutor Comslio convide a senhors Corlste parc arsietir © representacie do Tro vatore; no conto “Possivel © impossivel” (1887), Silvia canta ao piane & cavotine: de primeiro ato do Trovatore: no conto "Curiosidades" (1879), Carlota "Néo gostando muito do pions... postou @ deependar longas horas diante dele, c decifrar ca melhores pedacos de Verdi e Rossini": nas “Memorics péstumas de Brés Cubas" (1880) cop. XVI, a filha de Deniasceno canta ao piano Emani, Emoni, involami; e atinal. no conte “56° (1885). Bonifécie cantercla a aria Di quelle pire, Donizetti: ne conto “Questéie de vaidade" (1864), a viuva Maria Luiza conta ao pieme “as palayras daquela aria deliciosa da Favor 0 mio Fernanda, .,"; no conto “Fornando e Pememda” (1866), Madalena ¥ai ao Litico pera ouvir c Favorts; no romance "Quincos Borbas*, cap. CXXIV, Fernemda, que tem proferéncia para a misice: itclicna, canta um irécho ite talvez esta aria da Lusi: © bellaima innamorata. Ou este pedago do Barbairo: Eceo ridente in cielo Spunta I bella aurora”, (15) Ne “ustragiio Brasileira” de 4 de novembro do 1878, comentando temporada itationc, Mechedo diz: revelou-nes a imorial Aids, que of me ficon na elma". Eno “Cruzeiro” de 18 da agosto de 1878 declera que Alder & “a opera que mais caiu ne coragie fluminenea”, 15 Edoardo Bizsarri do imposto de moagem: clegeram-no. Verdi, pela sua parte, ndo se preocupou com saber se os golpes de Estade sdo convenientes, nem se h& mérito na eleigGo de dois graus; lembrou-se que é td bom italiano como o melhor dos italiemos, e aceiton, Quando teve de descer a prdtica houve seus qui- pro-quo. Assim, tretando-se uma vez do orgamento, Verdi disse que © Tratade de Villa Franca era um si-bemol, e que o conflite de Mentana foi uma ridicula surdina. O presidente con- videu-o a explicar seu pensamento; Verdi respondeu com uma frase de Nabucodonosor. A Iidlia esta convencida que cle sera melhor maestro que politico; mas sabe que é patricta endo Ihe pede mais, Boa lidlia! Aquilo é o pads artista exceléncia”. Também o teatro de prosa italiano e seus atores atrairam Machede que, como vimos, nGo se importava com a eventual transferéncia da capital, contamto continuassem no Rie de Janeiro as temporadas liricas e “os nossas tragices italiemes”. Foi grande admirador de Adelaide Ristori (16) e usando o pseudonimo de “Flatde”, durante o més de julho de 1859, fez no “Diario do Rio de Janeiro” os comentéries teatrais das seguintes pegas apresentadas pela ilustre atriz: “Pia de Tolo- mei” de Carlo Marenco, “Elisabetta regina d'Inghilterra" e “Giuditta” de Paclo Giacometti, “Suor Teresa” de Luigi Camo- letti, “La Locamdiera” de Carlo Goldoni e “Mirra” de Vittorio Alfieri, A respeite destes comentdrios, pode-se cbservar que Machado, incendicionalmente entusiasmado pelas interpreta- (16) "—Poucos vezea tem er notturesct side 10 peédiga como foi com ests cua iluatre file, MN&o te contentou com genio que Ihe den, genio superior entre os primelrca: deu-the uma figure: maravilhosamente edeptada go teatro: figura imponente, escullural, rosto severe, vox sonar e vibrate, que posme todos es tons do sentimento, desde a indignagto até a ternura”, v. nota 9. E mois adionte: “fo seu rasie o animada espelho da alma, dom supremo da orig teatral, Ume contragSo do resto, uma expressde dor alhos vale @s. vezes um discurso inteiro, e ninguem melhor que Ristori possue esse dom de fazerse entender pelo gesia cas que nde néo padem enten- dé-tq pela linque... Cade gesto, cade pesso, cade movimento revela ume tengao pldstica e dé sempre uma atitude artistiog, Ela compreende que, le, a personagem sera incomplete; mes, come é artista de seu ¢ criadera, compreende também que a atitude © a digao no teatro devem despirse de tede tom cietado ou nimicmente convencioncl, Alar a inspiragie & tradigho segredo dos grandes tolentos, a faculdade des talentos criadores. E neste sentido principalmente que Ristori 6 arlistc até & ponta dos cabelos". 16 Machado de Assis «a Italia des da Ristori (17), pouca atencGo dedica, em geral, & apre- ciagdo ¢ ao exame critico do tésto. Pera apresentar Carlo ‘Goldoni_ao leitor, limite-se a afirmar que é “com excecdo das proporgGes do génio, 0 Moliére italiano” (apreciagéio, esta, bastante comum, nequela época, entre es historiadores da literatura). Sdmente & “Mirra” de Vittoria Alfieri, como obra de poesia dramatica, Machado dedica um longo ¢ admirative exame. Muitos anos depois, uma referéncia & temporada da Ristori ¢ feita por Machado no conto “Uma por outra” (1897): © protagonista enamora-se da imegem de uma mocinha que vé de longe, & janela, ¢ explica: “Chameilhe Pia. Se me perguntares a razGo deste nome, ficardés sem resposta, fol o primeire que me lembrou, ¢ talvez porque a Ristori represen- tava entéo a Pia de Tolemei”. J4 tivemos ccaside de citar, a outro respeitc, uma apre- ciagdo de Machado cronista sébre Eleonora Duse. Entre os atores itelianos, aquele que mais impressionou Machado pa- Tece ter sido Emesio Rossi, que € mencionado em vdrics cré- nicas, também em relagdo a uma frase de Shakespeare pela qual o nosso eserifor tinha grande predilegdo ¢ da qual se serviu muitas vezes nc propria forma italiana: “Ecco il pro- (17) Obra sitada: "Nas maos de insigne italia n&o ha obra que so possa dizer inferior. Semelhanio Gquela fada de Perraull, que, 25 com a Sua pamsagem, fazia rebentar em roans arbustoe esterais, Ristori comunioa @ vide ideal G8 cends inerlos e frias: transforma os situacSes criando-lhes dele: sperndas; poe uma note da eva alma onde o autor apenas deixou um verse da sua pena: arrened efeitos que o poeta néo criou nem sonhou", p. 27; “E Ristori colaboradori obrigada nas pecas que interprets, solaboradora inteligente e inspirade, que nds 26 perscrota, entonde ¢ ro produz o pensamento do pacts, @ 0 sentimente da obra, sendo que lhos completa guande sao folhes, ou hos empresta quando sda nulos", pag. 29: “Bastaeme dizer que ouvindo © vendo Ristori sinta que se hé estilo vardadal- raments model para trdgices ¢ 0 dela, e que, sem copid-la, o que seri funesto, podem estudarso com ola as leis e es regras do eatile teatral", p, 35. A respeite de interpretagge da “Pedra” de Racine: “...jomaia a peixtio encontrou em cena mejor intérprete do que esta; nem creio que Fedra fésse nunca reproduzida come na memordvel noite de 15, que ficard sendo, parc: todos os que amam qi arte ¢ ¢ belo, aq mais elevada recordagio que é possivel conservar de teatra”, pp. 48-49. A respeito da "Mira" de Altieri: “O pablico, apesar der indiferenga pela pega, eenlia-so transporiade cada vez que a grande tnigica, com um geato ou ume polawra, atingia a regicio do sublime, ¢ enchia de cdmirapi os espirites suspensca. Eaplendide triunfo esse, que & realmente digno de quem recebeu do cfu o presligio incomperével de vencer com todaz as armas o abslar com todas as situa gGea... A Mira de Tistori e o Rei Loar de Garrick fieando sends dois oremeies triunica ac histévia dramétion modeme", pp, 59-20, qT Edoardo Bizzarri bleme™ (18). Além digso, o sucesso de Rossi no Ric é lembrado no conto “Curta histéria” (1886), com estas palavras: “A leitora ainda hd de se lembrar de Rossi, o alor Ressi, que aul nes deu tantes obras-primas do teatro inglés, francés ¢ italiane Era um hemenzarrao, que ume noite era terrivel coma Otele, outta meigo como Romeu... Aparaceu Rossi, revolucionou toda a cidade. © pai de Cecilia prometeu & familia que a Jevaria a ver o grande tragico”— MACHADO E DANTE Dante foi entre os autores preferidos por Machado de Assis, que dele fez cbjeto de estude ¢ de culte durante toda sua vida. Esta predilegio nGo pode couser estramheza se considerarmos as exigéncias estilistico-esteticas de Machado e seu intime conjuger-se com ume saverc estrutura moral; é de estremhar, ao contrdrio, nfo te-la os estudiosos devidamente sublinhada e analizada, pois basta a denuncic-la a frequéncia de citagdes demtescas, em italiano, na obra de Machado, du- rante mais de quarenta ames. A primeira citagdo de Danie, extraider de cap. XXII da “Vila Nuova", remonta, como ja vimos, co ano de 1864; as tillimas encontram-se na "Memorial de Aires”, publicado em 1908, dois meses antes do falecimento do escritor. Em conjunto, na obra de fiegGo de Machado encontramos onze citacées de Dante, © precisamente em: “Verses a Corinna” (1884), epigrefe; “Aurora sem dia” (1873); “A mao e a luva" (1874), cap. 6; “Helena” (1876), cap. 21; “O alienista” (1881); “Dem Casmurre” (1899), ccm. 128; “Esati e Jed" (1904), fron- tispicio © cap. 12; “Memorial de Aires” (1908), scb as datas de ll de foversiro ¢ de 12 de setembro de 1888. A ndo ser a citagdo da “Vite Nuova”, as outras provém de I, [I (duas), ¥ (tras) © XOCKIIL canto do Inferno, e do V, XI e XXXII canto do Purgatérie, tevelande portanto um conhecimento bastante amplo das duas primeiras partes da “Divina Comedia”. Mais doze citagdes dantescas podem ser encontradas na ebra de (18) “Eeee il problema, diria enlaticamente o finado Rossi”, net "Ga- zeta de Noticias” de 14 de junho de 1896, Hossi ¢ também mencioncdo, sempre na mesmo periédice, em 9 do junto dé 1894 (onde, a propésito de Aumleto 6 lombrade também Salvin’); em data 10 de ievereiro de 1895, ainda uma ver a reapoite do Amloto, «om 7 de junhe de 1896. 18 Machado de Assis ea Tealia Machado jornalista, e provém dos cantos III (quatro), V (cinco), XX e XXV do Inferno ¢ de XXXII do Purgatério (19), Com ou sem citegGes des verses originais, numerosas sdo na cbra de Machado cronista ¢ nartador as relerénci a Dante ¢ go seu poema: ao “meu Dante”, ao “divino Dante”, aos “versos divinos do poeta”, que ne lirica "1802-1885", asetita em ocasiéo da morte de Victor Hugo, é representade como arate o velho © grave florentino que mergulha no abismo, ¢ caminha no assombro, baixa humane ao inferno e regressa divine”. £ evidente que nem tedas as referéncias machedianas a Donte oferecem interésse especifico, Algumas tém carater pura- mente ocasional: assim, para rebater as afitrmagdes do senador Bardo de Sao Lourengo, que num discurso havia falado mel dos Poetas como homens piblices, Machado, numa erénica de 5 de junho de 1864, no “Diaric de Rio de Janeiro”, lembrer antes de mais nada o caso de Dante: “Dante, autor da Divina Co- media, foi 14 vezes embaixader da Serenissina Repiblica de Florengtr, e se 0 sou poema conquistcu a admiragéo do mundo. os seus servigos de homem piblico mereceram a consideracdo des seus conterrGnecs e a ingratidGo de sua patria” (20) Outras vezes a referéncia tem até um inocente fim humoristico, conforme o goste e a moda da epoca (21). A admiragao de Machado por Dente ndéo deixa de se manifestar, ds vézes em forma bastante peculiar. O conselheiro Aires, apdés ter observado que a reconciliagdo eterna entre dois. adversGrios eleitorais devia ser um castigo infinito, conclue: (19) Vejam-se 0 ensaio “A nova geraydo" (1879) @ as erénicas de 1 de dezembro de 1877 na “Thustragao Brasileira"; de 16 de junho de 1978 no "Cruzeiro"; da 12 de novembro de 188, 12 de jancire do 1889, 23 de agerto do 1893, 9 de junha de 1895, 26 de janeiro, 5 de julho e | de no vembra de 1896 na “Gorela do Noticias”. (20) © exempio de Dante & novaments lembrede por Machado, muitos ones depois na “Gazer de Noticias” de 25 de agosto de 1895, a respeito do amigo, diplomata © posta, Magalh&es de Azerodo: "Dante, sendo #n- baixador, deu exemple acs governos de que um homem pode escrover Protocoles e peemas, e fazer tao bern os poemas, que ainda scicm melhores que of pratocolos” (21) Veiase, a titule de exemplilicagtio, o conto “D. 876); a0 ler 9 testamento de tio, “a alma de Gaspar subiu co sélimo céu ¢ desceu parc o iiltimo cbismo, dé um lance fez toda a jomada da Dante, ao invés, fubindo ge paraizo e cainds de 14 no derredleire circulo do Inferno onde o diako the cporeceu, ndo com as tris cabagas que © posta Ihe dd, mas com pouce maie de ine dentos, que temiog posmia a ia de seu tiv’ 19 Edoardo Biszarri “NG conheso igual na Divina Comedia. Deus, quando quer ser Dante, 6 maior que Dante” (22). Em outre circunsidncia, Machado afirma: “Petrarca 6 0 bom; Dante é o dtimo” (23). Aste respeito, de particular interésse e dentro da melhor linha de humorismo machadiano é « cronica de 27 de agosto de 1893, na “Gazeta de Noticias”, da qual outressim pode-se deduzir que o nosso escritor tivesse o habilo de ler Dante antes de adormecer. Por aqueles dias falava-se muito, no Rio, de bacilos e de uma possivel epidemia de cdlera-morbus, © escritor recolhe-se em casa inquieto e indisposto. E conta: “De neite, li um pouco do Dante, « no fiz bem, porque no circulo de voluptucses, aqueles versos E come i gru van cantando ler lai, Facendo in cere di sé lunge tiga, forem a minha persegui¢éio durante o pesadelo, um terrivel pesadelo que me cometeu entre uma e duas horas”. O pesadelo, porém, fornece ¢ Machado elementos para enunciar uma neva tecria sdbre baciles. Ao lado des bacilos maus, existiriam os bons, os bacilos det satide: “Os bacilos da satide no stio sé modelos de virtudes piiblicas e privadas. Dotados de algum intelecto, asseciam-se para compor um talento ou um genio, ¢ sde eles que formam as novas idéias, discursos e livros. Hd uns poéticos, cutros craiérios, outros politicos, cutres cientistas. Dante era um homem de muitos bacilos’ Duas referérn nos oferecem elementos especificos de apreciagdo de alguns aspecies da poesia demiesca. No conto “Sé” (1885), a respeito da melancolia que se apodera do protagonist Bonifacio “quando Ihe entraram em casa as ave- marias, com o seu ar de viuvas recenles”, Machado comentc: “Essa hora eloquente ¢ profunda, que ninguem mais cantand como 0 divino Dante”. Numa crénica da “Gazelet de Noticias”, de 5 de julho de 1896, apés ter cludido & dispersda « & morte de tontes inicictivas que omteriormente haviam caracterizade @ vida artistica do Rio, acrescenta: “S6é a mtisica pode dar 4 sensago destas ruinas. O verso lambém pode, mas hd de set pola toada do flerentino, que cssim como sabe a note da moier der, nado menos conhece & da rejuvenescencia, aquela que me faz crer, nestas sensagdes de arte, (22) Em data de | de agoste de 1888, no “Memorial de Aire: (23) Wa “Hustragao Brasileira” de 4 de nuvendau de 1076, * (1908) Machada de Assis c « Italia Rifatio si, come piante novelle Rinnovellate di novella fronda..." Outre indicio significative do estudo do poema de Dante & fomecido pelo interesse que Machado poeta dispensa ao terceto e pela seguranga com 4 quel domina esta forma metrica “muito pouco usade ne poesia portuguesa, tanto tradicional, como do tempo”, conforme afirma Mario de Andrade, decla- tando ainda: “Qs nossas principeris romemticos nao me lembra agora que @ tenham praticado uma vez 36". Na producdo poetica de Machado, por ele mesmo reunida nas “Poesias completas”, enconiramos trés composigses em tercetos, bem entremeadas nos anes (© que vem confirmar a censténcia do interésse do escritor para aquela forma métrica): “No limiar”, que remonia a 1863; “Ultima Jornada” (1875), que Marie de Andrade considerou “uma des mais belas criagdes do mestre ¢ de nossa poesia"; © “José de Anchieta", publicada pela primeira vez no velume “Ocidentais", que leva a data de 1900. Enfim, temes a tradugde que Machado fez do canto XX¥ do Inferno, publicemds-a inicialmente no “Globo” de 25 de dezembro de 1874. £, fora de divides, a melhor tradugdo que Dante teve em lingua portuguesa: néo apenas pela correte: inferpretagao e pelo Tespeito 4 forma métrica original, mas também por censervar ao maximo, compativelmente com a diferente estrulura linguistica, o ritmo e o estilo de Dante. Sémente uma intima congeniclidade com o poele italiano e um demorado estudo do Poema podericem levar Machado a tao significative: fagamha. Maric de Andrade pergunta-se porque Machado teria escolhide justamente o canto XXV do Inferno, “um dos mais esquisites”, e procura uma explicagtio de carater psicolégico no humorismo amargo que informava a concepgado machadiana da vida e dos homens. De nossa parte, duvidamos que qual- quer fare literorio-artistico possa ter suas cosas efelivas fora de fenomencs exclusivemente litercric-estéticos. Em todo caso, a respeito de Machado traduter de Dante e da ditivida levantada por Mario de Andrade, duas consideragies se impdem, mais relevanies de qualquer ipoletica tentativa de explicagdo: 1) Machado néo se deixou levar pelo gosto da época e pela moda, amorrades a uma leitura episédica do poema e seduzidos sé pelos conics que apresentam grandes figuras dramédticas, escolhendo um canto sem personagem principal, sem Geonlecimentos histéricos, um des canoe menus 21 Edoardo Bizzarri conhecidos, entGo, do Inferno; 2) o canlo KXV, escolhide por Machado, deveria ser posteriormente reconhecide pela critica como um dos mais interessantes 6 complexos do Poema, devido cos problemas de técnica expressiva e de linguagem potica impostes pela ousadic da figuragGo (metamerfose de homens em cobras © viceversa). Tudo isso comprova a exisléncic, no escritor, de ume instintiva e excepcional sensibilidade esté- tica e atesta ume leitura da Divina Comedia orientada sobre- tudo por grande atengao acs problemas do estilo e da lin guagem, Ignoremnos se et tradugtio do canto XXV do Inferno tenha surgide como exercicio estilistico isolade ou se Machado tencio- nasse traduzir outros cantos da Divina Comedia, ou até enfren- tar a tradugdo do Poema inteiro. Optamos pela primeira hipo- tese, Em todo caso, tao feliz prover deu Machado come tradutor de Dante, que no é de admirar que seus amigos 0 estimulassem @ prosseguir na tarefa. Indicativas, a este respeito, sGo as palavras que se enecniram numa carta dirigida por José Veris- Simo ao nosso autor em data de 9 de julho de 1901: “—Por que eu nao hei de ser, ao menes uma hora, ditader? , Vacé- era logo apesentade com vencimentos por inteiro, uma penséo no velor do dobro, e « recomendagde de nos dar um livre por and, 45 suas memorias, contos, romances, versos, ©, se pudesse ser, & tradugdie completa de Dante" — A CULTURA ITALIANA DE MACHADO Deixende de lade Dante, a opera lirica ¢ o repertario das. eompanhias italianas de prosa, quais foram cs contates de Machado com o cultura iteliana? Na falta de qualquer estudo argdnico sébre as leituras e a biblioteca de Machado, a respesia a esic interrogagde lem que ser necessdriamente pro- viséria ¢ falha, por basear-se sémente no exame da obra do escritor e nas referéncias por esta apresentadas. Tais referén- cics, na maioria des casos, pela motivagado ou pela préprict natureza des escritos cm que aparecem. resultam pouco signi- ficativas ao fim especifico de determinar a extensGo e a profun- didede da cultura italiana de Machado. Examineme-las, con- tudo, rapidamente, pelo que possam valer. Dos contemporaneos itclianos, Machado menciona oca- siunulmenle Giosué Curducui, Cesure Canlé, Cesure Lombrosw 22 Machado de Assis ¢ a Italia © Paclo Momtegazza (24). Como presidente da Academia Brasileira de Letras, cle manteve correspondéncia com Gugliel- mo Ferrere, que em 1907 foi convidade a pronunciar algumas eonferéncias no Rio. Nenhuma referéncia, ac contrério, encon- tramos cr poasia de Manzoni que certamente nGa ignorou (a ode “Cinque Maggio” tivera naquela epoca bem cinco tradugGes em lingua portuguesa, das quais uma de D. Pedro Il), on a Foscolo, cujo carme “I sepolori" hervia sido traduzide e publicado por Luis Vicente De Simoni, no Rio (25). No “Memorial de Aires”, o desembargador Campos encontra em casa de Aguiar “ume colegéo de versos italianos", sando provdvel que se aluda &_ontelogia publicada pelo mesma De Simoni sab o titulo “Ramalhete poetics do Parnass italiano” (28). As referéncias a Pico delle Miremdela, Galileo Galilei ¢ Tomaso Campanella, néo véio além da anedotica ¢ do lugar comum: Fico é lembrade pela sua memoria predigiesa e o conhecimento das linguas; Galileo como exemplo da lutea que os inavadares tm que travar contre a incredulidade geral (27. Campanella como ulopsta politica (28). Alessandro Tassoni 4 citado, com Ariosto, nas palavras explicativas de poema herai- cémico "O almada”, mas nade indica que nosso autor tenha de fato lido “La secchia rapita". Consta, porém, que Machado teve entre as mdos um exemplar da “Storia fiorentina” de Benedetto (24) Respecti na “Gazets de Noticias” de 8 de marge de 1896, 13 de f iro de 1899, 28 de julho de 1895 (“Quemdo of médicos examiners zoram-no com Lombrose nae maoa, e acharam oF sinais que @ ilusire italiane da part se conhecor um criminosa neato"), © 27 de dezembra de 1898 . (25) “Gemidos postions sobre os timulos”. Rio de Janeiro, 142. (25) © volume foi oditada no Rio em 1843. A alusio no "Memorial de Aires" é de 4 de levercire de 1888. (27) Ne conto “Capito Mendonga” (1870): "Quem acreditou em Golileu? Quentos néio deixaram de crer em Colombe? A incredulidade de hoje 6 a sugragiio de cmanha*, Numer eriniea da "Samana Tustrada”, de 20 de cutubre de 1972, $ citado em ilslicne “o pur si muove”. Outra teferéncia a Galilei ¢ & sua abiura encontr-se na “Ilustragtio Brasileira” de Ide agosie de 1976: "Golilou teve de confessor que « tinies bola que girewa ere: e sua”. (28) cs solarics do Campanella ou ag utopistas do Morus”, om “A Serenissima Repiiblica” (1882); no didlogo “Viver* (1686) Ahasverus diz @ Frometeu: “O que tu me contas é ainda melhor que a sonho da Campa- nella"; ¢ eniim, na "Gazela de Noticias" de 1? de janeiro de 18g7: “...s leis nem sempre recebem aquela obediencia exata que ha nog sonhos de Platéio ¢ Campanella” 23 Edoardo Bizzarri Varchi, e se compraz em citer na lingua original o inicio do incriminado cap. XVI de iiltimo livro: “In quest‘onne medesimo nacque um caso..." (29) E de crer que Machade conhecesse, ao menos em parte, gs obras mais famosas de Petrarca, Boccaccio e Ariosto (30), todavia nenhuma das releréncias que podem ser encontradas na produgaoe de narrader ow do cronista fornece elementos pro- batérios de leituras diretas. Muito mais indicative, a esse res- Peito, resulta o confronte entre o episcdio ariostesco de Astolio na Lua e o conto "O pais das quimeras" (1862), reelaborado sucessivamente sob a titulo "Uma excursdo milagrosa” (1866) Sete vezes é citado o nome de Machiavelli (31); uma destas referéncias, que teremos a oportunidade de reproduzir mais adiante, demonstra que Machado tinha debaixe dos olhos, enquanto escrevia, o Ultimo capitulo do “Principe”. Depois de Dante, os poetas italianos mais caros a Ma- chado foram, sem divide, Leopardi e Tasso. A Leopardi temos apenas uma referéncia de carater quase que ocasional numa cténica da “Gazeta de Noticias” (32), mas de primordial impor- tGmcicr s&0 as declaragSes de Magelhdes de Azeredo, « quem Machade teria confessado ser Leopardi “um dos samtes da sud igreja”, ¢ que o amava “pelos versos, pela filosolia, pode ser que por alguma atinagae moral”, acrescentando “é provdvel (23) Na “Casa Velho” (1885), cap. 1. (30) Fetroroa é mencionada em quatre contoa de Machado, réncia @ poesia de amor e aos enameredos: “Possivel « impoesive “Umer aguics sem asas" (1872), “Valerio” (1874-73) e “Um erred erénicc: humoristica da “Gazeta de Noticias” de 31 de margo de 1895 (“O conto do vigdério néo ¢ propriamente o de Voltaire, Boccaccio cu Andersen, mas € conto, um canto especial, téo celebre como og outros, @ mais lucrative penhum”), ¢ pela eatrutura do “Decumeron” ne cap. XIX de “Esod S04). Quanto a Ariesto, nica referéncia interessante ¢ a que ge encanta no cap. ¥XTX de “Dom Casmurro” (1899): "Néo, a imaginagde io nd ¢ mais fertil que @ dos cricngas e des namorados” } No conto “Walerio™, 1874-75 ("a politica do ecoronel nao existe nos livres do Montesquieu nem Maquiavel"}; no dialogo “Teoria do Meda- IhGo", 1981 (“guardades as proporgées, a conversa desta noite vale ¢ Principe de Machiavelli"); ¢ nas soguintes erénicus: “Lustragic Brasileira” « 1876; “Gazeta de Noticias” de 8 de julho de 1885, de 8 de jonoiro de 1899 (“grande Nicolau"), de 28 de margo de 1893 « de 4 de mango de 1896, (32) Ne "Gazotz de Noticias” de 3 de novembro de 1894, a propésito do velume “Versos” de Julia Cerlines; "Nao & sem rozdo que Julia Cortines troduz, a pag. $4, um comte de Leopardi, A alma desta moca tem uma corda dorida de Lespardi", Fz) Machade de Assis oa Italia que eu também tenha a minha coreundinha”, Ecos leopardia- nos, principalmente das “Operelte morali", podem ser identifi- sados em varias paginas de Machado, sobratude no cap. VII das "Memorias postumas de Erés Cubas” (1881) e no dialago “Viver” (1886). Bastante significativa no que diz respeito & admiragéo de Machado por Tasso, é a primeira referéncie: que encontramos go poeta. Temos que recuar até 1863, quando 0 nosso escritor tinha apenas vinte e quatro anos. Num ertige publicado na “Revista Dramatics" de ] de setombro daquele ano, por ocasiGo da morte de JoGe Caetano, Machado faz uma melancolica com- Pporagdo entre a caducidade da arle do interprete ¢ a perma- néneia des criagdes da poesia, da escultura, da pintura e da muisiog, que aparecem exemplilicadas por meio de um de sous mésimos representantes; Gs geragdes luturas — afirma o jevem escritor — do grande ater chega apenas o nome e a testemunho dos contemporaneos, enquante “o poema, 4 estatua, @ tela, © partitura levarao aos olhos e ac ceragdo des vindouros a alma e o genio de Tasso, Canova, Rafael ou Mozart" — Desta predilegGo por Tasso, uma confirmagdo mais im portemte do que as vétias referéncias encontradas nos escritos de Machado (33), é oferecida por um curiose episédio biogrdtica. Ciente da admiragée de Machado para o poeta da “Gerusa- lemme Liberata", Joaquim Nabuco, achondo-se em misséo di- plomatica em Roma, no fim de 1904, teve a idéia de pedir ao “sindaco” da cidade eterna, Pompeo Colennelli, um ramo do carvalho de Tasso, e organizou com Graga Aranha ume entree que se realizou, em sesstio solene da Academia, em 10 de agosto de 1905, Lembranga e homenagem comoveram profun- damente Machado, que conservou o ramo e 4 carta que o acompanhava, como verdadeira reliquia. No inicio de 1908 (33) No conte “O pai" (1866), a velho poeta "tinks dois livres: Biblia © Tasso"; no conto “A mulher de preio” (1B6H), 0 pont Olivoira, inlerpretando © abrago de Esteviie como elogio para og sous verso, esta para se Iongar num discurso com a faze "Se Torquato Tasso..“, quando $ intarrompido: no cap, Vil de "A méo ec luva" (1874), diz o aulor de Guiomer que “ela teria, se quizesse, a arte de Amida”; no cap, TM de “laid Garcia" (1878), onde so esclarece que o orgulho de Estel “er uma forga, nao um wicio ~~ era sou broquel de diamante — o que a preservaya do mal, como o anjo de Tasso detendic os cidades castes @ sanlas"; no conta “A inglasinher Barcelos” (J884}: “Perdaai « banalidade de encontro e de Inger; néo ves hei de inventar un palacio de Armids, nem a prépria Armida”. Enfim, clusoes ao palacie © cos jardins de Armida encontamse numa note semanal de “O Cruzeiro”, de 90 de junhe de 1878, « mune crénica em verses da “Gazeta de Noticias", de 21 de dezembro de 1886. Edoardo Diszarri comegou a preocupar-se com o destina do rame depois de sua morte, ¢ em carta datada § de maic de 1908 informa Joaquim Webuco: “Escreve ac Mario de Alencar pedindelhe que venha é minha casa, quando eu morrer, e leve aquele galho de carvalho de Tasse que V. me mandou e o Graga me entregou em sessdo da Academic. A caixa em que esta com o docu- mente que o autentica e a suc carta ae Graga, peco ao Mario que os transmita & Academia, a fim de que esta os conserve, come lembrenca de nés trés: Voc, o Graga e eu". De fato, poudes dias antes, Machado tinha escrito a este respeito a Mario de Alencar, ¢ naquela carla, de 25 de abril, indicera o ramo de carvalho de Tasso como “uma das melhores reliquias de minha vida literdria”. Sébre o assunte voltaré em outra carte dirigida a Joctquim Nebuco em 28 de junho dacuele mesme ano: 4 dispus as coisas em maneira que a caixa e o ramo, com duds cartas que og acompanhami, passem a ser depositados na Academic, quando eu morrer; confiei isto ao Mario de Alencar". Este desempenhou-se pontualmente da incum- béneia, e ainda hoje o famoso galho 6 guardado na sede da Acade MACHADO E O5 ITALIANOS Parte diminule, podemos mesmo dizer insignificemte, tam og italianes na obra nerativa de Machado, © tnico que pode ser qualifiesde como personagem, ainda que episédico, 6 o welho tener Marcolini, em “Dom Coasmurro”, que apés um jantar regado a muito Chianti expde uma sud teoria, pela qual “a vida & uma opera” (35). Nos outros casos (poucos), temos sdmente algumas rapidas referéncias: @ mascate que vendeu um espelhinho de pataca a Dom Casmurro (36), um cabeleireiro (37), um menino que vende bilhetes de loteria (38), dois escul- (25) “Ta. odo tinha vor, mas telmava om dizer que «tinh, —O desusc que me faz mol — acrescenlave, Sempre qué uma companhie nova: chegeva da Europa, ia co emprescrio @ expunhe-lhe todas os injustiqas dat terra @ do céu; © empresdtio comelia mais uma, © ele scia a bradar contra ct iniquidade". Em “Dom Casmurro”, exp, IX. (36) Em “Dom Cosmurre*, cap. 30001 (37) Em "Memérics péstumer de Bras Cubas”, cop, 200: “Para the dizer a verdade toda, ou relletia as opiniGes de um cabeleiretro, que achei em Madena, e que so dislinguic por néo as ter cbsolutemnte. Era a Hor doa cabeleireins; por mais demorada que fosso a operagia de tou- eado, no snladava nunca; olo inlercolewe ae penteadelas com muitos ates = pulhas, cheios de um pico, de um saber... Néo tinha outra filo- sofia”, 26 Machado de Assis ¢ a Iealia tores de cemiterio (38) e dois religiosos (que je tivemas epor tunidade de mencionar), representando simplesmente um re- flexo da crémica do Rio de Janeiro, Em compensagao, é frequente a presenga dos ilalianos nas crénicas de Machado: desde os contores, atores e empre- saries a todo genera de espeidculo, circo inclusive; desde os engraxales, que umd disposigdo do preteite havia praibide de trabalhar nas calgadas (40) ac atleta Battaglia, cue parece ter sido (sem muita sorte, alids) o introdutor no Brasil da luia grego-romana (41); desde os anarquisias, a cuja pregagdo Ma- chade alude citemdo diretamente em italiano o mote “chi non lavora non mangia” (42) ao caso de um grupo de calabreses que, engajades para trabalhar numa estrada de ferro, estando com os pagamentes alrasades, perderam a paciéncia e em Aiurucca tramsformaram em reiens um engenheiro e um empreendedor (43); desde um excentrico testador como o senhor (38) No conte “O escrivéo Coimbra” (1907), Guimardies relate como ganhou na loteria: “Née foi por meu esforgo nem desejo... néio costumava, comprar, ¢ daquela vez quase quebro a cubega ao pequeno que me queric vender o bilhete; ers um italicno. Guordate, signore, linplomava ele meten- do-me o bilhete na cere, Cansada de ralhar, entrei no coredor ¢ comprei 6 bilhete*. (33) Reapectivamente no conto “Cousas intiman” (1884). onde o pro. tagonista monde levantar ae coronel Felisberto um timule "toda de mérmore, obra de um napolilans que aqui esteve aié 1866, e foi morrer, crele eu, ne Poraguai”. 6 no conto “Um quarle de século” (1893), onde Tomds, quando motre c esposa Raquel, “deu-lhe um mausoleu rico e belo, cbra de um eseultor italione”. (40) _E curiozo, a esse rospeite, o comentdrio de Machado na “Gazeta de Noticias de B de janeiro de 1893: “Os itolianes, patricios do grande Nicslew, tém o maguiavelismo de a cumprir (q lei) sem perder, Foram-se, levemde as eadeincs de brayos, onde o froqués se senteva, cnquanto lhe engrdxavam os sapates; levaram também as escovas da groxa, e mais eacova portculor que tronamitia a posire das calgas de um iregués és ealgas do outro — tudo por dois vinlens.., Mas aqui esté que cles se fines: os filhos, introdutores do usa de engraxar sapator ao ar livre, jé sairam & ruct com ci odixets da costae, « sorvir os neceasjlades, Indo pouco & pouco estacionamdo: depois indo of pais, ¢, quande so iér embora 6 Brefelto, tornardo @ ruct as cadeiras de brages, as coixas das furcas © © Teste”, 41) Duas crénicas no "Cruzeiro", respectivamente de 25 de ag: do | de setembro de 1878, alam na curloss figure: do “prolessor Battagl (42) Na “Gazeta de Noticias" de 4 de dezombro de 1892 (43) Nei “Gazeta de Noticias” de 20 de nowembro de 1892, Edoarda Riszarri Luiz Sacchi (44), ao medico obstetrico Abel Parente (45) que ganhou enerme publicidade cnunciando ter descoberto um proceso inacuo para esterilizar as mulheres, Desfilam nessas crénicas, epis6dias e acontecimentes de toda espécic, forne- cendo amiude materia ¢ mative de amenos comentdrios; sendo interessemte notar como Machado, tradicionalmente sarecstico e amargo em suas notagdes, tem, ao contrério, um fom de constante simpatia quando fala de homens ou coisas que de qualquer meneira se relacionem com « Italic (48). Deixande de lado as vérias e muitas vézes curiosas cita- gées que podem ser encontradas a este respeito, consideremos (44) Na “Ilustragiio Brasileine" de 1 de ageate de 1876; “NGo conheci Luiz Sacchi; Ii, porém, 0 testamento que cle deizou e os jemsis deram lume. Ali diz @ finado que seu compe deve ir em ride para o comitério, leverdo por sous eserves, e que na sepultura hé de se Ihe gravor este epildlio: Aqui jaz Luiz Sacchi que pela suc sorte fol original om vida quis sla depois da sua morte". : “Gort distol fi morte é coisa ido geralmente triste, que nfo sn pende nada em que alquma vez cpareg: olegre. Luiz Sacehi nao quiz tomer do seu passamento um quinte ato de tragédia, uma coiss lagubre, ebriqnda a@songue e Iégrimas Era vulgor; cle queria separar-sn do wulgo. Que fez? Inventou um epitdtic, talver pretencicso, man jovial. Dogole dividiu a fortuna entre os eacraves, doizou a resis aos parentes, embrulheuse na ride e foi dormir no cemiterio. “Nao direi que hajo profunda originnlidade neste modo de retirai-se do munds. Mas, om . cf intengie $ que salva, @ se 0 reino dos ofus também # dea originals, 1é deve estar o teslador italiano”. (45) © ense provocou muita coleumer no Tio. Machado se relere a ‘Abel Parente em ins crénican da “Gazeta de Noticias", respectivamente de 1? de fevereiro de 1893, 2 de margo da mesma ano & 26 de joneiro de 1886. Nesta Gitime esereve: “Ninguém esquecen ainda a famosa discusséio que aqui hé once 20 traveu, telativamente & esterilizagio da mulher pelo gistema do dr Abs) Porenle. Lustres profisgionaiz atacorem e defenderam S nosso hoapede, com tal brilhe, calor e evidéncia, que ora dificil adotar ume: gpinido, sem ficar olkando para c ouira com saudade,,. Malions, patrisio de Dorie, & provéel que o dr. Abel Parente hoje dividide a clinica de parleiro ¢ eMterilizador entre dois veracs do poeta, dizende @ uns embridos: Lasciate ogni speranac, vol ch'entrate; — © a outros embriées: Venite ¢ m parler, ‘altri not niga”. 46) Indicativo, entro muites, a este respeito @ comentdria que apa receu na "Gazeta ‘de Noticias" de § de marga de 1899 a propasito do discurso proferide a rospeito dat instrugdo piiblica pele sr. Capelli, na Cémara Municipal do Rio: "Outro pento alegre do discuria & 2 que trala det haces. sidade de ensinar ¢ Knouar italiana, fundande-se em que a eelenia staliana aqui & numercoa © creacento, a ospolheree por todo o interior, Paroco qué a conclusdo devia set © contrétio; ndo ensinar ilalicne so povo, antes onsiner 4 nessa lingua aos italianes. Mas... desde que faz com que o pove poss ouvir as operst sem libreto na meo, € um progresso”. 28 Machado de Assis 0 a Italia duas crénicas que oferecom perticular interesse como docu- mento da atitude de Machado diante do problema imigratério em geral ¢, de modo especifico, em relagao & imigragdo italiana. A primeira, publicada na "Gazeta de Noticias” de 27 de setem- bro de 1896, contém ao mesme tempo uma importante alusdo: a8 amnizades italianas de Machado. Relerindo-se & carta de um industrial norte-americemo que, para o bem do Brasil, recomen- deve “bragos ¢ temer de Deus”, Machade observe: "QO segundo 6 preocupagao angle-saxonia, que nao entra fundo em almas Ieatinas ou clatinedes. Quanto cos bragos, era eu pequena, e, apesar da vasia eseravatura que havic, j& se chorava por eles. Muitos tinham sido j& chamados 6 fixades. Vieram depois mais e mais, até que viram muitos @ muitos. Os alemées enchiam o sul; italianos esto chegendo sos magotes, ¢ se a ultimer questo alrouxou um pouco a impor- tagdo, n&o tarda que esta continue « a quesiée acabe. Eo que se espera do ministro novo, Sr. De Martine (47). Que ha ja muito itelione, 6 verdeade; mas esta raga é facil de ser assimilada, e trabalha e prospera. Tive amigos que vinham dela, ¢ tu também, e ai os he que ndo vem de outra origem. “Agora mesmo ougo cantar um pdssaro e, se ndo me engano, canta italiano. Também os hé que cemtam alemdo; Lulu Junicr acha que a musica desta segunda casta é melhor que a daquela. Eu creio que todos os pdssaros so pdssaros @ todos os cantos sGo bonites, contemto que nde sejam feios. ‘© que n@o quero é que se negue ao alemde o direito de ser cantade. A lingua que ora ougo ao passaro é, como digo, a italiana, e por pouco parece-me Carlos Gomes, Fis ai um que liqou bem os dois paises, as duas histérias e jd agora as duas soudades...” — interessante notar como Carlos Gomes — cuja morte havia ocorride poucos dias cmtes, em Belém de Pard — seja visto e indicada por Machado coma expresso ativa da uniao entre os dois paises ¢ as duas histérias. Sobre o mesmo motivo Machado volia, sempre na “Gazeta de Noticias", em 18 de outubro daquele ano, revelando ademais, a respeito do feno- mone imigralérie, uma visGo verdadeiramente surpreendente para uma época tao cheia de preconceites nacionalistas. (47) Ea famoaa questa dos Protecolos, aque de lato foi sclicionada hoquele ono, com o acérde Da Martine Cerqueira. 2» Edoardo Bizzarri Noticias clarmantes a respeito de um recrudescer da febre amarela, fezem com que diminua o afluxe de imigremtes portuguéses e alemdes. Sémente os italiamos continuam a chegar em massa, mantendo o primeiro lugar nas estatisticas e@ fazendo proqnosticar a alguns afoites que os ifelianes aca- bardo por absorver cs brasileiras (48). “Eu n@o don [é a tais pregnosticos” declara Machado, @ logo ccrescenta, com notével clarividéncia: “mas quando italianos nos absorvessem, seriam outros, ndo seriam j& os mesmes. Hé af na praca um napolitano grave, influente, girands com capitais grossos, velha como os itelicmos velhos, gue orgam pela dura velhice de Crispi e de Farani (49). Pois sse homem viu-g muilas vezes locar realejo na rua, simples napolitano, recebendo no chapéu o que entdo se pageva, que era um reles vintém ou dois. Tinha eu sete parc cito anes; facam a conta. WGo perguntar-lhe agora se quer ser outra evisa mais que brasileiro, se nGo da gema, ao menos da clara. “A propésito de realaje nepolitemo, If que em uma das levas de Genova para ct veio come agricultor um bariteno. Ele, e um mestre de musica, perguntando-se-lhes o que vinham fazer ao Brasil, parece que responderam ser este pals grande ¢ o& enriqueceram todes: “Por que ndo enriqueceremos nés' concluiram. Nae het que censurar. A voz pode levar t&o lenge como a manivela. Demais, a terra é de miisica, e a miisica éde todas as artes aquela que mais nos fala & alma nacional. Um beritono, com boa voz e arte castigada, pode muito bem enriquecer —- ou, pelo menos, viver & larga. Tanto ou mais ainda um tenor ¢ um soprano. Nem 6 de café vive o homem, mas também da palavra de Verdi e de Carlos Gomes”. (48) Os clarmistas © os receloses dar imigragtio italiana 2c lortemente etcomecides numa crénics da “Gazeta de Noticias” de 12 do fevereiro de 1893. QO autor imagina ter merrido; chege ao Cu @ conversa com Sio Pedro, que the perqunta como & que tontas alma vollam do Brasil anles Ginda de se poderom incorporar, Machado pense que isso seja devide ao processo de estarilizapéa do famoso médico Abel Parente. e Sco Pedro sporgunts — Qual o fim do proceso esterilizeder? — Politico. Diminuir a populagis brasileira, & proporgae que a italiana vai entrando; ideia de Crispi, accita por Gioliti, confiada a Abel... — Crispi jot eempra tenebrcas. = NGe diqo que no; mos, em sume, hé um fim pelftics, « os fins politicos 5&0 sempre clevades”. (49) Cesore Farani, aqui lombrado. ao lado do estadista iciliona, era simploamonte @ propristério de uma conhscida joalhoria de contro do Ris 30 Machado de Assis e a Italia Depois de uma digressdc acerca dos possiveis efeitos do canto s6bre o desenvolvimento e a produgGo das plantas de eaté (com referéncia obrigatéria & fébula de Orfeu), e apés ter lembrado, a propésite das execuias de Carles Gomes, os tempos i distantes dos exordios do Maestro, Machado conclue: -Voltemos & lidlia e aos seus cantores. Que venham. eles, beritonos e tenores, e nos trarao, além da misiea que ste pove ame sébre todas as coisas, as préprias meledias do nosso maestro, e assim incluiremos um artigo no acordo que ela esté celebrande com 9 governo brasileiro, porventura mais vive @ néo disputade. Também ele amou a Carlos Gomes, nao por patriotismo, que nGo era caso disso, mas por arte pura”. O acerds foi assinedo pouce depois, ¢ até hole muites suiros acordos foram assinados entre a Itdlia e o Brasil; mas. na reclidade o inice artigo que tenha funcienade e continue @ funcioner ininterruplamente é aquele nao escrito, ndo dis- cutido © ndo codificade, em que Machado de Assis — com ume clorividéncia ainda mais singular, considerando-se a situagGo do momento — via operantes e ativas a unido e a colaboracao entre os dois paises, © AMOR DE MACHADO PELA ITALIA Todavia, Machade amou a Itélia nao sémente por ser “terra da miisica ¢ dos mestres” (50), ndo sé “por arte pura”: amou também a liélia dos patriotas, e amou-a, podemes dizer, come patricia. Na poesia “A Itdlia”. que Machado escreveu e publicou quando ainda nao tinha vinte anos, pouce antes do infcio da segunda guerra da independancie, enconiramos nao sé 0 entusiasme de um jovem romantica, mas acentos, motives & © mesmo repertorio de referéncias e imagens da peesia patrio- ties italiana do primeire Ressurgimento; o que vem confirmar a ipotese de ligagdes e contatos de Machade adolescente com exilades @ liberais italianos. Corto & que stmente de uma intima participagde aes idoais © ao esptrite do Ressurgimento, poderia nascer a imagem mezziniane que Machado emprega no cap. XXII das “Memorias péstumas de Bras Cubes", quamde fala da “Velha Europa, que (50) A exprtssdio rocorre numa créniea de Machado no “Didrio do Rio de Jomeire” da 1 da nnwemben dae 161 31 Edoardo Rizzarri nesse tempo parecia remecar”. E é igualmente ceric que tal parlicipagtio teve raizes to profundas no coragae do adeles- cente, que o decorrer posterior da vida, com suas desilusées inevitéveis e suas rentincias, nunca conseguira destruir aquele emor ¢ cquéle entusiasmo juvenis, des quais encontraremos, nos momentos mais inesperados, as mais surpreendentes ma- nifestagdes, Numerosos sGo os teslemunhes do interesse de Machado pelos acontecimentes relatives & unificagao da Iidlia, e Rai- mundo Magalhdes Ir. j¢ os assinalon, em sua majoria, ne artiga acima citado. Em 18 de outubro de 1861, no “Diérie do Rio de Janeiro”, Machado protesia veomentemente porque foi recu- sada qos italiomes residentes no Rio a necessdria autorizago para uma missa em sulragio & alma de Cavour: “£ bonito isto? Pode ser; eu acho que ndo serve & igreja, nem ao pontifice, nem ao império. Queremes passar por civilizades e toleranies, e darmos destas amestras de fanatisme e de ctiraso, é colocarmos uma montanha no caminho que pretendemos atravessar” No mesme jornal, em data de 25 de novembro e 1 de dezembro de 1861, Machado comente e ridiculariza a meneira de se compertar do governo imperial brasileiro, que, apés ter reconhecido com louvavel solicitude o novo reino, da Itdlia, procura justificar o ato com consideragGes “que nGo respiravem adignidade nem estavam revestidas da légica que deve assistir aos ates de um governo livre”. Parlicularmente importante € a primeira crénica. “A opinidio piblica — escreve Machado — havia ccolhide com eniusiasme a unificagGo da Itdlia; 0 go- yerno acaba de reconhecer com prazer (a sublinha é do testo) @ sem delongas acintoses o novo reino ilaliome”. Enfim, antes de uma giabertina enunciagte da missao da Itdlia, sébre a qual teremos a oportunidade de voliar mais adiante, Machado trage: um paralele significative entre os dois Paises: “A Itdlia assenta hoje a sua existéncia politica nas mesmas bases da nossa; uniu-se para ser a Itélia, e escolheu o governo que achou melhor, como o imperio se uniu pare ser império, e como escolheu por urd revalug 9 © governo que achou mais com- palivel consigo e com os lempos”. Quando © periédica “Cruz” publicou parte de uma clo- cugéio do arcebispa de [ablin contra Goribaldi — acusade de ter tido “uma carreira Je roubo, de perfidia, de violéncias e de revolugdo” ¢ de ter conquistede vitorias sé “quando os seus aniagonistas foram oc mprades para se submeterem a éle" — Machado, ne “Diério 3+ Rie de Jeneirn” de 17 de julho de 32 Machado de Assis ¢ @ Italia 1864, divertiu-se & vontade em pér em ridiculo o periddica teligicso e o impulsive orcebispo, concluindo: “Que mais? Garibaldi sé venceu quando os seus antagonistas foram com- prados, e os seus antagonistas, isto 6, os que sGo os amigas do papa ¢ do sacerdocio catélico, os que néo tinham cerreira de perfidia, esses deixaram-se comprar, {rairam a causa ponti- fieia, fizeram uma carreira de perlidiac, Pode ser que esta linguagem dé a medida de um bispo modelo; mas, com cer- teza, néo dé a idéia de um cristéo piedeso, ¢ menos de um bispo Iégico, ¢ menos de um bispo reconhecide, ¢ segundo me parece, néo é dado, nem mesmo a um bispo, divorciar-se da légica e da gratidao” Da mesma memeira, a mog&o de dois deputades da Cémara provincial de Niteroi “acérea o escémdalo de que foi vitima o Santo Padre”, forneceré a Machado motive para uma erénica humeristica, na “Semana Ilustrada” de 22 de outubro de 1871, a respeito dos perigos de um eventual conflito entre a lidlia e a provincia do Rie de Janeiro (51) (51) “Facapames de heal AK ao pé de nds, @ vinto minutos de viegem, oli net formesa Niteroi, esteve ha dias prestes a romper uma guema terrivel — uma guerra entre a provincia do Rio de Janeiro e a Hdlia, Dois deputados provinciais propuserem que a cssembléia, em nome da provincia, protestasse “contra o excrmdale de que é vitima o Santo Padre", que esté sendo “acometide ineolitel ¢ troigoeizamenta em seus direitea incon testdveis", e cuja posigia "4 nimiomente precéria, injuste, inqualificeével, vexatéria © atentatéria, etc.” Isto @ declarar quorra & Itélia, creio que er uma _é & mesma coisa, Pore sustentor 9 seu ultimatum fez o Sr. padre Alves des Santos um discurao, no longo, mas entremeado de qpartas, com que os cous colegas lhe iam cortende desapiedosamente as asc, © melhor, porém, aquilo em que o Sr. padre Alves dos Santos me perecou abjurar dos prineiplos de neasa Igraja, foi um eperte que deu ao Sr, Matiosa Pikeiro, Dizia este colega: — A conquiste do territério romans nada tem com a religide catéliea, apostélica, romance, porque, se o Papa sai de Roma, néo se perderd o catolicieme. Acode o Sr, Alves dos Santos: Eaté multo enqanadol © divine Cristo, que pensaréa tu ao ouvir esta resposta? Disioe uma necedade quando cfirmavas que contra a tug Iorsia n&o prevaleceriom os portas do infemo. Estavas em era, meu divino Cristo. A forga de tua Igreja née vem da tua doutrine, vem de clguns quilometres de tertilério. © catolicisme em Roma vale tudo; se o puzessem em Jerusalem, no valia nada, Verité on dopd, erreur en dela, Vitor Manuel deixou ainda uma parte da cidade ao Santo Padre; é Por issu yue existe @ Tgrele, Se ele oman! o expalsasse de ld, acabave-se 33 oti Edoardo Bizzarri Enfim, net segéo mensal que Machado mantinha entéo na “Ilustragdo Brasileira”, com o titulo de “Histéria des trinta dias", em fevereiro de 1878, podic-se ler a sequinte neta, que parece oferecer nova e implicita confirmagGo dos contatos entre Machado ¢ elementos liberais da colctividade italiema do Rio: “A colonia italiana nesta Corte vai celebrer uma sesséio funebre em honra de Vitor Manuel, o extinto rei cavalheire. Essa manifestagao de saudade e de adesdo é digna dela e do ilustre principe. Vitor Manuel pertence jé & histéria. O futuro julgaré os aconlecimentos de que ele {ci contro e ban- deira. Quaisquer que ssjem os opinides politicas des contem- Forfmeos ou des posteros, ninguem Ihe negard qualidades notdveis e préprias do chefe de uma grande nagGo. A digna colonia italiana do Rio de Janeiro corresponderd, estamos certos, & ilusire memoria e & gremdeza de sua patria”. Endo sé & Itdlia romantica dos épicos leites do Ressur- gimento, mas @ Iiélia como nagao nova, com os seus problemas @ as suas dificuldades, se voliam o interesse e o afeto de Ma- chado. © mote do manifesto albertino de 1848, “I'Itélia fara da sé" — mote particularmente caro « Machado cue o cite mais de uma vez (52) — aparece numa erénica da “Gazeta de Noticias” da 3 de dezembro de 1695 proposto coma exemplo para o Brasil: “Basta oplicar a nés o lema italicne: Brasilia ford da sé", Em ouira circunst€ncia, ao ironizar a respeito da memia de citer a tode instemte a “eitté eterna”, Machado su- © catolicisme. Vitor Manuel dave cubo da obra de Jestis; podia mais que 9 inferno. Emm trocor mitides, 4 cr opinidic de daputado fluminense. E escusade dizer que todo o outélica, ¢ 0 proprio deputado se refletir no dito, deve repelir ta singular opinide, Em todo caso, ainda que o oradsr fivesse razio, nfo era motive para que ¢ essembléia provincial rempesse as relagées (que née tam) com a Nélia, O sr. Vieita Suto acudiu a tempo, deskastemelo a mogSo inicial com uma emenda que nada compromete, e assim ficou encerrade o inci- dente”. (52) Numa eréniex do “TlustragGo Brasileira", de 15 de agdsto de 1976, a respeito de um amigo que & um verdadoiro manual de conversagio, diz: “Ivar de cor a frase com que ha do cortejar o ministre de lidlia © © chele da delegugao pantilicia. Ao primeiro dird: Itdlic ford da sé. Ao segundo: Super hone potram Numa créniec da "Gazele de Noticias" de eae) outubro de 1894, tamoa cutra cdaptagdo do lema albertine: “o silencio dee 36". cry Machado de Assis © @ Italia blinhdéra: “ndo a moderna, mas a outra” ($3). Num artigo da “Gazeta de Noticias" de 28 de outubro de 1898, apés ter lem- bradeo as modas que foram se sucedendo na eloguéncia parla- mentar e politica brasileira (primeiro, a moda da Franga reve- luciondria, depois aquela da Franga constitucionclista, e por iiltimo a da Inglaterra), sai com esta curiosa afirmagiio: “Pais bem, aposentemos agora o Inglaterra; adotemes a Iiélia®. Enfim, quando chegou ao Rio a noticia da derrota de Adua, Machado escreveu, sob o impacto do momento, na “Gazeta de Noticias” de 8 de marco de 1896 a seguinte pagina: “Ne tempo do romantismo, quando 0 nosso Alvares de Azevedo cantava, repleto de Byron ¢ Musset A Itélial sempre a Itélia deliranie! E os ardentes saraus e as noites belas! a lidlic era um composto de Estados minusculos, convidando ao cmor @ & poesia, sem embargo da prisdia em que pudessem cair alguns liberais. Hd livros que ndo se escreveriam sem essa divisdo politica, a Charireuse de Parme, por exemplo; mal se ode conceber aquele conde Mosca sendo sondo ministra de Eresic [¥ de Parma. © ministra Crispi ndo teria tempo nem gosto de ir namorar no Seala de Mildo a duquesa de Sans verino, Era assim parcelada que nds, os rapazes anteriores & triplice clionga e apenas contemporanees de Cavour, imagina- vamos a Iiélia passeavames por cla. “Agora a Itélia @ um grande reino que jé néo lela a poelas, apesar do seu Carducci, mas a politicos e economisias, @ entra a ferro e foge pela Arica, como as demais poténcias europeias. © grande desastre desta semana, se foi sentido por todos os amigos da Itdlia, é também prova certa de que a civilizagao nao é um passeio, e para vencer o préximo impe- rador da Etiopia é necessdrio haver muita constémcia e muiter (53) Na “Semana Tusirada” de 3 de novembro de 1872. Vivissime, quese veligieso, [oi 9 culto que Machado dedicou ao munde clssica (ace 55 anos comegou a estudar 0 grega). Joaquim Nabuco, sabedor disso, lhe Ireuxe como presente um pedaco de mérmore sublmaido do Forum romano. T interessante lembror a esse respeito © que Machade escreveu na “Gazeta de Noticias” de 19 de maio de 1895: “Possuo um podacinho de muro antigo de Roma, que me trouxe um des nossos homens de fino espirite e provado talento, Quando hé multe agilagéo em velia de mim, vou & gaveter onde tenho um repcaitério de curiosidades, @ pego neste pedago de raina; 6 a minha paz ea minha alegria. Orgulhoss por ter um pedago de Roma na gawete, digo-the: “Cascalko velho, dé-me noticias das tuas facySea antigas”. Ao qua dle rocpends que houve aletivemente grandes hutas. 35 Edoarde Bizzarri forga. Os italianos mostraram essa mesma opiniGo dando com ‘Crispi em terra — por quantos meses? Eis o que sé nos pode dizer o cabo, em alguma bela manhd, ou bela tarde, se a Noficia se antecipor Gs outras folhas. Quanto & guerra, é certo que continuard ¢ o mesmo ardor com que o povo derribou Crispi saudard a vitéria préxima e maicrmente a delinitiva. Cumpra-se 0 que dizia o poeta naqueles verscs com que Machiavelli fecha o seu livro mais celebre: Che Vantico valore Nellitalici cor non € ancor morte”. Um nacionalista italiano diticilmente poderia ter escrito com maior ardor ¢ entusiasma; e o fate resulta tanto mais ex- pressive, quande se considera que em relacdo a outras nagSes Machado sempre se demonstrou decididamenta contrario 6 hostil a toda forma de colonialismo e de imperialismo. © MITO DA ITALIA EM MACHADO Este amor profundo e tenaz pela Itdlia, essa parcialidade © constante simpatia pelas coisas italioes, aparecem ainda mais surpreendenies co lembratmes as circunstémcias da vida de Machado, e sobretuda o fato de que © grande escritor nunca viu a Itélia a nao ser com os olhes da imaginagde, Ele nunca sciu do Brasil, alids, nem secuer deixou o Rio, a nGe ser ora uma_curta temporada em Nova Friburgo. £ talvez, na literatura de qualquer pais, o escritor que menos tenha vigjade. Os passeios pela lidlia, dos quais Machado fala no trecho cacima citado, foram apenas sonhe de adolescente, E sonho ficaram durante toda a vida do escritor. Numa crénica de 10 de julho de 1864, no “Diario do Rio de Janeiro”, assinclendo um livre de viegens de uma senhora brasileira, intitulade “Trois ans en Italie", comenta: “Tres anos na ltdlia devem ser um verdadeira sonho de poota”. E aquele sonho se projeta nes rapidas indicagées acerca da viagem de Bras Cubas, no cap. XXII das “Meméricas péstumas" (54), e na descrigGe da viagem de Tito, no conto “Linha rela e linha curva” (1865): (54) “Wao, ndio direi que assisi 3 clvoradas do romantismo, que tomibéin eu ful fazer poesia efectiva no regago da lélic; no direi coisa nenhuma... Notese que eu estava em Weneza, ainda rescendente acs verses de lord Byron; Id slave, mergulhodo em pleno sonho, revivendo 0 protarito, crendo-ma na Seroniscima Reptblica. T verdade; uma vez acon- foceu pergualar co lovundeiro ae ¢ doge ia a pusasio nesse dia. —Que dege, 36 Machado de Assis ¢ a Malia “Passou é Itdlie @ levantou o espirito & altura das re cordagées da arte cléssiea. Viu a sombra de Dante nas ruas de Florenga; viu as clmas dos doges pairando seudosas sSbre as dguas do mar Adriatico; a tera de Rafael, de Virgilio e Miguel Angelo foi para ele uma fonte viva de recordagdes do passade e de impressées para o futuro” Mas, afinal, quais as raizes e as origens deste amor pela Itélia, née elimentado por um conhecimento direte do pais, e que vimios expressar-se em formas ¢ em setores t&o diversos, do clima de sono & visdo histérica, do cantato humano ao interesse cultural, do problema politico ao fenomena sociolégico? Uma oportuna indicagGo nos é oferecida pelo préprio Machado, numa carta dirigida em 20 de abril de 1908 a Joacuim Nabuco, que de Roma haviclhe mendado uma fotogralia onde apare ciam também og comuns amigos Graga Aranha e Magathaes de Aseredo (65): sinto nde ester lé& também, pisondo a terra: amas- sada de tantos séculos de histéria do mundo. Eu, meu caro Nabuco, tenho ainda aquele gosto da mocidade, & qual os poelas romanticos ensinaram a amar a Itdlia; amor platonico ® remoto, j4 agora lembranga apenas”. Chegados a esse ponto, ndo pareceré arbitrério atirmar que esie amor pela Itdlia tem suas reizes na adolescéncia de Machada, justamente no periods de formagao do homem e do escritor; sendo, em certo sentido, a expressdo de um verdadeiro @ préprio mito da adolescdncia. No Iidlia — que os poelas do tempo opresentavam como sendo a terra romantica por exceléncia — Machado adolescente reuniu a suma dos valores do ideal romantics, que nao era somente impeto de sentimentos, sugestées de tumulos e de memérias, evasGes no sonho, mas também e sobretudo reivindicagdes da alma e da vontade popular, afirmagéo de um principio de liberdade coleliva ¢ de dignidade individual, f ilimitada nas possibilidades de aperfeigoamente do homem. signer mio? Cai em mim, mas no confessoi a iusto; disse inh pergunta era um genero de charada americana: ele rm presnder,¢ ccrescontou que gostava muito das charadas atnericanas. Exa um locemdeiro. Pois deizei tudo isto, © locandeiro, @ dage, a ponte des Suspires, ¢ gondola, os versos do lord, as damaz do Rialto, deixei tude, disparei ‘como uma bola na diregia do Rio de Janeiro” — (35) Uma reprodugde desta fot Aronha, “Machado de Assis e Joan Lobate, 1025, Ihe que a trou com- rotic: encontra-se no liwre de Groge Nabuco", Sde Feulo, Fd. Monteiro 7 Edoardo Bizzarri Neste sentida, come expressGo ¢ simbolo quase do mito romemtico em seu contetido histérico, Machado viu e amou alidlia. E podia, acs vinte ¢ dois anos afirmar: “E que nagde, & liélia! Uma das que a providéncia das nagées destina para set guia da raga latina, ¢ conduzila através dos séeules ao ‘aperieicoamento moral ¢ intelectual de que ela 6 capaz”. E podia igualmente divisor, com clara intuigado, as razdes histé- Ticas que assentavam as premissas de uma ligagGe intima entre © nascente Brasil e a renascente Itdlia; assim que ndo é parc- doxo afirmar que Machado amou a Itdlia também por patrio- tismo. A ers das revoluges encerrou-se rapidamente; sonhos ¢ ilusSes ruiram imevitalvelmenie tanto de um lado de Atlantica como do outro; Machado de Assis lornou-se o mais requintade estilista das literaturas em lingua portuguesa: um escritor que devia ser acusado de desdenhoso aritocratismo de salde, de indiferenca pela sorte de seus semelhantes, de falta de genero- sidade em sua concepeda critica da vide e des homens, de hu- morismo frio. Mas o mundo de ideal romantico sobreviveu no intime de Machado, ciasamente guardade, come mito da ado- lescéncic; um mito que havic-se identificado com 6 nome 6 o sonho da Itdlia. Foi ele que ditou ao nosso escritor, em tedas ag citeunstémcias, o acenio de simpatia e a nota de cordial - compreenséo percmte acontecimentos ¢ pesséas de qualquer moda ligados & tli. £ aquéle mesmo mito que nos permite ver hoje em Machado de Assis, pai da prosa brasileira, também ume espécie de palrone de dialogo entre o Brasil ¢ a Itélia, o assertor original de uma cormumhGo espiritual, cuja profundi- dade e cujo valer tomam-se dia a dia mais evidentes. EDOARDO BIZZARRI

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