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Jean-Pierre Fitoussi esboça uma explicação1.

Duas forças enfrentam-


se nos mercados financeiros: os agente que precisam ser financiados e os
agentes que têm capacidade de financiamento. A política econômica conduzida
vai avantajar um desses atores. A luta contra a inflação avantajou quem tem
capacidade de financiamento: portanto os mercados financeiros eram
dominados pelos atores que possuíam o poder financeiro. A partir daí, o premio
dado ao patrimônio foi assimilado à modernidade enquanto a solidariedade e o
social foram assimilados ao arcaísmo. A luta contra uma inflação forte obriga
uma elevação forte das taxas de juros. Quando essa política continua, mesmo
depois de uma baixa da taxa de inflação, ela reduz a capacidade de
investimento e das pessoas a preparar o próprio futuro. Contudo, quando os
detentores de capitais acostumam-se a altos rendimentos e sem riscos, começa
uma engrenagem. Precisa sempre propor aos aplicadores outros tipos de
aplicações mais arriscados e com taxas de retorno cada vez mais elevadas. Foi
explicado que, mesmo que as taxas de interesse baixem, a rentabilidade dos
capitais seria mais elevada ainda porque os investidores poderiam exigir das
empresas uma taxa de retorno mais elevada do que eles recebiam aplicando em
títulos do governo. 15% ao ano de rentabilidade tornou se o novo horizonte. O
problema é que não se pode esperar no médio e no longo prazo uma
rentabilidade média do capital duravelmente superior à taxa de crescimento da
economia (no Brasil prevista para 4,5%). Todo mundo embarcou porém nessa
ilusão: acionistas, investidores, empresas e assalariados. Algumas empresas
conseguem atingir essas taxas quando os negócios estão em expansão. Outras
o atingem transitoriamente enxugando seus efetivos e/ou entrando em
estratégias de crescimento externo pela compra de outras empresas. Isso
explica inclusive a mudança de atitude dos donos de empresas em relação às
Bolsas de valores: de financiadoras do crescimento empresarial, elas passaram
a ser vistas como uma tutela insuportável sobre a gestão das empresas.

1
FITOUSSI, Jean-Paul, La politique de l’impuissance, entretiens avec Jean-Claude
Guillebaud, Paris, Arléa, 2005, primeira parte.
Alguns argumentos ajudaram a sociedade a aceitar esse mundo
novo. Foi dito que era legítimo lutar agressivamente contra a inflação porque ela
penaliza os mais pobres. O outro argumento martelado diz respeito aos grandes
equilíbrios que precisam ser mantidos por respeito e generosidade em relação
às gerações futuras. Essa política foi apresentada sob uma roupagem de
generosidade. Fitoussi mostra que se trata de uma mentira2. O aumento e a
manutenção de taxas de juro elevadas favoreciam os que detêm o capital
financeiro e afastavam do acesso à posse de bens duráveis os que precisam
emprestar, quer dizer as categorias mais vulneráveis da população. Os ganhos
advindos de rendimentos financeiros cresceram e se multiplicaram enquanto os
ganhos advindos do trabalho minguavam. Podemos dizer que passamos de um
capitalismo social para um capitalismo patrimonial. Essa dinâmica é
extremamente prejudicial à preparação do futuro porque as altas taxas de juro
estrangulam o crescimento e aumentam o desemprego: isto aumenta a dívida
publica pressionada pela perda de receitas fiscais e pelo aumento do serviço da
dívida. E não é desempregando os pais que se constrói o futuro das futuras
gerações, nem diminuindo o potencial de crescimento da economia que se
aumenta a herança destinada a essas gerações futuras. Não é reduzindo as
despesas públicas em investimentos por causa do aumento das despesas no
serviço da dívida que se prepara um futuro melhor para todos. Essa política
acaba tendo, também, um efeito devastador em relação à justiça social porque
ela afeta a representação que cada um tem em relação ao próprio futuro. Como
preparar o futuro se não se pode investir? O que vale é o patrimônio e as
relações sociais que cada um consegue amealhar no presente. Valoriza a
própria historia de cada um e o individualismo em detrimento do relacionamento
com os outros porque cada um tem a impressão de depender muito mais de si e
do que conseguiu do que de uma solidariedade social. A sociedade entra em
déficit de futuro, crispando-se sobre o que adquiriu, único ponto de apoio para
enfrentar um futuro incerto.

2
Ibid p. 46 ss

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