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Ayres, J.R.C.M., Franca Junior, |., Calazans, G.J. e Saletti Filho, H.C. O conceito de vulnerabilidade e as praticas de satide: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia, D., Freitas, C. M. (orgs.) Promogao da saude: conceitos, reflexdes, tendéncias. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003, p.117-139. 10 Soele O Conceito de Uulnerabilidade 6 eas Praticas de Satide: novas perspectivas e desafios José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres, loan Franca Jinior, Gabriela Junqueira Calazans & Haraldo César Saletti Filho Ontrodugiio Para alguns no é mais novidade. Para outros também no é exatamente novo, ‘embora ainda nao esteja totalmente compreendido. Para muitos, porém, é apenas ‘uma remota referdncia, quando no um total desconhecido. De fato, parcela expres- siva dos profissionais de satide no est familiarizada com 0 conceito de ‘vulnerabilidade’, apesar de ele jé estar em uso hi cerca de dez anos." Nao € de espantar. Um decénio ¢ tempo selativamente curto na vida de um conceito. No entanto, nesses breves dez anos, a vilaidade que demonstrou no campo das respostas & epidemia de HIV/Aids, de onde surgiu, sugere estarmos diante de ‘uma contribuiglo relevante para as propostas de renovacio das priticas de saiide, de um modo geral, e da prevengio e da promogio da sade, em particular, No campo da Aids, a emergéncia dessa referéncia conceitual tem representado tum importante passo no caminho da produgdo de um conhecimento efetivamente interdisciptinar e da construcio de intervengées dindmicas e produtivas. Nao ha raz6es para supormos que esse desemperho no possa repetir-se em outras frentes do trabalho em satide. Ao contrério, somos mesmo da opiniao que uma das razées do sucesso que o conceito de vulnerabilidade alcancou no campo da Aids devese justamente 20 fato de se ter percebido que a epidemia respondia a determinantes ‘cujos aleances iam bem além da agio patogénica de um agente viral especifico. O conceito de vulnerabilidade 6, simultaneamente, construto e construtor dessa percepslo ampliada e reflexiva, que identifica as razGes iltimas da epiclemia e seus impactos em totalidades dindmicas formadas por aspectos que vio de No confundir com 0 conclto de vulnerabildadedivalgado nos anos 60a partic da téenica de planejamento chamads Cendes/OPS, em que vulerabdade (da doenga 8 intervengio © #80 ‘Sas pesoas A doenge), magniade e trenecendénciaconfiguravan a trode bisica sobre a qual f= atentava o hoje chamado plansjamento normative, 7 nace de Sade suscetiilidades orginicas 2 forma de estruturacéo de programas de satide, pas- sando por aspecios comportamentals,culturas, econdmics ¢ politics. Por isso a proposta da vulnerabilidade é interesante; por isso ela & apicivel,rigorosamente, 4 qualquer dano ou condigzo de interesse para a saide piblica ~ claro que com gras de interesse diversos. © objetivo deste capitulo é, portanto, duplo. De um lado, buscaremos divulgar zmais amplamente para a comunidade ténica, académicae politica da saide cole- tiva as origens e os fundamentos,epistemol6gicos ¢ prices, da vulnerabilidade ‘como quadro conceitual. De outro, procuraremos sustentar a tese de que a vulnerabildade representa uma novidade importante no campo da sade pilblica ‘€ demonstrar para quais diregbes essa renovacto aponta Oqueapresentaremos aqui €a sintese de uma série de reflexes de um programa de investigagio que viemos desenvolvendo desde meados dos anos 90 Comegaremes por uma breve recuperagéo do desenvolvimento hist6rico do conceito de ‘ulnerabilidade, por julgarmos que 6 assim podemos compreender mais claramente © que o projeto de conhecimentoe intervengio representa; depois, trataremos de exa- minar que interesses e limitacbes este conceito apresenta, contastando-o a outros constnatos conceituas em operaglo no eampo da prevencio da Aids e da saide de modo geral, especialmente o conceito de rsco; por fim, busearemas apontar as pers- pectivas do uso do conceto, que desafios nos colocae como vislumbramas ~ desde ‘onde podemos enxergar a questio hoje ~ possibilidades de superagio desees limites. O Nascimento de um Conceito Origindrio da érea da advocacia internacional pelos Dircitos Universais do Homem, o termo vulnerabilidade designa, em sua origem, grupos ou individuos fragilizados,juridca ou politicamente, na promogio, protegio ou garantia de seus direitos de cidadania (Alves, 1994). A expressio penetra mais amplamente o campo da satide a partir da publicagéo nos Estados Unidos, em 1992, do livro Aids in the World, parcialmente reeditado no Brasil em 1993 (Mann; Tarantola & Netter, 1993). ‘Com efeito, o conceito de vulnerabilidade, especificamente aplicado sade, pode ser considerado o resultado do processo de progressivas intersgdes entre o ativismo iante da epidemia da Aids e 0 movimento dos Direitos Humanos, especialmente nos patses do norte Tal intersegfo leva a vulnerabilidade a destizar para o discurso da satide publica € a garhar ai as feigdes particulares que vamos discutr. "Identidade stciocalnral e sade na adolescncia: auto-repretentgso e vulnerabilidade 30 HIV/Aids eotremeninas e meninos da prleia de Sto Paul projetofinanelado pela MacArthur Foundation ~ Chicago, USA ~ de 1995 1998. ne O Conia de Vuncrebidade os Prin de Saside Bia partir da Escola de Satide Publica de Harvard que se difunde mais ampla- mente a discussto da vulnerabilidade, por meio da propasta de um dingnéstico das tendéncias mundiais da pandemia no inicio dos 90 com base no conceito , mais recentemente, aproximando-o da discussio dos Dieitos Huumanes (Mann etal, 1994; Mann & Tarantola, 1994). Contudo, hoje, em tomo da vulnerabilidade aglutina-se ‘uma gama jé bastante amplae diversifcada de proposiies,algumas até divergentes ‘em termos poltico-ideoligicos e tebrico-fils6ficos. O que todas tém em comum € 0 interesse pela ampliacto de horizontes que a vulnerabilidade imprime aos estos, 60s politcas na direglo do controle da epidemia. Como nos diz Parker (1996: 5} ‘Talvez a mais importante transformacio isolada em nossa maneira de pensar sobre HIV/Aids no inicio dos anos 90 tenha sido oesforgo de superar esa contra- digio (entre‘grupasdersco'e“populagto geal) pela passage da nogtodersco individual a uma nova compreensio de vulnerabilidade socal, passagem crucial ‘io 6 para nossa compreensKo da epidemia, mas para qualquer estratéia capa de conter seu avanco. A resposta que a vulnerabilidade vem tentando dar & necessidade de avangar para além da tradicional abordagem das estratégias de reducio de'risco poce ser entendida no dmbito das diferentes etapas histricas de experiacia com a epidemia € suas correspondentes formas de kesposta cienifica, técnica e politica. Sabemos coma 0 conceito epidemiolégico de risco vem ocupando uum papel nuclear nessas respostas e como as diversas categorias, que a partir dele foram plasmadas, como ‘grupo de riscoe comportamento de risco, omaramnse o centro deimportantes Contra- digdes e conflitos (Kalichman, 1993; Ayres, 1994; Camargo Jr, 1994; Castel, 1996). Fagamos, entéo, uma breve recuperacho, jf explorada mais detalhadamente em outro texto (Ayres etal, 1999), de como se eaminhou do risco A vulnerabilidade nessas duas écadas de epidemia, tomando come base uma peviodizasio elaborada por Mann & Tarantola (1936) Period da descoberta: 1981 - 1984 Este perfodo corresponde aos primeiros contatos com a nova entidade clinica ‘que veio chamar a atengio dos servigas de assisténcia e, especialmente, dos centros de investigacio epidemioldgica, com as primeiras notifiagdes nos EUA e na Franca. © uso do instrumental epidemiolégico mostrou ter uma importincia fundamental diante da epidemia emergente, dando-se logo inicio a uma série de estudos que passaram a buscar ativamente os fatores de risco associados & nova doengs. corre que os fatores de risco utilizados para os primeiros estudos epidemiologicos experimentaram um deslocamento discursivo de implicasdes pi ticas extremamente relevantes. De categorias analiticas instrutoras do raciocinio ‘causal (Ayres, 1997), 0 fator de risco transmutou-se no concelto operative de grupo “eo Pramogio da Sete de risco. Esse deslocamento no se dew apenas no campo da Aids, porém aqui assumiti um caréter inaudito, ‘A nocio de grupo de risco difundiu-se amplamente, especialmente através da grande midia,e agora no mais como categoria analitca abstrata, mas como verda- eira categoria ‘ontolégica’, como uma identidade concreta. Os chamados grupos: ide risco tornaram-se a base das poucas ¢ toscas estratégias de prevensio preconiza- das pelas politicas de saide na época, mostrando-se tao equivocadas ¢ ineficazes, do ponto de vista epidemiol6gico, quanto incitantes de profundos preconceitos € inigiidades. Os chamados quatro Hs (homossexuals, hemophiliacs, haitians © heroin- ‘adicts) passaram a set, nos Estados Unidos, os primeiros alvos das estratégias de prevengio e a sofrer seus “efeitos adversos'. ‘A prevengio gravitou, nessa época, predominantemente em tomo dos grupos de risco e do tema da abstinéncia e do isolamento: os ‘pertencentes' a esses grupos ino deveriam ter relagées sexuais, doar sangue, usar drogas injetaveis. Os resulta- dos priticos dessas estratégias sdo jé bastante conhecidos: além de éxitos técnicos muito restritos, produziram em grande escala estigma e preconceito. isolamento laboratorial do HIV por Montaigner e Gallo pode ser considerado ‘um marco final desta etapa, tanto pelas novas possibilidades tecnolégicas, que entio se abriram, quanto porque, A épaca da descoberta, 0 fenémeno epidémico e seu impacto social jé eram, quantitativa e qualitativamente, diversos o bastante ppara caracterizar uma nova fase da experiéncia com a epidemia Periodo das primeiras respostas: 1985 - 1988 esse period, jf se estava claramente diante do cardter panclémico da Aids A epidemia nio respeitava mais limites geogriticos, sexo ou orientagio sexu ( carter transmissveljé estava bem delimitado e seu agente etioligico isolado, ‘com todas as implicagdes deste fato para as pritcas de saide publica: detecgto de pportadores sios, diagnéstico precoce de doentes, possibilidade de screenings, monitoragem de clinicas centinelas, investimentos no desenvolvimento de vacinas, desenvolvimento de drogas para tratamentos especficos © conceito de grupo de isco entra em franco processo de critica. De um lado, pela inadequagao que a propria dinamica da epidemia demonstrava; de outro, [pelos severos ataques que reebeu dos grupos mais atingidos pela estigmatizagto.¢ exclasio que carreava consigo, especialmente do organizado movimento gay norte- americano (Crimp, 1988). As estratégias de abstnéncia/isolamento cederam lugar, assim, as chamadas estratégias de reducSo de risco, baseadas na difusto de infor- rmagio, controle dos bancos de sangue, estimulo e adestramento para 0 uso de condom e outras pritica de sexo mais seguro testagem e aconselhamentoe, final- mente, estatégias de redugao de danos para usurios de drogas injetévels, com a 120 Coo oe! ae eee Fie ee ik polémica introdusio das peticas de distribuigdo ou toca de agulhas e seringas (Basios, 1996; Fermandez, 1957) ‘Oconceito-chave aqui, também em estrelta relagdo com o saber epidemiotigico, pase ase de comportamento de rico. A superioridade desse novo conceto em Fiaglo ao seu predecessor & evident, Ele tende aretiar 0 peso do estgma dos ronos noe quais a epidemia fo iniilmente dtectada, universliza a preacupa- Fo com o problema eestimula um alivoenvolvimento individval coma prevengSo Mes, ocomportamento de risco também mostou limites importantes como elemen- to roneader de extratégias de conhecimento e intervensi0 na Aids. A tendéncia ulpebileagio individual € sua outra face: quando o comporiamento do indiv- fue trarido para o centro da cena, a consegidnciainevitivel € que se atibua 8 dlplicéncia pessoal, para dizer o maim, a eventual falha na prevensio. Mais uma vez, da intersegio com 0 movimento social organizado, de sua expergnca,reflexao e militincia que se levantam algumas das mais expresivas veses a cicar ese conceito. O movimento pelos direitos das mulheres, especal- Trent, traz, com a nogio de empowerment, (Batiwala, 1994; Heyzer, 1996) uma pnpectiva rea posiiva para 0s modelos que embasam os conestose priticas Tigados ao comportamento desc. 'A discus do empowerment eo pars o qual nfo temos tadusio adequada, mas que poder se aproximar de algo como ‘empoderameno', debra claro que tradanga para uin comportamento proteor aa prevengio da Aids nfo & a resultate essa de “informagto + vontad’ ras pasa po crys e easos de naturers ural, econnien, pote, aria eat pois desgualmente disibuldos entre to guneton, paises segmentos soci, grupos Cnicosefasasetisia (Gupta, 1996). ‘Aldon das erica que vieram de dentro e fora do meio téenico« académico, a experiencia que foi sendo acumulada com a implementagto de programas de provengo de base comportamental frtalecia @ percepgio dos limites dessas Piratégas, Ao relative insucesso demonstrado pelas avaliagBes desses programas Scmouse a explosto da epidemia rumo aos stores socialmente mais enfaquecios se mais pobres, az mulheres, os negros os jovens (Grangeio, 1954; Kalichman, 1994; Buchalla, 1995). O conlunto desses aspectos marca a passagem a uma nova fase de resposta epider, inicada no fim dos anos oitenta Periodo atual: 1989 aos dias atuais Nesse tltimo perfodo, a experiénela da epidemia atinge stas feigbes atuais ‘A Aids é uma realidade mundial, aleangando de modo explosivo 0 continente africa~ no e asiético. Ao mesmo tempo que se espalha geograficamente, a epidemia reitera sua terdéncia & pauperizagio, difundindo-se mais rapicamente nos pafses pobres © nas perifeias e bairras pobres das grandes cidades, mesmo entre as nagbes ries. m1 ‘Promega de Soide ‘Com os avangos teenol6gicos do periodo e as possibilidades abertas pelo isola- mento do agente vial, progrediriam rapidamente os recursos diagnéstcos, prog ndstcos ¢terapéuticos, embora as pesquisas no campo proiltico encontrem ainda limites importantes. No campo da diagnose e prognose, a grande estrela€ a técnica de contagem de carga viral, que atinge alta sersibilidade e um grande poder preditivo da suscetiblidade organica 2o adoecimento entre 0s infecacos, somando elementos & avaliagdo via contagem de linfécitos CDs, recurso mais utilizado até entfo. No campo da terapeutica, a grande novidade & o chamado ‘coquetel’ a combina. fo de anti-etrovirais com diferentes mecanismos de infervengio sobre o ciclo de multiplcagio do HIV, que, embora de uso ainda recente, jé apresenta impactos sobre a taxa de ocupacao de letos de Aids nos hospitas ¢ bre a mortalidade dos doentes, com grande repercussio na midia. Ambos, entretanto, tém uin custo financeiro altissimo, tornando-se menos acessiveis justamente para os mais suscetivels 8 infecglo e adoecimento, exceto em contextos onde a resposta rogramstica incorpora e responde a essa necessidade, Esses sucessos obtidos na perspectiva clinica nio corresponderam, como era de se esperar, a um efetivo controle da epidemia, que, ao contrério, continua evn ‘expansio, especialmente nos paises e segientos sociais mais pobres (Unaids, 2000), © que, por sua vez, traz consigo o problema de sua ‘banalizacio’ (Kalichman, 1994), {sto é da convivéncia complacente com 0 problema por parte dos segmentos mais poderosos, do arrefecimento da reagio social e do coreespondente descaso dos formuladores e financiadores de politias. & nesse momento que passam a ganar ais espago as proposigées que vinham defendendo estratégias de prevengio nao restritas 8 redusio individual de riscos, mas apontavam para outtas, de sleance social, ou estrutural, Entre estas, destaca-se a importéncia fundamental da aga das organizagOes nio-govemamentais, que, como a propria histria da epidemia foi demonstrando, sio agentes privilegiados das mudangas estruturais necessérias Para que os recursos disponiveis para o controle da infecgio e da doenca sejam justa efetivamente explorados e distribuides (Altman, 1995; Galvo, 2000) Se David Ho eo ‘coquetel de medicamentos foram a grande estrela na cobertura jomalistica da Conferéncia Intemacional de Aids de Vancouver, essa espécie de balanso da experitncia dos anos 90, nfo ser& excesso ce otimismo dizer que os accimulos, nesse campo também nig foram pouco importantes, nem menos estimulantes suas conclusdes: ‘Uma utra mensgem ainda que ex ouvir lara fre fl gue programas com shordagens no rests 20 HIV si cadaver mais asentavesUana atta tuto ras vigoroa aos ftresensuoaisrelaionadon’ Wincabiidede no impacto dol fot evidenclda nas preseniadessubrempoutret de one "ides, como populagds ingens as, usenen de drgesicves aha, doras do oxo muheres (ane, 1956 6) vee 2 e O Conte de Vanersilidade a5 Prt de Sate ‘Vulnerabilidade € o termo-chave no relatsrioacims. Toda ver que a se buscous relatar ou propor aproximagbes teGricas ou intervengbes nao restras ao HIV, 20 risco, a0 comportamento individual, as abordagens biomédicas, foi ‘vulnerabilidade’o termo preferencialmente escolhido. Também Mann e Tarantola, no texto de 1996, detxam clara sua posicio de que o perfodo atual é marcado, no ‘campo da prevengio, pela emergéncia desse nov conceito Enesse contexto que o conceito de vulnerabilidade se desenvolve. Ele pode ser resumido justamente como esse movimento de considerar a chance de exposicao das pessoas a0 adoecimento como a resultante de um conjunto de aspectos nao apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretaun maior suscetibilidade & infecgio e a0 adoecimento e, de modo inseparivel, maior ou ‘menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger de ambos. Por isso, as andlises de vulnerabllidade envolver a avaliacio articulada de trés cixos interligados: + Componente individual: diz respeito ao grau e & qualidade da informagio de que os individuos dispéem sobre o problema; A eapacidade de elaborar esas informagtes e incorporéla aos seus repert6ros cotidianos de preocu- agdes e, Finalmente ao interesse e 3s possibilidadesefetivas de transformar ‘essas preocupacies em priticas protegidas ¢ protetoras. + Componente social: diz respeito& obtensSo de informages, as possbilida- des de metabolizé-Ias e ao poder de as incorporar a mudangas priticas, 0 ue nao depende #6 dos individuos, mas de aspectos, como acesso a meios de comunicagio, escolarizagio, disponibilidade de recursos materiais, po- er de influenciar decisdes politcas, possbilidade de enfrentar barreicas cultural, estar livre de coergSes violentas, ou poder defender-se delas etc ‘Todas esses aspectos devem set, portanto, incorporados as andlises de vvalnerabilidade, + Componente programético: para que os recursos sociais que os individuos necessitam para nfo se expor a0 HIV e se proteger de seus danos sejam disponibilizados de modo efetivo e democritico,¢ fundamental a existéncia de esforsos programéticos voltados nessa diresto. Quanto maior for gratt 8 qualidade de compromisso, recursos, geréncia e monitoramento de programas nacionais, regionais ou locais de prevengio e culdado relativo a0 HIV/Aids, maiores serio as chances de canalizar 05 recursos sociais ‘existentes, otimizar seu uso e identifica a necessidade de outros recursos, fortalecendo 0s individuos diante da epidemia Note-se que as anélises de vulnerabilidade nao prescindem das andlises epidemiolégicas de risco. Estabelecer associagbes probabilistcas da distribuisao populacional da infecgSo entre diferentes condigdes objetivas, mensuraveis, ais como sexo, idade, profissio, praticas sexuais etc., seguiré sendo sempre uma 2 i a serer adotados com 0 objetivo de garantir a qualidade de produtos, senigos @ ambientes (PAIM, 2001). ‘Como a construgdo teérica e metodolégica do risco em epidemioiogia cestrutura a apreenséo dos problemas de saide, especificamente os que dizem respeito ds praticas de viglancia sanitéria? Que mites tém o rsco epideriol6gioo? De que forma ineorporar outros saberes para contomar esses limites ne solugéo pratica dos problemas? Origens: uma breve histéria do conceito de risco epidemiolégico ‘0 conceito de rsco epidemiolégjeo surg no contest do estudo de doenges transmissfveis, mas amadureceu na investigagao das causes provéveis das ‘doengas ndo trensmissives ou crBnico-degenerativas. Localizar para poder interir ‘em causas especticas de doengas foi o valor que se tornou predominante no desenvolimento do pensamento médico cientiico modemo. ‘A vertente do pensamento médico que buscava encontrar uma causa verdadeira e especifica da doenga se tomou hegeménica com a consolicagéo da ‘teoria da transmisséo de agentes microbiolégjons especticos. A teoria dos germes superol, na ép0ca, teorias que apresentavem uma abordagem mais ampla & respeito da origem das epidemias, como por exemplo, a teorla da constituigao epidémica, Segundo a teoria da consttuigso epidémica, uma epidemia surga ‘em decorréncia de um conjunto de circunstancias geogréficas, histbrica biol6gjcas, que interagiam em diferentes niveis. A compreenséo e intervengo para solucionar um problema epidémico, nesta concepgao, demandam o esforgo de pensar e construir intervengées para situagdes singulares ¢ complexas (CZERESNIA, 1997). ‘A perspectiva de encontrar causas especficas para as doengas, passiveis de defnir procedimentos objetivos e generalizaveis, foi a opcéo prvilegiada pela \égica social e cientfica dominante. Porém, a identiicagdo de microrganismos do fol suficiente para explicar as causas da oconéncia das doengas transrrissiveis (GUSSER, 1973). Por exemplo, nem todos os que tinham contato com os microrganismos, adoeciam; os que adocoiam nao apresentavam a mesma grvidade. Essa constatagao estimulou a utlizagio da estatistica para buscar desvendar outros fatores que estariam interferindo no processo. ‘0 desenvohimento de técnicas de célculo da risco foi mais acentuado com 2 importéncia crescente das doengas nao transmissiveis, cujas causas eram mais fcmente identifiedveis. 0 deserwoMmento dos modelos estatistices, apicados 128 > Vigiiocia Sanitins: Desvendando 0 Enigma ‘as teovasbildcas,passou ater cada vez mais énfase. Oensio ea pesquisa em epidemiologia se orientaram a0 aprimoramento técnico e metodolégico, cérecionando a formagée do enidemioingsta para a anise estatsticn, ste processo produtiu oafastamento progressio da dsxplina em etagdo as outras cimensdes importantes dos processos de saide © doenga nas populagées. A epidemiologa passou a ser identfieada como método, Por um Tad, 0 método epiderioigico se tomou cada vez malsimprescndvel 8 procugao de conhecimento e intervengdes no campo da salide nas suas mais vanadas texoressbes (AYRES, 1997), Por outro lado, a perspectiv esta da epidemioiogia tendeu a redut fragmentar a realidade dos problemas santéros. ‘A necessidade de pensar e resolver 0s problemas de saiide pice tem demandado a articulagéo com diversos outros saberes. Porém, @ interdiscplinerdade no é uma palawa mégica. Como construir de forma ‘propriada 0 didlogo necessério entre as ciseiplinas que tabalham diferentes niveis e dimensbes dos problemas de sade concretos? Coro especifcamente lidar com as estratégias de gerenciamento de riscos, que prolferam nas mals iversicadas dimensbes ca vide? Limites do modelo epidemiologico do risco ‘As possiblidades e os limites das apicagdes préticas de conceito de risco podem ser esclarecidos quando se explicitam as redugdes decorentes das ‘passagens \6eicas inerentes ao prosesso de modelagem que viaiizao seu célculo. Estas redugGes tendem a ser “esquecidas” no processo de utiizagae do concelto, interferindo também no didlogo com outres conhecimentos. Varios autores (GOLDBERG, 1990; GONGALVES, 1994; AYRES, 199) CASTIEL, 1994) questionaram as conseaténcias de se separar, da realidade complexa @ mutvel, cadeias causais independentes, quantficadas através de relagSes lineares. Qual a l6gica da construgéo dos modelos de risoo @ como ‘através deles apreende-se 0 significado das doengas, gerando-se formas socials culturals de lidar com elas? ‘A construgdo do método epidemiol6gico tem a experimentago cor critério bésico de rigor e legiimidade cientifica. No trabalho experimental, a logica & controlar todos 0s fatores que podem interferir ra experiéncia, criando-se condigGes de observar uma relagdo de causa e efeito. 0 ideal experimental € poder comparar a causa com a nio causa, estando todas as outras condligbes sob controle, Parainfeiro risco de um ou mais fatores, deve-se buscar observ Jo independentemente dos demas. Viptncia Sanitria: Dervendanio o Enigma < 127 Construt um mode'o para medi efeto de uma causa, ou um conjunto de causas, exige um processo de “purificagdo”. € necessério assume algumas premissas que vabilzam o modelo, islando os elementos que se desea observa Este processo consti ua abstracéo do fendmeno estudado. Na medida ern ‘que 0 modelo é constrido, o fendmeno passa a ser apreendido mediante uma representago, que reduz sua complexidade (STENGERS, 1990). A construgao ‘da representagéo ¢ narente ldgjca do modelo, é justamente a simpliicagso que viabiiza sua operacionelizao. Uma primeira redugo a ser sinazada ¢ aque dizrespeto forma com que se compreende a dimenséo da temporalitade nos estudos de sco epidemiologic. Estes, sem dive, consideram importante contextualzarno tempo osindviduos, ‘a8 casas ea ocontncia de efeitos, slientando-se especialmente a necessidade de garanti no desento que a exposig (ou ndo exposigho) se antecedonte 20 cefeto 2 ser estudado, Além disso, considera-se a ireversilidade do tempo bioligco, isto 6, ue as condigbes bolégleas anteriores de cada individuo néo ‘etomam, como fendmenos fsicos que podem ser repetidamente reproduzidos 1no laboratério (HOLLAND, 1986). Os modelos de isco, contudo, no considerem ‘a dimensio do tempo enquanto hist, Ao pretender extaircaracterstices Unkersals e generalzéveis das populagées humanas, debam de apreender 0 rmovimento e a dversidade (CZERESNIA; ALBUQUERQUE, 1995). ‘imeversbiidade do tempo biokgco implica problemas metodoégioos que precisa ser contorados no modelo Isto produz outa reduglo importante ser analcada, Em fungo dessa iveversbidade do tempo biolégeo, 6 impossie! estar ‘exposigdo e no exposigdo em um mesma indiduo. Para contomar esse problema ‘0 construides grupos de expostos € ndo expostos constituds de maneira a homogenezar a dstibigio das heterogeneldades indhiduas, através da istic aleatiria dos inchiduos nos gupos de comperagéo (HOLLAND, 1986). Cram-se assim as condigées de cleulo do efit causal médio, Mes a média é um valor que ‘no comesponde a nenhuma realdede conereta: nem indkidval, nem coletiva. A ‘média 6 um valor asi, mas no pode sertransposta 8s singuardodesincivuais € socias som mediagéo (CZERESNIA; ALBUQUERQUE, 1995) Do ponto de vista populacional agrega-se ainda um problema relativo & ‘ouira premissa do modelo de andlise do isco: aquele que assume os indviduos, ‘que compéem os grupos de comparagéo estudados, independentes entre si. Ou seja,considera-se que 0 resultado de uma exposiqéo ou tratamento em cada tum dos incviduos estudados néo interfere ros demais (HOLLAND, 1986). sto restringe 0 grupo a simples soma dos indivcuos, deixando-se de tomar em conta propriedades que emergem das relagées entre eles. No caso das doencas transmissveis,espeoiicamente na avaliagéo de eficseia de vacinas, o conceito 128 > Vginct Sentra: Dervendando © Enigma de munidade de grupo evidencia a dfculdade de se assumirestaindependecia (WALLORAN, etal. 1994). Mas est ati estatistico cetamente reduztambém {e muito) acompreenséo das doengas chamadas nao transmissiveis u crdnioo- degeneratives. QuestBes como allmentago, furno, consumo de droges e outros agentes t6xicos néo sdo mediados econbmica @ culturalmente, néo 80 dependentes de interacdes complesas entre os homens (CZERESNIA: [ALBUQUERQUE, 1995). Desconsideram-se assim relagdes sociais ave produzem represertagées, mportamentas,soberes e modos de vida (GOLDBERG, 1990). ' abordagem do risco, por mais que se complextiquem os madelcs de andlse,reduz, cesconsidera aspects fundamentais dos fenémenos estudados, apresentando limites que precisam ser levados em canta na sua aplicagto. © desenvolvimento do método impGe artificios para poder viebilizar sua ‘cperacionaizagdo. As redugtes,inevitévels do ponto de wsta da logica interna ‘60 método, constioem representagbes que tentam “substitu a relidade. ‘Amedida do rsco devera ser utitzada assumindo-secitéos de adequado 2 realidade complera, mas acaba por constulrrepresentagées em que a propia realidade 6 apreendida com base na redugéo operada iagcamente na vibilizag80 do método. ‘Apagamn-se” aspectos importantes dos fendmenos. O artifcio operacional pode produzir artefatos que estreitam as possibilidades de compreensdo e intervencdo sobre a realidade. Esse “apagamento” ndo & desituido de valor, pelo conti, € por meto dele que proiferam signfcados cutuais. As opqdes envohidas no processo om que, por uma parte alguma coisa se revela e, por outa, algo se ocuta, comrespondem a interesses, valores enecessidades. Risco e normatividade Delega-se & medida do risco — representacao construida através ce um processo de abstragao que néo integya elementos ‘uindementais do conjunto de ‘craunstdncias da realidad concreta das individuos e das populagdes ~ um enorme poder de avaliar, como favoréveis ou negativos, estados, comportamentos OU ‘substdncias. Haja vista o alto poder normativo que 0 conceito de risco alcangou no mundo contemporéneo. (0 pensamento flos6fico de Canguilhem (1978), a0 rabainar 0 conceito de normatividade, em 0 normal e 0 patoldgico, auxiia a reflexdo sobre as ‘conseqiéncias da incorporagao acritica do concelto de risco nas préticas de sade. Segundo 0 autor, normativiade ~ propriedade de instituir normas - & ‘rimariarmente uma atividade vital. Acnigem da criagao de técnicas para restaurar ‘igltacia Santeria: Desvendando 9 Enigma < 129

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