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Resumo
Palavras-chave
Atividades pedagógicas – linguagens jornalísticas – literatura e jornalismo
A Gênese
Batismo de fogo
O primeiro semestre desta experiência em Redação Jornalística
apresenta aos alunos do quinto período a ementa e a proposta da mudança
conceitual da matéria. Eles se sentem desafiados e ameaçados ao mesmo
tempo. Não conhecem aquilo que a matéria propõe, só tinham tomado
contato com o lead, como no jornalismo impresso convencional.
Começo por mostrar as diversas escritas jornalísticas presentes no
jornalismo diário: informativa, interpretativa, opinativa, investigativa. A
amostragem vai à fonte das outras narrativas jornalísticas – como o novo
jornalismo, o jornalismo literário ou jornalismo narrativo, o gonzo jornalismo.
O primeiro exercício é a leitura do Caderno da Comunicação da Prefeitura
do Rio, totalmente dedicado ao New Journalism. Eles lêem pequenos
excertso dos grandes nomes com John Hersey, Truman Capote, Tom Wolfe,
e os nossos Euclides da Cunha, Ivan Ângelo, Gianni Carta. Também tomam
contato com as discussões e propostas teóricas de pesquisadores como
Cremilda Medina, Edvaldo Pereira Lima, Dimas Kunsch.
Proporciono uma pequena história crítica do padrão de jornalismo pautado
pelo lead e pela pirâmide invertida. Falo do jornalismo literário, remetendo a
Euclides da Cunha, João do Rio e Lima Barreto, no nosso caso, as raízes do
estilo. Depois, falo da história do lead e da pirâmide invertida, enfocando
suas razões mercadológicas, políticas, tecnológicas. E sua lógica particular,
que descende de uma certa tradição científica, o racionalismo cartesiano.
Nas aulas seguintes, passo a considerar as mudanças de cosmovisão
que a realidade em que estamos vivendo está atravessando. Falo da
mudança de paradigma científico,que muda o mundo e os modos de pensá-
lo . É que o paradigma clássico tinha como trindade o primado da ciência,
da experiência e da razão. Ele defendia a idéia do homem como dominador
do planeta, já que a ciência – sua filha – resolveria todos os principais
problemas humanos. Ele era determinista – com Newton, o mundo passa a
ser visto como uma grande máquina regida por leis fixas e invariáveis,
bastando conhecê-las para manipulá-las. Esse aspecto mecanicista das
ciências físicas passa para as humanas, donde os behaviorismos e outras
correntes criadas para conduzir a homem e sociedade.
Então acontece a física moderna, que vira de ponta-cabeça este
modelo mecanicista da natureza. A teoria da relatividade, mexendo com
nossa visão de tempo e também de espaço; a física quântica , encontrando
no mundo subatômico coisas difíceis de aceitar como o comportamento dual
da matéria – ora partícula, ora onda, que mexe com nosso conceito de
identidade. Outra coisa: descobre-se que o observador está incluído, faz
parte do que descreve e em certo sentido, a observação só acontece nessa
conexão entre observador e objeto . Vai pelo ralo a neutralidade do
observador. Descrição objetiva também. Incerteza passa a ser uma palavra
científica, impensável para a ciência do século XVIII.
As mudanças são muitas: de sujeito e objeto para sujeitos
intercondicionantes num processo de reversibilidade; de causa e efeito para
a de intercausalidade, rede de forças interagindo; de universo sólido a
universo poroso como enxame ou redemoinho; de substância e acidente
para a relação complexa; do certo e errado para a coerência, encaixe e
sustentação no todo. Tudo isso e muito mais, deu origem ao pensamento da
complexidade, já que o mundo não se mostrou tão previsível quanto a
ciência clássica desejava.
Assim é que, se a base científica mudou, é preciso também que a
narrativa jornalística mude. A visão da ciência do séc XVIII, como detentora
da verdade, que a nova ciência nem considera mais desta forma, precisa
ser revista também no jornalismo em sua busca pela verdade.O método
científico, impessoal, imparcial, neutro, que o lead se propôs ser não dá
conta deste (novo) mundo que a ciência contemporânea trouxe à tona:
"O menor vírus da AIDS nos faz passar do sexo ao inconsciente,
à África, às culturas de células, ao DNA, a São Francisco, mas
os analistas os pensadores, os jornalistas e todos aqueles que
tomam decisões irão cortar a fina rede desenhada pelo vírus
em pequenos compartimentos específicos, onde
encontraremos apenas ciência, apenas economia, apenas
representações sociais, apenas generalidades, apenas piedade,
apenas sexo."(Jamais Fomos Modernos- Bruno Latour pg. 8)
Bruno Latour demonstra que cada fato é uma rede que interliga vários
estratos do saber e da vida, não sendo possível compreender a tessitura do
mundo sem construir um sentido, e isso se faz aprofundando o fato com seu
quadro contextual, seus antecedentes e consequentes.
Depois disto, vêm as aulas específicas sobre os estilos jornalísticos
elencados, com leituras de textos dos melhores autores de cada modelo. E
começo a exigir a produção de textos a partir das principais características
destes outros jornalismos, que contrastam com o padrão jornalístico em
voga na mídia. O primeiro exercício, que se coaduna com a necessidade do
retorno da subjetividade no texto – defendido pelo jornalismo literário, novo
jornalismo, gonzo jornalismo, é a proposta de produzirem um perfil. Mas não
um perfil de outra pessoa: o desafio é produzir um auto-perfil. Explico o que
é um perfil, dou textos para leitura de perfis produzidos por Joel Silveira e
Gay Talese, e pela revista Realidade. Reitero que são textos jornalísticos
que quero, com dados e fatos sobre o perfilado. Os textos produzidos são na
média pouco expressivos, mas começam a demonstrar a tentativa de
superação do neutro e insípido que se tornou o jornalismo diário.
O segundo exercício é o dos afetos: falar sobre amor ou morte – narrar um
relacionamento afetivo contemporâneo ou entrevistar alguém que tenha
tido uma perda importante. Leio crônicas de Luis Fernando Veríssimo, um
texto do Marcos Faerman sobre a subjetividade do jornalista, um de Claudio
Abramo sobre o que é informação jornalística. Aqui, eles conseguem se
soltar um pouco mais e produzem belos textos.
O terceiro exercício é uma pesquisa sobre o jornalismo gonzo e a produção
de um texto nesse estilo. E, quando voltam com os resultados, ficam
absolutamente escandalizados com este tipo de narrativa jornalística,
dificilmente produzem um bom texto gonzo. É que o gonzo é o paroxismo
das propostas do retorno da subjetividade e da derrubada dos mitos da
neutralidade e imparcialidade. Depois da pesquisa, leio com eles um texto
do criador do estilo, Hunter Thompson, e demonstro como ele está fazendo
jornalismo, com uma apuração bem feita e uma edição idem.
O desenvolvimento
O sexto semestre começa com a tarefa de dar mais subsídios práticos para
a tarefa da escrita de um jornalismo de profundidade, da pauta, captação
até edição. Utilizo o livro fundamental de Edvaldo Pereira Lima, Páginas
Ampliadas, o Ricardo Noblat de ‘A arte de fazer um jornal diário’.
Uma deriva
Os resultados
As novas perspectivas trazidas pela matéria Redação Jornalística
frutificaram numa série de Trabalhos de Conclusão de Curso e Monografias
abordando especificamente as questões levantadas nela. Até agora, foram
três trabalhos enfocando o Jornalismo Literário, todas ganhando nota
máxima da banca. E mais dois trabalhos nos jornalismos especializados – o
cultural e o científico. Estão em pesquisa para os próximos dois semestres o
jornalismo político, o jornalismo científico e o jornalismo gonzo. Esta
amplitude de narrativas e modalidades jornalísticas nunca haviam sido
abordadas antes pelos estudantes do curso, que já tem 40 anos de história.
Um dos trabalhos foi apresentado no Sipec2004, teve textos das
reportagens publicadas no site Texto Vivo – específico de Jornalismo
Literário, e está publicado na Biblioteca On Line de Ciências da
Comunicação (BOCC), de Portugal.
Hoje, 2005, estou experimentando mais exercícios de sensibilidade, com
expressão corporal, toque, meditação, hai-kai (um tipo de poesia japonesa,
que promove a percepção do entorno, a síntese,o humor), para provocar um
texto mais sensível, que espelhe as complexidades do humano e do mundo
humano.
Conclusão
Na década de 70 foi lançado em São Paulo um jogo que era um espelho
preparado, modificado. O tamanho era de mais ou menos 30x30cm. Duas
pessoas por vez jogavam. Colocava-se o espelho num anteparo sobre uma
mesa. Era necessário que ficasse na altura do queixo dos participantes.
Então, apagavam-se as luzes e duas velas eram acendidas. Uma ficava
coma a pessoa na frente do espelho, outra com a pessoa atrás do espelho.
Movimentando as velas, os jogadores tinham que encontrar o ponto onde os
rostos se fundiam.
O espelho misturava características de um e outro e o que se via era um
novo rosto, o mestiço. Havia jogadores que não suportavam o que viam.
Achavam grotesco, e crispavam. A sensação provocada tinha uma grande
intensidade, como uma perda momentânea de identidade, uma alucinação
lúcida. O jogo, chamado ‘Persona’, tornava-se, para outros, um exercício de
aceitação do outro em si mesmo, uma aproximação solidarizante, uma
reflexão sobre o ‘eu’. Nosso envolvimento – teórico, prático e existencial -
com o jornalismo e suas narrativas precisa ser assim: produzir
estranhamento e entranhamento, dar a ver que estamos falando de
histórias de vida, de gente que está inserida naqueles acontecimentos que
se tornam notícia. A palavra precisa encarnar-se numa narrativa que
estabeleça conexões com a multifacetada realidade, para que o leitor,
ouvinte ou telespectador possa entender melhor o que se passa em torno,
decidir melhor como cidadão que rumo tomar. Este jornalismo, que não se
permita separar o que em nós sempre esteve junto – razão e sensibilidade.