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Que soldados eram esses?

Que soldados eram esses?

António Correia (avantecomuna@iol.pt)

RESUMO: Propõe-se dar a conhecer a participação portuguesa na Primeira Guerra


Mundial.

Palavras-chave: Primeira Guerra Mundial; Primeira República.

ABSTRACT: It´s proposed to inform the Portuguese participation in the First World
War

Key words: First World War; First republic in Portugal.

Considerando-se, de forma redutora, que há dois momentos na I República


(1910-1926), é evidente que o que os separa é a participação na I Guerra Mundial. Na
Grande Guerra, assim chamada até outra mais sangrenta a suplantar. Participação muito
discutida por intervencionistas e anti-intervencionistas, desde mesmo antes da
materialização do conflito, que mobilizou toda a Europa – excepção feita a Espanha,
Países Baixos, Suíça e Escandinávia – e escreveu, com sangue, uma nova ordem
mundial.

Da rivalidade económica nasceram fricções políticas que não interessará aqui


desenvolver. Mas muitos apresentavam, como justificação para entrar na guerra, razões
bem específicas. Vejamos: a França queria recuperar a Alsácia e a Lorena; a Bélgica
queria ser soberana; a Rússia queria livre circulação pelos estreitos; a Alemanha
reivindicava um papel “ na administração do planeta” (palavras do escritor Thomas
Mann, citado pelo historiador Marc Nouschi).

[CACL], 1, (2009) Páginas 69-72


Que soldados eram esses?

Portugal queria, do ponto dos intervencionistas, algo complexo e impossível de


assumir com clareza: evitar que ingleses e alemães negociassem a posse das colónias
portuguesas. Por outras palavras, a ideia era combater os ingleses ao lado deles, assim
ganhando assento nas negociações subsequentes ao conflito e garantindo direitos.

Tudo isso numa total dependência das vontades dos britânicos, senhores dos
mares e essenciais ao abastecimento de Portugal. Daí nasceu, justamente, a participação
portuguesa na guerra. Num momento em que Afonso Costa presidia ao Conselho de
Ministros, os ingleses informara que, por carência de navios mercantes e devido aos
ataques dos U- Boots alemães (os submarinos), passariam a ocupar-se apenas das
próprias necessidades e das próprias necessidades e das outras nações beligerantes. Foi
a oportunidade para Portugal, que se ofereceu para apresentar os navios de carga
alemães surtos em portos nacionais (fundamentalmente, no estuário do Tejo), caso fosse
essa a vontade de Londres. Tardou o pedido, mas foi feito. Com pompa, os navios
foram apresados, e a Alemanha declarou guerra a Portugal, a 9 de Março de 1916. Viria
depois o corte de relações com o Império Austro-Hungaro. Não ficaríamos fora das
partilhas.

União sagrada à francesa

Intervencionistas mas desavindos, os partidos Democrático, de Afonso Costa, e


evolucionista, de António José de Almeida, juntavam-se, então, na União sagrada, para
governar, seguindo o exemplo francês de Raymond Poincaré. Ao segundo era dada a
liderança do Governo, mas seria o primeiro a resumi-la, em Abril de 1917, quando os
evolucionistas deixaram o executivo, mantendo o apoio parlamentar. Morreira a União
sagrada em Dezembro desse ano, com o golpe de Sidónio Pais. Em todo esse tempo,
mandámos soldados para a frente.

Que soldados eram esses? Nota Aniceto Afonso que “ os contingentes militares
portugueses que combateram nos teatros de operações da Primeira Guerra Mundial,
tanto na Europa como em África, não estavam convenientemente preparados para
participar na guerra”. Era já em terras francesas que a maioria das tropas do Corpo

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Expedicionário Português (CEP) recebiam instruções apressada dos ingleses, pois havia
pressa dos governantes lusos em colocar gente nas trincheiras antes da chegada dos
americanos.

Só no dia 2 de Abril de 1917 a primeira companhia portuguesa ocupou lugar nas


trincheiras, num sector junto ao rio Lys, que, um ano depois seria palco da batalha que
ficou nos anais como símbolo do pátrio martírio e marca da presença portuguesa na
Flandres. Não será bem assim.

A ofensiva alemã no Lys (La Lys, usando a forma francesa de designar o rio),
encetada a 9 de Abril de 1918, era o início de uma vasta manobra que não deu frutos.
Ao cabo de menos de um mês, as forças aliadas passaram a ser coordenadas por um
comando único e o rumo da guerra inverteu-se. O sector português era só uma parcela
da grande frente de batalha, e é claro que a forma como as nossas tropas resistiram, na
zona de Laventie, foi importante para suster o ataque e dar margem de reorganização às
tropas britânicas. Seja como for, a derrota foi pesadíssima. Em quatro horas de combate,
398 soldados portugueses morreram e 6585 foram aprisionados pelos alemães.

Nota Isabel Pestana Marques, no capítulo que a recente “ História da Primeira


República portuguesa” (coordenação de Fernando Rosas e Maria Fernanda Rollo)
consagra à guerra das trincheiras, que “a própria imagem de um CEP inactivo,
desmoralizado, subjugado perante as autoridades britânicas após o 9 de Abril e
desesperado por um regresso a casa não corresponde de todo à verdade histórica”. Nem
os portugueses deixaram de combater, nem tudo o que fizeram ao longo de uma
desmorada participação na guerra foi apagado por um só dia.

Em Portugal, o fantasma da mobilização vinha pairando sobre um povo que em


geral, não compreendia a razão do combate e da participação portuguesa”, segundo A H
de Oliveira Marques. A participação no conflito obrigava a um endividamento brutal:
Londres era credora de cerca de 22, 5 milhões de libras, o que, ao câmbio da época,
dava 2, 2 milhões de contos, ou seja, uma brutalidade.

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Para o povo, havia a fome, além da guerra. A miséria. O ano de 1917, com o
fenómeno de Fátima, estimulava o desejo messiânico. Em Dezembro, Sidónio Pais
tomara o poder pela força. Mas essa é outra história.

BIBLIOGRAFIA:

CORREIA, António (2008) A primeira tristeza do século XX, CACL

KEIGER, JFV (2002) Raymond Poincaré, Cambridge University Express.

MARQUES, A. H. de Oliveira (1972) Afonso Costa. Arcádia, Lisboa.

MARQUES, A. H. de Oliveira (1980) Um diário Íntimo de Afonso Costa, in História nº 24, pp. 28-
40.

NOUSCHI, Marc (2007) Le Xx Siècle, Ed. Armand Colin.

[CACL], 1, (2009) Páginas 69-72

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