You are on page 1of 4

A BATALHA DE BERNA

Luis Antonio Simas

Recebido por e-mail, sem local, sem data.

Não acho que a maior batalha que envolveu o Brasil em sua


retumbante história militar tenha sido a de Monte Castelo,
na Segunda Guerra Mundial. Meu voto vai para a Batalha
de Berna, título pelo qual foi imortalizado o épico jogo entre
o Brasil e a Hungria pela copa do mundo de 1954, realizado
naquela cidade suíça. Justifico a escolha.

O regulamento do certame de 1954 foi o mais doido da


história dos mundiais. Seja como for, e para poupar os
leitores da maluquice dos cartolas, vamos ao que interessa:
Brasil e Hungria se enfrentaram nas quartas de final. Nossa
seleção, mal saída do trauma da derrota de 1950 - a maior
tragédia da história brasileira desde 1500 - encarou o
esquadrão húngaro dos cracaços Czibor, Cocsis, Toth e
Hidegkuti (Puskas, contundido, não jogou). O retrospecto
da Hungria naquela copa foi assustador - 9 X 0 na Coréia
do Sul e 8 X 2 na Alemanha Ocidental. A mesma Hungria,
pouco antes da copa, deu uma surra histórica, 6 X 3, no
English Team em pleno estádio de Wembley, onde os
súditos da rainha eram até então considerados imbatíveis.

Antes do início da partida o vestiário do Brasil foi invadido


por dirigentes dispostos a estimular o time a um milagre
com exortações patrióticas. João Lira Filho fez um discurso
exaltado, comparando os jogadores aos inconfidentes
mineiros e desfilando com uma bandeira usada pela Força
Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Obrigou os jogadores a beijar a bandeira e, aos prantos,
declarou que naquele jogo contra os húngaros os
canarinhos deveriam se empenhar para vingar os mortos
de Pistóia - cemitério italiano onde foram enterrados os
pracinhas que morreram na guerra. Não ocorreu a ninguém
recordar ao dirigente que os brasileiros e os húngaros não
se enfrentaram no charivari armado por Hitler e Mussolini.

Segundo o testemunho do insuspeito Nilton Santos, o time


entrou em campo com os nervos em frangalhos.
Brandãozinho, um dos nossos meio-campistas, ainda
estava assustado com a cena de João Lira Filho o
segurando pelos ombros e dizendo aos berros :
- Como é o seu nome?
- Brandãozinho.
- Não! Você hoje se chama Ignácio de Alvarenga Peixoto.
Você é um inconfidente ! Você é um inconfidente !

O pobre Brandãozinho, semi-alfabetizado, não entendeu


bulhufas. Didi, comparado a Tiradentes, começou a achar
que Lira Filho tinha enlouquecido. O técnico Zezé Moreira
tentou expulsá-lo do vestiário, mas o patriótico dirigente
estava com a corda toda. Nilton Santos, até ele, tentou
estimular o goleiro Castilho com um argumento inusitado:

- Olha Boris (Nilton chamava Castilho de Boris Karloff por


sua semelhança com o ator de filmes de terror): confio em
você. Os húngaros são comunistas. São ateus. E você é o
São Castilho. E santo não perde para ateu.

Zezé Moreira armou uma estratégia para segurar o jogo


nos primeiros dez minutos, formando uma barreira
inexpugnável na retaguarda canarinho. Resistindo os
primeiros momentos, calculou Zezé, partiriamos para
dentro dos adversários.
Foi nesse clima que o escrete brasileiro entrou em campo,
escalado com Castilho, Djalma Santos, Pinheiro e Nilton
Santos; Brandãozinho e Bauer; Julinho, Didi, Índio,
Humberto e Maurinho. A Hungria veio de Grosics,
Buzansky, Lantos e Zakarias; Bozsik e Lorant; M. Toth,
Cocsis, Hidegkuti, Czibor e L. Toth. No apito, o árbitro
inglês Arthur Ellis.

O que se viu a partir da entrada dos times no gramado,


debaixo de uma chuva bíblica, foi um dos jogos mais
emocionantes, violentos e desvairados da história do
futebol.

O técnico Zezé Moreira insistiu na recomendação aos


jogadores: a chave para a vitória contra os húngaros era
resistir os primeiros dez minutos e depois partir para o
ataque. Não deu certo. Com oito minutos do primeiro
tempo a Hungria já tinha feito dois gols em Castilho.

Com surpreendente poder de reação, o Brasil descontou


aos 17 minutos, em um pênalti bem cobrado por Djalma
Santos. A partir daí o jogo foi pau a pau, com nosso
ponteiro Julinho Botelho fazendo o diabo em campo. Não
empatamos na primeira etapa por pouco.

O segundo tempo foi eletrizante. Os húngaros fizeram o


terceiro gol - Lantos de pênalti - mas o Brasil descontou
logo com Julinho. Mandamos duas bolas na trave,
pressionamos, perdemos Nilton Santos e Humberto
expulsos, eles perderam Bozski e, em vantagem no número
de jogadores, liquidaram o jogo com um gol de Cocsis aos
42 do tempo final: 4 X 2 para a Hungria.

Mal o juiz Mr. Ellis apitou o fim do jogo e a verdadeira


batalha começou. Puskas, que assistira ao prélio das
arquibancadas, desceu ao gramado e provocou Pinheiro na
entrada do vestiário. O zagueiro canarinho revidou e os 22
jogadores se envolveram na pancadaria.

Um policial imenso, com mais de 130 quilos, foi correndo


apartar a briga, tomou uma rasteira do radialista brasileiro
Paulo Buarque e caiu estatelado no gramado, para delírio
do público. A polícia revidou e jornalistas e dirigentes
acabaram se envolvendo no furdunço. O técnico Zezé
Moreira viu um gringo de terno correndo em direção ao
vestiário e não teve dúvidas, enfiou o cacete no cabra com
as chuteiras que Didi trocara durante o jogo e estavam em
suas mãos. O agredido era o ministro do Esporte da
Hungria, Gustavo Sebes.

No setor reservado às estações de rádio, para a surpresa


dos discretos suiços, o árbitro brasileiro Mário
Vianna urrava nos microfones impropérios contra o juiz
inglês: Ladrãããão. Safaaaado. Comunistaaaa. Covarrrrrde.
Rateeeeiro. Escroooooque. Apoplético, e insistindo na tese
de que foramos vítimas de uma conspiração dos comunas,
Vianna tentou invadir o vestiário do árbitro para, segundo
suas palavras, aplicar-lhe um corretivo e desafiar os
espiões de Moscou.

O final dessa zorra foi o mais inesperado e surreal da


história das copas. No Brasil, a população acompanhou o
match pelas rádios e, insuflada sobretudo pelas acusações
de Mário Vianna, resolveu agir. No Rio de Janeiro, por
exemplo, a massa partiu para a vingança imediata.
Perdemos o jogo para a Hungria, a copa foi na Suiça mas,
no calor das emoções, os indignados torcedores canarinhos
erraram o alvo e quebraram a embaixada da Suécia.

You might also like