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SOCIOLOGIA - PROBLEMAS E PRATICAS N20. 1996, pp. 43-103 Profissionalizacéo dos socidlogos em Portugal — contextos, recomposicées e implicacées' Fernando Luis Machado Resumo: Neste artigo analisa-se 0 processo de profissionalizagio dos socié- logos em Portugal, 0 qual conheceu, especialmente durante a tltima década, um impulso considerdvel. Actualmente, para além da universidade, que ja nfo € 0 sector maioritério, os sociGlogos portugueses esto significativamen- te profissionalizados em méltiplos departamentos da administragio central, has autarquias, nas empresas ¢ noutras instituigbes. Na primeira parte do texto sia referenciados factores de natureza estrutural, social, econdmica, cultural e institucional que tm favorecido essa profissionalizagiio alargada ¢ apresentam-se alguns elementos de comparagdo que ajudam a situar 0 caso portugués m0 contexto internacional. Na segunda parte, tragam-se os contor- nos da sociografia posstvel dos sociélogos portugueses, com base na compo- sigdo etdria e sexual, na localizagiio geografica e nos lugares profissionais e insergbes institucionais dos membros da AssociagZo Portuguesa da Sociolo- gia. Na tltima parte, discutem-se algumas implicagdes que decorrem desta evolugo profissional para a situagdo da sociologia portuguesa enquanto ci- éncia ¢ profissio. Trata-se basicamente de quesibes que tém a ver com a relago triangular entre reflexividade social, profissionalizagao dos sociélo- gos e pritica sociolégica. 1. Introdugdo Nos ultimos dez anos, aproximadamente, a profissionalizagio da so- ciologia e dos socidlogos em Portugal conheceu, a varios titulos, uma evolugdo muito positiva. Como veremos através da sociografia possivel, mas esclarecedora, dos sociélogos portugueses, actualmente, para além do ensino ¢ da investigagao no ensino superior, sector que hoje é, ele proprio, muito mais diversificado do que anteriormente, ha outros contex- tos de profissionalizagdo consolidados ou em vias de consolidagao. 44 Fernando Luis Machado E certo que o ntimero de socidlogos que exerce profissio nos sectores que se tém aberto mais recentemente a sociologia est abaixo do que seria necessdrio para, juntamente com os restantes, absorverem a oferta anual de licenciados. No entanto, os elementos disponiveis mostram que esse desajustamento entre oferta e procura, diagnosticado ha dez anos atrds como 0 principal problema da sociologia portuguesa*, diminuiu conside- ravelmente. Por outro lado, é igualmente verdade que esse ntimero também esta, em muitos casos, reconhecidamente abaixo das necessidades desses mes- mos contextos em termos das competéncias profissionais fornecidas pela sociologia, A prova-lo esté a reorientagio das préprias estratégias de recrutamento de recursos humanes qualificados em varios sectores. Nao 86 se procuram socidlogos a par de outros profissionais cientfficos e técnicos, como, em alguns casos. a contratagio de socidlogos parece ter assumido a prioridade que antes era atribufda a outros especialistas. As experiéncias bem sucedidas dos que se podem considerar pioneiros da profissionalizagao nesses sectores também tém contribuido para o alarga- mento do campo da sociologia. Nas autarquias ou em departamentos variados da administragao cen- tral e regional, ligados ao planeamento, ao emprego, & justiga, 4 seguran- ¢a social, ao aparelho estatfstico, entre outros, bem como em empresas de diversas dimensdes ¢ ramos de actividade, ou ainda em associagdes de desenvolvimento ou organizagdes nfo governamentais, a presenca de socidlogos atinge hoje uma expresso que mesmo os menos cépticos néo previriam quando, em 1988, se discutiram pela primeira vez as “condi- goes de exercicio ¢ perspectivas profissionais da sociologia em Portugal”, no Ambito do 1° Congresso Portugués de Sociologia® A presenca de diplomados em sociologia em diferentes segmentos do mercado de trabalho, embora seja, por si s6, um importante sinal de mudanga no significado social e profissional da sociologia, nao quer di- Zer, no entanto, que exista hoje um leque bem definido de papéis profis- sionais universalmente perceptiveis para os que neles tenham interesse real ou virtual, sejam estudantes, docentes, profissionais j4 no mercado ou empregadores em geral. Os testemunhos dos que tém protagonizado um certo pioneirismo na profissionalizagio em dreas novas, dio bem conta de que, a partida, o enquadramento, o lugar e as fungdes dos soci- Glogos nas instituigdes onde comecam a trabalhar é regulado, muitas vezes, apenas por expectativas, parametros ¢ pedidos de natureza geral*. Os papéis profissionais nao estdo previamente construfdos a entrada, vio- se antes construindo gradualmente, o que nao deixa, alias, de dar origem a discussGes e equivocos identitdrios sobre 0 que € ser socidlogo. Profissionalizagio dos socislogos em Portugal 45 Isto tem a ver, obviamente, com a prépria juventude da sociologia em Portugal. Estando em consolidagao a sua visibilidade publica alargada, e perante uma acumulagdo ainda restrita de experiéncia e reflexividade profissionais, nem os empregaderes, nem os socidlogos ou os estudantes de sociologia dispéem, neste momento, de um mapa mental dos papéis profissionais possfveis com contornos tio nitidos como o que existe nas profissGes de sedimentagio histérica mais longa. De qualquer modo, e numa perspectiva mais global, 0 que importa no esquecer é que pela propria forga da transformagao social, ao nivel da complexificagdo da divisio do trabalho, os papéis profissionais nunca esto, seja em que dominio for, definitivamente fixados Por outro lado, € certo que a cultura profissional de um grupo* e a atitude pessoal dos seus membros sao factores que, especialmente numa fase de conduista de posigées no mercado de trabalho, tém igualmente influéncia, uma vez que nao deixam de se reflectir no posicionamento dos interessados perante as oportunidades e as circunstancias de profissionalizagdo. S6 assim se compreende que licenciados da mesma escola, com a mesma formagado e da mesma geragao sigam percursos profissionais completamente diferentes em instituigdes do mesmo tipo ou até, por vezes, dentro da mesma instituigdo, afirmando-se uns, perante os seus interlocutores e perante si préprios, como socidlogos e outros nao. Neste texto, a questio da profissionalizagio dos socidlogos em Por- tugal € abordada em trés planos articulados. Num primeiro ponto sao analisados factores de natureza estrutural, social, politica, econdmica, cultural e institucional que esto na base da crescente profissionalizagao dos socidlogos em Portugal. Apresenta-se uma cronologia desse processo e recorre-se a elementos comparativos de outros pafses, que permitem situar melhor 0 caso portugués. Depois, com base nas evidéncias disponiveis, apresentam-se alguns elementos de caracterizagdéo sociogréfica dos socidlogos membros da Associagao Portuguesa de Sociologia, incluindo a composicio etdria e sexual, a distribuigio geogréfica e, principalmente, a caracterizagao pro- fissional, em termos de lugares e instituigdes de insercao. Finalmente, discutem-se algumas questées decorrentes da diversifica- go da pratica profissional dos socidlogos e das suas implicagdes para a sociologia enquanto ciéncia e profissdo. Trata-se, fundamentalmente, de questdes que tém a ver com a relagao triangular entre profissionalizagao, reflexividade social e auto-reflexividade sociolégica. 46 Fernando Luis Machado 2. Condigées sociais de profissionalizagao dos sociélogos A guestao da profissionalizagio dos socidlogos, em Portugal como em qualquer outra sociedade moderna, tem de ser colocada no contexto mais amplo da importancia econémica, sécio-cultural e politica crescente que, nessas sociedades, 1@m factores como 0 conhecimento e a informa- 40 e nos respectivos efeitos em termos do papel desempenhado pelas profissdes intelectuais e cientificas em geral. O cardcter estruturante desses factores tem-se traduzido, sobretudo ao longo das duas iiJtimas décadas, mas jd antes disso no caso das socieda- des avangadas, nao s6 no crescimento continuado dos titulares dessas profissdes no contexto da divisdo do trabalho, como na sua proeminéncia e importancia estratégica para as organizagdes onde desenvolvem activi- dade. Um dos autores, entre muitos outros, que salienta justamente esta evolugio é Giddens, quando diz que um dos elementos intrinsecamente envolvidos no desenvolvimento das instituigGes sociais modernas sdo os sistemas periciais, entendidos como “sistemas de realizagio técnica, ou de pericialidade profissional, que organizam vastas dreas do ambiente material e social em que vivemos”*, Uma contribuicio particularmente interessante neste contexto é a de Robert Reich, num livro recente intitulado O Trabalho das Nagées. Sus- tenta este autor que se esté a operar uma profunda transformagao no universo das profissées nas sociedades mais avangadas, nomeadamente nos Estados Unidos, traduzindo-se na emergéncia de trés novas catego- tias, de recorte amplo, que atravessam as fronteiras tradicionalmente tragadas pelos sistemas internacionais de classificagao das profissGes. Essas “trés profissdes do futuro” so os “trabalhadores de rotina”, nao s6 os do sector industrial, como boa parte dos trabalhadores tercidrios e dos que trabalham com informagio, seja em termos de execugdo mate- rial, seja na supervisio de médio e baixo nivel; os “fornecedores de servigos interpessoais”, que desenvolvem também tarefas simples ¢ repe- titivas, mas cujos servigos siio oferecidos pessoa a pessoa e, por isso, 20 contrério do que acontece com os primeiros, os produtos do seu trabalho nao sio vendidos a uma escala mundial; e, finalmente, os “analistas sim- bélicos”, que se distinguem profissionalmente pelas suas actividades de “resolugao de problemas, de identificagio de problemas e de intermediagao estratégica”, através da “manipulagio de simbolos — dados, palavras, representagGes Orais e virtuais”. Os analistas simbdlicos, que possuem niveis de escolaridade muito mais elevados do que qualquer das anteriores categorias, trabalham com Profissionalizagao dos sociélogos em Portugal 47 “ferramentas analiticas, afiadas pela experiéncia”, sejam elas “algoritmos matematicos, argumentos legais, expedientes financeiros, princfpios cien- tificos, conhecimento psicolégico sobre como convencer ou divertir, sis- temas de indugéo ou dedugao, ou qualquer outro conjunto de técnicas que permitam fazer puzzles conceptuais”. Segundo Reich, eles esto a aumen- tar ndo sé nos Estados Unidos como, virtualmente, em todas as socieda- des desenvolvidas e sao, entre todas as profissGes, os melhor posicionados no quadro de uma economia competitiva global’. Do ponto de vista da andlise de classes, Wright especifica o lugar ocupado por estes profissionais intelectuais e cientificos na divisio de trabalho, recorrendo aos critérios dos recursos em qualificagdes e dos recursos organizacionais, 0 que permite ajustar a sua matriz de lugares de classe ao crescimento desta e de outras categorias intermédias e 4 com- plexidade assim introduzida na estrutura de classes das sociedades desen- volvidas. Eles podem ocupar lugares aos quais esté associada a posse de mon- tantes elevados dos dois tipos de recursos, caso em que se designam por “peritos gestores” ou “peritos supervisores”, ou lugares que exigem ele- vadas qualificagées escolares mas em que ndo se exercem fungdes de enquadramento, caso dos “peritos ndo-gestores”. Estes tltimos tém uma posi¢ao particular, ja que as altas qualificagdes profissionais que possuem sGo a base da sua autonomia relativamente hierarquia burocrdtica das organizagdes onde estio inseridos, embora essa autonomia nfo seja um dado definitivo, mas sim um processo sempre sujeito a tensdes. A importancia das profissdes altamente qualificadas na evolugdo das sociedades modernas € bem visfvel, até por contraste, no caso da socie- dade portuguesa. Quando nos paises mais desenvolvidos esse sector da estrutura pro- fissional tinha ja atingido um peso relativo considerdvel e continuava a crescer, em Portugal a sua expresso era diminuta. Em 1960, os profis- sionais intelectuais, cientificos € técnicos, categoria que engloba nao s6 as profissdes que tém na sua base uma formagio académica igual ou superior a licenciatura, como as profissGes técnicas intermédias, repre- sentavam apenas 2,8% da populagdo activa portuguesa. O processo geral de modernizacao e desenvolvimento do pafs, sobre- tudo apés Abril de 74, trouxe consigo o crescimento muito répido dessa categoria profissional, crescimento de certo modo j4 prefigurado, antes mesmo daquela data, pela primeira massificagéio do ensino universitdrio, nos anos 60. O seu peso percentual praticamente duplicou de década para década, o que também se compreende pelos téo baixos nimeros de par- tida. Em 1992, os profissionais cientfficos e técnicos representavam ja 48 Fernando Luis Machado 17,1% dos activos, salto que constitui uma das facetas mais significativas dos processos de recomposigao mais vastos ocorridos na sociedade por- tuguesa nas duas tiltimas décadas?. E, por um lado, apesar de todas as insuficiéncias que lhe sio reconhe- cidas, com a constituigao de um Estado-Providéncia, e consequente ex- Ppans&o nacional dos servigos piblicos em dreas como o ensino, a seguranga social, o emprego, a satide ou a justiga, entre outras e, por outro lado, com a modernizacdo das empresas, que se assiste 4 entrada no mercado de trabalho, em proporgées nunca antes registadas, de profissionais alta- mente qualificados das mais variadas 4reas do conhecimento. Quadro 1: Evolugdo recente de alguns grupos profissionais em Portugal 1981 1991 A 1981/1991 Médicos e profiss6es similares 20985-29562 + 40,8% Professores 119131 166615 + 39,9% Especialistas das ciéncias sociais © profissdes similares 19725, 27456 + 39,9% Juristas 6186 13665 +121,0% Fonte: X11 ¢ XIII Recenseamentos Gerais da Populagio, \.N.E Quadro 2; Licenciados de varias disciplinas e respectivas composigao etéria e taxas de desemprego em 1991 Total _Livenciados __Desemprego _Desemprego lato licenciados - 35 anos (%) lato total’ Tieene. ~ 35 anos @® & Ciéncias Sociais 20902 44,3 2 33 Ciéncias da Engenharia 41985 35,3 15 2,2 Direito 17379 398 26 53 Letras 39261 38,9 14 2.2 Cincias Exactas e Naturais 13352 39,1 16 2,2 Ciéncias Médicas 35374 383 07 1,0 Administrago de Empresas 20818 48,2 24 3,5 Fonte: XII Recenseamento Geral da Populagéo (1991), LN.E. Por desempregados em sentido lato entende o Instituto Nacional de Estatistica 0 conjunto dos individuos que procuram 0 primeiro emprego ou um novo emprego. ssionalizagio dos socidlogos em Portugal 49 Como se pode ver no Quadro 1, 0 crescimento dos especialistas das ciéncias sociais insere-se nesse movimento mais geral de multiplicagdéo do conjunto das profiss6es intelectuais e cientificas. Entre 1981 e 1991, o ntimero dos profissionais das ciéncias sociais aumenta a ritmo idéntico ao dos professores e dos médicos, mas muito menos do que os juristas, que véem os seus efectivos aumentar para mais do dobro. Essa répida progressdo tem como consequéncia directa o facto de a generalidade das profissdes cientificas e técnicas apresentar estruturas etdrias marcadamente jovens. A larga predominancia de jovens entre os socidlogos, visfvel na composigao etéria dos membros da Associagao Portuguesa de Sociologia, que adiante analisaremos, e que, a primeira vista, pode parecer uma caracterfstica singular atribufvel estritamente & institucionalizagio recente da sociologia em Portugal — e até, para al- guns, sinal de fragilidade no estatuto da profissio — faz parte, afinal, de um fenédmeno mais amplo, de natureza estrutural, que envolve nao sé os licenciados das ciéncias sociais, como os licenciados em geral. Com efeito, como se vé no Quadro 2, os licenciados das principais reas de conhecimento, com a excepgio ligeira dos engenheiros, apresen- tam um perfil etario acentuadamente jovem. A percentagem de individu- os com menos de 35 anos ronda os quarenta por cento no caso dos juristas, dos especialistas das ciéncias exactas e naturais, dos licenciados da drea de letras e dos médicos. Os especialistas em ciéncias sociais sao, em média, ligeiramente mais novos, mas ainda assim ultrapassados pelos licenciados em gestao de empresas, os quais se aproximam dos cinquenta por cento abaixo daquela linha de idade. Neste quadro, 0 que é especifico da sociologia em Portugal € a juven- tude ser tripla, ja que caracteriza nao s6 os profissionais, como a profis- sao e a propria disciplina. Por outro lado, as taxas de desemprego desses licenciados sio rela- tivamente baixas, embora no desprezéveis. Mas nao deixa de ser interes- sante observar que, embora com percentagens de desemprego acima dos diplomados em medicina, engenharia ou em ciéncias exactas e naturais, os licenciados em ciéncias sociais apresentam taxas de desemprego mais baixas do que os seus homélogos de gestdo de empresas e de direito, quer em termos totais quer quando medidas abaixo dos 35 anos. O aumento do peso relativo das profissées cientificas e técnicas na economia € na sociedade portuguesa é um dos mais importantes indicadores de modernizagao do pais nos tltimos vinte anos, tendo contribufdo para reduzir 0 enorme fosso que separava Portugal da generalidade dos paises avangados. As baixas taxas de desemprego dos licenciados em geral, inclu- indo os das ciéncias sociais, parecem mostrar que a estrutura socioprofissional 50 Fernando Lufs Machado tem absorvido e poderd continuar a absorver, modernizando-se mais, os diplomados que saem actualmente das universidades portuguesas. Claro que nao se podem ignorar, neste contexto, os efeitos nocivos, actuais ou virtuais, da expansio desregrada de certas dreas de formagao no ensino universitario, piblico mas especialmente privado, nem o fend- meno mais global de desvaiorizagao dos diplomas, bem conhecido nas economias mais desenvolvidas. Em todo o caso, a distancia a que Portu- gal ainda se encontra dos valores médios europeus em termos de quali- ficagdes escolares da populacgado em geral, nomeadamente no que respeita aos titulares de diplomas de ensino superior, e as reconhecidas caréncias de recursos humanos qualificados em muitos sectores da economia, faz pensar que aquele processo de expansio poderé continuar na medida em que a sociedade portuguesa se torne mais desenvolvida. Para além destes factores de natureza estrutural que tém favorecido 0 crescimento e diversificagdo das profissdes cientificas e técnicas no seu conjunto, incluindo naturalmente a sociologia, a crescente profissionalizagaio dos socidlogos tem contado com outros impulsos. Um deles € a prépria consolidagao institucional do campo da sociologia, em varios planos; 0 outro é o incremento das procuras sociais, nao sé as de natureza mais global que acabei de comentar, mas as gue se tém dirigido especificamente & disciplina. As légicas e os mecanismos que presidem & formagao dessas procuras estao identificados nos seus contornos globais e tém a ver com aquilo que autores como Touraine ou Giddens", entre outros, designam pela cres- cente capacidade das sociedades modernas se pensaram a si préprias, ou seja, por uma capacidade de reflexividade social, por parte das institui- gdes, dos movimentos sociais e dos actores comuns, para a qual as cién- cias sociais em geral, e a sociologia em particular, tém contribuido largamente. A formagao e transformagio das procuras sociais da sociolo- gia em Portugal é um processo que merecia ele préprio investigagao sociolégica aprofundada, até para uma comparagio internacional, ¢ sobre © qual j4 tém sido sugeridas pistas interessantes, que referirei 4 frente. Mas para j4 0 que pretendo sublinhar é 0 facto de o incremento recente dessas procuras nao poder ser dissociado do fortalecimento ins- titucional da sociologia portuguesa. Veja-se a questio da oferta de ensino universitario nesta drea. Essa oferta cresceu gradualmente, com as primeiras licenciaturas a surgirem ainda nos anos 70, tendo os anos 80 trazido a diversificagio regional e a estabilizacio. Hoje ha oito licenciaturas em Sociologia, todas em escolas publicas, implantadas a uma escala nacional, j4 que praticamente todas as regides do pafs estdo cobertas. H4, além disso, universidades privadas Profissionalizago dos sociélogos em Portugal 51 que criaram cursos orientados claramente no sentido da aproximagao temitica e curricular a sociologia, mas que formal e legalmente nao 0 sio. Quase todas essas escolas de sociologia constituem j4 pélos dinami- cos com individualidade propria, experiéncia acumulada, projectos con- solidados em termos cientfficos, pedagdgicos e profissionais e com as suas zonas privilegiadas de difusio regional. Para além da qualificagio gradual} dos seus corpos docentes, através da normal progressio na car- reira académica, que é, ela propria, um importante factor de fortalecimen- to e enriquecimento do campo, essas licenciaturas ttm demonstrado, em geral, capacidade crescente de preparar os alunos para um leque diversi- ficado de papéis profissionais. Cronologia da profissionalizagfo da sociologia em Portugal Tratando-se de uma reconstituigdio de marcos de referéncia no processo de profissionalizagiio da sociologia e dos sociSlogos em Portugal, tomou-se ‘a opgdo de iniciar esta cronologia no momento em que sé concretizam efec- tivamente as condigdes fundamentais para a existéncia de uma profissdo, em particular a existéncia de espacos institucionais destinados a transmissio dos saberes especializados pr6prios da disciplina que Ihe est na base. Obviamente, isto nao significa que se ignore os antecedentes “classi- cos” e€, muito menos, os contemporaneos da sociologia entre nds, nomeada- mente, na década de 60, o papel fundador de uma instituigdo como 0 Gabinete de Investigagaes Sociais e dos que lé trabalharam ou a importancia da revista Andlise Social, como primeiro rosto publico da disciplina, Sobre esses ante- cedentes estio jé disponiveis trabalhos de inventariagdo e andlise, de que sido exemplo 0 texto de Anténio Teixeira Fernandes publicado neste nimero ou o de Manuel Braga da Cruz intitulado “Para a histéria da sociologia académica em Portugal”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Co~ imbra, ntimero especial, 1983. 1974 Inicio do curso de licenciatura em Sociologia do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa 1979 Inicio dos cursos de licenciatura em Sociologia da Universidade de Evora e da Faculdade de Ciéncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 52 Fernando Luis Machado 1983 Primeiros mestrados em Sociologia, na Faculdade de Ciéncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e no Instituto Superior de Ciéncias Sociais e Politicas. 1984 I? Encontro Nacional de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizagées e do Trabalho. Reunides alargadas, promovidas por finalistas de Sociologia do ISCTE ¢ da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, para discutir 0 problema das saidas profissionais. 1985 Constituigdo da Associagao Portuguesa de Sociologia (APS). Constituigdo da Associagao Portuguesa dos Profissionais em Sociolo- gia Industrial, das Organizacoes e do Trabalho (APSIOT): Inicio da licenciatura em Sociologia da Universidade do Porto. 1986 Constitui¢do da Associagao Profissional dos Sociélogos Portugueses (APSP). “Encontro de Profissionais de Sociologia” promovido pela Associagao Profissional dos Socidlogos Portugueses ¢ pelo Centro de Investigagéo e Estudos de Sociologia do SCTE. Inicio da licenciatura em Sociologia da Universidade da Beira In- terior. 1988 Realizagao pela APS, em Lisboa, do 1° Congresso Portugués de Soci- ologia, subordinado ao tema “A Sociologia e a Sociedade Portuguesa na Viragem do Sécalo”. Primeiros textos de reflexao sobre a profissionalizagao dos sociélogos, apresentados no painel “Condic¢des de Exercicio e Perspectivas Profis- sionais da Sociologia em Portugal”, no I° Congresso Portugués de Sociotogia. Por convite da APS participaram nesse painel elementos da Associagdo Profissional dos Sociélogos Portugueses, que mais tarde viria a dissolver-se. Paralelamente, a APS entregou @ APSIOT a coor- denagdo cientifica do grupo de trabalho sobre “Sociologia Industrial, das Organizagoes e do Trabalho”. Inicio da licenciatura em Sociologia da Universidade de Coimbra. Profissionalizagdo dos socidélogos em Portugal 53 Inicio da licenciatura em Sociologia do Trabatho do Instituto Superior de Ciéncias Sociais e Politicas. 1989 Constituigdo da Secgdo do Campo Profissional da Associagéo Portu- guesa de Sociologia. Inicio da licenciatura em Sociologia das Organizagées da Universidade do Minho 1990 Realizagao, no Porto, do Encontro sobre “Os Socidlogos nas Organi- zagdes e nos Processos de Desenvolvimento”, promovido pelo Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e pela Secedo do Campo Profissional da APS. Edigdao pela Sec¢do do Campo Profissional da A.P.S. do volume “Ex periéncias e Papéis Profissionais de Socidlogos”. Realizagdo em Lisboa, com 0 apoio da APS, do I° Encontro Nacional de Estudantes de Sociologia, onde participaram cerca de 500 estudan- tes oriundos de todas as Universidades que ministram licenciaturas em Sociologia. 1992 Realizag@o pela APS, em Lisboa, do 2° Congresso Portugués de Soci- ologia, subordinado ao tema geral “Estruturas Sociais e Desenvolvi- mento”. Aprovagdo pela Assembleia Geral da Associagao Portuguesa de Soci- ologia do Cédigo Deontolégico dos Socidlogos. 1993 Realizagdo, em Vila do Conde, do Encontro da Associagdo Portuguesa de Sociologia sobre “Dindmicas Culturais, Cidadania e Desenvol mento Local”. Inicio da licenciatura em Sociologia e Plancamento no ISCTE. 1994 Criagdéo de uma disciplina optativa sobre “Praticas Profissionais em Sociologia” no dmbito da licenciatura em Sociologia do ISCTE. 6° Encontro Nacional de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizagoes ¢ do Trabalho. 34 Fernando Luis Machado 1996 Realizagdo pela A.P.S., em Lisboa, do 3° Congreso Portugués de So- ciologia, subordinado ao tema “Prdticas e Processos da Mudanga So- cial”. Realizagao, em Lisboa, com o apoio da APSIOT do 1° Encontro Naci- onal de Estudantes de Sociologia Industrial, das Organizagées e do Trabalho, para debater o problema das satdas profissionais. Claro que a questdio da compatibilidade entre formagdo académica e capacidades de profissionalizagao continua e continuard a merecer as mais variadas criticas'', até por se tratar de um problema que, por efeito dos processos de reconfiguragdo do mercado de trabalho, estaré sempre em aberto. Em todo 0 caso, é iniludfvel que a experiéncia acumulada, a capacidade de aprendizagem e também a meméria das préprias escolas que formam sociélogos Ihes dao hoje capacidades de resposta que, neces- sariamente, nao tinham quando iniciaram a sua actividade. Bom exemplo disso tem sido a promogio de estagios de fim de curso, alguns enquadra- dos por socidlogos profissionalizados nas instituigSes receptoras, parte dos quais tem desembocado na contratagdo posterior dos licencia- dos. Em face do niimero actual de licenciaturas em sociologia, pode-se sempre perguntar se nfo sao demasiadas para o mercado de trabalho existente. A melhor resposta a essa pergunta é dada pelo préprio processo de crescimento e diversificagao da profissionalizagio dos sociélogos, em todas as regides do pafs, o que, como jé foi assinalado, torna essa preo- cupagiio bem menor do que ha alguns anos atrés, embora ela nao possa nunca deixar de estar presente. Mas essa discusséo nao se pode fazer sem considerar igualmente 0 nivel de procura que essas licenciaturas tém registado por parte dos que, todos Os anos, se candidatam a entrar nas universidades. A manutengao ao longo de todos estes anos, na generalidade das licenciaturas, de eleva- das notas de acesso é um indicador a ser tido em conta, ae qual nao sao alheios, certamente, a consolidagao institucional e 0 prestfgio das escolas que as oferecem. Por outro lado, a questao do desajustamento entre oferta e procura, a este nivel, deve ser colocada em termos comparativos. O caso da socio- logia nao deve ser visto isoladamente, mas num quadro mais amplo que abrange todas as outras formagdes de nivel superior, incluindo as profis- sdes cientificas de prestigio “histérico”, em que até h4 poucos anos esse problema nao se punha e hoje se pée. Profissionalizagéo dos socidlogos em Portugal ce Se virmos 0 que se passa, por exemplo, na area da engenharia, con- cluimos que a oferta de formaciio disparou de forma exponencial, causan- do sérios problemas 2 profissionalizagdo das novas vagas de licenciados. Num texto recente, 0 bastondrio da Ordem dos Engenheiros denuncia justamente os efeitos negativos do crescimento descontrolado dos cursos de engenharia, que sio j4, entre universitérios e politécnicos, mais de 170. Esses efeitos fazem-se sentir ao nfvel da qualidade do ensino, na tendéncia para uma super-especializagdo contraproducente em termos de mercado de trabalho e na erosao do estatuto dos engenheiros no contexto global das profissées cientfficas e técnicas!. Se tomarmos também o exemplo de uma drea como a de gestio de empresas, ela prépria recente, mas que, diferentemente da sociologia, acumulou muito depressa um capital de profissionalizagao elevado, ob- serva-se algo de semelhante, com a proliferagao de dezenas de cursos por todo o pafs, 0 que estd a pér em causa garantias de emprego que até ha alguns anos atrds eram quase plenas. Uma visio panoramica sobre a situagao actual do mercado de traba- Iho para as profissdes cientificas e técnicas é dada num ndmero especial de 1995 da revista Forum Estudante, dedicado inteiramente 4 avaliagao das possibilidades de mercado de cem profissdes. Af, a profissao de so- cidlogo é considerada em expanso e bem cotada em termos de um “{n- dice de situagdo actual” relativo as perspectivas profissionais. A cotag’o positiva dos socidlogos € partilhada por profissdes como economista, técnico de recursos humanos, arquifecto, biotecndlogo e engenheiros de varias especialidades, ao passo que as profissGes de advogado, médico, gestor, psicdlogo, assistente social e engenheiros de outras especialidades recebem uma avaliacdo negativa'’. Num outro plano, paralelo mas indissociével da instituciona- lizagio do ensino universitério, a sociologia tem-se consolidado enquanto disciplina cientffica com conhecimentos acumulados e capacidades de andlise sobre a sociedade portuguesa. Para isso tem contribuido decisivamente nao sé o financiamento piiblico da investiga- gao universitaria, como os muitos pedidos, por parte da administragado publica central, das autarquias ou de instituigdes privadas, visando a re- alizagdo de estudos com os mais variados objectivos, ambitos e recortes temiticos. O primeiro teve na segunda metade dos anos 80 um incremento sig- nificativo, sobretudo através dos programas da Junta Nacional de Inves- tigagdo Cientifica e Tecnolégica, embora em anos mais recentes, por raz6es de reorientagdo politica que secundarizaram genericamente as ci- éncias sociais, tenha conhecido evolugdo inversa"* 56 Fernando Lufs Machado Os segundos, pelo contrdrio, tm aumentado consideravelmente nos Gltimos anos. Do mesmo modo que foi abrindo os seus quadros & admis- so de socidlogos, a administrago publica central, regional e local cada vez mais tem solicitado o concurso externo da sociologia, como meio de identificagao de problemas e de fundamentagio e avaliagdo de politicas. A juventude, o desenvolvimento, os valores, a justiga, a educagio, as praticas e consumos culturais, entre varias outras, sfo dreas tematicas onde essa solicitagdo é notéria. Os efeitos especificos, directos e indirec- tos, da integragao europeia, a este nfvel, sfio um factor que nfo se pode subestimar. Basta ver a vasta drea de trabalho aberta, para a investigagao e a intervengdo, pelos Programas Europeus de Luta contra a Pobreza e suas sequéncias nacionais ou a pratica, que se vai generalizando, de so- licitago da sociologia para avaliagdo sistematica de projectos de varia ordem. Também na relacdo com os media se podem ver os efeitos con- jugados da consolidagao institucional e alargamento do campo da sociologia e do aumento e especificagio das procuras sociais que lhe sao dirigidas. Nao é preciso recuar sendo alguns anos para se perce- ber as alteragGes verificadas nesse dominio, Actualmente a presen- ga da sociologia nos meios de comunicagio social tem uma expressio que nunca conheceu antes, Para além das colaboragées regulares, de cu- nho pessoal, gue alguns socidlogos mantém tanto na imprensa escrita, como na radio e na televisio, sob formatos variados, tornaram-se comuns solicitagdes mais generalizadas para participar em debates, comentar acontecimentos, divulgar resultados de estudos de maior impacte ptiblico ou dar contributos especializados em reportagens sobre problemas soci- ais. A entrada da relagio dos socidlogos com os media na agenda do debate socioldgico, no tiltimo Congreso, s6 comprova a mudanga quali- tativa que, também a este nivel, ocorreu na visibilidade publica da soci- ologia. Um importante vector de fortalecimento institucional da sociologia tem sido, por seu lado, o movimento associativo. Desde a sua constitui- gio, a Associagao Portuguesa de Sociologia (APS) e a Associagio Por- tuguesa dos Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizagées e do Trabalho (APSIOT) tém sabido integrar e suscitar o didlogo entre os profissionais universitarios e extra-universitarios das varias escolas, da pesquisa fundamental, aplicada e da intervengao sociologicamente infor- mada, do sector ptblico e do sector privado, da geragio “fundadora” e recém-licenciados, docentes e estudantes. Se é verdade que passaram quase dez anos entre o infcio das primei- ras licenciaturas e a constituigao destas associagées, a filosofia e 0 mo- Profissionalizagio dos sociélogos em Portugal 357 mento da sua formagao tiveram como efeito positivo a superagao quer dos bloqueamentos resultantes de tentativas anteriores no sentido de uma organizagao mais elitista, e que por isso mesmo nao vingaram, quer da divisdo artificial em duas associagdes, uma alegadamente mais profissi- onal e outra alegadamente mais cientifica. A Associagao Profissional dos Sociélogos Portugueses (APSP), for- mada alguns meses depois da APS, teve um importante papel de mobi- lizagdo dos finalistas de sociologia para a discussio do problema das safdas profissionais, 0 que lhe conferiu um impulso inicial muito forte. Mas & medida que a Associagao Portuguesa de Sociologia se foi afirman- do como uma associagao de todos os socidlogos, ndo dissociando ciéncia e profissio, foi ficando cada vez mais a vista de todos 0 cardcter forgado da dupla representagao. A APSP esvaziou-se naturalmente até dissolugao, na justa medida e ao mesmo tempo que a APS cresceu, englobando socidlogos de todos os sectores profissionais e desenvolvendo, através da Secgéo do Campo Profissional, um trabalho continuado de reflexividade profissional, com destaque para a difusio alargada de experiéncias e papéis profissionais de socidlogos em diversos contextos institucionais e a elaboragao do Cédigo Deontolégico, aprovado em 1992. As actividades associativas de comunicagio, debate e divulgagao ci- entifica tm desempenhado um papel muito relevante, nao s6 do ponto de vista da visibilidade e da consolidagao interna, mas também em termos de imagem ptiblica. Para além dos Encontros de Profissionais de Sociologia Industrial, das OrganizagGes e do Trabalho, que a APS[OT tem promovido com boa regularidade, e das varias iniciativas das secges da APS, os trés Con- gressos até agora realizados constitufram, pela participagado alargada que suscitaram a varios nfveis, prova do dinamismo e da afirmagao crescente dos socidlogos como grupo profissional. Para dentro, tém sido momentos de encontro, troca, comunicagao, aprendizagem, debate, socializagio — antecipada no caso dos estudantes — e sociabilidade. Para fora, momen- tos de maxima visibilidade publica e medidtica da sociologia. No dom{- nio da divulgagao ptiblica mais informal veja-se 0 sucesso que tém tido as j4 consagradas Noites de Sociologia de Lisboa e do Porto. Fazendo uma retrospectiva sobre a profissionalizagao dos socié- logos portugueses, em 1988, Antonio Firmino da Costa distinguia trés etapas nesse processo. Um “perfodo dos pioneiros”, até 1974; um “perf- odo de institucionalizagao universitaria” do ensino e da investigagao ci- entifica, até meados dos anos 80; e “um perfodo de constituigdo dos 38 Fernando Luis Machado socidlogos em grupo profissional (de que estamos a dar os primeiros passos)”"5, A evolucao do ntimero de sécios da Associagao Portuguesa de Soci- ologia, desde a sua fundaciio ha 11 anos atrés, parece mostrar que esses primeiros passos j4 foram dados e constitui, por outro lado, uma boa imagem da progressiva profissionalizagio dos socidlogos portugueses. Em dez anos, 0 ntimero de sécios mais do que decuplicou, notando-se especialmente a aceleragdo do ritmo de crescimento j4 nos anos 90. Em apenas dois anos, entre 1990 e 1992, esse ntimero dobrou. Se nos dois ou trés primeiros anos a APS era composta fundamental- mente por docentes universitirios, 0 que foi decisivo para a solidez da partida, nao s6 por reunir docentes de todas as escolas, como por ter facilitado a filiagdio imediata na Associagao Internacional de Sociologia. progressivamente ela alargou 0 seu recrutamento em todas as direcgGes, integrando sociélogos que ocupam uma grande diversidade de lugares profissionais e aproximando-se mais do estado efectivo actual do campo. O crescimento contfnuo do ntimero de associados da A.P.S. nao pode, por outro lado, deixar de ser entendido como uma manifestagao expressa do reforgo do que, no texto ja citado, Anténio Firmino da Costa consi- derava ser o modelo emergente de cultura profissional dos sociélogos, ou seja, uma “cultura da associagéo” entre ciéncia e profissdo, por oposigaéo Evolugao do ntimero de associados da Associagao Portuguesa de Sociologia (1986-1996) 1986 1988 1990 1992 1994 1996 Fonte: Associagio Portuguesa de Sociologia Profissionalizacaio dos sociélogos em Portugal 59 aum modelo declinante que dissociava, a varios niveis duas di- mensées da pratica sociolégica'®, Tanto a institucionalizagéo e alargamento do campo da so- ciologia, como o aumento e especificagio das procuras sociais gue lhe sdo dirigidas, alteram significativamente 0 quadro em que os sociélogos portugueses se movimentam e confrontam-nos com novas questées de natureza epistemoldégica, profissional e deontolégica. Mas antes de referir essas questées, 0 que farei na tltima parte, vale a pena introduzir aqui alguns elementos comparativos sobre o trajecto e a situagfio actual da profissionalizag’o e organizagio dos socidlogos em alguns paises onde a sociologia, enquanto ciéncia, ensino e profissio, se desenvolveu em primeiro lugar. Os Estados Unidos, para além dos contributos quase fundadores que deram para a constituigdo propria da matriz disciplinar da sociologia, foram o pais onde mais cedo a sociologia se tornou uma profissio, o que levou mesmo alguém a dizer que os sociélogos americanos foram os primeiros socidlogos “seculares”, por contraposigao aos socislogos “re- gulares” europeus’’, Consagrando a situagio de profissionalizacao alargada, nao sé nas universidades como fora delas, em 1963, a principal organizagao dos socidlogos americanos muda de nome, nado sem uma discussao acesa iniciada alguns anos antes, em que a mudanga terminoldgica era obviamente apenas o pretexto. A American Sociological Society, constitufda em 1908, dé lugar 4 American Sociological Association Na segunda metade da década de 60 ¢ até aos primeiros anos 70, a Associagio Americana de Sociologia registou um crescimento verdadei- ramente espectacular do niimero de membros, que passa de 8.800 em 1965 para quase 15.000 em 1972. Nessa época, o funcionamento burocra- tico da A.S.A. passava inclusivamente pela existéncia um representante permanente em Washington pago generosamente apenas para fazer lobbying junto do poder politico’ Posteriormente, e por efeito da convergéncia de factores internos e externos, o ntimero de membros da A.S.A. cai a pique durante toda a década de 70 € princfpios dos anos 80. Internamente, isso deve-se, sobre- tudo, a forte contestago dos ditas socidlogos “radicais” ao status quo da sociologia americana, contestag&o que teve um dos seus momentos mais fortes j4 no congresso de 1968. Af, um dos contestatarios classificou 0 congresso como um conclave onde se reuniam “os grandes padres e o baixo clero, os escribas, as laicos intelectuais e as vitimas inocentes, todos mutuamente empenhados na 60 Fernando Lufs Machado consagragaéo da falsidade... Esta profissio é uma excrescéncia do conservadorismo e do tradicionalismo herdados do século XIX europeu, adaptado & maneira do liberalismo dos trusts do século XX americano. O sociélogo profissional olha de cima para 0 povo e a sua mio lisonjeia os poderosos””. Esta corrente critica viria a obter, em 1970, uma expressio mais alargada e mais sélida com a publicagao do livro The Coming Crisis of Western Sociology, de Alvin Gouldner. Externamente o principal factor foi a queda muita acentuada dos fi- nanciamentos publicos 4 sociologia, ela prépria produto de cortes mais gerais nas despesas ptiblicas que caracterizaram a fase de crise econémica iniciada com o chamado “choque petrolifero” de 1973. © declinio da Associagao Americana de Sociologia é invertido ainda nos anos 80, observando-se a partir de 1983 novo crescimento do mimero de associados. Em 1988, a A.S.A. engloba um pouco mais de metade dos 20.000 socidlogos americanos, estimando-se que cerca de 75% desse numero sao universitarios. Regista-se, no entanto, uma profissionalizagao crescente em dreas extra-académicas, tanto na administragio ptiblica como em empresas privadas, incluindo, neste tiltimo caso, actividades geral- mente dominadas por gestores e economistas, como sejam os estudos de mercado, Nesse ano, 0 entao presidente da A.S.A., Herbert Gans, dedica © costumeiro “Presidential Adress” da reunido anual dos socidlogos americanos a uma reflexdo sobre o estado da disciplina intra-muros, afir- mando que a agenda e a lideranga da A.S.A. repousam ainda demasiada- mente no sector académico para serem plenamente representativas. Nao deixa de ser interessante observar, contudo, que, nesse mesmo texto, os nao-académicos sao designados por sociological practitioners, com toda a carga que, na sociologia de lingua inglesa, uma tal designagao tem por contraste com o conceito de professionals”. Alias, o ntimero tao baixo de socidlogos estimados pela A.S.A., face a dimensio do pais, s6 pode ser compreendido por incluir apenas os que fazem investigagao dita fundamental (dentro das universidades) e inves- tigagao dita aplicada (fora ou para fora delas) e nao todos os que desem- penham outros papéis profissionais ligados a disciplina. Um caso particularmente interessante € 0 holandés. Na Holanda, 0 pafs de mundo com maior percentagem de socidlogos, a profissionalizagao da sociologia ocorreu bastante cedo, Ja nos anos 50 e 60 muitos socié- logos exerciam profissio fora das universidades. Essa evolugao precoce decorre da procura social e politica da sociologia logo no pés-guerra, nomeadamente por parte des grandes organismos sociais com fungdes de planeamento, procura que se renova nos anos 60 com o desenvolvimento a nivel nacional de uma politica de bem-estar social. Profissionalizagio dos sociélogos em Portugal 61 Assim, no final dos anos 60 e durante a maioria dos anos 70 a oferta de formagdo universitaria cresceu rapidamente e a profissionalizagao tor- nou-se ainda mais alargada. Neste perfodo, os sociélogos holandeses li- gados & administragao ptiblica, aos servigos sociais, ao ensino nao-universitério e 4s empresas eram amplamente maioritdrios. Em 1978, dos 5400 socidlogos que exerciam profisso, 0 sub-conjunto ligado ao ensino universitaério e & investigagéo representava menos de trinta por cento. Os anos 80 marcam o inicio de uma fase em que, sobretudo devido & retraccfio do Estado-Providéncia, os sociélogos encontram dificuldades de entrada no mercado de trabalho e se eleva 0 nimero de desemprega- dos. Em todo 0 caso, a taxa de desemprego dos sociélogos holandeses, nesse periodo, estava abaixo da média nacional do desemprego dos licen- ciados em geral”', Curiosamente, numa pesquisa recente dedicada a analisar a situagio dos socidlogos holandeses comparativamente com outros profissionais cientfficos e técnicos (economistas, juristas e psicdlogos), os autores afas- tam a hipstese de tal situagdo se dever a uma oferta excessiva de diplo- mados ou ao desajustamento da sua formagiio as necessidades do mercado de trabalho. Concluem antes pela influéncia de factores como a menor selectividade dos cursos de sociologia, 0 tipo de instituigées onde decor- reu o trajecto escolar anterior dos estudantes, a sua origem social, com- Posicao etéria e sexual e o estatuto familiar particular das estudantes”. Um terceiro caso, diferente de qualquer dos anteriores, é 0 francés. Em Franga a profissionalizagdo dos socidlogos na esfera exterior 4 uni- versidade e & investigagao € mais tardia e menos desenvolvida do que na Holanda ou nos Estados Unidos da América. Antes de 1968, 0 campo profissionai da sociologia francesa € caracterizado, sobretudo, pelo cres- cimento da pesquisa fundamental, em torno de instituigdes como o Centre Nacional de Recherche Scientifique (C.N.R.S.) a Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (E.H.E.S.S.), entre outras de menor envergadura e prestfgio. Apés aquela data, comega um segundo periodo, marcado principal- mente pelo crescimento do ensino universitdrio da disciplina, ndo sé ao nivel da licenciatura como dos graus subsequentes. Paralelamente, e so- bretudo apés a expansao universitaria, desenvolve-se um terceiro sector, algo incégnito e & margem dos dois anteriores, que € 0 dos socidlogos profissionalizados em instituigdes outras que as do ensino universitério e da investigacao. Assim, em 1987, estimava-se que para além dos cerca de 300 investigadores e dos 400 docentes universitdrios, haveria cerca de 1500 outros socidlogos profissionalizados em empresas industriais, gabi- 62 Fernando Luis Machado netes de consultoria, empresas de sondagens, estudos de mercado e estu- dos sécio-culturais, centros de formagao de adultos, colectividades e or- ganismos locais, instituigdes ligadas & satide e em diversos outros departamentos da administragao ptiblica®. Estes extra-universitérios, regra geral, nado se reconhecem nem sao reconhecidos pelos universitdrios como socidiogos e colegas de profis- so. Como refere Sainsaulieu, “a declaragéo da identidade de socidlogo fora da universidade e do C.N.R.S. nao entrou ainda nos costumes”. Comentando o modelo particular da profissionalizagio dos socidlogos em Franga e a sua diferenga relativamente ao caso holandés em particular, o mesmo autor destaca 0 triplo contexto da origem filosdfica da sociologia, do desenvolvimento recente de instituigdes universitarias de sociologia afastadas dos meios de aplicagao e de uma procura relativamente fraca da sociologia por parte dos meios empresariais e politicos. Sainsaulieu refere ainda 0 contexto de debate ideolégico e politico sobre a sociedade que se manteve ao longo do perfodo de crescimenta das ciéncias sociais e que as implicou profundamente, “ao ponto de conotar ideologicamente qualquer empenhamento na prtica operatéria da socio- logia”, tornada sindénimo de “uma escolha explicita de servigo aos pode- res estabelecidos, abandonando, do mesmo passo, toda a preocupagio critica face 4s estruturas sociais fundamentais”. Um modelo desse tipo dividiu os socidlogos em “puros” e “impuros” e se é verdade que “valo- Tizou a teoria, a investigagao e a liberdade das orientagdes pessoais, re- peliu, ao mesmo tempo, muitas oportunidades de contratos com o terreno das empresas, administrag6es, actividades de acgdo social e colectivida- des locais”, Compreende-se assim que os socidlogos franceses estejam ainda hoje separados em duas estruturas associativas nacionais, a Socieré Frangaise de Sociologie, constituida em 1962, e representando basicamente os uni- versitarios e os investigadores, e a Association Professionelle des Sociologues, formada em 1982, visando uma integragéo mais alargada, mas que inclui mais os extra-universitdrios. Nao pode deixar de se notar que também as afasta a questo “terminolégica” discutida pelos socidlo- gos americanos ha trés décadas atras. Como situar a evolugéo da profissionalizagao dos socidlogos em Portugal neste quadro comparativo? Sem diivida que o desfasamento temporal do desenvolvimento da sociologia no nosso pafs ajuda a explicar as diferengas. Quando a soci- ologia vivia nos pafses centrais onde originariamente se desenvolveu o que unanimemente costuma considerar-se os seus “anos de ouro”, a dé- cada de 60 e princfpios de 70, em Portugal ela era uma actividade quase Profissionalizago dos socidlogos em Portugal 63 clandestina e, por isso mesmo, extremamente incipiente, ndo tendo, no entanto, deixado de langar as fundagdes sobre as quais o desenvolvimento posterior viria a ter lugar. Quando nesses pafses houve ou hd um declinio relativo, em Portugal assiste-se ao reforgo institucional da sociologia e ao répido crescimento das procuras sociais, com consequente profissionalizagao alargada. E por isso legitimo perguntar, como Joao Ferreira de Almeida fazia hd alguns anos atrés*®, mas agora com mais insisténcia, se nao estaremos actual- mente a viver os “anos de ouro” da sociologia portuguesa. Esta é uma perganta a que s6 o tempo ir4 responder cabalmente, até por estarmos demasiado em cima dos acontecimentos para podermos ter sobre eles uma distincia objectivante. Em todo o caso, podem apontar-se alguns pardmetros de equacionamento da resposta. Do lado das procuras sociais nao é irrealista pensar que as oportuni- dades de profissionalizagao poderao continuar a crescer, Para isso poderé contribuir, entre outros factores, a reorientagao governativa recente no sentido de reforgar a resposta aos problemas sociais com que se debate a sociedade portuguesa, o que terd tendencialmente efeitos positivos so- bre a profissionalizacdo de socidlogos e outros especialistas das ciéncias sociais, prolongando o que nos tiltimos nos j4 vem acontecendo nas au- tarquias e em alguns departamentos da administragao central. Num trabalho publicado em 1987, uma das nove teses que Giddens sustenta sobre 0 futuro da sociologia é justamente a do seu envolvimento cada vez mais profundo na formagio de reformas ou politicas sociais, embora reconhega parecer estranho defendé-lo num momento e num pais onde a procura da sociologia, a esse nivel, regredira consideravelmente. Mas, até por isso, Giddens sublinha que essa intervencio crescente da sociologia devera fazer-se néo segundo um “modelo de controle”, isto é, como instrumento unilateral e acéfalo ao servigo de finalidades de con- trole da organizag’o e da mudanga social, mas de acordo com um “mo- delo dialégico”, em que se estabeleca um “processo de comunicagio alargado entre inyestigadores, decisores politicos e os que sio afectados pelos problemas em consideragiio, quaisquer que sejam’””, Do lado da consolidagao institucional da sociologia enquanto ciéncia e profisséo colocam-se, entre outros, dois problemas importantes: um é 0 da auto-regulagao dos socidlogos enquanto grupo profissional em fase de rapido crescimento; 0 outro é o da sua capacidade de afirmaciio interna- cional. Num momento em que a profissionalizagio cresce e se diversifica é normal surgirem quest6es como a da regulagao da oferta de socidlogos, a atribuigaéo do estatuto profissional, a intervencgdo associativa sobre a 64 Fernando Lufs Machado qualidade e a deontologia, as relagGes cient/ficas, profissionais e pedagé- gicas entre a sociologia universitéria e extra-universitéria, em suma, todas as questdes que dizem respeito & problematica mais ampla do fechamento e certificagao dos socidlogos pela sua associagao profissional, no sentido de delimitar e reforgar a qualidade de membro. Como defende Keith Macdonald, as profissdes mais qualificadas poem em pratica “projectos de profissionalizagao”, cujo objectivo final € 0 fechamento social, no sentido de monopdlio sobre recursos, neste caso 0 saber socioldgico. Esses projectos desenrolam-se de forma paralela mas articulada em dois planos: por um lado, na “ordem econémica”, procura- se © monopélio legal sobre servigos baseados nos conhecimentos profis- sionais especfficos do grupo, para o que é decisivo 0 papel do Estado, nao 86 na solicitagdo desses servicos como na legitimagao do respectivo monopélio; por outro lado, na “ordem social” procura-se que a sociedade atribua a essa profisso “respeitabilidade e estatuto elevado”, num quadro de valores e normas culturais onde a “confianga” nesse monopélio de saber desempenha papel central, Nao havendo aqui espago para discutir esta nova proposta da socio- logia das profissées, comparando-a com formulagées anteriores, nomea- damente as de Frank Parkin”, pode dizer-se, em todo 0 caso, e tendo presente a situagao actual dos socidlogos portugueses, que 0 seu projecto de profissionalizagdo esté mais avangado na dimensdo social do que na dimensio econémica do modelo de Macdonald. Se as procuras sociais crescentes da sociologia em Portugal sao sinal inequivoco de prestigio também crescente, j4 no plano econémico se estd longe de uma situagao de monopélio sobre a prestacio de servigos baseados no saber sociolégi- co. Mas, neste ponto particular, e tendo em conta a especificidade da sociologia face a outras disciplinas e profissdes menos “relacionais”, os inconvenientes de um fechamento nao reflexivo podem ser maiores do gue as suas vantagens. Ou seja, como refere Antonio Firmino da Costa, “a auto-reflexividade sociolégica pode permitir-nos, pelo menos, a tenta- tiva de subordinar o fecho a qualidade profissional e 4 responsabilidade social, em vez de subordinar estas tltimas 2 mera instrumentalidade do fecho”. Por outras palayras, 0 combate a eventuais tendéncias de desregulagao ¢ usurpagiio da sociologia enquanto profissio nao deve res- valar para meras “convengées cerimoniais de defesa de privilégios de exclusio” nem para um “corporativismo estreito”*”, Além disso, a discussao sobre estratégias de fechamento nfo deve sé ter em conta a possibilidade de haver quem se intitule indevidamente profissional de sociologia, mas a eventualidade contréria, ou seja, a de Profissionalizagao dos socidlogos em Portugal 65 um ntimero significativo daqueles que tm condigdes para pertencerem a uma associagio de socidlogos estarem fora dela. Num texto em que analisa as diferentes propriedades dos grupos sociais, Merton recupera de Simmel o conceito de “integragio” ou “integralidade” para designar a “proporcdo entre os membros actuais de um grupo ou organizacfo e os seus membros potenciais, isto é, aqueles que satisfazem os critérios operantes para a filiagdo”"', A maior ou menor integragio de um grupo afecta, ainda que de forma nio linear, a sua influéncia. Como exemplo, Merton pde em contraste a situago de dois dos grupos profissionais com maior capacidade de integragao na socieda- de americana nos anos 50; a Associagéo Médica Norte-Americana e a Associagiio das Enfermeiras Norte-Americanas. Apesar da segunda, com os seus 178.000 membros em 1956, ser bastante maior do que a primeira (140,000 sdcios na mesma data), aquela consegue uma muito maior apro- ximagao entre o ntimero potencial e real de aderentes, factor que também contribui para 0 seu maior poder. No caso da Associacao Portuguesa de Sociologia, a discussdo sobre estratégias e tacticas de fechamento e certificagdo nfo pode fazer-se sem pensar qual o grau de integragdo efectivamente atingido. S6 se pode avaliar o significado do ntimero actual de membros se se tiver ideia do numero total de socidlogos a exercer actividade profissional em Portugal Uma associagio cientifica e profissional nao é certamente tao forte como desejaria se uma parte significativa dos que podem e devem pertencer-lhe nela nao estiverem ou nao quiserem filiar-se. Relativamente ao segundo problema atrés enunciado, o da afirmagio internacional, uma nota breve apenas. A expansao interna da sociologia em Portugal nfo tem tido tradugdo imediata no plano externo, embora também aqui tenha havido uma evolugio positiva, Adoptando uma ima- gem utilizada para descrever a situagdo dos socidlogos holandeses a este mesmo respeito, pode dizer-se que os socidlogos portugueses também estdo por tras de um “one way mirror”, ou seja, uma “situagio favordvel para observar os outros, mantendo-se a si préprios invisiveis”?. Os socidlogos portugueses estio, com efeito, habituados a incorporar a diversidade das perspectivas socioldgicas, tal como ela é veiculada, com sobreposigées varias, pela diversidade lingufstica e nacional da so- ciologia mundial. Mas, por isso mesmo, também esto em boas condigdes para dar conta de que, embora menos do que ha alguns anos atrés, ainda é comum encontrarem-se trabalhos, alegadamente de sistematizagao uni- versal de conhecimentos nesta ou naquela drea da sociologia ou até para a disciplina como um todo, em que a quase totalidade das referéncias bibliogréficas se confinam estreitamente ao universo linguistico dos res- 66 Fernando Luts Machado pectivos autores, para nao falar dos casos dos que se confinam a uma sé corrente ou escola, Se a internacjonalizac fia da sociologia portuguesa € muito mais feita pela lado do consumo, havendo, por isso, uma balanga de trocas intelec- tuais fortemente deficitéria, pelo menos desse provincianismo global de muita produgao sociolégica dita internacional os socidlogos portugueses nao sofrem, e ele no é certamente um mal menor. 3. Elementos de caracterizac4o socioprofissional dos socidlogos portugueses Um melhor conhecimento sobre a dimensdo ¢ os contornos da profissionalizagio dos socidlogos em Portugal, e até a clarificagio dos termos em que se podem discutir algumas das questdes jd enunciadas e outras a referir no ponto seguinte, poderiam ser obtidos se se dispusesse de uma boa sociografia dos socidlogos portugueses. As fontes de informacdo sobre a composigio socioprofissional dos que exercem profissio como sociélogos sao, no entanto, limitadas. Do lado das estatfsticas oficiais, nenhum dos Ultimos recenseamentos gerais da populagiio permite isolé-los como categoria profissional, ja que apare- cem agregados, em termos de codificagao e tratamento estatistico, em conjuntos profissionais mais amplos®. Do lado das associagdes apenas foi possfvel fazer alguns levantamentos parcelares, que 0 préprio ritmo de crescimento da profissiio rapidamente desactualizou. Nao correspondendo ao universo nem a uma amostra controlada des- se universo, a base de dados dos membros da Associagiio Portuguesa de Sociologia acaba assim por ser o registo mais alargado actualmente dis- ponivel e é esse que aqui é utilizado para uma aproximagao ao estudo da composicao profissional dos sociélogos portugueses. Tal aproximagéio tem portanto limitagdes, nomeadamente no sentido da subestimagaéo do ntimero de socidlogos profissionalizados. © préprio conhecimento obtido através de contactos interpessoais mostra que, nos varios sectores de actividade, hd um nmtimero indeterminado de sociGlogos que nao sao membros da APS*. Contudo, essa fonte tem, pelo menos, uma importante virtualidade, que é a de permitir fazer essa aproximagao sociografica de forma retros- pectiva, ou seja, proporcionando a comparagao entre a situagio actual e as que eXistiam em momentos anteriores. Sem perder de vista que, em qualquer das datas, a informagao disponfvel nao permite tragar um retrato completo dos socidlogos portugueses, tomou-se a opgio de escolher para Profissionalizagao dos sociélogos em Portugal 67 tempos de referéncia os anos de realizagao dos trés congressos realizados pela APS. Como se pode yer nos Quadres 3 ¢ 4, os membros da APS conhece- ram um duplo processo de rejuvenescimento e de feminizagao. Em 1988 os homens eram ligeiramente maioritdrios, mas essa tendéncia inverte-se jd em 1992 e reforca-se substancialmente em 1996. Relativamence aos escaldes ctdrios, assiste-se ao crescimento acentuado dos membros com menos de 29 anos, cuja percentagem mais do que dobra durante 0 perfodo em andlise, a0 passo que o nimero daqueles que tém mais de 40 anos ou de 50 anos diminuem regularmente. O escaldéo dos 30-39 anos mantém- se como categoria modal, apenas com ligeiras oscilagoes. Quadro 3: Evolugao da composigdo sexual dos membros da Associago Portu- guesa de Sociologia (%) 1988, 1992 1996 Homens 56 44 37 Mulheres 44 56 63 Total 100 100 100 Fonte: Associagiio Portuguesa de Sociologia Quadro 4: Evolugio da estrutura etaria dos membros da Associagao Portuguesa de Sociologia (%) 1988 1992 1996 até 29 anos 14 32 30-39 anos 44 38 40-49 anos 30 27 21 30 ou + anos R 12 9 Total 100 100 100 Fonte: Associagio Portugucsa de Sociologia. Jétinha referido atras que a juventude no é uma caracteristica exclusiva do grupo profissiona] dos socidlogos, mas antes um trago comum a todas as profissées cientificas e técnicas em geral, 0 que tem a ver com o seu cres- cimento muito répido nas duas tltimas décadas, a partir de valores extrema- mente baixos que se observavam nos anos 60 e mesmo nos anos 70, 68 Fernando Luis Machado Algo de similar se passa com a feminizagao da profissio. Com efeito, 9 crescimento das profiss6es intelectuais e cientsficas € acompanhado por uma recomposicao sexual significativa, que se traduz no facto de, a data do dltimo recenseamento geral da populagio, homens e mulheres terem uma representagio paritdria nessa categoria profissional. Diga-se, alids, que a feminizagao das profissées intelectuais e cientificas esta ela propria ligada a duas outras mudangas estruturais importantes na sociedade por- tuguesa dos tltimos trinta anos: a progressdo rapida do nimero de mu- Theres a exercer profissao e do ntimero de mulheres, hoje jé maiaritario, a frequentar a universidade*s, Em todo 0 caso, € notério que, dentro desse grupo profissional mais amplo, a feminizagdo dos socidlogos esté acima da média. No momento actual, enquanto entre os que tém mais de 50 anos ainda existem mais homens do que mulheres (69 para 31 em cada 100), no escaldo abaixo dos 30 anos a proporgao de mulheres passa os oitenta por cento. E uma situagdio semelhante & de outras profissées da drea das ciéncias saciais & humanas, em contraste com aquelas que, embora conhecendo também um processo de recomposigao sexual, mantém uma predominancia masculi- na, de que é exemplo grande parte dos ramos da engenharia. Também no plano da distribuigio geografica se verificaram altera- gies significativas. Como se sabe, as trés primeiras licenciaturas em Sociologia apareceram em Lisboa (duas) e Evora, ainda nos anos 70. Sé mais tarde, na segunda metade da década seguinte, surgiram as licenci- aturas no Norte e Centro. Acompanhando esse movimento de constituigao de licenciaturas em diferentes pontos do espago nacional ¢ respectivos efeitos de difusdo regional, entre 1988 e¢ 1996 assiste-se 4 formagado de comunidades sociolégicas de dimensdo quantitativa considerdvel noutras zonas do pafs para além de Lisboa. E certo que a regiao de Lisboa e Vale do Tejo mantém larga ascen- déncia neste aspecto, ainda que aparentemente em desaceleragao ligeira (de 72 para 67 por cento nos tiltimos quatro anos). Para essa concentragio contribuem, entre outros factores de natureza mais geral, nfo sé a exis- téncia de trés licenciaturas em Sociologia, como o facto de duas delas serem simultaneamente as mais antigas — [SCTE e FCSH da Universi- dade Nova (esta do mesmo ano que a licenciatura da Universidade de Evora) — e as que formam anualmente mais licenciados. Mas em termos de ritmos de crescimento as regides Centro e Narte tomam a dianteira. No perfodo em andlise os membros da A.P.S. da regio Centro crescem quase ito vezes, passando de cinco para nove por cento do total, ao passo que os da regido Norte crescem seis vezes e passam de dez para quatorze por cento. Profissionalizagiio dos sociélogos em Portugal 6 Quadro 5: Evolugio da distribuigio geografica dos membros da Associagio Portuguesa de Sociologia (ntimeros e percentagens) 1988 1992 1996 A 1988/ 1996 N % N 4% N % Norte 20 «1046 9 121 14 +61 Centro 10 Sees 28 6 79 9 +79 Lisboa e Vale do Tejo 140-720-3530 72604 67 +43 Alentejo 12 6 46 9 50 6 +42 Algarve 6 3 9 2 16 2 +27 Agores 5 3 7 1 13 I +26 Madeira 1 1 4 1 u 1 4110 Total 194 100 493 100 894100 +46 Fonte: Associagao Portuguesa de Sociologia No Alentejo ha uma estabilizagio entre 1992 e 1996, depois de um salto no quadriénio anterior, enquanto no Algarve e nas Regides Auténo- mas dos Acores e da Madeira as coisas colocam-se a uma escala diferen- te, sendo contudo de assinalar, em qualquer dos casos, a formagio de pequenos micleos. A comparar com o que acontecia em 1988, poderao ser o principio de futuras novas comunidades regionais. Mas © que aconteceu, nestes oito anos, em termos profissionais pro- priamente ditos? Os Quadros 6 e 7 mostram as alteragées ocorridas na distribuigdo dos membros da APS pelos varios tipos de instituigdes onde esto profissionalizados e por categorias profissionais, respectivamente. A linha de recomposigio profissional mais notéria é, sem divida, a progressiva e muito considerdvel diminuigio do peso relativo dos socidlogos inseridos em instituigdes de ensino e investigagio univer- sitéria. Eles passam de 61% em 1988 para 33% em 1996. Tendo cres- cido, como todas as outras insergdes, em valores absolutos, acompanhan- do o movimento mais geral de crescimento da comunidade profissional no seu conjunto, foi, entre todas elas, a que o fez a uma taxa mais baixa, E preciso dizer, em todo 0 caso, que é significativo o facto de, mesmo assim, ter duplicado o ntimero de sociélogos neste sector de actividade. E: duplicagio mostra que 0 processo de profissionalizagaio progressiva dos 70 Fernando Luts Machado socidlogos durante 0s tiltimos anos também ocorreu nas instituigdes univer- sitérias onde a sociologia esta presente, traduzindo o movimento de conso- lidagdo institucional e diversificagio regional da disciplina a esse nivel. Quadro 6; Evolugdo das insergdes profissionais dos membros da Associagiio Portuguesa de Sociologia (niimeros absolutos ¢ percentagens) 1983 1992 1996 A 1988/ 1996 N % N % N % Inst. Publicas de Ensino Universitario e Investigagio uy 61186 41 252 33, + 2,2 Esc. Superiores de Educagiio ¢ Ensino Politéonico 6 See alee cea Saeed +55 Estab. de Bnsino SuperiosPrivado 6 3 OD ase 5 + 6.0 Estab. de Ensino Secundario, Profissional ¢ Primério 9 5 4 1 4 6 +90 Centros de Investigagio Pablicos ¢ Privados (nao-universitarios) 1 5 i 15 2 + 15,0 Empresas de Servigos 3 Vode) 2210 +240 Empresas Industriais 2 Tees eee ode ea) + 12,0 Administragiio ¢ Emp. Publicas 28 1S 848188 +63 Autarquins 9 5 8 6 6 9 +71 Outras situagoes rn 6 2 § 39 +3,5 Total 192 100 456 100757 ‘100 +39 Fonte: Associagao Portuguesa de Sociologia Mas a conclusdéo mais importante a retirar desta evolugdo € que a sociologia portuguesa entrou numa fase em que a insergio profissional nas universidades pUblicas deixou de ser a parte que quase correspondia ao todo, como acontecia hd dez ou quinze anos atras. Até pelo bloquea- mento recente de novas contratagGes, esse segmento do mercado de tra~ Profissionalizagio dos sociélogos em Portugal 7 balho est relativamente estabilizado e o seu crescimento futuro sera provavelmente muito mais reduzido do que até aqui Quadro 7: Evolucao das categorias profissionais dos membros da Associagio Portuguesa de Sociologia (mimeros absolutos ¢ percentagens) 1988 1992 1996 A 1988/ 1996 N % N % N % Docentes do Ensino Superior e Investigadores de Instituigdes Publicas e Privadas 131 67 173 «3833143 Docentes do Ensino Secundario 9 SiteaoeeOiiag) 6 +53 Formadores ¢ Outros Docentes 3608 3 -a7 Quadros e Especialistas da Administragio Ptiblica e das Empresas 423 156 Gaal +58 Quadros Dirigentes da Administragio Péblica © das Empresas 1 1 10 6 + 16,0 Outras Profissdes 8 4 56 12 87 12 + 10,8 Total 193 100 456 100 763 100 +39 Fonte: AssociagZo Portuguesa de Sociologia Hoje, esse sector nao sé j4 nao é maioritdrio. como © conjunto de lugares profissionais onde se ensina e se faz investigag¢4o sociolégica se diversificou. Ele j4 nio engloba s6 as faculdades e escolas de sociologia propriamente ditas, ou seja, as instituigdes que ministram licenciaturas, mestrados e doutoramento na disciplina, mas inclui um sub-conjunto importante de lugares numa gama variada de outras instituigdes de ensino superior, ptiblico a privado, universitario e politécnico, onde as matrizes curriculares predominantes sio constituidas por outras areas disciplina- res, embora em alguns casos de recorte temdtico relativamente préximo da sociologia. O aumento do ntimero de socidlogos em universidades privadas e em Escolas Superiores de Educagao é disso sinal. 72 Fernando Luis Machado De destacar também os lugares profissionais extra-universitaérios onde se faz investiga¢ao sociolégica. Nao se trata aqui dos centros ou institutos de investigacio que, embora sob figura juridicas privadas, tm uma es- treita ligacdo as universidades, sendo constitufdos basicamente pelos seus docentes, mas de instituigdes que prestam servicos de investigaciio soci- oldgica ao mercado em geral. A sua existéncia traduz exemplarmente 0 desdobramento das formas de oferta e de procura da sociologia. Essas instituigdes podem ser piblicas, de que o caso talvez mais conhecido é 0 Grupo de Ecologia Social da Laboratério Nacional de Engenharia Civil, mas so principalmente privadas. Em alguns casos fazem s6 investigagio aplicada, noutros combinam investigag4o e intervengao sociolégica, podendo ainda prestar outros servigos como seja a consultoria ¢ a formagio. Deste sub-grupo de investigadores extra-universitérios fazem ainda parte os socidlogos que se encontram em duas outras situagdes. Uma é a dos que possuem ou trabalham em pequenas empresas, as quais, para além de investigagdo, tém outras valéncias, como sejam a consultoria, a formacao, ou ainda uma modalidade particular de prestagao de servicos sociolégicos que é serem sub-contratadas para realizarem certas fases de pesquisas extensivas de iniciativa universitdria. Outra € a dos que traba- Iham nas grandes empresas de sondagens e estudos de mercado (no Quadro 6 uns e outros aparecem subsumidos na categoria “empresas de servi- cos”). O seu ntimero global é dificil de estimar, mas parece ser um dos casos em que os valores da filiagdo associativa estio mais distantes da realidade do campo. Esse é, de resto, também o caso dos docentes do ensino secundaria e de outros graus de ensino ndo-universitdrio. E talvez o sector onde a proporcdo de filiados na APS 6 mais baixa e onde, dada sobretudo a permanente dificuldade em aceder a leccionagao da disciplina de socio- logia, a identidade profissional e 0 contacto com a comunidade profissi- onal no seu conjunto mais se desvanece. De qualquer modo, e tanto quanto as informagées disponiveis, nao sd por esta via como por outras, dao a entender, € um sector também minoritério em termos da economia global da profissionalizagao dos socidlogos. Um sector onde a presenga de profissionais de sociologia conheceu um aumento acentuado foi o da administragio publica central e local. Af eles passaram de 20% em 1988 para 32% em 1996. No caso da administragdo central 0 ntimero de socidlogos cresceu seis vezes e nas autarquias sete. Dentro da administragio central, enquanto técnicos superiores, os cidlogos distribuem-se por um leque amplo de areas de actuagio, inclu- indo os departamentos ligados ao emprego, formagao ¢ orientagio profis- Profissionalizagio dos socidlogos em Portugal B sional, seguranga social, educagao, reinsergdo social, mas também os gabinetes de estudos e planeamento de diferentes ministérios, as comis- sdes de coordenagao das varias regides ou o aparelho estatfstico nacional. Nas autarquias a actividade profissional é igualmente diversificada. Um estudo recente sobre a profissionalizagdo neste dominio, através de inquérito dirigido aos socidlogos que af trabalham, identifica, entre ou- tras, as dreas de gestao do parque habitacional, planeamento e gestao urbanistica, protecgao civil, recuperagdo de zonas hist6ricas, acgao social, cultura, educag&io, formacao, ambiente, havendo ainda socidlogos que ocupam lugares de assessoria ao nivel politico. A generalidade dos entrevistados nesse estudo reconhece tratar-se de um sector onde as perspectivas de profissionalizagao so amplas, cobrin- do potencialmente todas as dreas de intervengdo autarquica, e destacam igualmente 0 quadro pluridisciplinar em que essa profissionalizagiio ocor- re™, O sector das empresas privadas, industriais e de servigos, é aquele em que, aparentemente, a profissionalizagéo de socidlogos tem evolufdo a niveis mais modestos. A falta de modernizagdo do sector industrial, a forte predominancia de pequenas empresas com presenga escassa de quadros e a lenta evolugio das filosofias de gestio sao factores, entre outros, que ajudam a explicar essa evolugao mais lenta. ‘Vio-se somando, no entanto, os casos de sociélogos com trajectos profissionais bem sucedidos, tanto nas grandes empresas industriais, como em PME das mais avangadas, sendo certo que, também neste sector, as linhas de actuagao potencial sio diversificadas. Elas vo desde a realiza- go de estudos, de diagnésticos de problema ou da implementago de projectos de mudanga e respectivo acompanhamento até ao aconselhamento e assessorias varias, tanto a nivel central do planeamento estratégico da empresa como nos departamentos de recursos humanos, de produgio, de estudos e projectos, entre outros”, Ha, finalmente, alguns sociélogos inseridos em instituigdes de natu- reza diferente de qualquer das anteriores e que, no Quadro 6, aparecem agregados na categoria “outras situagdes”. Esto af incluidos sindicatos, meios de comunicagao social, instituigdes privadas de solidariedade soci- al ou fundagées. Agrupando agora os sécios da APS nas seis categorias patentes no Quadro 7, podemos ter uma visio mais integrada da evolugdo do peso especifico das principais condigdes profissionais. O grupo dos docentes do ensino superior € dos investigadores de instituigées puiblicas e priva- das cai de perto de setenta por cento em 1988 para pouco mais de qua- renta por cento em 1996. Continua a ser o grupo maioritério, sendo que 74 Fernando Luis Machado esto aqui inclufdos nao s6 os docentes e investigadores dos estabeleci- mentos universitérios de sociologia, como todos os que leccionam ou fazem investigacdo sociolégica em varios outros contextos profissionais, atrds enunciados, Em sentido contrario progrediu a profissionalizagaéo na administragao ptiblica e, em menor proporgao, nas empresas. O grupo dos quadros ¢ especialistas da administragao publica central e local e das empresas representa actualmente jd um terco do emprego de socidlogos. No caso dos docentes do secundario 0 peso numérico é muito mais reduzido, embora aqui existam as dificuldades ja referidas de avaliagio rigorosa da sua expressdo real, Em conjunto com a categoria “formadores e outros docentes” nao chegam a dez por cento dos filiados na associa- gdo. Relativamente a este Ultima categoria, a apesar do seu peso diminu- to, é de salientar, no entanto, uma recomposigao de perfil. De acordo com os dados de 1992 ela era composta principalmente por professores primd- rios € mesmo educadores de infincia, Mas em 1996, ao mesmo tempo que estas posicdes profissionais praticamente desaparecem, 0 que indicia percursos de mobilidade profissional, surgem os sociélogos que traba- Tham como formadores em instituigdes como associagdes empresariais, associages de desenvolvimento regional, empresas, entre outras. Registe-se ainda o pequeno ntimero de quadros dirigentes da adminis- tragao ptiblica e das empresas, fenédmeno de participagdo ou cooptagio pelo poder politico e empresarial que é familiar para outras profissdes cientificas, como é historicamente o caso dos juristas e dos engenheiros ou, mais recentemente dos economistas e gestores, e 0 conjunto dos que ocupam “outras profissdes”. Neste tiltimo estao inclufdos quer os socidlogos, j4 mencionados, que trabalham em contextos profissionais outros que nao o das universidades, da administragdo publica e das empresas, mas principalmente aqueles membros da A.P.S. que, embora com qualificagio em sociologia, nio desempenham fungées profissionais como quadros ou técnicos superio- res, mas sim tarefas intermédias ou de execugao. Parte deles esto em empresas de servigos e outra parte na adminis- trago central. Sao pessoas que j4 ai trabalhavam enquanto frequentavam a universidade e que, apés completarem a licenciatura, nado véem alterar- -se, pelo menos em termos imediatos, 0 seu estatuto profissional ou que s6 comegam a trabalhar apés completarem 0 curso, mas nao encontram, logo apés a licenciatura, outra colocagao profissional. O peso especifico deste sub-conjunto pode ser observado no Quadro 8, onde aparece numa categoria & parte com a designagado “profissdes intermédias e de execugdo”. Como se vé representa 9% do total de mem- Profissionalizagdo dos sociélogos em Portugal 15 bros da associagao, sendo diffcil saber até que ponto esta percentagem corresponde ao seu peso efectivo no conjunto dos licenciados em socio- logia. Valeria a pena seguir os respectivos trajectos profissionais para ver em que medida esses licenciados — que s&o aqueles sobre os quais se pode verdadeiramente dizer que no desempenham actividades profissio- nais ligadas a sociologia — acabam ou nao por conseguir lugares com- pativeis com as suas qualificagdes. Indo agora a0 Quadro 8 de forma mais sistematica pode ver-se nao s6 um desdobramento dos papéis profissionais dos sociélogos em categorias mais finas, como a distribui¢do desses categorias por escalées etérios ¢ sexos. A andlise mais desagregada permite precisar e complementar a per- cepgdo do espectro actual da profissionalizagao, como seja 0 peso dessas profissSes intermédias e de execugio, mas ainda dois pontos adicionais. Em primeiro lugar, e porque Se trata de uma das linhas de evolugdo mais interessantes no processo de profissionalizagao dos socidlogos, pode avaliar-se 0 peso especifico dos investigadores extra-universitdrios (6%). Ai incluem-se, como j4 foi dito, tanto os que trabalham em instituigdes de investigacio ptblicas e privadas nao universitérias** como os de em- presas de servigos, sejam os das grandes empresas de sondagens e estu- dos de mercade, sejam os das pequenas empresas que actuam aproximadamente nesse mesmo mercado. Trata-se de um sector de ex- pressio muito mais reduzida, mas que se distingue do grupo dos docentes e investigadores do ensino superior publico e privado propriamente ditos (37%). Em segundo lugar, 6 possivel perceber melhor a composigao interna da categoria quadros e especialistas da administragio ptblica e das em- presas. Para além dos técnicos superiores da administragao central e das autarquias, que representam no seu conjunto 20% ¢ sao a principal com- ponente dessa categoria, pode-se ainda verificar 0 peso particular, relati- vamente reduzido, dos quadros e especialistas das empresas (3%) e daqueles que, tanto nas empresas como na administragio central, tém fungées espectficas como técnicos de recursos humanos, consultores ou coordenadores de formagio (5%). Os “outros quadros especialistas” (6%) sdo socidlogos que desempenham actividade profissional de contornos variados em instituigdes que nao cabem em nenhuma das categorias pre- cedentes e que foram ja assinaladas. No que toca, agora, ao perfil etério e sexual das categorias profis onais apontadas no Quadro 8 so de destacar algumas variagdes impor- tantes, indicando que o dupio processo de rejuvenescimento ¢ feminizagio da comunidade sociolégica ocorre a ritmos diferenciados de uma catego- ria para outra. ie 16 Fernando Luis Machado Quadro 8: Categorias profissionais dos membros da Associacio Portuguesa de Sociologia, por escaldes etdrios sexos, em 1996 (mimeros absolutos e percentagens) N % até 39 anos + 39 anoy (He) -M (68) (s) ® Docentes/Investigadores do Ensino Superior Piblico e Privado 2873750 50 5446 Docentes do Ensino Secundsrio 8 6 30 50 3565 Formadores ¢ Outros Docentes sereea iter g3 7 40 60 Investigadores de Instituigdes Pablicas e Privadas (nao universit) 44. &@ 83 7 38 2 Dirigentes da Administragio Piiblica e das Empresas 1Gcece oes 15 6 3 Téc. Recursos Humanos, Consultores ¢ Coordenadores de Formagio 37580 20 19 81 Quadros e Especiatistas de Empresas Poblicas ¢ Privadas 22s ea » 328 Quadros ¢ Especialistas da Adm Pablica (iéenicos superiores) 8B 2 6 39 3268 Quadros e Especialistas dus Autarguias 6.8 87 13 n B Outros Quadros ¢ Especialistas 4 6 56 44 32 68 ProfissOes Intermédias e de Execugio a 2 S546, Ouiras situagdes Dia eeeo7 33 3862 Total 764 100 70 30 37 63 Fonte: Associagio Portuguesa de Sociologia A leitura principal que se pode fazer, em termos genéricos, € que as categoria profissionais mais institucionalizadas, ou seja, as que se pode- riam considerar “mais antigas” no fosse a juventude global da profissio de socidlogo no nosso pas, so aquelas onde o peso do escaléio abaixo dos 40 anos e das mulheres € mais baixo; em contrapartida, as categorias profissionais de afirmagdo e crescimento mais recente sao, simultanea- mente, mais jovens e mais femininas. Profissionalizagao dos sociélogos em Portugal 1 A tinica excepedo a esta tendéncia geral é dos quadros dirigentes da administragdo publica e das empresas. Tratando-se de uma categoria pro- fissional onde a presenga de sociGlogos s6 recentemente parece ter assu- mido algum significado, a presencga feminina e dos mais jovens é, comparativamente, bastante mais baixa. O facto de 71% dos que ocupam esses lugares terem mais de 39 anos deve-se sobretudo a que 0 acesso a tais lugares ocorre, regra geral, quando se tem ja uma carreira profissi- onal relativamente longa. J4 0 desequilibrio na proporeao dos dois sexos 36 confirma aquilo que é ainda, embora em perda, um trago estrutural na composigiio dos lugares profissionais de topo na sociedade portuguesa. E interessante notar, contudo, que os valores de 1991 relativos & composi- cao sexual da categoria censitaria dos “directores e quadros dirigentes do estado” é bastante mais desproporcionada do que esta: af, em cada cem individuos s6 vinte sio mulheres. Para além desse, 0 Ginico caso em que os homens superam em numero as mulheres é 0 dos docentes e investigadores do ensino superior, regis- tando-se também nesta categoria paridade entre os mais e os menos jovens. Situag4o oposta é a dos quadros e especialistas das autarquias e a dos técnicos de recursos humanos, censultores e coordenadores de formacao. Em qualquer dos casos 2 percentagem de mulheres ¢ de individuos com menos de 40 anos estd bem acima das médias respectivas, constituindo os primeiros a categoria mais jovem de todas (87% com menos de 40 anos) € os segundos a mais feminizada (81% sao mulheres). Ainda com um perfil etdario marcadamente jovem destacam-se os investigadores extra- universitérios e os formadores e outros docentes. Por seu lado, os quadros e especialistas da administragao publica e das empresas publicas e priva- das apresentam taxas de feminizacio igualmente bem acima das taxas médias. Para completar estes elementos de caracterizagio sociografica dos membros da Associagdo Portuguesa de Sociologia vejamos como se distribuem regionalmente as suas pertengas profissionais em geral (Qua- dro 9), particularizando o caso dos que estao profissionalizados em C4- maras Municipais (Quadro 10). No que se refere ao conjunto das pertengas profissionais ¢ no- tdrio, num primeiro olhar, o contraste entre as regides Norte e Centro, por um lado, e as regides de Lisboa e Vale do Tejo e do Alentejo, por outro, No caso das duas primeiras a distribuigo dos socidlogos pelos prin- cipais tipos de insergdes profissionais 6 mais desiquilibrada. Ha uma considerdvel concentragio nas instituiges de ensino e investigagdo e 78 Fernando Luis Machado efectivos mais reduzidos na administrag&o publica e nas autarquias. Re- giste-se, contudo, que no respeitante a profissionalizagao em empresas a regiao Norte apresenta valores iguais aos da média nacional. Quadro 9: Insergies profissionais dos membros da Associag%io Portuguesa de Sociologia, por regides, em 1996 (percentagens em linha) Ensino Administragio — Autarquias. Empresas Outras € Investigagao Pablica situagdes Central Norte 65 7 2 13 3 Centro 67 15 6 7 6 Lisboa e Vale do Tejo 46 24 10 14 6 Alentejo 41 36 9 4 4 Total 31 23 8 13 5 Fonte: Associagio Portuguesa de Sociologia A distribuigéo na regiio de Lisboa e Vale do Tejo € a menos assimétrica. O grupo dos que trabalham no ensino e na investigagio continua a ser maioritario, mas todas as outras pertengas institucionais mostram valores significativos e mais altos, em qualquer dessas perten- gas, do que os do Norte e do Centro. O Alentejo, embora se assemelhe a regiao de Lisboa no que diz res- peito ao peso percentua) do ensino e investigagao, configura ainda um outro tipo de distribuigéo. E af que se encontram a percentagem mais alta de socidlogos na Administragao Publica Central, a segunda mais alta nas autarquias € a mais baixa relativamente a profissionalizagéo em empre- sas. Quanto ao Algarve e as Regides Auténomas da Madeira e dos Aco- res, 0 pequeno numero de associados retira significado a distribuigao das pertengas profissionais e nado permite fazer uma comparagiio adequada com as outras zonas do pafs. De qualquer modo, os ntimeros disponfveis mostram que tanto no Algarve como nos Agores, os socidlogos sio em maior ntimero nas universidades locais, ao passo que na Madeira, até pela criagéo mais recente da universidade, a maioria se encontra na Adminis- tragio Regional. Em nenhuma das Regides Auténomas ha registo de socidlogos em empresas ou em autarquias, pelo menos entre os que tém filiagdo associativa. Profissionalizagio dos socilogos em Portugal 9 Abstraindo de eventuais e provaveis diferengas regionais ao nivel das procuras sociais da sociologia, factor que nao € possivel avaliar substan- tivamente, a linha de interpretagdo 4 partida mais plausivel para estas distribuigdes € a que tem a ver com o diferente calendario de implantagio dos cursos de sociologia nas varias zonas do pais e consequentes tempos diferenciados de difusio regional, no que respeita & oferta, visibilidade e colocagiio dos respectivos licenciados. Nao sera certamente por acaso que as regides onde existem ha mais tempo licenciaturas na disciplina — Lisboa e Alentejo — sio justamente aquelas onde a sociologia apresenta um padrao de profissionalizagdo mais aberto e consolidado. Além disso, as licenciaturas do [SCTE e da Univer- sidade Nova de Lisboa so também as que desde sempre colocam anualmen- te no mercado de trabalho um maior némero de licenciados, 0 que s6 por si também proporciona maior diversificagao dos trajectos profissionais. Se esta hipétese estiver correcta, e 4 medida que se for enraizando a presenga institucional da sociologia nas zonas do pais onde ela é mais recente, significa que os contrastes nos actuais padrées de profissionalizagao regional dos socidlogos tenderfo a diminuir, nomeada- mente no que respeita as proporgGes relativas de profissionais intra e extra-universitarios. Na interpretago dos resultados do Quadro 9 nao pode perder-se de vista, no entanto, e mais uma vez, que os nimeros apresentados dizem respeito aos socidlogos filiados na APS e nao ao conjunto maior dos profissionais de sociologia, Quer isto dizer que as diferengas regionais, para além de expressarem principalmente processos de profissionalizagio desfasados no tempo, podem expressar, secundariamente, Jégicas e tem- pos diferentes de filiagao associativa. Relembrando 0 jé comentado trajecto de crescimento da APS, vemos que ele se deu de dentro para fora do mundo universitario, 4 medida que novas vagas de licenciados daf iam saindo. Nao é de excluir que este processo global tenha tradugées locais, o que ajudaria a explicar 0 recru- tamento associativo extra-universitério mais limitado nas regides onde as licenciaturas sao mais recentes e, por isso, sé hé poucos anos comegaram a formar licenciados. Esse recrutamento tenderd, porém, a aumentar na medida em que, por um lado, os socidlogos extra-universitdrios dessas regides forem encontrando e consolidando nao sé os seus papgis como a sua identidade profissional e, por outro lado, as escolas e faculdades de sociologia af funcionem, também, como centros difusores de cultura as- sociativa. Observemos finalmente a presenga de socidlogos em autarquias lo- cais, em particular. 80 Fernando Luis Machado Para além dos 61 membros da Associagao Portuguesa de Sociologia profissionalizados em 23 Camaras Municipais, foi possfvel comprovar a presenga de socidlogos nao-membros da A.P.S. noutras oito CAmaras Municipais, das vérias regides do pais, o que perfaz um total de trinta e uma autarquias e mais de setenta profissionais de sociologia®. Além destes ha ainda outros, sobretudo nas autarquias de maior dimensdo, destacan- do-se 0 caso especifico da Camara Municipal de Lisboa onde o nimero de socidlogos rondar4, entre filiados e nao-filiados, as quatro dezenas. Para termos uma ideia mais precisa da evolugao recente da profissionaliza neste sector, veja-se os resultados de um inquérito realizado em 1987, junto dessas instituigdes, sobre o recrutamento de socidlogos. Nessa altura, das 171 respostas recebidas, apenas 17 Camaras afirmaram terem socidlogos nos seus quadros e cerca de 100 outras dis- seram nao precisarem ou nao saberem 0 que sao socidlogos, muitas mais do que as que reconheceram terem necessidade de um“. Quadro 10: Membros da Associagio Portuguesa de Sociologia em CAmaras Municipais, por regides, em 1996 (ntimeros absolutos) CAmaras. Sovidlogos Norte 2 2 Centro 3 4 Lisboa e Vale do Tejo 12 49 Alentejo 4 4 Algarve 2 2 Regides Auténomas Total 23 61 Fonte: Associagio Portuguesa de Sociologia Tanto quanto os dados disponfveis mostram, hd um contraste acentu- ado entre a regido de Lisboa e Vale do Tejo e 0 resto do pais, ndo s6 no respeitante ao nimero de Camaras Municipais com socidlogos, mas prin- cipalmente no-ntimero global de profissionais af inseridos. Para além do caso especial do municfpio de Lisboa, ha varios outras autarquias, nome- adamente do distrito de Lisboa, que contam com varios profissionais de sociologia Mas este contraste nao é 0 tnico importante. Numa andlise mais fina, transversal as regides tal como estio definidas, a diferenga que ressalta é Profissionalizagao dos sociélogos em Portugal 81 entre o litoral e 0 interior do pafs, confirmando, de resto, uma omnipre- sente assimetria de mais vastas dimensdes e implicagées. Factores como a dimensio das autarquias, as suas dificuldades finan- ceiras, as Orientagdes no que concerne 4 contratagaéo de quadros e técni- cos superiores, as prioridades estratégicas definidas, a filiagao politica, e até o funcionamento positivo ou negativo de efeitos de exemplo, inter- nos ou préximos, no que ao papel dos socidlogos diz respeito, séo fac- tores a ter em conta para perceber esta distribuigéio. E sabido, por exemplo, que nas pequenas autarquias, e elas predominam no interior, ainda acon- tece haver s6 um ou dois lugares de técnico superior, geralmente ocupa- dos por elementos de profissdes mais estabelecidas. Por outro lado, e apesar do crescimento global, as autarquias com socidlogos nos seus quadros, ou que contam com eles através de outras modalidades de colaboragao, sao ainda uma minoria. Nao deixa, contudo, de ser significativo que seja justamente em concelhos dos desenvol vidos do pafs que a sua presenca é maior, 0 que pode ser um indicador de tendéncia para o futuro. Como foi assinalado no infcio deste ponto, nao hd actualmente meio de conseguir uma sociografia extensiva sobre a situagiio profissional dos socidlogos portugueses. O que aqui foi apresentado e comentado é apenas a aproximagao possfvel com base numa amostra nao controlada da comu- nidade sociolégica, a dos membros da Associagao Portuguesa de Socio- Jogia. Apesar de proporcionar um retrato ttil da evolugao profissional dos socidlogos, essa informagao é limitada, nao sé na extensio como nas varidveis de caracterizagio disponiveis. Assim, vale a pena deixar aqui a indicagao de alguns vazios impor- tantes, a colmatar em futuras oportunidades. O primeiro é, obviamente. a avaliagaéo mais rigorosa da expressao profissional da sociologia em deter- minados sectores de actividade, sobretudo naqueles em que, a partida, parece haver maior desfasamento entre o numero real de soci6logos e 0 dos que tém filiagdo associativa. Igualmente importante é a determinagdo do peso relativo dos casos em que, apesar de se deter qualificagdes em sociologia, nao se exercem papéis profissionais ligados & disciplina. Outro aspecto a considerar é 6 que se prende com 0s trajectos profis- sionais. Hoje, uma parte considerdvel dos sociélogos tem j4 uma experi- éncia profissional relativamente longa, em qualquer dos contextos institucionais onde exercem actividade. O conhecimento nao sistematico, através de contactos inter-pessoais, parece indiciar niveis aprecidveis de mobilidade profissional entre sectores. Interessaria conhecer a expressio dessa mobilidade, em que direcgdes ela se dé e, especialmente, se envol- ve, e com que significado, deslocag6es cruzadas ou sobreposigdes entre 82 Fernando Luis Machado contextos universitérios e extra-universitarios, como acontece frequente- mente corn outras profissées. Um terceiro ponto a avaliar é, genericamente, 0 das condigdes de trabalho, em particular a questéo dos vinculos contratuais. Actualmente, uma parte dos profissionais de sociologia, seja os que colaboram numa base regular com centros de investigagdo universitaérios, sem fazerem parte dos quadros das instituigdes onde esses centros estao inseridos, seja na administragdo publica ou nas autarquias, esté profissionalizada numa base precdtia. No entanto, também hd indicagdes de sentido contrario, nomeadamente casos em que, ao fim de relativamente pouco tempo, as instituigdes contratantes integram nos seus quadros socidlogos com cuja colaboragio ja contavam, mas de forma menos institucionalizada . Finalmente, seria ti! uma andlise comparada do processo de profissionalizagao dos sociélogos no quadro mais amplo dos especialistas das ciéncias sociais em geral, tanto as que, neste plano, tém experiéncias mais longas, como as que s6 mais recentemente encetaram esse caminho. 4. Profissionalizacao, reflexividade social e conhecimento so- ciolégico A evolugao e as recomposigées que a sociologia e os socidlogos portugueses conheceram, logo desde a sua primeira institucionalizagio universitdria, mas sobretudo depois que o processo de profissionalizagao acelerou, confrontam-nos com novas questées de natureza cognitiva, relacional e deontolégica. Claro que algumas delas j4 se faziam sentir hd alguns anos atrds. Mas € quando os préprios limites e composigao interna do que descritivamente podemos chamar comunidade sociolégica se alteram profundamente, que essas quest6es mais se impdem a reflexao e ao debate. Na primeira parte deste texto foram j4 equacionados aspectos re- lativos & dindmica colectiva dos socidlogos portugueses, a propésito, nomeadamente, do crescimento muito rapido da Associagio Portu- guesa de Sociologia, desde a sua fundagdo ha onze anos atrdés. Mas 0 problema central que agora interessa colocar é o das implicagdes para a pratica sociolégica propriamente dita desse triplo movimento de institucionalizagao da sociologia, diversificagdo dos papéis profissionais dos socidlogos e aumento especificado das procuras sociais que Ihes sio dirigidas. Num trabalho anterior defendi que um dos contributos da profissionalizagao alargada dos socidlogos poderia ser o desenvolvimento Profissionalizagiio dos sociélogos em Portugal 83 de uma epistemologia da profissdo. Assumindo que nao h4 um s6 con- texto onde se faz sociologia — o dito campo académico -, mas que ela se faz numa pluralidade de outros contextos profissionais, entiio nao é diffcil concluir que esses outros contextos nao esto para 0 campo aca- démico como 0 “pritico” esté para 0 “tedrico”, o “fundamental” para o “aplicado” e muito menos o “impuro” para o “puro”, mas que os socié- logos que af desenvolvem actividade sao eles proprios, para retomar uma expressio de Sainsaulieu, “portadores de questées e proposi¢Ges tedri cas”. Uma epistemologia da profissio preocupa-se, portanto, com “as con- digSes sociais e tedricas do conhecimento sociolégico em situagGes pro- fissionais que tem em comum com a situagdo académica a realizagio de investigagao, mas que quase sempre se diferenciam dela pelos objectivos e pelo quadro relacional em que essa investigagao é desenvolvida’”*', Hoje, trata-se de alargar um pouco essa perspectiva. Em primeira lugar, uma epistemologia da profissio deve reflectir nao sé sobre as condigdes, como sobre os efeitos cognitives e sociais do conhecimento sociolégico, tendo presente que, por via da reflexividade social, esses efeitos se transformam eles préprios em condigées, de forma mais ou menos mediada. Em segundo lugar, a questio pode e deve ser colocada no s6 para os contextos profissionais extra-universitérios como para os universitarios, na medida em que ha significativas e crescentes conver- géncias em alguns dos papéis profissionais exercidos num e noutro lugar: nao s6 os socidlogos universitarios fazem cada vez mais pesquisa aplica- da ou consultoria solicitadas do exterior, como os extra-universitdrios reflectem no plano teérico, metodolégico e técnico a partir das suas ex- periéncias e resultados profissionais. Falar de epistemologia da profissdo nesse sentido lato é, em sama, falar das relagGes triangulares entre reflexividade social, profisstonalizagao dos socidlogos € conhecimento sociolégico. Essas relagdes podem ser discutidas a miltiplos niveis e suscitam intimeras questées. Gostaria de comentar brevemente algumas dessas questées, tendo em conta, nomea- damente, as suas implicagdes para a pratica da sociologia no contexto actual da profissao em Portugal. A dinamica relacional entre conhecimento socioldgico e reflexividade social tem sido amplamente analisada por Anthony Giddens. Giddens chama nomeadamente a atengdo para o impacte “oculto” das ciéncias sociais na constituigéo das sociedades modernas, dizendo que “as desco- bertas das ciéncias sociais, quando tém de facto algum interesse, nao podem permanecer como descobertas durante muito tempo; quanto mais iluminantes forem, de facto, mais provavelmente serio incorporadas na 84 Fernando Lufs Machado acgiio e, através disso, se tornarao principios familiares da vida social”. E, comparando o impacte destas com o das ciéncias naturais, acres- centa que “de um ponto de vista tecnolégico, as contribuigdes praticas das ciéncias sociais parecem, e sao, restritas. No entanto, vistas em ter- mos da sua filtragem para o mundo que analisam, as ramificagOes prati- cas das ciéncias sociais, tém sido, e sao, realmente muito profundas’”, Para ilustrar esse processo de filtragem, Giddens utiliza como exem- plo paradigmatico o desenvolvimento de estatfsticas sociais. Elas surgem, ainda nos finais do século XVIII e prinefpios do século XIX, como resul- tado da aplicagdo de métodos sistematicos de inquirigao sobre questées sociais e rapidamente se tornam parte significativa da sociedade que ser- viam para analisar, até porque se tornam decisivas como instrumentos de controlo administrativo, Mas, uma vez estabelecidas, séo as préprias es- tatisticas oficiais a permitir, pela sua extensividade, novas formas de andlise sociolégica, cujos resultados, por sua vez, sio reincorporados por aqueles que tém a responsabilidade de produzir mais estatisticas relevan- tes. Ainda como exemplo desse processo de filtragem seria interessante estudar as imagens e as jncorporagdes cognitivas de outros profissionais intelectuais e cientificos a partir da sua interacgio profissional com os socidlogos € a sociologia. Como se sabe, o trabalho dos socidlogos de- corre frequentemente, e cada vez mais, no quadro de equipas pluridisciplinares, tanto dentro como fora dos contextos universitarios, € até mais nestes tltimos, sendo na frequéncia, pelo menos no que diz respeito ao contacto com profissdes externas as ciéncias sociais. Por isso mesmo, os resultados de um tal estudo poderiam trazer algum esclareci- mento, n&o $6 sobre esse impacto da sociologia noutros profissionais, como para a propria auto-avaliagaio dos socidlogos, tanto nos casos de contactos exteriores As ciéncias sociais, como naqueles em que os seus parceiros sao vizinhos imediatos no espectro disciplinar, como os gedgrafos, os antropdlogos, os psicélogos sociais ou os assistentes so- ciais. Na mesma linha de reflexiio de Giddens, mas focando particularmen- te o lugar da sociologia na sociedade portuguesa actual, Manuel Villaverde Cabral salienta a articulagdo estreita entre desenvolvimento social e de- senvolvimento da sociologia. Elegendo como manifestagdes mais signifi- cativas dos processos de desenvolvimento as manifestagdes cognitivas, tal como se podem medir por indicadores comunicacionais, educacionais e informacionais, Villaverde Cabral traga a distingdo entre sociedade moderna e sociedade tradicional, nao de acordo com a linha do cresci- Profissionalizagio dos sociélogos em Portugal 85 mento econémico e do progresso tecnolégico, mas com a da “difusao potencialmente universal dessa dimensao cognitiva que Ihe é fornecida pela ciéncia e, muito especialmente, pela ciéncia da sociedade”. Nesse sentido, 0 desejo de desenvolvimento da sociedade portuguesa passard, para os socidlogos, pelo desejo, nas palavras do préprio, de “mais e melhor sociologia™®. No contexto actual da sociedade portuguesa este sera, talvez, 0 mais visivel ponto de convergéncia entre procuras € expectativas sociais diri- gidas 4 sociologia e aquilo que, para os préprios socidlogos, é a mais- valia propria da sua disciplina no concerto das profissdes intelectuais e cientfficas. Por isso mesmo, os socidlogos tém sublinhado os contributos criticos, formativos e prospectivos da sociclogia para o desenho, aplicagao e ava- liagdo de programas de desenvolvimento“; ou, no caso especifico dos projectos de desenvolvimento comunitario, a competéncia especifica dos socidlogos na constituigéo de uma consciéncia reflexiva, seja na relagdo entre as equipas pluridisciplinares desses projectos e as populagées, seja nas dindmicas internas dessas equipas‘’; ou ainda, a propdsito dos projec- tos de intervengao com e a partir de autarquias, a orientag’o do trabalho sociolégico em torno da equagio entre “problemas-eleitos e varidveis alteréveis™* Importa nao esquecer, no entanto, que neste processo de difusio e incorporagao social da sociologia pode sempre haver consequéncias nao- pretendidas da acgfo, cuja andlise, alids, o préprio Giddens afirma ser uma das tarefas mais distintivas da disciplina. Um caso exemplar de produgiio de consequéncias desse tipo é 0 relatado por Ana Benavente a propésito do papel que a sociologia tem desempenhado na formagao de professores do ensino basico e secundario em Portugal. Nao deixando de assinalar os muito importantes contributos dados pela sociologia, num certo momento, para a formagao de professores e a transformagao da escola primaria, a autora chama no entanto a atengio para o facto de ela poder “fornecer fundamentagGes cientfficas para o fatalismo do insucesso e da selectividade social da escola, substituindo im, porventura com maior legitimidade, justificagdes passadistas de ordem ideolégica”; acrescenta ainda que “um discurso sociolégico sobre a escola nao é sindénimo de desocultacao das condicionantes da acgao do professor ¢ das suas margens de liberdade na instituigdo, dos factores potencializadores da sua acgio™’. Neste caso, o centramento exclusivista nas teorias da reprodugdo dos efeitos de classe pela instituigdo escolar pode trazer consigo o que a autora designa por “lucidez inoperante”, ou seja, um fatalismo de inspi- 86 Fernando Lufs Machado ragio sociolégica que se torna num obstéculo ndo s6 a0 conhecimento sociolégico mais aprofundado do universo escolar & das suas relagdes com os meias envoiventes, como 4 intervengao sociologicamente infor- mada no sentido da construgéo de novas praticas escolares. Pelas ilagGes mais gerais que se podem tirar deste exemplo, importa portanto ter presente que nesse jogo interactivo entre uma reflexividade social geradora de procuras crescentes da sociologia e as respostas pro- fissionais dos sociGlogos — jogo em que todos os profissionais de soci~ ologia estio mais ou menos quotidianamente envolvidos, sejam a universidade, a empresa, a autarquia, 9 desenvolvimento comunitério ou qualquer outro o seu quadro de trabalho —, é também cada vez mais importante garantir e reafirmar as condigdes de exercicio de uma plena reflexividade sociolégica, contra apropriagées restritas e nao reflexivas da disciplina. Ou seja, 0 que esté em causa ndo é apenas a relagao de alimentagao reciproca entre reflexividade social e sociologia, mas também as impli- cagdes que a profissionalizagao alargada dos socidlogos, como varidvel mediadora dessa relagao, tem ao nivel da sua reflexividade sociolégica, incluindo a que sempre exercem sobre a sua prépria prdtica profissional. A questo coloca-se, antes de mais, em termos epistemoldgicos, ago- ra no sentido literal do termo. Referindo-se ainda a essa relago estreita entre reflexividade so- cial e conhecimento sociolégico, Giddens mostra que a vida social que a sociologia constitui como objecto de interpretagéo é protago- nizada por actores também eles portadores de interpretacdes, a: quais sao em parte elaboradas & luz dos préprios conceitos e proposigdes sociolégicas, justamente porque eles so socialmente difundidos e incor- porados no senso comum. Por efeito dessa “dupla hermenéutica” sao, portanto, permanentemente alterados tanto os contornos do que € socio- logicamente objectivavel, como as condigGes de objectivagio sociolégi- ca. Discutindo estas mesmas questées, José Madureira Pinto salienta particularmente as consequéncias da extensio da escolarizagdo e do impacte crescente dos meios de comunicagao de massas na propria adopgio, pelo senso comum, de elementos de conhecimento produzidos pelas ciéncias sociais € mostra como essa incorporagao social de conhecimentos regres- sa sob a forma de condigées ideolégico-culturais do processo de produ- cio de conhecimentos cientificos. Coloca-se, portanto, o problema da posigdo epistemolégica dos soci- logos e das condigdes de reflexividade socioldgica perante um senso comum cada vez mais sociologicamente “contaminado”. E se José Profissionalizacao dos sociélogos em Portugal 87 Madureira Pinto concorda que, perante a “diversidade e mutabilidade das otganizagées de sentido a que chamamos senso comum”, nao tem sentido encarar a operagao de ruptura epistemoldégica de forma rigida, nao deixa de alertar, muito adequadamente, para os resvalamentos para c que desi- gna por “populismo epistemolégico”, caracterfstico de algumas correntes fenomenoldgico-compreensivas e pés-modernas. Por isso, a superacdo de antigas ingenuidades epistemoldgicas dos cientistas sociais, que o autor reconhece, deve fazer-se desenvolvendo uma teoria das relagées sociais de observagao cientifica e nio pelas “divagagdes mais ou menos demissionistas sobre a fatal e inextricavel indissociabilidade entre sujeito e objecto de conhecimento”*. Diga-se, de passagem, que o problema da postura epistemolégica, no sentido em que foi colocado, prolonga-se, sob outras formas, para 0 cam- po mais vasto da conduta profissional, intelectual e deontolégica dos socidlogos, tanto na esfera de trabalho propriamente dita, como em ter- mos do espago puiblico mais amplo. A este propésito, Joaquim Quitério identifica, de modo certeiro, o que esta em questao: “os socidlogos nao podem evitar a utilizagae do nome da sociologia como rétulo para aquilo que nao o é, mas podem recusar-se a seguir 0 exemplo. E podem, ao mesmo tempo, combater até certo ponto essa utilizagao, desenvolvendo padrées de trabalho intelectual suficientemente exigentes para que a dis- tingdo gradualmente se imponha””. Uma ilustragao disto, entre muitas possiveis, é a “tentagdo da noto- riedade”, que ja alguém identificou como uma das trés tentagdes basicas dos sociéiogos*’, poder levé-los a pronunciarem-se, de forma algo indis- criminada e nao suficientemente fundamentada, sobre todos os assuntos para que Ihes solicitem opiniao. A questo dos efeitos da profissionalizagio alargada ao nivel da reflexividade e auto-reflexividade socioldgica, coloca-se, nfo sé em ter- mos de postura epistemoiégica, mas num segundo plano que é 0 do modo como os Socidlogos constroem e investem cognitivamente os seus papéis profissionais, Sejam quais forem esses papéis e as insergGes institucio- nais onde eles se desenvolvem, sejam elas universitérias ou nado univer- sitérias, pode-se dizer que a pritica profissional quotidiana de um sociélogo nao se compadece com rotinas ndo-reflexivas. Quanto menos reflexiva for essa pratica, menos sociolégica tenderd ela a ser, mesmo nos casos, ou até principalmente neles, em que se seja detentor de técnicas opera- torias muito sofisticadas. O problema da dimensio especificamente cognitiva dos papéis profis- sionais dos sociélogos coloca-se, genericamente, tanto para os que traba- lham no espago universitdrio, quer para os que o fazem fora dele. 88 Fernando Lufs Machado Apesar dessa ideia tender a fazer parte da cultura profissional dos socidlogos, diferentemente do que acontece noutras profissdes mais esta- belecidas onde nao se faz distingdo entre universitdrios e extra-universi- tarios em termos de hierarquia de saberes e legitimidades profissionais, seria ingénuo pensar que a possibilidade de um praticismo sociologica- mente nao-reflectido, ou mesmo irreflectido, se coloca exclusivamente, por definigao, para os profissionais extra-universitdrios. Seja nas suas actividades de pesquisa ligadas & carreira académica, seja no seu papel enquanto prestador de servigos face a solicitagdes externas de varia or- dem, seja ainda no seu papel docente, essa possibilidade também se co- loca para 0 socidlogo universitdrio. Um excelente exemplo de equacionamento do lugar especffico das dimensées cognitivas na pratica profissional do socidlogo extra-universi- tério € 0 modelo apresentado por Manuel Jodo Ribeiro, com base na sua experiéncia no campo autdrquico*. Nesse modelo articulam-se indissoluvelmente quatro perfis-tipo de actividade: © “socidlogo do planeamento”, designando a realizagio de estudos de caracterizagio da populagdo, a andlise de condigdes estrutu- rais, tendéncias evolutivas e dinémicas de transformacio social e ainda a definigdo de linhas de desenvolvimento e de orientagdo global, para su- porte das opgées técnico-politicas; o “socidlogo da investigagio”, que no se restringe ao universo académico, na medida em que, também fora dele, se desenvolva uma reflexividade técnico-cientifica e por isso mes- mo se produza valor acrescentado em termos de conhecimento sociolégi- co; 0 “socidlogo do relacional”, designando a capacidade de gestio relacional dos processos sociais, nomeadamente no que respeita A articu- lagao dos mecanismos de comunicago e de negociagao; e finalmente o “socidlogo operacionai”, referindo-se 4 execugao de acgdes imediatas no dominio da intervengao operacional da instituigao. O accionamento desses quatro perfis-tipo no exercfcio efectivo da actividade profissional é regulado por uma dupla visdo, uma externa ¢ uma interna, sobre 0 que sao as competéncias sociolégicas. Assim, do lado da entidade contratante espera-se que 0 sociélogo desempenhe certas fungGes técnico-profissionais, que o autor designa por manifestas, as quais tém efeitos tanto num plano imediato, como imediato; mas, do lado do préprio socidlogo s4o também definidas fungées, estas de cardcter laten- te, igualmente com efeitos imediatos e mediatos. E conforme os objecti- vos definidos para o trabalho do sociélogo no quadro de uma dada instituigéo, assim as fungdes manifestas de efeitos imediatos podem ser quer a de planeamento, a de investigag&o, a operacional ou a re- lacional. Profissionalizagio dos socidlogos em Portugal 89 Em todo © caso, na pritica profissional extra-universitéria 0 exer- cicio de uma reflexividade sociolégica plena pode tendencialmente ser contrariado pelo cardcter muitas vezes imediato ou até urgente das soli- citagdes operacionais e relacionais que Ihes sao dirigidas. Como refere ainda Manuel Jo%o Ribeiro, nfo sie raras as vezes em que se assiste a desempenhos profissionais onde apenas se observam dimensdes de um, dois ou trés dos perfis-tipo definidos ov em que os quatro tipos aparecem desarticulados e nao integrados num quadro global da pratica profissio- nal. Neste contexto, um indicador pertinente sobre a reflexividade socio- légica na pratica profissional dos extra-universitarios € 0 lugar reservado para a escrita, nomeadamente a que tem como destinatdrios os pares, sejam as comunicagdes apresentadas em reunides cientificas, sejam os trabalhos publicados nas revistas de sociologia Se observarmos genericamente as pertengas institucionais dos socié- logos que apresentaram comunicagées nos maiores encontros cientificos promovidos pela Associagéo Portuguesa de Sociologia — os trés Con- gressos e do Encontro de Vila do Conde — é€ facil verificar que a fre- quéncia da tomada de palavra ¢ inversamente proporcional ao peso relativo dos grupos intra e extra-universitario™ No entanto, numa avaliagio mais préxima, também se conclui que o nimero de trabalhos da autoria de profissionais extra-universitdrios tem crescido regularmente do primeiro para o Gltimo desses encontros. En- quanto no I° Congresso apenas 14% das comunicagées era oriundas desse sector, no 3° Congresso perto de 30% dos comunicantes, em trabalhos individuais ou colectivos, trabalham fora das universidades™. Os mesmos Sinais de crescimento sao visfveis, de resto, no numero de artigos publi- cados nas revistas nacionais de sociologia e ciéncias sociais. No caso particular do encontro de Vila do Conde, em 1992, sobre “Dindmicas Culturais, Cidadania e Desenvolvimento” as comunicages de fora do sector universitario passaram jé os vinte por cento, facto a que nao foi alheio o préprio recorte tematico da reunido e a forte presenga de profis- sionais de sociologia a trabalharem em autarquias. A evolugio positiva observada a este nivel — independentemente do maior ou menor valor acrescentado desses textos, questo que sempre se coloca relativamente a qualquer contribuigio, venha ele de dentro ou de fora da universidade —, é sinal de conquista de espago proprio nas ins- tituigdes, de consolidagio de papéis profissionais e de aquisicao de dis- tancia reflexiva face & prdtica profissional quotidiana. Mas continua a haver muitos socidlogos extra-universitdrios que nunca ou raramente passam ao papel a sua experiéncia e os resultados do seu trabalho e até 90 Fernando Luis Machado outros que, para além de nao o fazerem, consideram, antes mesmo disso, que a sua actividade profissional nada tem a ver com sociologia. Estes tiltimos casos configuram verdadeiras situagGes de identidade profissional negativa. Para além dos efeitos bloqueadores que tem no plano da integragao associativa e da afirmacao colectiva de um “projecto de profissionalizagio”, no sentido em que foi referido anteriormente, essa identidade negativa tem também efeitos especificos no plano cognitivo. Nessa postura € 0 proprio trabalho pessoal e 0 que nele tem um contetido © um potencial sociolégico evidente que tende a ser desvalorizado. Assim, socidlogos ha longos anos numa autarquia, onde tém feito levantamentos e caracterizagGes sociais, estudos de diagnéstico, planea- mento cultural ou urbanistico em interacgdo com agentes locais ou acom- panhamento e€ avaliagdo de projectos e acgdes, podem entender que tudo issa nao € fazer sociologia; ou, entao, docentes do ensino secundario, a ministrarem a disciplina de sociologia e que iniciam os seus alunos ao método sociolégico através de experiéncias exploratorias de trabalho de terreno e de inquirigéo empirica, podem pensar o mesmo. Estes serio, mais até do que os cultores do academismo elitista, que subvalorizam a capacidade de produgao sociolégica dos extra-universita- rios ao mesmo tempo que sobrevalorizam a sua prdpria, os melhores intérpretes da cultura da dissociagio entre ciéncia e profissdo, nos termos em que Anténio Firmino da Costa a caracterizou™, ou seja, a concepgao segundo a qual trabalhar em sociologia no ensino e na investigagao uni- versitaria no é uma profissdo e 0 exercicio de profissio fora desse qua- dro significa nao trabalhar em sociologia. Hoje tudo indica que essa cultura da dissociagao continua em decli- nio, tanto nos meios universitérios como nos extra-universitérios, apesar de, no caso dos primeiros, continuar a utilizar-se com aiguma frequéncia a palavra “profissionais” por oposigao a “universitérios” ou “investigado- res No caso particular desse segmento dos socidlogos extra-universitarios descrentes do seu préprio papel, a sua atitude de auto-exclusio, cognitiva e associativa, pode ser equacionada tendo em consideragio factores que vio desde a época de formagio, o perfil curricular das licenciaturas nesse momento ou a escola de origem até as circunstincias institucionais da profissionalizagao, passando pelo trajecto percorrido por cada um e pelo modo como ao longo dele se foram construindo papéis profissionais. Com efeito, para aqueles que terminavam a licenciatura hd doze ou quinze anos atrds, nfo s6 os canais de profissionalizagio eram natural- mente mais estreitos, como a visibilidade sobre a profissionalizagdo jé existente era reduzida, cingindo-se, mais até a visibilidade do que a Profissionatizagao dos sociélogos em Portugal 91 profissionalizagio propriamente dita, ao sub-conjunto, entio maiori- tdrio, dos docentes e investigadores universitdrios. Note-se, ainda, que essa fraca visibilidade era também um problema de falta de um es- pago alargado de contacto e organizagiio como veio a ser, depois de 1985 e sobretudo apés o 1° Congresso, a Associagio Portuguesa de So- ciologia. Embora esta problematica da identidade profissional dos socidlogos merega, em si propria, uma andlise mais aprofundada, parece poder aqui apontar-se um efeito tendencial de geragao, nao num sentido estritamente etdrio, mas segundo um critério duplo de idade e ano de formagao, nem sempre coincidentes. De facto, muitos socidlogos mais jovens, num sé ou nos dois critérios apontados, e inseridos em contextos profissionais seme- Ihantes aqueles em que se situam alguns dos seus colegas mais antigos e mais cépticos, revelam uma atitude oposta, tanto em termos de identidade profissional como em termos cognitivos, Indicadores externos disso sio quer o indice comparativamente muito mais elevado de filiag’o associa- tiva, como a prdtica mais frequente de apresentagado de comunicagées nos congressos e outras reunides cientificas. Para além da relacdo entre postura epistemoldgica da sociologia e reflexividade social, e do problema do investimento cognitivo na constru- gao de papéis profissionais, uma terceira questio colocada pela profissionalizagao alargada dos sociélogas, e que é indissoluvel das an- teriores, é da sua capacidade de distanciamento critico, ndo sé face aos pedidos que thes sdo dirigidos pelos que procuram os seus servigos, e aos interesses e crengas subjacentes a esses pedidos, como relativamente as relagées de poder instituidas nos contextos onde a sua prética profis- sional tem lugar. Esta € uma questo que a sociologia desde sempre pde a si propria, mas que é normal ser colocada com maior preméncia quando as procuras sociais se multiplicam e, em resposta a essas procuras, se assiste a inter- vengio profissional dos sociélogos em miiltiplos quadrantes sociais ¢ institucionais. A este respeito, parece-me exagerada, e algo injusta, a andlise de Boaventura Sousa Santos segundo a qual a sociologia portuguesa, em anos mais recentes, oscilou uma vez mais, como ja tinha acontecido no perfodo imediatamente posterior ao 25 de Abril, do “guiar para o servir”. Ou seja, teria passado de uma fase de distanciamento critico para outra em que 0 compromisso organico com o poder institufdo “pretendeu tomar a dianteira”, em resultado de “uma certa modernizacao e também de uma certa governamentalizagdéo das prdticas sociais e institucionais, ambas impulsionadas pela integragfo de Portugal na CEE". 92 Fernando Lufs Machado No entanto, o problema do servir acefalamente, segundo uma légica de utilidade social nao sociologicamente nem deontologicamente equaci- onada, coloca-se de facto. E justamente neste quadro que se fazem sentir as outras duas das ja mencionadas trés tentagdes dos socidlogos: a presungio e a desconcentra- ¢do. No caso da presungao trata-se da ideia de que a sociologia pode dar respostas a todos os problemas, pondo-se entre parénteses a complexida- de do processo de conhecimento sociolégico, 0 no imediatismo ou linearidade das suas aplicagdes e, com eles, a propria compostura deontolégica do socidlogo; no outro é 0 perigo de, face a pressées no sentido de dar respostas répidas aos pedidos formulados, 0 sociélogo poder desconcentrar-se dos procedimentos cientfficos e técnicos que in- formam 0 trabalho sociolégico™. Ser que estas pressdes e os problemas cognitivos e deontolégicos que elas suscitam se fazem sentir mais numas zonas do que noutras do espectro de localizagées profissionais da sociologia? Camo refere Joao Ferreira de Almeida, “os controlos exercidos pelos diversos poderes sociais tornam-se mais apertados ao longo do vector que vai da produgio de conhecimentos a sua aplicagiio”". Mas, como 0 mes- mo autor chama a atengfo, os que trabalham nas universidades nao estao imunes a estas situacdes-limite. Com efeito, é preciso rejeitar a ideia de gue a sociologia extra-universitaria esta necessariamente mais vulneravel a uma pritica tutelada, submissa e acritica do que a sociologia feita den- tro e de dentro para fora da universidade. Tal posig&o, acrescente-se, s6 pode ser resultado de um défice de auto-reflexividade sociolégica: em primeiro lugar, porque pressupde que a pratica profissional dentro da universidade nao se exerce num quadro de relagdes de poder, como em qualquer instituigdo; em segundo lugar, porque ignora que, sobretudo porque presta servigos ao exterior em res- posta a solicitagdes variadas, mas também nas pesquisas de tipo funda- mental que desenvolve por sua propria iniciativa, 0 sociélogo universitério se confronta com as mesmas questdes deontolégicas que o socidlogo extra-universitdrio enfrenta na relagdo com aqueles a quem presta os seus servicos profissionais + Uma variante dessa ideia de “puros” e “impuros” é a de que, para difundirem plenamente o potencial da sociologia como instrumento emancipador dos cidadaos, os socidlogos deviam eleger como campos privilegiados de actuagio a comunidade ¢ os movimentos sociais, em detrimento dos departamentos estatais ou das empresas privadas, onde qualquer sociologia seria uma sociologia conivente e comprometida (com mas causas, entenda-se). Nesta mesma linha de raciocinio, poder-se-ia Profissionalizagdo dos sociGlogos em Portugal 93 entio perguntar se a intervencfo profissional de socidlogos nas organiza- gSes ndo contribuiria justamente para as modernizar, para potenciar 2 qualidade e a participagiio, para, e cito de cor a intervengée de Arminda Neves numa sessao plenaria do tltimo Congresso, “levar a cidadania e a democracia para dentro das organizagdes”? Note-se, de resto, que o de- senvolvimento organizacjonal é uma das dreas que alguns socidlogos tem considerado prioritdrias no que respeita ao contributo da sociologia para projectos de desenvolvimento®, O que esta aqui em causa é, em suma, o problema da utilidade social da sociologia e 0 modo como, através da auto-reflexividade sociolégica, se pode equacionar e lidar com esse problema. Usando as imagens pro- postas por dois colegas a este propésito, pode-se dizer que para nao serem atingidos pelo “sindroma de Zelig”®” os socidlogos podem inspirar- se, no exercicio das suas actividades profissionais, no “grilo do Pinéquio”®. O “sindroma de Zelig” consiste basicamente, segundo Jodo Ferreira de Almeida, na “tentagdo que os socidlogos podem ter de se parecerem a todo 0 custo com o interlocutor e de responderem 4s procuras anteci- pando desejos que se atribuem a esse interlocutor. Assim transformam a pesquisa encomendada em mera justificacio da encomenda”*', O autor acrescenta ainda que esse utilitarismo extremo tem também uma “varian- te de esquerda”, que € a da sociologia empenhada. Contra isto, que pode “o grilo do Pinéquio”? Nas palavras de Orlando Garcia, ele é 0 rumor critico € auto-critico: “O Grilo é reflexivo e tem princépios disciplinares Tem um chapéu de chuva 0 que significa que € avisado. Percebe-se que o Grilo é entendido e vivido. Como nao podia deixar de ser, intervém sobretudo nas peripécias ¢ nas complexidades"®. Do que se trata aqui é de, na definigao da utilidade da sociologia, nos aferirmos pelas virtualidades e limites da sua capacidade propria ¢ distin- tiva, ou seja, ade contribuir para o melhor conhecimento da realidade social, e no por definigdes externas, que tragem conforme os interesses e as circunstincias linhas divisérias entre o Util e o inttil, inclusivamente, por exemplo, no dominio das politicas cientificas. Como defende ainda Joao Ferreira de Almeida no texto citado, os soci6logos podem e devem preocupar-se com a relevancia cientifica e social dos seus projectos de pesquisa e dos seus objectos de anilise, favorecendo desse passo as con- digdes de reflexividade social e a delimitagio mais rigorosa da agenda dos problemas sociais, mas para isso niéo tém de tomar como guia uma utilidade exteriormente estabelecida. Na mesma sintonia estd José Madureira Pinto quando, salientando o trabalho de investigacdo que a sociologia portuguesa vem realizando numa vasta pluralidade de areas, pergunta se “havera conhecimento mais titi] do 94 Fernando Lufs Machado. que o que permite aos actores sociais, incluindo os protagonistas institu- cionais, situarem-se lucidamente em relac&o as mutiveis circunstdncias da sua existéncia” e quando defende a utilizagao das competéncias da sociologia no sentido de “ampliar e reestruturar o préprio elenco dos problemas relevantes”®. Alguns poderao pensar, inadvertidamente, que em certos dominios ou modalidades de intervengio profissional a sociologia ¢ mais susceptivel de passar da utilidade social para um utilitarismo extremo, no sentido em que ambos foram definidos. Exemplos disso seriam, por um lado, os projectos de investigaciio-acgio em dreas como a educagao, o desenvol- vimento ou a exclusio social e, por outro lado, a profissionalizagio em empresas industriais privadas. No primeiro caso a participagdio das soci- Glogos assumiria necessariamente a forma de uma “sociologia empenha- da” e no segundo a forma de uma “sociologia depenada” (permita-se-me também a imagem). No caso particular dos adeptos da sociologia empenhada, que tende- rio a achar que o problema nao esta no facto de ela se assumir assim, mas na eventualidade de nao o fazer, esses dois exemplos configuram mesmo situagdes que se encontram em extremos opostos do leque de interven- gGes profissionais dos socidlogos: num caso uma sociologia da mudanga, no outro uma sociologia da reprodugao; uma “contra o sistema”, a outra a favor dele; uma critica e outra descaradamente estrutural-funcicnalista. Convém esclarecer que a ideia de que essas formas para-sociolégicas ocorrem necessariamente mais nuns sectores de actividade do que noutros € uma ideia equivocada, Elas nao sio produto de uma espécie de deter- minagGes inscritas em certos contextos sdcio-institucionais que inexoravelmente empurrariam os socidlogos af profissionalizados nessa direcgdo, mas resultam de um défice deontolégico e cognitivo na postura profissional. Para retomar expressGes j4 mencionadas, seriam casos de “presungao” e “desconcentragao” por parte desses socidlogos. Nesse sen- tido, qualquer das duas formas para-sociolégicas pode existir seja em que contexto profissional for e 0 exemplo limite da “desconcentragao” seria 0 dos socidlogos que aceitassem, onde quer que fosse, prestar os seus servicos profissionais para finalidades eticamente intoleraveis. Mas um contributo indispensavel para esta discussaio é 0 que trazem alguns socidlogos que trabalham ou tém trabalhado justamente em em- presas industriais privadas e projectos de investigagio-acgdo. No caso dos projectos de investigagGo-accdo, onde a sociologia por- tuguesa tem ja considerdvel experiéncia acumulada e bastante documen- tada, basta dizer que tem sido permanentemente reiterada a ideia de que, por mais perseverante, intenso e generoso que seja 0 empenhamento na Profissionalizagdo dos socidlogos em Portugal 95 acgio, sem o distanciamento reflexivo e auto-reflexivo que sé uma pos- tura cognitiva e deontolégica Ihes pode conferir esses projectos acabam por ser inconsequentes™, conclusao que é plenamente convergente com as reflexes e balangos que alguns dos que trabalham em empresas tém feito sobre os seus papéis profissionais. Como refere Isabel Garcias, a intervengio do socidlogo numa empre- sa nao passa nem pelo “cientismo circunspecto”, nem pela assungiio de um papel de “manager do social”, “cuja fungio seria, muitas vezes, reassegurar 9 senso comum”. O socidlogo assume-se antes como inves- tigador-animador num processo continuado de observagao-participante, cuja contribuigdo mais expressiva reside “no facto de hoje ser impossfvel gerir uma empresa apenas pela estrutura, mas ser cada vez mais necessé- rio geri-la também pela cultura”®. No mesmo sentido vai Manuel Seca Ruivo quando distingue bem dois planos do compromisso do sociélogo na empresa: se no que respeita aos objectivos desta — rendibilidade e competitividade — ele tem de estar forgosamente numa relagdo de compromisso com o empreséario, jd © seu compromisso com “as relagdes de poder existentes é a negagiio da sua participagio na consecugdo dos objectivos da empresa”. Porque a realizagao desses objectivos passa pela mudanga da cultura taylorista, ainda largamente predominante, no sentido da cultura da qualidade total, © sociélogo desempenha af uma fungio critica, “nio pactuante com o poder”. O autor alerta, no entanto, que isso sé acontecerd se o socidlogo se assumir como “tecndlogo e gestor do sub-sistema sociocultural e nio como tecnocrata, situagéo em que podem cair muitos socidlogos quando se deixam enredar na teia da gestdo de recursos humanos”™. Gostaria, para terminar, de deixar uma nota breve sobre as conse- quéncias da _profissianatizagao alargada dos socidlogos para as prépri- as relagées entre a sociologia que se faz dentro das universidades e a que se faz fora dela A este propésito é preciso dizer, antes de mais, que a prdpria nogio de uma fronteira, nitida em toda a sua extensdo, entre sociologia universitaria © extra-universitaria, jf nao faz sentido. Dir-se-ia antes que a dindmica glo- bal de profissionalizagio deu origem a sub-campos de actividade sociolégi- ca, com zonas de sobreposigio e zonas de autonomia e especificidade. Com efeito, para além das similaridades mencionadas, a varios niveis, entre pa- péis profissionais, hoje hd cada vez mais projectos e estudos em que inter- vém simultaneamente socidlogos de dentro e de fora das universidades, incluindo casos em que eles esto de um e de outro lado de uma encomenda de trabalho, e hd também um nimero maior de socidlogos que combina actividades profissionais internas e externas ao mundo académico. 96 Fernando Luis Machado Mas se é verdade que as relagGes entre universitarios e nao universi- tarios jd nado sdo actualmente encaradas, para a maioria de uns e de ou- tros, como relagdes de ruptura e desvalorizagao reciproca, elas nfo configuram ainda uma vasta e sélida “rede de relacionamentos cooperantes”, conforme com uma verdadeira cultura de associagao™. Al- gumas criticas dirigidas por extra-universitdrios a alegados “sinais de fechamento” da universidade e da linguagem socioldgica sao prova dis- so™, Um dos planos privilegiados desse relacionamento é 0 regresso a universidade de geragées mais antigas de licenciados, j4 com trajectos profissionais relativamente longos, para adquirirem formag%o complemen~ tar. Embora os candidatos externos a doutoramento sejam ainda casos muito pontuais, hoje jé ha um ntimero considerdvel a fazé-lo ao nivel de pos-graduagdes e mestrados, onde tém como colegas aqueles que fre- quentam esses cursos na sequéncia directa da licenciatura, 0 que, apesar de algum desfasamentos de linguagem, nao deixard de suscitar trocas mutuamente enriquecedoras. Em todo o caso, este € um dominio onde hé larga margem para crescimento, tanto mais que muitos sociélogos extra- universitérios afirmam sentir necessidade de reactualizagio de conheci- mentos. Em face da duragao longa das carreiras ¢ das mudangas previsfveis de e nos papéis profissionais, coloca-se também aqui, como noutras pro- fiss6es intelectuais ¢ cientificas, a questo da formagao permanente. Mas a relagio entre a sociologia intra e extra-universitaria ndo € obviamente uma relagio univoca do tipo “dador-receptor”. Em sentido inverso, pe-se a questo do lugar que as escolas ¢ faculdades de socio- logia reservam para acolherem os resultados acumulados nas experiéncias profissionais que Ibes so exteriores e 0 posicionamento dos préprios sociélogos extra-universitdérios face a essa possibilidade. O principal ponto de chegada dessa retroacgao desejavel da sociolo- gia extra-universitaria sobre a universidade é naturalmente o ensino que aj se pratica. O caso recente, ¢ ainda singular, da disciplina optativa sobre “Praticas Profissionais em Sociologia” da licenciatura em Sociologia do LS.C.T.E. mostra que ha condigdes internas e externas e receptividade para esse encontro ou reencontro da sociologia consigo prépria. O ensino universitirio é, sem duvida, o principal factor de visibilida- de entre ciéncia e profissio. Apesar de ser em boa parte um equfvoco, a ideia do desajustamento dos contetidos curriculares das licenciaturas em sociologia relativamente aos pedidos do mercado de trabalho continua presente nas representacGes dos estudantes, embora de forma mais atenu- ada do que na fase em que por ser mais limitada a profissionalizagio era mais reduzida essa visibilidade. Mas hoje em dia nao se pode ter mais Profissionalizag’o dos socidlogos em Portugal 97 essa discussio — que, diga-se, provavelmente nunca cessard — sem per- guntarmos também qual o contributo da sociologia extra-universitdria para a formacio de base dos estudantes de sociologia. Podera ser a auséncia desse contributo a gerar um verdadeiro hiato entre formagdo universitdria e pratica profissional, mas em sentido contrério ao que ainda é costume pensar-se. Notas 1 Gostaria de enderegar um agradecimento muito especial a diteegtio da Associagia Por- tuguesa de Sociologia por ter disponibilizado informagdo indispensével & elaboragio deste trabalho. 2 Ver Augusto da Silva, O Ensino da Sociologia a Profissionalizagdo dos Sociélogos, Universidade dos Agores, Ponta Delgada, 1986. 3. As comunicagdes apresentadas no painel com essa designagio esto publicadas em A Sociologia ¢ a Sociedade Portuguesa na Viragem do Século, Actas do | Congtesso Por- tugués de Sociologia, Lisboa, Editorial Fragmentos ¢ AssociagZo Portuguesa de Sociolo- gia, Volume |, 1990. 4 Para alguns desses relatos biogréficos ver, especialmente, 0 volume Experiéncias ¢ Pa- péis Profissionais de Sociélogos, editado pela Secg%io do Campo Profissional da Associ- agiio Portuguesa de Sociologia em 1990 e reeditado em 1995. 5. A importincia da cultura profissional justamente destacada numa das contribuigdes mais importantes para a andlise da profissionalizagio dos socidlogos em Portugal, o texto de Ant6nio Firmino da Costa, “Cultura Profissional dos Socislogos”, Sociologia — Pro- blemas e Préticas, n°5, 1988. Anthony Giddens, As Consequéncias da Modernidade, Oviras, Celta Editora, 1992, p. 21. 7 Robert Reich, O Trabalho das Nagdes, Lisboa, Quetzal Editores, 1993, pp. 254-255. Note-se que para Reich analista simbélico ¢ professional nfo so categorias inteiramente coincidentes. Sobre este ¢ outros pontos ver particularmente o capitulo “As trés profis- ses do futuro”, pp. 245-262. 8 Erik Olin Wright, Classes, London, Verso Editions, 1985. 9 Sobre este tema ver Jodo Ferreira de Almeida, Ant6nio Firmino da Costa e Fernando Luts Machado, “Recomposicdo socioprofissional ¢ novos protagonismos”, in , Anténio Reis (coord.), Portugal: 20 Anos de Democracia, Lisboa, Circulo de Leitores, 1994. 10 Alain Touraine, Praduction de ta Société, Patis, Seuil, 1973; Anthony Giddens, As Con- sequéncias da Modernidade, Oeiras, Celta Editora, 1992. 11 Sobre estas crfticas ver Fernando Luis Machado, “O ensino da sociologia — entre a cigncia e a profissio”, Cadernos de Ciéncias Sociais, n° 12/13, 1993. 12 Cf. Maranha das Neves, “Engenharia portiguesa: a profissio e 0 ensino”, Publica, 9 de Novembro de 1995. 13 “Guia das ProfissGes”, edigdo especial da revista Forum Esmdante, 1995. 14 Sobre este assunto ver Anténio Teixeira Fernandes, “O conhecimento cientifico-soci elementos para a andlise do seu proceso em Portugal”, publicado neste nimera. 15. Anténio Firmino da Costa, op. cit, p. 118. 16 Anténio Firmine da Costa, op. cit. p. 120-121. 17 Cf. Nicolas Herpin, A Sociologia Americana — escolas, probleidticas e préticas, Porto, Edigdes Afrontamento, 1982. a 98 Fernando Lufs Machado 18 Para estes elementos histéricos sobre a sociologia americana ver Charles-Henry Cuin Frangois Gresle, Histoire de la Sociologie (2. Depuis 1918), Paris, Editions la Decouverte, 1992, 19 Cf, Nicolas Herpin, op. cit, de onde foram retitadas outras informagSes factuais sobre o tema. 20 Cf. Herbert J. Gans, “Sociology in America: the Discipline and the Public”, American Sociological Association, 1988 Presidential Adress, American Saciological Review, 1989, vol. 54, February. 21 Ver Odile Chenal, “Des Sociologues professionels reconnus. Le cas des Pays-Bas”, in Renaud Sainsaulicu et al., L’Exercice Professionel de la Sociologie, CNRS — IRESCO, 1987 e Johan Heilbron, “Particularités e¢ Particularismes de la Sociologie aux Pays-Bas”, ‘Actes de la Recherche en Sciences Sociales, n° 74, 1988 22 Ver Arie Glebdeek, Wim Nicuwenhuysen e Rens Schakelaar, “The Labour Market Position of Dutch Sociologists — an investigation guided by a theoretical model”, The Netherlands Journal of Social Sciences, 25 (2), 1989 23. Cf. Renauld Sainsaulieu et al., L’Exercive Professionel de la Sociologie, CNRS-IRESCO, 1987. 24 Sainsaulieu, op. cit. , p. 9 25 Sainsaulieu, op. cit. , p. 241. 26 Cf. Jodo Ferreira de Almeida, “Trabathar em Sociologia, Ensinar Sociologia”, Sociologia — Problemas e Priticas, n° 12, 1992. 27 Anthony Giddens, “Nine theses on the future of sociology”, in Social Theory and Modern Sociology, Cambridge, Polity Press, 1987. 28 Keith M. Macdonald, The Sociology of the Professions, London, Sage Editions, 1995. 29 Frank Parkin, Marxism and Class Theory — A Burgevis Critique, London, Tavistock Publications, 1979. 30. AntGnio Firming da Costa, op. cit. p. 114-115, 31 Robert K, Merton, Suciologia — Teoria ¢ Estrutura, S40 Paulo, Mestre Jou, 1970 (ed. orig. 1949), p. 401 32. Expressio citada por Johan Heilbron, op. cit. 33. No recenseamento de 198! 0 nivel de major desagregago a que aparccem os sociélogos Eo sub-conjunto dos “socidlogos, psicdlogos, antropdlogos ¢ especialistas similares” a0 passo que no de 1991 aparecem-se no sub-conjunto “socidlogos, antrapélogos e similares”, tendo os psicdlogos conseguido autonomizar-se enquanto categoria de relevincia censitiria. Nio é preciso dizer que também isto é um indicador do grau de implantagio das profissdes. 34 Ha, por outro lado, necessaria desactualizagio da informagio constante dessa base de dados, uma vez que a situagio actual pode jit no corresponder & situagia no momento em que uma determinada pessoa se tornou sécia da associagio. E 0 caso, entre outros, daqueles que cram estudantes ou ainda nfo exerciam profissio na altura em que se filiaram e hoje ja o fazem. 35. Sobre isto ver Jodo Ferreira de Almeida, Anténio Firmino da Costa e Fernando Luis Machado, “Recomposigio socioprofissional e novos protagonismos”. op.cit., 1994 36 Ver Ana Teresa Rosa, “O papel do socidlogo numa instituigdo de poder focal”, in Dind- micas Culturais, Cidadania e Desenvolvimento Local, Actas do Encontro de Vila da Conde, Lisboa, Associagio Portuguesa de Sociologia, 1994. 37 Para esta identificagio global das linhas de actuagiio dos socidlogos nas empresas ver Joao Freire, “Exercicio Profissional”, in Sociologia do Trabalho: una introducéa, Porto, Edigdes Afrontamento, 1993, pp. 352-359. Uma andlise do papel do socidlogo neste sector pode ser encontrada em Carlos Dias da Silva, Contributo para o Estudo dos Limites ¢ Possibilidades da Actividade Profissional do Sociélogo em Empresas. Lisboa, ISCTE, Dissertagiio de Mestrado em Sociologia, 1993. Profissionalizagiio dos sociélogos em Portugal 99 38. Para efeitos de clarificagao € preciso dizer que incluf nessa categoria instituig6es como © Grupo de Ecologia Social do Laboratério Nacional de Engenharia Civil, a Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal, o Instituto de Inovaciio Educacional, o Instituto de Prospectiva, 0 Instituto Nacional de InvestigagZio Agronémica, o Centro de Estudos ¢ Intervengio So- ciolégica, entre outros. 39. As Cimaras Municipais onde trabatham os sociélogos membros da A.PS. so as de Lisboa (22), Loures (8), Palmela (4), Sintra e Vila Franca de Xira (3), Amadora, Cascais, Coimbra (2), Abrantes, Albufeira, Almada, Almeida, Covilha, Estremoz, Evora, Ferreira do Alentejo, Gondomar, Lagos, Nisa, Oeiras, Porto, Santarém € Sesimbra (um socidlogo em cada). No Encontro de Vila do Conde e no tltimo Congreso referenciaram-se ainda socidlogos nas Camaras Municipais de Baido, Caldas da Rainha, Entroncamento, Montemor-o-Novo, Oliveira do Hospital, Peniche, Setiibal e Torres Novas, sendo também certo que em algumas das maiores Camaras hd mais socidlogos do que aqueles que os fados da A.PS. registam. 40 Ver Luis Manata, “Sociologia: caminhos para a sua expansio”, in A Sociologia ¢ @ Sociedade Portuguesa na Viragem do Século, Actas do I Congresso Portugués de Soci- ologia, Lisboa, Editorial Fragmentos e Associagio Portuguesa de Sociologia, 1990. 41 Fernando Luis Machado, op. cit. p. 101. A expressdo de Sainsaulieu é do livro ja citado, pp. 169-170. 42 Anthony Giddens, The Canstizsion of Society — Qualine of the Theory of Structuration, Cambridge, Polity Press, 1984, Citagdes das piginas 351 e 354. Ver também, do mesmo autor, As Consequéncias da Modernidade, Ociras, Cella Editora, 1992, especialmente as pp. 28-34 43 Manuel Villaverde Cabral, “Desenvolvimento, sociologia do desenvolvimento © desen- volvimento da sociologia”, in Estrururas Sociais ¢ Desenvolvimento, Actas do Il Con- gresso Portugués de Sociologia, Vol. 1, Lisboa, Editorial Fragmentos ¢ Associagio Portuguesa de Saciotogia, 1993. Citagdes das paginas 84 e 85 44 Augusto Santos Silva, “A contribuigio da sociologia para programas de desenvolvimento”, in Estruturas Sociais e Desenvolvimento, Actas do H Congreso Portugués de Sociologia, Vol. 1, Lisboa, Editorial Fragmentos ¢ Associagiio Portuguesa de Sociologia, 1993. 43. Luis Capucha, “O lugar do socidlogo no desenvolvimento comunitério”. in Isabet Valen- te, Fernando Luis Machado e Ant6nio Firmino da Costa, Experiéncias ¢ Papéis Profis- sionais de Socidlogos, Associagtio Portuguesa de Sociologia, 1991. 46 Orlando Garcia, “O Grilo de Pinéquio — intrigas € enredos na sociologia de projecto”, in Dindmicas Culturais, Cidadania e Desenvolvimento Local, Actas do Encontro de Vila do Conde, Associagao Portuguesa de Sociologia, 1994 47 Ana Benavente, “Que sociologia na formago de professores?”, Sociologia — Problemas ¢ Praticas, n° 7, 1989, 48. Ver José Madureita Pinto, Propastas para o Ensino das Ciéncias Sociais, Porto, Bdigoes Afrontamento, 1994, especialmente pp. 113-138. Citagdes respectivamente das paginas 17 e 199, 49 Joaquim Quitério, “A actividade do socidlogo na esfera das organizagSes € do trabalho — reflexio sobre alguns aspectos ¢ problemas (conclusio)”, Economia ¢ Sociologia, 1°47, 1989, p. 93, 50. Ver Joflo Ferreira de Almeida, Fernando Luis Machado, Luis Capucha, Andlia Cardoso Torres, Introdugiio @ Sociologia, Lisboa, Universidade Aberta, 1994, p. 219. 51 Manuel Jotio Ribeiro, “Umi quadro integrado da actividade sociolégica — reflexdes sobre uma experiéncia profissional”, in Dindmicas Culturais, Cidadania ¢ Desenvolvimento Local, Actas do Encontro de Vila do Conde, Associag’o Portuguesa de Sociologia, 1994, 52 A andlise de quem toma ou niio a palavra nas reunides cientificas, através da apresentagao de comunicagées, € interessante até num sentido mais vasto, dado que so também 100 Fernando Luis Machado visiveis diferengas em fungio do sexo, da idade, do grau académico, das instituigdes de origem, ocorrendo igualmente algumas delas em proporgées invertidas. 53 Os mimeros globais referidos no incluem, em qualquer dos casos, comunicagdes resul- tantes de teses de licenciatura aptesentados por recém-licenciados ainda sem profissio ou de outros autores sem insergic profissional definida, Vale a pena referir o interesse de uma andlise mais aprofundada desses trabathos no sentido de apurar, entre outros asp. tos, as insergdes institucionais dos seus autores, os temas tratados ou as autorias conjun- tas de universitérios © extra-universitérios 54 Ant6nio Firmino da Costa, op. cit. 55 Boaventura de Sousa Santos, “Cinco desafios & imaginagio sociolégica”, in Estruturas Sociais ¢ Desenvolvimento, Actas do II Congresso Portugués de Sociologia, Vol. 1, Lis- boa, Editorial Fragmentos e Associagiio Portuguesa de Sociologia, 1993, p. 64. 56 Ver Joao Ferreira de Almeida, Fernando Lufs Machado, Luis Capucha, Andlia Cardoso Torres, op. cit. p. 219. 57 Joao Ferreira de Almeida, “Discurso de abertura do 1° Congresso Portugués de Sociolo- gia”, in A Sociologia e a Sociedade Portuguesa na Viragem do Séculv, Actas do |" Congresso Portugués de Sociologia, Lisboa, Editorial Fragmentos e Associagao Portugue- sa de Sociologia, 1990, p. 19. 58 Ver Augusto Santos Silva, op. cit. 59 A imagem, que se refere a personagem camaleénica de Woody Allen no filme a que dé ‘© nome, tem sido utilizada por Joto Ferreira de Almeida, Ver os textos “Trabalhar em Sociologia, Ensinar Sociologia”, Sociologia — problemas e priticas, n° 12, 1992 e “O desenvolvimento econémico-social e a sociologia”, in Estruturas Sociais e Desenvolvi- mento, Actas do TI Congresso Portugues de Sociologia, Vol. 1, Lisboa, Editorial Fragmen- tos ¢ Associagio Portuguesa de Sociologia, 199. 60. Ver Orlando Gareia, op. cit. 61 Joao Ferreira de Almeida, “O desenvolvimento econémico-social e a sociologia’, in Estru- ras Sociais ¢ Desenvolvimento, Actas do It Congreso Portugués de Sociologia, Vol. 1. Lisboa, Editorial Fragmentos ¢ Associagio Portuguesa de Sociologia, 1993, p. 75. 62. Orlando Garcia, op. cit, p. 60. 63 José Madureira Pinto, “Discurso de Abertura do 2° Congreso Portugués de Sociologia”, in Estruturas Sociais ¢ Desenvolvimento, Actas do II Congresso Portugués de Sociologia, Vol. I, Lisboa, Editorial Fragmentos e Associagio Portuguesa de Sociologia, 1993, p. 18. 64 Para além dos textos de Luis Capucha e Augusto Santos Silva, j citados, ver ainda Ant6nio Firmino da Costa e Fernando Luis Machado, “Meios populates ¢ escola priméria — pesquisa sociolégica num projecto interdisciplinar de investigagiio-acgi0”, Sociologia — problemas e praticas, n° 2, 1987 € Ana Benavente, Anténio imino da Costa € Fernando Luis Machado, “Préticas de mudanga e de investiga conhecimenta e intervengdo na escola primaria”, Revista Critica de Ciéncias Sociais, n° 29, 1990. 65 Isabel Garcias, “O socidlogo na empresa: a viragem de uma imagem, 0 cncontro de um, perfil”, in Isabel Valente, Fernando Lufs Machado, Ant6nio Firmino da Costa (org.), Experiéncias e Papéis Profissionais de Socidlogos, Associagao Portuguesa de Sociologi Secgdio do Campo Profissional, 1990 (2° edigio, 1995), p 15. 66 Manuel Seca Ruivo, “Eu, téndlogo”, in Isabel Valente, Fernando Luis Machado, Anté- nio Firmino da Costa (org.), Experiéncias e Papéis Profissionais de Sovidlogos, Assoc agiio Portuguesa de Sociologia, Secgio do Campo Profissional, 1990 (2* edigdo, 1995). Citagdes das paginas 90 e 91 67. Cf. Anténio Firmino da Costa, “Cultura profissional dos sociélogos”, op. cit, p. 120. 68 Rui Banha, “O soci6logo numa autarquia”, in Dindmicas Culturais, Cidadania e Desen- volvimento Local, Actas do Encontro de Vila do Conde, Associagtio Portuguesa de So- ciologia, 1994. Profissionalizacao dos sociélogos em Portugal 101 Bibliografia ALMEIDA, Jofio Ferreira de, “Discurso de Abertura do 1° Congresso Portugués de Sociolo- gia”, in A Sociologia ¢ a Sociedade Portuguesa na Viragem do Século, Actas do 1° Congreso oriugués de Sociologia, Lisboa, Editorial Fragmentos ¢ Associago Portuguesa de Sociologia, Vol. 1, 1990. ALMEIDA, Joao Ferreira de, “Trabalhar em Sociologia, Ensinar Sociologia”, Sociologia — problemas e praticas, n° 12, 1992. ALMEIDA, Jodo Ferreira de, “O Desenvolvimento Econémico-Social ¢ a Sociologia” in Estruturas Sociais e Desenvolvimento, Actas do II Congresso Portugués de Soct logia. 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