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ATA DE AUDIÊNCIA
S E N T E N Ç A:
"I - RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou ação civil pública
trabalhista em face de COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO RIO DE JANEIRO -
CERJ, formulando, em virtude dos fatos e fundamentos de fls. 02/19, os pedidos de
condenação da demandada em obrigação de não contratar empresas para mero fornecimento de
mão-de-obra e não "absorver mão-de-obra através de empresa interposta" para as atividades
listadas a fls. 18/19, sob pena de pagamento de multa diária revertida ao FAT.
A petição inicial veio acompanhada de documentos (fls. 20/467).
Deferida a antecipação de tutela requerida pelo MP, pelos fundamentos de fls.
468/469, decisão a seguir cassada pela E. SEDI deste Regional (fls. 478/478).
O demandante apresentou outros documentos (fls. 528/550).
Conciliação rejeitada.
Contestação escrita a fls. 561/571, com preliminar de ilegitimidade ativa para a
causa, com documentos (fls. 572/597).
Manifestação do autor a fls. 610/622; da ré, a fls. 623/626.
Sem mais provas, foi encerrada a fase instrutória do procedimento, restando
impossível a conciliação das partes, que apresentaram os memoriais acostados a fls. 628/638 e
644.
É O RELATÓRIO.
DECIDO:
II- FUNDAMENTAÇÃO
Da legitimidade do Ministério Público do Trabalho:
A ré apresenta visão distorcida da natureza dos interesses a que visa defender o
Ministério Público por meio da presente ação.
A contratação de trabalhadores por interposta pessoa é fenômeno típico da
economia de mercado, a cujos efeitos qualquer cidadão está sujeito, se não como potencial
ator do contrato triangular, como destinatário final dos bens e/ou serviços oferecidos pelo
tomador da mão-de-obra. Aliás, não se olvide de que, tratando-se da concessão prevista no art.
175 da Constituição da República, a qualidade dos serviços - que passa pelo respeito à
legislação trabalhista e conseqüente valorização do profissional - é legalmente imposta à
empresa delegatária (art. 6o da Lei 8987/95).
Logo, não se está diante de interesses "de natureza individual simples", como
quer fazer crer a Companhia, mas, em um primeiro momento, de interesses verdadeiramente
difusos, titularizados por pessoas indeterminadas e ligadas, apenas, por circunstâncias de fato
e, somente num segundo momento, coletivos, titularizados pela classe dos trabalhadores
ligados à empresa pela relação jurídica trilateral.
Em suma, a pretensão ora deduzida, que tem como objeto a condenação da ré
em obrigação de se abster de "contratar empresas para mero fornecimento de mão-de-obra" e
de "absorver mão-de-obra, através de empresa interposta" para as atividades discriminadas na
petição inicial, evidencia muito claramente que se está diante de legítima atuação do
Ministério Público, enquadrada na literalidade do inciso III do art. 129 da Constituição da
República, no caput do art. 5o c/c art. 1o, inciso IV, da Lei 7347/85 e nas alíneas "c" e "d" do
art. 6o da LC 75/93.
E cabe aqui uma observação: ainda que de interesse individual homogêneo se
tratasse, estaria o MP dotado de plena legitimidade - autônoma, concorrente e disjuntiva - para
a causa. Isto porque, conforme dispõe o art. 21 da Lei 7347/85, com a redação que lhe deu o
art. 117 da Lei 8078/90, "aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de
Defesa do Consumidor".
Ora, o inciso III do parágrafo único do art. 81 do referido Código, situado no
aludido Título III, enuncia que também a defesa coletiva será exercida quando se tratar de
"interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum", ao passo que o inciso I do art. 82 do mesmo diploma legal confere legitimidade ao
Ministério Público para os fins previstos no artigo precedente.
Recorde-se, com Marinoni, claramente amparado na sólida lição de Cappelletti,
que "a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos, além de eliminar o custo das
inúmeras ações individuais e de tornar mais racional o trabalho do Poder Judiciário, supera os
problemas de ordem cultural e psicológica que impedem o acesso e neutraliza as vantagens
dos litigantes habituais e dos litigantes mais fortes (por exemplo, as grandes empresas)" e que
"a ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos é de interesse social, pois
esses direitos, em virtude de sua origem comum e de sua dimensão coletiva, podem assumir
enorme significação social" (in Novas linhas do processo civil, 3 ed., 1999, p. 86 e seguintes),
do que emerge nítida harmonia entre o inciso I do art. 82 do CDC e os incisos XXXV do art.
5o e III e IX do art. 129 da Constituição da República.
Em tempos em que, como este, a efetividade do processo e o pleno acesso à
ordem jurídica justa ressaltam dentre os temas mais relevantes do direito processual, enxergar
restrições para a defesa de massa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos onde não as há significa injustificável desprezo por uma das mais relevantes
conquistas do sistema jurídico pátrio, implicando desarrazoada oposição à inovação, com o
que este juízo não pode compactuar.
Por conseguinte, impõe-se rejeitar a preliminar suscitada pela demandada.
Do mérito:
1. Os pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho dizem respeito a
temas que - posto afins, porquanto ambos vinculados à contratação de trabalhadores por
interposta pessoa - não se confundem: de um lado, a mera mercancia de mão-de-obra
(marchandage); de outro, a terceirização stricto sensu de atividades-fim.
Os fenômenos sob análise separam duas relações que, de acordo com o modelo
clássico do direito do trabalho, seriam indissociáveis: a relação econômica e a relação de
emprego. Assim, o produto final da energia despendida pelo trabalhador beneficia um ente -
tomador dos serviços - diverso daquele com quem o contrato de trabalho é celebrado -
fornecedor dos serviços -, delineando-se, portanto, uma relação trilateral, que carrega em si o
gérmen do comprometimento da tutela que o Estado normalmente dispensa aos interesses dos
trabalhadores.
Em linhas gerais, a diferença está em que a chamada terceirização (stricto
sensu) implica, como o próprio neologismo deixa entrever, o fornecimento, a um terceiro, em
princípio estranho ao contrato de trabalho, de recursos não apenas humanos, mas também
materiais, com vistas à realização de determinado serviço ou à produção de determinado bem,
enquanto a simples colocação de trabalhadores (marchandage) nada mais importa senão na
exploração econômica da só força de trabalho; logo, da pessoa humana em si mesmo
considerada.
Delimitados os temas, passo ao julgamento dos pedidos, a começar por aquele
referente à terceirização em sentido estrito (pedido "b.2").
III- DISPOSITIVO