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Anténio Flavio Pierucci CILADAS DA DIFERENCA Programa de P Univer editoralll34 | com o véu muculmano (0 “chador”),tureos, érabe ‘A DIFERENGA FAZ DIFERENGA, OU: neses ejaponeses ¢ vietnamitas, deficientes A PRODUTIVIDADE SOCIAL DA DIFERENGA dores de deficiéncia, skinheads, junki ete, etc, etc, tantas as diferengas q 9 a palavea “diferenga”. Também ‘com muita freqligncia todos nés usamos a frase “fazer diferenga faa menor diferenga— 1 diferenca Todos nés usamos > da roupa é , pois mesmo a diferenga infinitamente peq) de ser uma diferenga. Mas, se ferencas ‘grupos, entre col elas que nos concer- ste ensaio, isto quer dizer que aqui nao is, mas de grandes diferen- 0s nos ocupar ic as que ado, daquelas que nao se suprimem sem mais. das diferengas infinicesimais, 588, profundas talvez, dag 10 se pode desprezar no re~ Meu ponto neste trabalho de pesquisa teérica: a produtivi- dade social da diferenca. Vou deslocar propositalmente o senti do corrente da frase “fazer diferenga”. Quando digo aqu apesar da idade bem avangada de alguns deles, ainda hoje sto a saber, os movimen- ides as ex ndicadas, cujos exemplos mais consisten: sta e 0 movimento negro. jd faz parte da histéria que es diferenga faz diferenga, quero dizer que a diferenga produz dife- renga, que ela provoca, no campo das relagies de representagao, a emergéncia de novas diferengas. Ou seja, ela produ, social e sociologicamente, outras diferencas além dela, por causa dela, contra ela mesma. Es cacaexperiéncia p tel deste século q) perimer tes € notérios si Ha outros, muitos mais, mas rou comecando a contar. quer me parecer, &a experiéncia histéri- Tudo se passa como se a busca de reconhecimento social e! 92) de uma diferenga coletivamente descoberta de porque cul- ent estd acabando, experiéncia que aqui tentando destilar teoricamente para ou 0s envolvidos a entenderem um pouco mais as 105 60 € 70 comegaram a acontecer um la parte, numa cadéncia que veio se acelerando sen- sivelmente desde os anos 80, e que tém a ver com a vida que cada inda vai quere ativo da tese a que chegue, sue a coletiva, idade, quando abragada discursi jderam seus portadores [Trager], quan: 50 com a pretensio de legitimar-se em sua 1. & produtora de quando os sti dado nem garantido pela naturcza, muito menos pela Natureza com N maitisculo, mas interessadi coisas que a partir dos pouco por nality socialmente construida como um todo del através ito empenho e muito trabalho — abrigasse, de quebra, a descoberta de que outras commonalities distintivas, novas identidades ¢ diferengas de muita ir var um dia. nda ais, também pudessem ser ticas ecom base cernidos por a do se passa como se os diferentes que ousam dizer 0 nome os agora se dao — mulher, negro, latino, gay, lésbica ando pacientemente antigos ticos a fim de significantes, re-codificando antigos c6digo: diferenga, qua renga e nela se reconhecem sencadeia-se ui “para si” sua dife- wto-estima, de- ess0 que € ao mesmo tempo dis le afirmagao de outras diferencas culturais ja compar- tilhadas por indeterminado nimero de individuos, mas que eram, até entdo, so isveis em seu valor (real ou imaginé 8 JE isto, hao de convir comigo todos os cientistas sociais deste pl neta, tem a ver com os se re(a)presentarem como nao sendo mais os mesmios, para ‘que deixaram de set “como todo mundo”, 0s mesmos de sempre, oe € querem parar de ser (des)considerados “como todo mundo”, materi tudo se passa, repito, como se com isso eles estivessem furando 0 inesgoravel de novas possibilidades, abrindo para si uma estrada de diregao indefinida e sem ponto fixo de chegada, ganhan- do um infinito de infinitas possibilidades de repetir diferentemente a diferenga em infinitas posigdes, “um infinito de outra espécie” (Deleuze, 1968: 137). Voltando a ler Gabriel Tarde na desc certante companhia de qual a diferenga ndo aumenta nem diminui, mas “vai diferindo” Nao os movimentos tivos de beneficios € melhorias mater les que, apesar de sua historia ja mas Deleuze: a repetigio € 0 proceso a de muitas décadas, Amank, a dilerenga? A diferenga faz diferenga, ou: A produsividade social da diferenga 121 |, portanto, como “proliferagao” de sina ordem do discurso, diria Michel Foucault, a qual nunca é somente da ordem do discurso, mas também da ordem mates ‘Mas vamos aos fatos. O objetivo: observar a figura livre e pri social e no discurso do movimento social. Qual? Neste ensaio vou iferante da diferenga, a diferenga em ago, no movimento pdr o foco no movimento das mulheres, 0 feminismo. Para segui la em um caso, operando e se engendrando em um caso espec co de movimento social com sofisticada pratica discursiva de cubragio conceitual. Para no final, depois de feito o percurso, ter conseguido elucidar um pouco, em parte, como se perfaz o tra- balho produtivo da diferenga coletiva assumida e 0 que sig dizer que a diferenga é socialmente produtiva A DIFERENGA FEMININA: DIFERENGA DE GENERO As feministas falam mi oe tém muito a dizer —sobre a diferenga. Nao foi sempre assim. A (re)descoberta da diferenga feminina pela “segunda onda” lo fe inismo veio para se tornar o trago mais mareante ecaracteristico daquele renascer do movi ‘mento feminista em fins dos 60, inicio dos 70. Linda Gordon lem- bra que as feministas da “primeira onda” no usavam a palavra diferenga (Gordon, 1991), empenhadas que estavam em transfor mar 0 sexismo, o discurso misdgino convencional sobre a dife- renga entre os sexos, num discurso artdrdgino (ef Elshtain, 19815 Badinter, 1986a; 1986b) e, dessa forma, conquistar para as mu Iheres oportunidades, postos ¢ direitos iguais aos do: igualdade entre os sexos em termos legas, civis, 8 Tarde, Gabriel (1895). Essate et mélanges sociol 2s, apud Dee Jeuze, 1988; 137, Ama sa diferenga? mesmo comportamentais foi, por décadas a fio, quase um sgemonia total do Isto, até os entornos de 1968, 0 ano da grande rebe 1. Os v Num pri stas da “segunda on: vidente argumento sexista de que as 0 negativo, 0 valor iro momento, © cido € aut diferentes dos homens a fim de inverter 0 si: ‘em favor das feriorizante desta crenga (Ortner, 1974) ¢ ex mulheres “enquanto mulheres” (sic), 0 dado da diferenga se ‘com suas impertinentes e até en exemplo:a que se deve tal dferenga, & natureza ou a cultura? trata~ se de um dado biol6gi 1 dos dois € o mais irredutivel? se é verdade Iheres ¢ 0s homens sio de fato « Theres e os homens de forma diferente?? ‘A “segunda onda” representou para o feminismo deiro (re}nascimento te6rico. Foi nessa travessia, quando acadé- micas feministas fundavam a “histéria das mulheres”, que os cit- electuais aprenderam a falar em diferenca de género (Oak- 1975;Scott, 1988b; Hard Nicholson, set diferenciado de “género”, se 0 impensadas implicagdes, por cultural? o que significam um € ow ferentes entre si, por que as leis icas puiblicas nao tratam as mur fs tant aspectos das verda- ley, 19725 Rubi 9 Nos Estados U ferentes a urn tratamento diferente tem sido tavado com express scam a teria iica de autoria feminsta a este respel ‘Os interessados podem encontrar boas rele 1991), entre outeos, ago rawlsiana sobre o dir cia entre as feministas que se lembrada comio pioneira no esforgo de conceituacio. [A difecenga fz dferenga, ou: A produtvidade sicial da diferenga 123 do-se a partir dai um importante e frutifero esforgo de fundamen- tagdo teérica da grande descoberta:a distingio sexolgénero. Suas implicagoes foram revo narias no s6 para os projetos, deman- ‘mas também para as ias sociais ¢ o pensamento filos6fico praticados fora dos ¢ intelectuais feministas. Ha quem considere a distingao sexo! _género 0 bergo esplénd! ler, 1987: 37) dase consignas do mo 's feministas moderno: tum comego de tudo, em tudo e por tudo impacto sobre teoria ¢ peatica. Sobre as pri cas quotidianas ¢lutas ps las mulheres e, 0 mesmo tempo, sobre a tcorizagao feminista, que passou a florescer como nunca. Desse nascimento, é bom lembrar, 0 anti feito por Simone de Beauvoir jé em 1949, em seu livro O se tico punha dedo Ibo, 1993: $2) ¢ tr spa «ginas, ld pelas tantas, aquela frase também ela emblemitica, ama espécie de condensagio avant la lettre do grande e perturbador -m rorno do qual giraria todo o esforgo de elaboragio tet rica despendido pelas intelectuais feministas no decorrer das trés timas décadas do século XX. A frase precursora: “Ninguém nnasce mulher: torna-se ferida da “se- uns vinte anos depois: ravante chamada © qual so const Ainda noutras palavras, “sexo” € a base biologicamente dada }pBe social e culturalmente o “género”, que é, uma construgio social. As palavras “macho” e “fémea” identificam biologi sobre a qual se assin rente sexuadas; as palavras “masculino” ¢ “feminino” 1m socialmente pessoas em termos de seus géneros (Fried amente pessoas em termos de suas nat A tradugo brasileira & de Sérgio Millie, vale notar. wt ‘Amanba, a diferenga? man, 1996: 78). De acordo com a distingdo sexo/género, um corpo sexuado como fémea é culturalmente percebido e socialmente ino; um corpo sexuado ci construido como sendo femi € culturalmente percebido ¢ socialmente construido como portanto, seres complexos masculino. Mulheres ¢ ho os corpos sextiados sio culturalmente engendered, ou se “constituides em género”, conforme uma das tentativas de t lugdo feita por feministas brasileiras (ef. Saffiotti, 1995) de um jogo de palavras em inglés que é intraduzivel para o portugués: gender, gendering, gendered, engendered'?, Genero & - 1c um corpo sexuado”, resumiria no fi tegoria social impostas nal dos anos 80 a historiadora e feminist dades intelectuais praticantes da ria das mm ver tb. Kofes, 1993 "s History. Ou a palavra certa 0 his, ni his-story, como um dia quiseram etnocentricamente as mais an Scott, uma das radicais dentre as novas historiadoras a “hist odo, foi men’s Hist mente na Wo- ia das mulheres”? De tod ,, novo ramo da area de historia preocupado basi ‘camente em dirigir 0 foco da pesquisa ¢ da andlise historicas para a especificidade feminina, a cultura feminina, a irredutibilidade da experiéncia feminina de género como uma mesma experien compartilhada de sujeigio e opressio baseada na diferencia~ ‘¢d0 sexual bindria — que o enfoque da diferenga acabou mostran do seu valor heuristico como produtor de novos conhecim sobre o passado das mulheres, sujeitos até ento invisveis da his- téria, protagonistas emudecidas de suas proprias historias. Ao reivind ;cumentar historiograficamente) a importancia das mulheres na histéria e questionar a prioridade dada até entio & "2 Ver também a tradugio do artigo de Teresa de Lauretis, “A tecnologia do género", feita por Heloisa Buarque de Holanda, que faz acompanl ‘uma nota de rodapé expliativa seu esforgo por encontrar em portugués cor respondénciasrazodveis para esses termos (De Laurets, 1994: 206). [A diferenga faz diferenca, ou: A produtvidade social ds diferengs 125 tos rela diferenga”, nos termos em que viria a concebs cana Martha M © feminismo da “segunda onda” é diferenc renga” pensada pei do primeiro por ela. Que importante do ponto de poderia ser mais istas naqueles idos nao tio remotos, situados “em algum momento entre a metade ¢ o final talmente a “diferenga” na chave da “diferenga de género” leva tia i criagao da figura de uma womanhood abstrata por oposi ides narrativas” ociden- minista que na época andava empolgado por um incontido e sin- cero desejo de unidade com um tiivel senso de parentesco, ‘como (se fosse) uma sister rmandade de mulheres” Amani, a diferenga? sncretizar os avancos de uma scholarship feminista mplantacéo ¢ a consolidagao Procurando: nna academia com a aceitacio, nstitucional dos chamados Women’s Studies (basicamente antro- terdria), alguns esforgos de teorizacio pologia, historia e teori ‘embalados pelo desiderato de criagio de uma grande teo- diferen- vinh ria, uma “grande narrativa” sobre a *Mulhee”, sobre “ «ga feminina. Desbiologizada por um lado, em vireude do concei- to de género, essencializada por outro. Elas tinham catdo numa das ciladas da diferenea,a saber: a fixagio do olhar na diferenga pode terminar em fixagio essen- ante de uma diferenga, O conceito de género como dife confinar 0 pensamento cri renga sexual passava a no arcabougo conceitual de uma oposigao universal de sexo (a mulher como a diferenga do homem, ambos universalizados; ou ‘a mulher como diferenca pura e simples e, portanto, jgualmente tuniversalizada), 0 que torna muito dificil, se nao impossivel, ar- isto €, as di- feminista ticular as diferengas entce “mulheres” e “Mulher fecencas entre as mulheres ou, talvez mais exatamente, as dferen~ «sas nas mulheres. [..] A partie desta perspectiva, nao haveria ab- solutamente qualquer diferenga e todas as mulheres seriam, ou di- ferentes personificagdes de alguma esséncia arquetipica da Mu- Iher, ou personificagées mais ou menos sofisticadas de uma fer lade metafisico-discursiva” (De Lauretis, 1994: 207) (© novo discurso do saber feminista, basicamente de inglesa, vazado numa lexicalidade nova, ntum vocabulério as ve zes inusitado ¢ muitas vezes intraduzivel para outras ‘gendered, engendered, gendering, womanhood, sisterhood —, vinha para trans-valorar a diferenca feminina, para dizer que a ‘Mulher, agora pensada e as vezes escrita com letra maitiscula, tem caracteristicas especificas diferentes das do Homem, diferentes, 4 Ver o capitulo 1 deste lio; ver também, a respeito do ato de fixar o olhar numa jel, as agudas observacées de Homi K. Bhabha (Bhabha, 1992) [A diferenca faz diferenca, ou: A produtvidade social da diferenga 127 mas nao inferiores, uigd superiores (Gordon, 1991), para pro- clamar que a Mulher passa por experiéncias vitais extremamente positivas, fortes ¢ fortalecedoras, que lhes so irredutivelmente es- Pecificas, préprias e intransferiveis— a maternidade, por exem- plo, com sua triade incomensuravelmente fe © parto ¢ o aleitamento. Tudo somado, isso vai dar na constew gio de tuca feminina” positivamente diferente da ‘ura masculina”, que desde os tempos mais remotos foi imposta, até mesmo lingiisticamente (daf terem importado o termo géne- +0 da gramética) como padrio universal de humanidade. Da androginia jgualitarista da “primeira onda”, nderless ecoa até hoje nos escritos de tipo L'wn est l'autre (Badinter, 1986), passava-se & cisio em dois {Ziveiung|. A di-visio, conforme apres ina: a gravidez, ‘manhood versus woman Ihor, construindo o feminino como di rente do masculino, impunha-se desde 1no do masei go como categori cotémica referida ao di-morfismo sexual da espécie hi nome “diferenga de género”, naquele momento, parecia nio ter ‘ana. O outro significado senao o de descontinuidade entre os dois géne- 0s: gender difference = difference between genders, mas feminino: nao mais que dois. Bastou, pois, que a “segunda onda” do feminismo descobris- see, num trabalho como de Sisfo,claborasse teoricamente a nogio de género (quando niio metateoricamente, cf. Harding, 1993; Kel- ler, 1997), para que a animada afirmacao da diferenga das mu- Iheres como diferenga de género ai se instalasse com todas as suas vibra de antincio e prod boas e més, com todo o seu poder de erosio do jé-dado, io do novo, é verdade, mas também com todos os rscos de um retorno a cialismo, 86 que agora, um essencialismo diferenci Ihor, umm difer uma diferenca coletiva que no entanto é insistem, tural. Mas é irredutivel, ve ‘Amanhi, a diferenga? [A PROLIFERAGAO DA DIFERENGA: ‘A DIFERENGA E PRODUTIVA [A diferenga 6, ela mesma, um fazedor de diferena, um dif- ference maker. Duas ctages, rages de como ela no para, nio sossega! [A primeira: “Ser negra e ser mulher € ser uma mulher ne- ra, uima mulher cuja identidade é consttuida diferentemente da identidade da mulher branca” (Benhabib & Cornell, 1987: 13). jerbood. Uma despedida a partir da raga. as entre mulheres que usam véu!S, Trata-se de um adeus A segunda: “s mulheres que ‘usam mascara’ (nas palaveas de Paul Laurence Dunbar, freqiientemente citadas nas) e mulheres que ‘se fantasiam’ (a palavra é de Joan Riviere) no podem ser entendidas como diferencas sexuais” (De Laurets, 1994; 207). Outro adeus A sisterhood. Desta feita, do ponto de fas negras america~ dit vista das mulheres nes pertengas étnicas, etno-nacionais, religiosas etc. Aqui se invocam diferengas que sio alteridades es culeurais © pautas com portamenta jas culturais nem sempre pequenas instala- das no seio da imaginéria irmandade das mulheres” const pela diferenga de género. Bes ilustram? Que existem diferengas cole- vida, relagdes de lemanha ena Franga, o uso do véu ponto importante, quase um i ‘ueais”reivindicados em spard & Khosrokhavar, 1994; Moruzzi, 1994; Koker, 1996) A diferenga fae diferenca, ou: A produtividade social da diferenga 129) te” e “simplesmente mulheres”, duas figuras vazias, espectrais. A prop critica do essenci , Julia Kristeva tem uma frase que acho perfeita como smo, uma tirada anti-essenc lista que se tor- naria muito citada e aplaudida pelo crescente contingente de fe- rministas adversarias do feminilidade essenci 1ase t2o absurda e obscurantista quanto a crenga de que “alguém & homem” (Kristeva, 1980: 165). As rela- ges de género que de fato acontecem na vida sio sempre rela- renga de que “complexas”. Por igra jovem escrava e um homem livre branco velho e pobre no Rio de Jai Iher branca judia italiana rica ¢ um homem negro pobre emigra- do do Senegal na Mildo de hoje. Nem bem comecava a década de 1980 € a discussio te6rica centre as feministas ja se deixava polinizar fartam descoberta pritico-teérica, a da multiplicidade femiinina (Epstein, 1988), Mulheres de grande prestigio intelectual comegaram a le- ta de que falar da mulher, dos problemas e inte- ther enquanto mulher”, da . essencialismo'®, As acusagies de ismo que entio surgiram e, poitizadissimas, logo se avolu- iro dos os do século XIX, ou entio, entre uma mu: re pela nova var a sério a sus esses da mulher e em especial d “mulher enguanto tal”, er essen ‘maram no decorrer dos anos 80, podem ser resumidas com as pala Tal como emipregado na contexto da teoria feminista, essencia- n deles € este: pensar a 130 Amanba, adiferenga? vras de E 0 foco sobre as mulheres ‘enquanto mulheres’ contempla na verdade saber, as mulheres brancas de classe média dos p: desenvolvidos” (Spelman, 1988: um trufsmo, mas na época era n Gnico grupo de mulheres, a es ocidentais Fazer esta critica, hoje, é dizer na sensacao, Por tras da figura da mulher universal — entendeu-se sempre mais no decorrer de pouco mais de uma década — estavam escondidas as “mulheres brancas, ocidentais, burguesas e heterossexuais” (Harding, 199 ise indiferen 0 56 aos problemas das mulheres de outras ragas, culturas 8), que haviam desde sempre se mostrado insensf jes, mas até mesmo a sorte das mulheres brancas de ou- pertengas coletivas das mulheres. A menos que 0 género fosse 18 da classe e da raga, seu uso era sus icado “no context mais aguela” (Arcuda, 1997) “Género", portanto, que dese 0 seu déby uma categoria probl la categoria pass rnos anos 70 foi ica, ficava ainda mais problemético. O uso sem mi 1 ser considerado perigoso. Era posigio de combate que com o pasar do tempo, tudo indica, acabou empalmando a hegemonia te6rica nos estudos feministas. © Pas primeiras ver em especial a col Carol DuBois ¢ Vicki L Rui pelas historiadocas Noo implicagdes juridicas do essen Spelman, 1990), A diferenga faz dferenga, ou: A pro 1 sociologica emergia, entio, vazada nos termos metatedricos de ‘uma nova exigéncia de validade cognitiva para os estudos fem nistas. Em cujo citculo, € preciso enfatizar este dado, as intelec- ttais negras ja se faziam representar com certa visibilidade, ain- da que muito minoritariamente (ef. Zinn et al., 1986). Muito em fungdo dessas novas personagens em cena, a insatisfagio aflorava 4 palavras hiperpolitizadas de suspeigo quando nao de préprio sexismo representa, Se nao se pode ‘utras formas bisicas de subordinagio e opressai mesmo modo, nao pode ser tificagao sécio-cultural (Hew! Entre as mu co género, do. lado dessas outras formas de iden » 1992). eres”: a mais nova vertente do debate te6ri- co feminista nao enfatiza tanto a diferenga entre homem e Iher, 0 di-morfism nasculino/feminino, quanto as diferengas “entre as mulheres”. A preposigao entre, neste caso, € usada com 0 sentido de among [= entre varios termos] e no mais com o sen- tido de between [= entre dois géneros| (ef. Gordon, 1991). Um bom exemplo é o livro coletivo “Irmas desiguais” (DuBois & Ruiz, 1990), uma coletanea de artigos assinados por historiado- ras de mulheres a respeito das mais, iversas formas de vida das 1s em diferentes contextos culturais e situagdes de classe, tamanhas desigualdades s6cio-econmicas “entre as mulheres"? ‘Nao paravam de chegar de toda parte, relatam as auroras, ape- los por uma abordagem mais complexa das experiéncias das 12 Amani, a diferenga? rulheres, “uma abordagem que explorasse nao 56 0s conflitos entre homens e mulheres, mas também os contlitos entre as mm [DuBois & Ruiz, 1990: xi). Nem bem se consolidara de da diferenga de géne- theres” satisfatério a descoberta intelectu roe da comum condigao feminina de subordinagio ao pélo mas- culino, ej eram crescentes as dem rerogeneidade interna” do mulherio, a0 lado das presses, |. emnografico e sociol6gico da “con- versidade das experiéncias das mulheres”. A plura pelo registeo histori idade de situagdes e experiéncias femininas estava a exigit uma perspectiva téria”, € preciso ir atras das “interconexdes entre 0s varios siste- mas de poder que dio forma as vidas das mulheres” (DuBois & rincia dos diferentes geupos de mulheres pelo menos varidveis pesadas, a raca e a classe. Do enfoque bindrio de gene. ro, com os homens de um lado e as mulheres do outro, ale midade académica ia-se deslocando para uma poderosa ero, classe © raga. Comegou a aparecer uma produgio acadé- teressada nas relagdes de poder entre as mulheres, fixou a atengio nas mulheres de diferentes ragas e diferentes cul: mica que, ruras de classe. Muita influénci nento, da perspectiva do historiador inglés E. P. Thompson. Animadas entio por mais uum espectro de Marx (ef, Derrida, 1994) e alavancadas por Fou: cault, as historiadoras de mulheres comegaram a explorar em suas pesquisas historiograficas em seus esforgos de teorizagio a dina- mica das relagies de poder através das quais mulheres oprintiram outras mulheres. Maex + Foucault = antagonismos de classe + ‘cas de poder “entre as mu tas de esquerda puseram “mais classe” nos estudos sobre eres”, As feminis relagies microf res: mais classe trabalhadora, mais mulheres trabalhadoras, mais trabalho e divisio do trabalho, mais divisdo sexual do trabalho, mais culturas e subculturas de classe trabalhadora, mais modos de vida das trabalhadoras, mais relagdes de produgio (Saffiotti, [A diecenca faz diferenga, ou: A produtividade social da diferenga 133, 1976; 1992; Pena, 1981; Lobo, 1991; 1992). E, dbvio, pediam mais au Jas proprias, as feministas."? Cutioso, porém. Por maior que ainda fosse naquele © prestigio intelectual do marxismo entre as historiadoras d: ostumava ser entre os prati ior poténcia na explosio d versal das da classe, A afirmagio do fator ‘géncro inseria-se no caudal de poderoso desde os anos 60, 0 mr impacto nto feminista, 0 que fez da recep: intelectual das escritoras e pesqui- stas um evento de efeitos mi io do fator raga no sadoras fei conseqiientes na produgao intelect vyimento femi Talvez porque classe nio se d mas da desigualdade, a qual sta do que a defesa filomarxista do fator classe ngua da diferen- o tem mais, todo 0 toda essa “fascinagio” (cf. Hall, 1995) la na batida do rap, raca fosse a bo vez po da ver nos idos elas, claro, e formavam a esmagadors ria dos servidores. 1994: 6). 14 Amanbi,a dif de 80. Talvez porque, nos anos 80, as escritoras negras estives istrar mais cursos, a ser mais lidas ¢ sem a publicar mais, a discutidas, a ficar mais conhecidas e, last but not the least, re nnhecidas (Gates Jr 1986). O fato € que nos estudos feministas se na deslegitimagio da exclusivida- raga pesou mais do que cl de da categoria género, Deixou completamente de ter validade o pressuposto de que “ha uma experiéneia de womanhood identificavel além de coletivamente compartilhada” (Benhabib & Cornell, 1987: 13). Os tempos agora eram outros e as experiéncias femininas relevantes eram, ta ava rapidamente “para além da sisterhood” 1992). Ficava para tras, relegada, seduzida Iher Universal. {, Fox-Genovese, abandonada, a Mu- MULHERES NEGRAS: ESSE MIX DE RAGA/GENERO cat ‘Mulheres negras: a raga, um outro fardo. Q te diferente do género. Mais de um fardo, portanto, em cima de- icio diplice. “A opressio de uma mulher negra, numa las, sociedade que é tio racista quanto sexista, no pode ser pensa- m acréscimo de peso no fardo: na verdade, € tum fardo diferente” (Spelman, 1988: 123]. © contato com as vidas das mulheres negras através da pesquisa empitica ¢ da lite- ratura de autoria de mulheres negeas levou nos anos 80 a dese berta, surpreendente de inicio aos olhos das feministas brancas, de que uma mulher negra nunca é simplesmente uma McKay, 1993) da como se fosse [Nas mulheres negeas, raga e género vém juntos, inevitavel mente juntos. Parafraseando a velha idéia de Joseph de Maistre, nunca ter visto 0 Homem abstrato andando pelas ruas e que, em nha visto franceses, italianos, russos ¢ assim por diante, eventualmente persas (De Maistre, 1980), ou seja, ape- nas homens concretos dotados de identidades etno-nacionais irre iveis, pode-se dizer nos dias de hoje, pés-80, que nao se en- contra uma negea s ada) nem tampouco sem género (un-gendered), Nas mulheres negras, raga e género sio n raga ( presentando-se como figuras sempre viscosas, sempre-ia no proscénioe de fundo. Raga/género, génerolraga: experi corp ‘mutuamente const ‘mente imp| rmente Inextricavelmente intricados. Sem serem contud is idénticas, sem se dé xarem fundir numa para sempre. Raca/géne ificagSes insepariveis. Descoberta vigorosa produgai res e negeas (ver Col A separ do da ideo! durante virias décadas as mulheres brancas de sim como desde sempre as da classe dominante, negras ¢ enxergassem nelas apenas a raga, nao o géner como, quando otha’ nero, nio a raga. M yetes) negras genderless, do outro. Era assim. A cegueira das si mesmas, s6 consegui vero gé- heres (brancas) raceless, de um lado, (mu: brancas ao género das negras, p acompanhava sime- tricamente a cegueira delas & sua propria condiglo racial de bran- cas, vigorou até a década de 1980. Foi ai que intelectuais negras nos Estados Unidos, percebendo o feminismo hegeménico como tica de brancas sem lugar para as negras, um movimen- 136 Amana, a diferenga? éntrico e eivado de praticas excludentes (ver Zinn et al, passaram a perguntar em suas publicagdes: “Onde é que (Giddings, 1984; ver th. Lam, 19945 ex entto nisso? F quan le, 1994). eu, ndo sou uma mulher?” — Ain't La woman? —foi o ito de protesto anti-racista proferido de dentro do “feminismo io dos anos 80 pela escritora negra amer etnocéntric ista que, olhado do angulo da experiéneia de raca, aparecia como racista aos olhos e ouvid inistas negras (hooks, 1981; Davis, 1981)?1. O ti 10 a um movimento que se dizia progressista, de um extraor . forte lo 0 o da experiéncia pessoal e coleti Thada de uma mull viveu explorada e marginalizada o escravista, Um testemunho escrito datado de 1851 a que em pleno ks, 19815, ete comparti sob o raci A autora, Sojourner Truth, uma White, 1985). Observe-se at percurso em trés fases, hom -gra americ em quase tudo, a0 desenvolvimento do préprio feminismo. e se desenharam nes- se percurso-em-miniformato que fazer quando se viu atravessada pel Blackness, balangada de africanidade, negritude, perpassada pe! 1a travessia do difere! te idéntica as trés “etapa (se € que neste caso se pode falar de etapas?2) percorridas pelo pensamento feminista. (1) Modelo wni-racial, Peguemos a hist6ria das mulheres. A ‘maior parte dos primeiros produtos desta rea de pesquisa, traba- Ihando com a suposigio axiomatica da existéncia de uma experién- cia femi a universal definida por contraste com a historia do homem, deu pouca atengio, quase nenhuma, ao fator raga. De- terminada a jogar luz sobre a diferenga (binéria) entre o passado tmasculino e o feminino, “o passado que a histéria das mulheres acabou explorando foi 6 0 das mulheres brancas de classe médl (Dubois, & Ruiz, 1990). A propalada figura de uma enorme ir- mandade feminina nao passava, no fim das contas, de uma gran- de reumio de mulheres da mesma raga, todas braneas. Ora isto queria dizer quea primeira fase da historia das dominada por um paradigma “uni-raci I + branca, um paradigma portanto racista no velho estilo assi- or blind, quer dizer, “cego” para a cor da pele (cf. lade como, retrata- das do ponto de vista de suas “experiéncias historicas” como se determinadas unicamente pelo género, F sicamente 0 que as escritoras feministas negeas vo comegar a dizer no decorrer dos anos 80, como que “caindo na real”, porquanto no outro lado da “casa grande”, quando se buscava retratar as vidas das mulheres negras, suas “experiéncias hist : le sujeigo acabavam sen: do creditadas unicamente raga, nao ao género, O arcabougo “ani- racial” nao era capaz de trazer raga e género para o mesmo cam- po te6rico, nao conseguia contemplar raga e género num s6 enfo ‘observados sejam etapas de um processo ev tampouco pensar que uma nova fase substitua a anterior, € hem verdade que, A medida que o movimento anda, as diferentes posigdes que w

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