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indisciplina, moralidade e conhecimento Eu sempre sonkoe que wna coisa pera, fnuueca nade estd nrorta. O gue ado parece vive, aduba, O que porece estdlico, espera. ADELIA PRADO Bu 16 aqui pra qué? Serd que ¢ pra aprender? Ou serd que é pra aceitar te acomodar ¢ obedecer? Assim inicla uma cang&o de imensa difusio ‘entre jovens ¢ criangas, de Gabriel O Pensador, intitulada sintomatica- mente ““Estudo Errado'’. Independentemente da crueza do argumento, a5 questies caloca~ das pelo “‘pensador"’ rapisa vém corroborar alpumas inquictagées co- mung aos educadores € aos tedricos: o que evtaria acontecendo com a educagio brasileira atualmente? Qual o papel da escola para a sua clien- tela ¢ seus agentes? Afinal de contas, sua fungao primordial seria a de veleular os conteddes classicamente preconizados ou io-somente con- formar moralmente os sujeitos a determinadas regras de conduia? Alguns, mais zelosos de suas fungdes, no tardariam a responder que & papel essencial da escolarizacie ¢ atender a dimensia imediata- mente episténice do ensino, isto é, a escola estaria a servigo da apropria- go, por parte da crianga ¢ do adolescemte, dos conhecimentos acumula- dos pela Humanidade. Qutros se remeteriam 2 uma dimensilo sacializante da escola, definindo-a como ensaio, preparacie do jovem cidadio para o convivio em grupo ¢ em sociedade, Outros, ainda, lembrariam a di- mente profissionalizante da educagao, assegurando-lhe a tarefa de qua- lificagdo para o trabalho. * Mesire ¢ dowtor em Puicolhogia Escolar pelo Instituto de Pricologia da sr, pro- fewioe da Faculdade de Edueapio da Ler e autor de Covyiromtas me safe obe ole: aru Bei ture institucional de relepdo proferror-alero (Surmmus, 1996), a9 Tendo em mente esta triade funcional historicamente atribuida & instituigdo escolar, niio nos é possivel passar ao large dos eventos espas- maddicos de indisciplina (¢ até mesmo de violéncia), que atravessam o espape escolar comtempordneo, sem nos espantar. Turbuléncia cou apa- tia nas relapdes, confrontos velados, amearas de diferentes tipos, mu- ros, grades... 0 quadire nos ¢ familiar ¢ dele nfo precisamos de maiores configuragdes., A visko, hoje quase romanceada, da escola como lugar de Moresci- mento das potencialidades humanas parece ter sido substituida, ds ve- zes, pela imagem de um campo de pequenas batalhas civis; pequenas, mas visivels o suficiente para incomodar. O que fazer? Para aqueles preocupados com a problematica da indisciplina, o aprofundamento das discussdes exige, sem duvida, um recuo estratégi- code pensamento. Quais os significados da indisciplina escolar? E quais os recursos possiveis de enfrentamente do tema quando tomado como objeto de reflexdo ¢/ou problema concrete? Milos 4 obra, eniao. Em torne da circunserigao do tema Embora o fendmeno da indisciplina seja um velho conhecido de to- dos, sua relevdincia tedrica nao ¢ t4o- nitida. Eo pouce ndmero de obras dedicadas explicitamencte & problematica vem confirmar este dado. Um tema, sem divida, de dificil abordager. ‘Os relatos dos professores testermunham que a questao disciplinar é, atualmente, uma das diftculdades fundamentais quanto ao trabalho escolar. Segundo eles, o ensino teria come um de seus obstdculos cen- ‘trais a conduta desordenada dos alunos, traduzida em termos como: ba- gunge, tumulte, Jolte de limite, mous comportantentos, desrespetto ds Jigures de mitoridade etc. Outro dado significativo refere-se ao fato de a indisciplina atraves- sar indistintamente as escolas publica e priviada. Enganam-se aqueles que @supdem mais ou menos presente apenas em determinade contesxto. Vale lembrar que, embora diferentes significados sejam atribuidos 4 proble- madtica ¢ até mesmo os proprios objetives educacionais subjacentes a am- bas possam ser distintos, elas parecem sofrer o mesmo tipo de feito. Nilo s¢ trata, pols, de wma espécle de desprivilégio da escola publica; muita pelo comtririo. A indisciplina seria, talvez, o inimigo nimero um do educador atual, cujo mancjo as correntes tedricas ndlo conseguiriam propor to, uma vez que s¢ trata de alge que ultrapassa o Aimbite es dkhitico-pedagdgico, imprevisto ou até insuspelto mo idedrio das dife- rentes teorias pedagdgicas. E certa, pois, que a tematica disciplinar pas- SOU a st configurar enguanto um problema interdisciplinar, transversal 40 4 Pedagogia, devendo ser tratado pelo maior mimero de areas em torno das ciéncias da educagito. Um novo problema que pede passagem. Decorre disto que, apesar deo manejo disciplinar ter sempre esta- do em foce de um modo ou de outro nas preocupagdes dos educadores, 9 que teria acontecide com as priticas cscolares a ponto de a indiscipli- na ter se tornado um obsticulo pedagdgico propriamente? Nossos antecessores talver nunca tenham cogitade isto, uma ver que as prescrigdes disciplinares cram consideradas uma decorréncia inequi- voca do exercicio docente. Ora, o mundo mudou, nostos alunos muda- ram, Mudou a escola? Mudamos més? Estas tantas questdes nos levam, enfim, a considerar a indisciplina come um sintoma de outra ordem que nio @ estrilamente escolar, mas que surte no interior da relagio educative. Ou seja, ela nao existiria co- me algo em si, um evento pedagdgico particular, ¢, ne caso, antinatural ou desviante do trabalho escolar, Da mesma forma que nfo é possivel supor a escola como uma ins- Utuigde independente ou autdnoma em relagdo ao contexto sdcio- histdrico (isto é, as outras instituigGes), nile é licito supor que © que ocorre em. seu interior mio tenha articulagdo aos movimentos exteriores a ela. ‘Claro est4 também que as relagdes escolares nao implicam um expelha- mento imediato daquelas extra-escolares. Vale dizer que ¢ mais um en- Irelacamento, uma interpeneteagka de Ambitos entre as diferenres insti- tuigées que define a malha de relagdes sociais do que uma suposta ma- triz social ¢ supra-institucional, que a todos submeteria. Em termos analdgicos, as instituigdes seriam como pegas do tabu- Ieiro social que vio desenhando novas configuragdss ¢, portanto, muil- Uplos sentides no vazio do tabulcing quando tomade come algo em si. Abstenhame-nes, pols, de super a escola come donataria imediata de um social abstrato, encarade come um terceiro em relagio As institui- ees. Ele, o decamtado “social”, também ¢ efeito, ¢ nunca causa primeira. Posto isto, a5 leituras possiveis do fenGmeno findam por implicar uma andlise transversal ao dmbito diditico-pedagégico. Vejamos como isto po- de se dar de acordo com dois olhares distintos sobre o tema: um sdcio- histdrico, tendo come ponto de apoio os comdicionantes culturnis, ¢ ou- tro psicoldgice, rastreande 2 influémcia das relagdes familiares na escola. ‘0 olbar sécio-histéricot a indisciplina como forga legitima de resisténcia Se admitirmos que as prdticas escolares so testemunhas (c sempre Protagonistas) das transformagies histéricas, isto ¢, que seu perfil vai adquirindo diferentes contornos de acordo com as contingéncias socio- culturais, termos que admitir também que a indisciplina nas escolas re- vela algo interesante sobre os nosios dias. Vejamos por qué_ 41 Iniciemos examinando um texto bastante curioso do inicio do sécu- Jo (1922), intitulade Recommendpder Diseiplinares, que demonstra cla ramente 03 ideais disciplinares de entao. Perceba-se também a naturali- dade com que o trate da indisciplina era previsto: Nido ho creaneas refractarios J disciplina, mas somente alanmnos ainda néo disciplinados. A disciplina ¢ fector exsencial do aproveite- mente dos alivmnos ¢ indispensavel ao horner civilisado, Mantim a disciplina, mais do que o rigor, « forga moral do mestre ¢ 0 seu cuide- ido enn frazer constansemente os creancas inferessadias ent alg asrerrip~ fo wil, Os alumnos se devert qpreseniar na escola minutos antes das 10 fora, Sone PERSO Sy arden wo covredor da entrady, para daki descerem ao pateo onde enfoarda oa cantico, Formados dois a dois dirtgir-se-Ado depots ds suas classes acom- panhkados das respectivas professoras, que exigirde delles se conservemt em sifencia ¢ entrem nos salat com caima, sem deslocar as corteiras, Deverdo andar sempre semi arrestar com os pér, convinds que o Joram era terpa, evitande assint o balerger des brogos ¢ mowimentat ‘desordenados do corpo. Gn classe o discipline deverd ser severs: — os ahenros manterdo entre si silencio absaluta; — nde poderd estar de pd mais de um alumna; = odistribuicge do material deverd ser ropida ¢ sem decordem: —ndo deverdo ser avirados ao chido papeit ow quaesquer causes que prejidiguen o axseio da solos — sempre que se retire dasale, ¢ tuema a detword au mais perfeine orden, No recreto a discipline € ainda mecessaria para que elle se torne agradavel aos ahumnas bem comportados: — deverde os ahuninos se enirepar a patestras ow a diversdes que nde produzan grande alartadey — deverdo nrerecer attengdo especial os alicmnos que se excede~ rear cm algazarras com prejiize oa tranguiliidade das denais; — fendo retiredos do recreio ow saffrenda a pera necessaria ox schemes que gritarem, ficerent correrias, dammifiaren as plantas ou Prejediover o csete do partes cont papels, carcas de fructas, efc.: — deverdo os clumnes no _fim de recreto formar com calmer sent correrias, pois queo toque de campainha ¢ dado com antecedencia me= cessaria, Deverdo os wlumnos faver as médos ¢ tomar agua no pavimento ent que funccionar @ classe o que pertengam. Nie poderdo tomar ague nos mios; a escola fornece copos 90s alemros que nde trenem o oe seu aro. Deverdo ter todo o cwidede pare ade moelhar a chde, aime mes mre jancto as pias ¢ tathas, do findarem os trobalkes do dia, cada classe segaind em forma een silencio one o excade de entradas, ¢ 3d deseida esta, se dixpersardo or aluenos, (Braune apud Moroes, (922, pp.9-10) Note-se que as corregdes disciplinares s¢ fazem necestdrias princi- palmente no que tange ao controle ¢ ordenagio do corpo ¢ da fala, O siléncio nas aulas ¢ absolute ¢, fora delas, contide. Os movimentos cor- Porals, por sua vez, so completamente esquadrinhades: semados em sala, em filas fora dela. Aum educador menos avisado, esta descrigdo do cotidiano escolar poderia evocar um certo saudosismo de uma suposta educagdo de anti- gamente. Quase sempre idilica, esta escola do passado é, ainda para mui- tos, o modelo almejado. Ora, ndo ¢ dificil constatar que aquela discipli- na cra imposta 4 base do castigo ou da ameaca dele; segundo a autora, de acordo com as “penas necessdrias. Medo, coapia, subservitncia. E isto que devemos saudar? Também é possivel deduzir que a estruiura ¢ o funcionaments es eolares de ent&o eapelhavam o quartel, a caserna; ¢ o professor, um su- perior hierdrquico, Uma espécie de militariza¢io difusa parecia, assim, definir as relagdes insitucionais come um tode. E presumivel, portanto, que as relagdes excolares fossem determi- nadas em termos de obeditncia ¢ subordinagic. 0 professor nfo era 36 aquele que sabia mais, mas que podia mais porque estava mais pré- ximo da lei, afiliado a ela. Sua fongSo precipua, entio, passa a ser a de modelar moralmente os alunos, além de assegurar.a observincia dos preceitos legais mais amplos, aos quais os deveres escolares estavamn sub- metides. Ora, com a crescente democratizagio politica do pais ¢, em tese, a desmilitarizagao das relagdes sociais, uma nova geracio se criou. Te- mos diante de nds um nove aluno, um nove sujeito histérica, mas, cm certa medida, guardames como padréo pedagégico a imagem daquele alune submisso ¢ temeroso. De mais a mais, ambos, professor e aluno, Portavam papéis ¢ perfis muito bem delineados: o primeira, um general de papel; o segundo, um soldadinho de chumbo. E isto que devemos saudar? Outro dado problematizador deste mite da escola de owtrora refere- se a0 fato de ela ser um espago social pouco democritico. Alias, o direi- to 4 escolaridade basica de olto anos ¢ uma conquista social muita re- cente na histdgia do pais; basta lembrarmos os exames de admissdo de antes do inicio dos anos 70, No caso do Estado de Séo Paulo, relata um dos protagonistas da reforma da época: ''O problema maior [da expansiio maciga do ensina 43 ginasial] consistin na resisténcia de grande parcela do magistério secun- dario que encontrou ampla ressonincia no pensamento pedagdgico da épeca. Raros foram os que tomaram posi¢io ma defesa da politica de ampliagdo das vagas, embora todos, como sempre, defendessem a de- mocratizago do ensino. A alegagio de combate, ja tantas veres enun- ciada, era sempre a mesma: o rebaixamento da qualidade do ensino'* {Azanha, 1987, p.32}. E possivel afirmar, portanto, que esta escola de owtrora tinha um cariter elitista ¢ conservador, destinando-se prioritariamente as classes sociais privilegiadas. Qu melhor, o acesso das camadas populares i es- cola cra obstruide pela propria estruturagdo escolar da época. O que os dins atuais atestam, no entanto, ¢ que as estratégins de exclusfio, além de continuarem existindo, soficicaram-se. Se antes a diftculdade resi. dia no acesso propriamente, hoje o fracasso continuo encarrega-se de expurgar aqueles que se aventuram neste trajeto, de certa forma, ainda elitizado ¢ militarizado. Novamente, é possivel constarar que guardamos uma heranga pe- dagégica alheia aos novos dias. Salvo raras exccgics, 05 pardimetros que regem a escolarizacio ainda sdo regidos por um sujeito absteate, ideali- zado edesenraizado dos condichonantes sécio-hisidricos. As préprias teo- ras psicolégicas ¢ suas derivaydes pedagdgicas, em geral, sacralizam a naturalidade com o que este sujeite universe! ¢ pensado. Sempre como se todos fossem iguais em esséncia ¢ em possibilidades... ““A iddia de uma esséncia humana pré-social concebe a personall- dade humana individual como um caso particular da personalidade hu- mana bisica, o que pressupde que cada individuo possui caracteristicas que so universais ¢ independem de influéncia do meio social (...). Dai a iddia corrente de a/nstamento social aplicada & Psicologia ¢ & Educa- gio. Os padrées de comportamento a serem ensinades ou modificados scorrespondem & perspectiva da classe dominante, que os torna. univer- sale, portanta, compulsdrios." (Likdines, 1984, p.158, grifes do autor) Apantir dist, geralmente confunde-se denrocratizagde com deterio- vepdo do ensino. A qualidade do ensino, principalmente publica, teria decaido pelo simples fato de ter-se expandido para outras camaddas socinis. Ora, nunca é demais relembrar o artigo 205 da Carta Constitucio- nal que reza: “A educagiio, direito de todos ¢ dever do Esindo ¢ da fa- milia, serd promovida e incentivada com a colaboragao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu prepare para o exerci- cio da cidadania ¢ sua qualificagio para o trabalho" (Constituigio da Repiblica Federativa do Brasil, 1988, p.38). E destes preceitos nao pexlemos abrir mio em favor das supostas qualidades de uma eclucagdo de antigamente. Escolarizagilo, vale res- saltar, jd & exercicio de cidadania_ 44 ‘Quis significados, entdo, poderiamos subtrair dos fendmenos que rondam esta nova escola, incluida ai a indisciplina? Ela pode estar indi- cando o impacto do ingresso de um novo sujeito historic, com outras demandas ¢ valores, numa ordem arcaica ¢ despreparada para absorvé- fo plenamente. Nesse sentido, a ginese da indisciplina no residiria ma figura do aluno, mas ma rejeigdio operada por esta escola incapaz de ad- ministrar as novas formas de existéncia social concreta, personificadas nas transfermapies do perfil de sua clientela. Indisciplina, entio, seria sintoma de injuneio da escola idealizada @ gerida para um determinado tipo de sujeito ¢ sendo ocupada por ou- iro, Equivaleria, pois, a um quadro difuso de instabilidade gerado pela confrontagio deste nove sujcito bistérioo a velhas formas institucionais eristalizodas. Qu seja, denotaria a tentativa de rupturas, pequenas fen- das em um edificio secular como ¢a escola, potencializands issim uma transi¢do institucional, mais cede ou mais tarde, de um modelo autori- tirie de conceber ¢ efetivar a tarefa educacional para um modelo menos elitista ¢ conservador. Desde este ponto de vista sdcio-histérico, a indisciplina passaria, entio, a ser forga legitima de resisténcia ¢ producdo de novos significa. dos ¢ fungdes, ainda insuspeitos, 4 inuituigio escolar. Vejamos, agora, como o mesmo fendmeno pode ser interpretado de acordo com outro referencial. ‘0 olhar psicoldgico: a indlsciplina come caréncka psiquica infra-cstrutural Numa perspectiva genericamente psicoldgica, a questiic da indisci- pling estard inevitavelmente associada 4 idtia de uma caréncia psiquica do aluno. Entretanto, vale advertir desde j4 que o fendmenc no pade- ra ser pensado come um estado ou uma predisposi¢de particular, isto é, um atribute psicolégico individual (¢, no caso, patoldgico), mas de aoordo com seus determinantes psicossociais, cujas raizes cocontram-se no advento, no sujeito, da nogdho de autoridade. Desse ponte de vista, o reconhecinento ala autoridade externa (do professor, no caso) pressupde uma infra-estrutura psicoldgica, moral mais Precisamente, anterior 4 escolarizacdo. Esta evtruturacdo refere-se & in- trojecdo de determinados parimetros morais aprioristicas, tais como: permeabilidade a regras comuns, partilha de responsabilidades, coope- ragio, reciprocidade, solidariedade etc. Trata-se, pois, do reconfectmenta de elerdade enquanto condigio sine qua not para a convivéncia em grupo ¢, conseqiientemente, para o trabalho em sala de aula, queixa bastante comum dos educadores que o aluno atual carece de tais pariimetros, em maior ou menor grau. Eo aluno acometide por agressividade/rebeldia, ou apatia/indiferenga, ou, ainda, desrespeitey fal- 45 ta de limites — eventos estes quase sempre representados como supos- tos indices de insalubridade moral, além de obstéculos centrais do tra- batho pedagdgico, Claro esti que e nile hii possibilidade de escolarizagdo sens esta con- digdo apriorisica: a disponibilidade do sujelto para com seu semethan- fe, ¢, em ihima inatincia, para com a cultura da qual o professor seria um porla-woz privilegiada, um elemento de conexdo desta com agquele. Também é dbvio que néo ha possibitidade de a escola assumir a tarefa de estruturacio psiquica prévia ao trabalho pedagdgico; ela ¢ de respon- sabilidade do Gmbiro familiar, primordialmente. esse sentido, a esuruturagdo escolar ndo poderd ser pensada apar- tada da familiar. Em verdade, sio elas as duas instituigdes responsaveis pelo que se denomina educacdo num sentide amplo. Sé que o proceso educacional depende da articulagdo desies dois dimbitos institucionais que nio se justapdem. Antes, sio duas dimensécs que, na melhor das hipetescs, complementam-se, articulam-se. ‘O que a indisciplina, desde este ponte de vista, estaria revelando entio? Que ce trata, supostamente, de um sintoma de relagdes familia~ res desagregadoras, incapazes de realizar a contento sua parcela no tra- balho educacional das criangas ¢ lescenves. Lim esfacelamenio do pa- pel elissies da instituigdo Parilia, Jenfias. ‘Chegamos, assim, a um it educagie, no sentide lato, nie é.de responsabilidad integral da la, Eva é do-somente um dos ¢i- xOS que compe o proceso come um todo. Eniretanto, algumas fun- Ges adicionais Ihe vém sendo delegadas no decorrer do tempo, fungdes estas que ultrapassam o imbito pedagdgico ¢ que implicam o (rejesta- belecimento de algumns atribuigdes familiares. Vejamos um exempbo con- sreto disto. Em outro estude por nds realizado (Aquino, 1995), a partir das re- Presentagdes de professares ¢ alunos de diferentes cscolas (puiblicas ¢ pri- vadas) e diferentes niveis de ensino (primeira, segundo ¢ tereeiro gras) sobrea relagiio professor-aluno, constatamos que a educagao escolar con- tempordnea parece, na maloria das veres, ver sucumbide & unta pronun- ciada demanda de mormatizagio da conduta alheia. Isto significa que raras sio as vezes em que a escola é representada come espaco de (reiprodugao cientifica ¢ cultural nas expectativas de Scus agentes ¢ clicntela. Ac contririo, a mormatizagao altitudinal parece ser @ grands sentide do trabalho escolar — o que niio deixa de causar perplexidade, uma vez que o objetivo crucial da escola (a reposicdio ¢ recriagdo do legado cultural) parece ter side substituido por uma atri- buigdo quase exclusivamente disciplinarizadora. Desta forma, as priticas pedagdgicas comcrejas acabam sendo abar- cadas por expectativas nitidamentve moralizadoras, Qu seja, comstatou-se 46 que, no plano das representagdes, despende-se muito mais energia com as questées psiquicas‘morais do aluno do que com a tarefa cpisttmica fundamental. Concluimos, entéo, que “talver deva-se a isto o inegavel fato de, nic rirasas veres, o discurse dos tedricos ¢ odes protagenistas concre- tos evocarem insalisfagde, deicontentamento, quando nie um cxocsso de criticas ¢ de atribuigde de culpa (fratos evidentes de um superdvit de boas intengdcs ¢ de um déficit de possibilidades concretas}, confundindo- se, assim, a imagem do espace escolar com a de um estade de danagdo ou de calamidade, Portanto, fugazes silo as passagens onde se constaia que a escolariza¢do, como pratica social concreta ou objeto tedrico, nao tenha sucumbido a propostas moralizantes, com vistas a um suposto aper- feigoamente c/ou salvacie da condi¢ico humana. E o veor normative das relagées, bem come o cardter messidnico dos textos, siio provas dis- 10, Cm que quase sempre se visa oaprimoramente da conduta tanto da- quele que ensina quanto daquele que aprende. “Imtercambia-se, assim, o cardver essencialmente exegétice do ato de pensar por uma suposta ascese do ato de conlecer. Em certo sentido, aescola imaginada por seus protagonistas ¢ seus tedricos teria come fi- nalldade dhima a edificagdo de uma especie de awepsia moral que, por sua vex, capacitasse o sujeito para o conhecimento, para a profissiio ou para a vida — o que afinmamos ser inverossimil ¢, portanto, insustentd- vel." (Aquino, 1995, p.258) Além do mais, cumpre-nos pontuar que investir numa suposta se- dimentagio moral do aluno exigitia wm entendimenta comum do que viria @ ser esta infra-cstrutura psiquica — o que nile é exatamente um Sonienso Ledrice, muito menos empirice, A tarefa docente, io comtra- rio, € razoavelmente bem definida, isto ¢, encerra-se no comhecimento acumulade. Por este motivo, a grades curriculares do primeiro ¢ segun- do graus refletem os campos chissicos das climcias ¢ das humanidades. E esta a tarefa ¢ a razio docemtes, ¢ nao so pouca coisa! Caso contririo, quais as decorréncias possiveis? Primeiro: o desperdicio da forga de trabalho qualificada, do talen- to profissional especifico de cada educador. Segundo: o desvio de fun- Go, pois professores deveriam ater-se a suas atribuigdes diddtico-peda- gégicas, Terceiros a inevitdvel quebra do contrate pedagogico, o que implica, a nosso ver, wm comprometimento de ordem ética, uma vex que a proposta de trabalho educacional raramente se cumpre de maneira sa- usfatoria, gerando assim um estado aberto de ambiguidade ¢ insatisfa- eho — t4o facil de constatar atualmente... Disto tude decorre que parece haver uma crise de paradigmas em curso, quer no interior das relagdes familiares, quer no corpo das agdes 47 escolares — o que significa uma perda de v sentidos sociais da educayao como um todo, E muite comum ouvirmos dos alunos frases do tipo: Pra que en tenho que estudar isso? Pra que serve isto? Ew vow war isto alg dia? Independentemerte de qualquer argumente comtrdrio, temos que reconhecer que alguém & margem da escolarizagiio no pode (e nem mes- mo o sabe) aceder ao states de cidaddio ma sua plenitude, Seus direitos, Mesme que em tese sejam iguais aos dos outros, na pratica serao mais escassos. © acesso pleno 4 educagio €, sem divida, o passaporte mais seguro da cidadania, para além de uma sobrevivencia minima, & merce do destino, da faralidade enfim, lidade sobre os grandes Das implicagies das diferentes leituras Ha alguns pontes recorrentes em nosso trajero até aqui que vale- filam a pena ser dissecados. Vejamos por qué. Se, do ponto de vista sdcio-histérico, a escola é paleo de confluén- cia dos movimentos histéricos (as formas cristalizadas versus as forgas de resisténcia), do ponte de vista psicoldgico ela é profundamente afe- tada pelas alterages na estruturacio familiar. De ambos os modos, a indisciplina apresenta-se como sintoma de relagdes descontinuas ¢ con- flitantes entre o expago escolar e as outras instituigdes sockais No primeira caso, o recurso principal para a andlise da indisciplina éo do gutoriterisme historicamente subjacente 4 estruturacio institu- sional escolar, No segundo, o cixe argumentative desdobra-se em torne do conceite de antoridede enquanto infra-cstrutura psicoldgica para o trabalho pedagégico. Se da andlise sécio-histérica pudermos subtrair uma conotagao po- sitiva, de legitimidade para o fenémeno da indisciplina, uma vez que tratar-se-ia de um conflito saluiar entre forgas sociais amagGnicas, ja nao se poderia dizer o mesmo da beitura psicoldgica. Nesta, a indisci- Plina seria indicio de uma caréncia estrutural que se alojaria ma ime- dioridade psiquica do aluno, determinada pelas wansformagées instivu- cionais na familia e desembocando nas relagées escolares. De uma for- ma ou de outra, a génese do fendmeno acaba sendo situada fora da relapdo concreta entre professor e aluno, ou melhor, nas suas sobrede- terminagées. ‘Ora, nfo é possivel assumir que a indisciplina se refira ao aluno ex- clusivamente, tratando-se de um problema de cunho psicoldgica/mo- ral. Tambim nio € possivel creditd-la totalmente 4 estraturagdo escolar © suas circunsancias sécio-histéricas, Muito menos atribuir a responsa- bilidade 4s agées do professor, tornando-a um problema de cunho es- sencialmente diditico-pedagdgica, a8 A nosso ver, a indisciplina configura um fendmeno transversal a estas unidades conceituais (professor/aluno/ escola) quando tomadas i: lndamente como recores do pensamento. Ou melhor, indisciplina ¢ mais um dos efeitos do enire pedagdgico, mais uma das vicissitudes da rela- sao professor-aluino, para onde afluem todas essas ‘*desordens"* ante- riormente descritas. Nesse sentido, vale a pena recordar Bohoslavsky pontuando que ‘*o motor da aprendizagem, interesse autémtico da pedagogia desde a anti- guidade, deveria ser tomade em seu sentido etimoldgico literal como um ‘estar emire", colocando o comhecimento néo atrds do cendrio eclucati- VO, Mas em seu centro, situande o objeto a ser aprendido entre os que ensinam ¢ 03 que aprendem"’ (ERohoslavsky, 1981, p.324 , grifo do autor). A relagéo professor-alune torna-sc, assim, o micleo concreto das prdticas educativas c do contrato pedagdgioo — 0 que evirunura os sen- tides eruciais da instituicio eveolar.! A relagio professor-aluno como recorte Por que tomar, a partir de agora, a relagdo profestor-aluno como foco conceitual no que se refere aos encaminhamentos da problemitica disciplinar? Porque nio é possivel conceber a instituigdo escola como algo além ou aquém da relaclo concreta entre seus protagonistas. Ao contririo, a relagio instituida/instituinte entre professor ¢ aluno ¢ & matéria-pri ma a partic da qual se produz o objero inetineionel, Abramos um pa- rénteses para algumas definigdes. ‘Objcto institucional é aquilo do que a instituigho se apropria recla- mando a soberania ¢ a bepitimidade de sua posse ou guarda (Albuquer- que, 1978). Em outras palavras, teata-se de algo imaterial e inesgoravel (imaginirio, poderiamos acrescentar) que sd pode se configurar enquanto 1, Ente retevo antibuide a retagio peofiiags-alume tees eomc fonte de ienpiragda a Insrirucional peoposta poe M. Culrado (1986, I9E7-e £995), 2 primeiplo, como. “Asuilise elas. Tenttitus- Srpomntoga Puizcienss ote ane srcavtoe vcpeivete ceone ‘uma aberdagem do indini- duo) ¢ peoceramos aproximdé-la da Psicandlise, no sentido de fiver dia ma teal nivel das representacdes © do incoascsente (...}. Por exia rari, vemos que rexgamarlie o- cardser de combecimemto da reliepio (ndo de individue) — o que. pela Pricandilise o justi- fica. (...) Desse panto de visa (clinica), © objeto da Peicofogia sho as relagées; mas nia at que materialmonty s¢ dik ¢ vise, tal come imagsnadas, petorbidas, representadans pelo sujeio. O que caracteriza o eapecificamente lumanc ¢ paicokigioa no so at habllidades Sc cmmeetindes eacto: teens, tempts pues colts bo) mas sim © universo de vuas epreentagies ¢ afetos. A intervengio do peicdlogo deverd se cincanscrever & cate univer- = (Guirado, 1987, pp.66¢ 71-72, grifos da autocad ao frute de wma instituipae especifica. Por exemplo: conhecimemo na cs- cola, salvacgio na religiio, direita no judiciario etc. ‘Tais objetos nao existiriam sendo enquanto efeitos do conjunto de Prdéticat concretas entre os protagonisias principais de decerminada ins- Utuipio, priticas estas ora divergentes, ora complementares, mas sem- pre suportadas pela rede de relagdes entre seus ateres concretos — mais comumente os agentes ¢ a clientela, ¢ mais esporadicamente o mandan- te eo pilblico, Agentes institucionais slo aqueles que, a rigor, teriam a prerrogati- va de posse ou guarda de objeto, enquanto a clientela seria, em tese, agueles que, carentes do objeto, posicionam-se nas relagdes come alvo da agio dos agenics. Por cxemplo: professores ¢ alunos, sacerdotes ¢ fiéis, médicos ¢ pacientes etc, Desta forma, objewos come o conhecimento, o direito ¢ a sade, ‘entre outros, no exiviriam aprioristicamente, mas seriam produzides mediante 2 apo concreta dos protaponistas institucional por cles res- ponsiveis. Para tanto, dois sie os requisites fundamentais de tal agdo: a reperipée ¢.a legitinapdo. No caso da educagio, por exemplo, a escola torna-se seu lugar autorizado pelo fato mesmo de sero espace onde cla é praticada continuamente ¢, portanto, referendada wos olhos de todos: que a praticum. Trata-se, pois, de pma delegacdo de legitimidace ¢ au- toridade 4 escola sobre o fazer edulacional, tornando-a o lugar privile- gindo da tarefa educativa. Escola, desde o ponte de vista institucional, equivaleria basicamente 4s praticas concretas de seus agentes c clicnicla, tendo a relagdko professar- aluno como nmicleo fundamental. Isto significa “conceber as institwigdes enquanto priticas sociais que, em sua particularidade, existem pela alo dos que coticdianamente a fazem e pelo reconhecimento dese fazer co- mo uno, necessario, justificado"’ (Guirado, 1986, p. 14). Voltemeos ao problema da indisciplina, entio. A partir das definigdes acima, nao é possivel imaginar que a saida Para a compreensio ¢ o manejo da indisciplina resida em alguma ins- fancia alheia 4 relagio professor-alumo, ou que esta permanega sempre a reboque das determinagdes extra-escolares. Albstenhamo-nos, pois, de demandar uma agdo mais efetiva da familia, uma melhor definigio so- cial do papel escolar, ou mesmo um maior abrigo- das toorias pedagdgicas. A saida possivel est no coragdo mesmo da relagdio professor-aluno, isto é, mos nesses vinculas cotidianos ¢, principalmente, na mancira com que nos posicionamos perante o nosso outro complementar. Afinal de contas, © lugar de professor ¢ imediatamente relative ao de aluno, © viec- versa. Vale lembrar que, guardadas as especificidades das atribuigdes de agente ¢ clientela, ambos sao parceiros de um mesmo jogo. E o nos- so rival é a igmorfincia, a pouca perplexidade ¢ © conformismo diante do mundo. Ba] Alguém haveria de perguntar, ¢cenamente o far; o que farer quan- doo aluno nao apresenta a infra-estrutura moral para o trabalho peda~ gdgico? E muito dificil sapor que o aluno nao waga esses pré-requisitos em alguma medida. Ao contririo, é mais provdvel que faliem a nds as fer- famentas conceituais necessdrias para reconhect-los ¢, por extensio, Presentificd-los na relagio. Mas mesmo se concordissemos com a suspeita de uma caréncia mo- ral do aluno, haveriamos também de admitir que, através do legado ¢s- pecifico de seu campo de conhecimento, o professer pode criar condi- bes de sedimentapie desta infra-cstrutura quando cla se apresentar de mancira ainda fragmentéria, Seo professor pautar os parametros rela- cionais no seu campo de conhecimento, ele certamente serd capaz de (re)inventar a moralidade discente. Isto significa que o que deve regular a relag%o € uma propasta de trabalho fundada intrinsecamente no conhecimento, Por meio dela, po- de-se fundar cou resgatar a moralidade discente na medida em que o trabalho do conhecimento pressupdc a observncia de regras, de scme- Ihangas ¢ diferengas, de regularidades « excegdes. Nesse sentido, a matematica ¢ moralizadora; as linguas, as citmcias ¢ as artes também o sZ0, se entendermos moralidade como regulacéo das agdes ¢ operagGes humanas nas sucessivas tentativas de ordenagic do munda que nos circunscreve. Este tipo de entendimento ¢ congrucnte a uma declaragiio interes- santissima de Stephen Hawking, um dos fisicos mais eminentes da atua- lidade, sobre a relagio entre ciéncia ¢ moralidade. Vejamos: ‘Nilo po- demos deduzir como alguém vai s¢ comportar a partir das leis da fisica, Mas poderiames desejar que o pensamento ldgica, que a fisica ca mate- mitica envolvem, guiasse uma pessoa também em seu comportamento moral."* (Hawking, 1995, p.135) Note-se que e pensador propde os mod! operand! logico-coneeitunis subjacentes 4 fisica ¢ 4 matemdtica como norte para o comportamento moral humane, ¢ nfo o proprio campo das leis fisicas ou matemdticas. Trata-se dos rrogos de pensamento ai envolvidos ¢ niio necessariamente dos conteddos deles decorrentes. Pois bem, este trabalho de incessamte indagacao, inspirado no tra- gado cientifico, ndo requer que o aluno permanera estatico, calado, abe- diente. O trabalho do conhecimento, pelo contririo, implica a inquieta- eo, o desconcerto, a desobediéncia. A questao fundamental etd na transformagao desta turbuléncia em ciéneia, desta desordem em uma no- va ordem... 31 Por uma nova ordem pedagépica Tendo como premissa a proposta de que a rela¢io professor-aluno S¢ paute no estatuto do préprio conhecimento, ¢ possivel entrever que ‘a temditica disciplinar deixe de figurar como um dilema crucial para as praticas pedagdgicas, ou entSo, que adquira noves sentidos mais pro- dutives. A isto denominamos nove ordem pedogdgica. O curioso é a me- eessidade da qualificagdo “‘nova"’ quando esta ordem nada mais ¢ que o restabelccimento da fungdo epist?mica auténtica ¢ legitima da csoola. Criangas ¢ jovens, por incrivel que parega, sic absalutamente dvi- dos pelo saber, pelo convite a descoberta, pela ultrapassagem do dbvio, desde que sejam convocados ¢ instigados para tanto, Tude depende, po da proposta por meio da qual o combecimento ¢ formulado e gerencia- do nesse microcosme que é cada sala de aula. Entretanto, a tarefa ¢ in- ‘trinceda pois pressupde sempre um recomeso, a cada aula, cada turma, cada semestre. Guardadas as devidas proporgdes, ¢ licito afirmar que nao impor- ‘tam tanto os aparates thenico-metodoldgices de que o professor dispie, mas a compreensiio mesma de mundo mediada por modos especificos de conhecer (aqueles do seu dominio especifico), pois cada campo com- porta um objeto ¢ modos de conhecer particulares. Em linhas gerais, vale muito mais a tarefa de (rejcorstrugiio de um determinado campo conceitual, do que sua assungio ishediata e inquestiondvel. Desta forma, o trabalho educational passa a ser ndo so-a transmis- “io ou mediagio das informagdes acumuladas naquele campo, mas a (rejinvengdo do proprio mode de angarid-las: o olhar da matemiiica, da histéria, da biologia, da Iiteratara ete. © papel da escola, entao, passa a ser o de fermentar a experiéncia do sujeito perante a incansivel aventura humana de desconstrugde ¢ reconsirupde* dos processos imanentes A realidade dos faros cotidianas, na incessante busca de uma visio mais dilatada de suas mileiplas deter- minagdes ¢ dos diferentes pontos de vista sobre cles. Isto, a nosso ver, define o conhecimento no seu sentido lato. Toda aula pode tornar-se uma espécie de roteiro do tragado de determinado campo conceltual, muito além da mera narrativa dos pro- dutos deste tragado, que geralmente se dé sob a forma de um conjunto de informapées, formulas, axiomas ¢ leis j4 promtas. O objetive da edu- cagdo escolar torna-se, assim, mais uma disposig¢do para a (rejoonstru- 2A construgiio de um saber organizado implica, invariavelmente, a desconstrupio eee roe ee quan o suijeite ja trax, advindos de ves experiincia pritica. E necesirio, pois, guardar uma ceria diskocia desias informagdes prévias que, em cero sencido, conmituem um impediments para o trabalho do pemsamento no quae lange 4 (rekonsuplo de egakecimesso, 52 glo dos campos epistémices das diferentes disciplinas, do que a repasi- edo de um pacote de informapdes perenes, estiveis. E preciso, pois, reinventar continuamente os comteddos, as meto- dologias, a relagio. E isto também & conhecimento! Além do mais, o trabalho do aluno passa a se assemelhar ao do pro- fessor na medida em que este tem que se haver mecessariamente com a criagdo de condigSes propicias para colocar em movimento um determi- nado modus operandi comceitual, sempre de acordo com a concretude de seus alunos, do espaco escolar e dos varios condicionantes que relati- vizam sua ago. Trata-se da invengio pedagogica obrigatdria dqueles que tomam seu oficio como parte efetiva de suas vidas... © aluno é obrigado, assim, a fazer funcionar es1a grande engrena- gem que €0 pensamento higico, independentemente do campo especifi- eo de determinada matéria ou disciplina, uma vez que a todas elas abran- ge. A partir dai, o barulho, a agitacdo, a movimentaglo passam a ser calalisadores do ato de conhecer, de tal sorte que a indisciplina pode $e tornar, paradoxalmente, um movimento organizada, se estruturade em tore de determinadas idéias, conceitos, praposigées formas. E presumivel, portanto, que uma nova espécie de disciplina possa despontar em relagdes orientadas desta maneira: aquela que denota te- nacidade, perseveranga, obstinagic, vontade de saber. Um outre signi- ficado muito mais interessante “eath 0 conceite de disciplina, niio? Anteriormente, disciplina evoc[va silenciamenta, obediéncia, resig- nagdo. Agora, pode significar movimento, forga afirmativa, vontade de transpor os obstdécules. “‘Importante ¢ que o aluno experimente o obs- ticulo, que sinta o dificil — sd assim verd a necessidade de adequar-se, de limitar-se aos processos que a matéria sugere. Deste modo, o obstd- culo é formative, comoo ¢ para o artista. Sem o obstdculo, sem o difi- cil, a mecessidade de disciplina néo sc manifesta, ¢ toda possibilidade de compreensio ¢ frustrada." (Guimaries, 1982, p.38) Diseiplina torna-se, entfo, vetor de rebeldia para consigo mesmo ede cstranhamento para com 0 mundo — qualidades fundamentais do trabalhe humane de conbecer, Esta guinada na compreensdo ¢ no manejo disciplinares vai reque- rer, enfim, uma commute digidgica por pane do edueador, pois ¢ ele quem inaugura a intervengdo pedagdégica. E nfo hia a possibilidade de aco docente sem agenciamentos de diferentes tipos, uma ver que no se tra- ta de um trabalho solitdrio; muito pelo contrdrio. Em suma, o officio docente exige a megociagdo constante, quer com relagilo as estratégias de ensino ou de avaliagao, quer com relagdo aos objetives ¢ até mesmo aos comteidos preconizados — sempre com. vistas 4 flexibilizagdo das delegagdes institucionais ¢ das formas relacionais. Isso nilo significa render-se ds demmandas imediatas do aluno, mes- fo porque, muitas veres, clas no s4o sequer formuladas. Significa, no 33 cMante, assumiro aluno come chemento csencial na construgde dos pa- raimetros relacionais que a ambos envolve, posto que da definigado des- les pardimetros depende a assungio do contrate que deve balizar a rela- cio — condigdo sine qua non para a agdo pedapdgica. Quais, enfim, os quesitas principals deste tipo de canstrupde nego- chad? Em primeiro lugar, o investimento nos winculos cancretos, abdican- do, na medida do possivel, dos modelos idealizados de aluno, de pro- fessor ¢ da propria relaglio, ¢ potencializando as possibilidades ¢ chan- oes efetivas de cada qual. Uma vez que o conhecimento 36 se realiza com e pelo outro, a relagdo professor-alune torna-se o micieo e fooo do tra- balho pedagdgico. Afinal de contas, professor ¢ alune instituem-se du- plamente no decurso das priticas eseolares ootidianas, nfo se tratando, portante, de uma sebredeterminagho de um polo institucional wo ow- tro. E mais um interjogo instituinte (pldstico até) que estrutura o faner escolar, ¢ ndo uma suposia naturcea imutdvel do trabalho educative. Em segunda, a fidelidade oo comrate pedagdgice, E imprescindi- vel que este seja razoavelmente claro para ambas as partes, ¢ que se res~ trinja ao campo do conhecimento acumulado, mesmo que as cliusulas contratuais tenham que ser relembradas todos os dias, em todas as au- las. Vale mais a pena a exaustibo do que a ambigdidade! EB, por fim, a permeabitidede para a mudenge e pare ao inwengde. E certo que o professor também tem que reaprender seu oficio ¢ rein- veniar seu campo de conhecimento a cada encontro, Deste modo, ¢ pro- vavel que as questdes de cunhe tenico-metadeldgico acabem perdenda sua fora ou eficdcia, uma vez que elas pressupdem come interlocutor sempre oO mesmo sujeito abstrate e, portanto, ausente. O alumo concre- to (aquelc do dia-a-dia), de forma oposta, obriga-nos. a sondar novas estratégias, experimentagdes de diferentes ondens. Desta forma, 0 lugar do professor pode tornar-se também um Iu- gar de passagem, de fluxo da vida. Sendo, o aluno desaparece, torna-se platdia silenciosa de um mondlogo sempre igual, estatico, 4 expera... Bibliogeafia ALBUQUERQUE, 1.4.0. (1986) fastimipdo ¢ poder: andlise comoreta das relaches de poder mas instiudpies. Rio de Janeiro: Graal. (1520) Objeto institucional: am equivoce bem-rucedido. Fite, ¥.6, ALS, pp.GI-64, (1978) Metdfores do desordem. Rio de Jancino; Paz ¢ Terra. AQUI, 1.6. (199) Corrantos ea safe de awk; uma leitura instituctonal da re- legio professor-aluno. Sao Paulo: Summuas. (1995) Relapdo profetsor-afeno: uma leitura inetitecionall, Sho Pau. ba: Institute de Psicologia, Universidade de Sdo Paulo (Tese de Dowtorada), a4

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