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ack ya mph - auténtica Fugnaraie ° Ge 4 Seuges Baae Penta s maa Enotes dey Alain Badiou A aventura da filosofia francesa no século XX Foucault Eiger Casto [ACRESCIDO OE Herdis do Pantedo: Lacan e Derrida Traducao Antonio Teixeira | sce una ame Gilson lannini Jacques Rancitre & bastante conhecido dagueles que sequem as publicases ‘te nossos amigos de La Fabrique, e nao vou, certamente,apresenti- Escrevi muito sobre ele, ¢ frequentemente de maneira bem critica Proprio, se jé comentou em 1982 meu Théorie du sujet, de que nin- uém falava~ 0 que me deixou muito grato—, comentou sem nenhuma nenidade, Nés dividimes diversas tribunas, envolvemo-nes em diversas Aiseussdes piblicas. Encontramo-nos diversas vezes no exterior, onde ‘mumerosos amigos meus sio também amigos dele. Como dizer? Somos fertamente muito proximmos sobre muitas coisas para aceitar serenamente sermos, em alguns pontos, to distantes, Pronunciei 0 texto a seguir em Cerisy, na primavera de 2005, quando de uma semana que the ‘onsagrada. Veremos que tento puxar a proximidade tao longe quan ossivele que finalmente fiquei contente em encontrar um motivo rims culo de desacordo radical: nossas interpretasSes dos Mestres cantores de Wagner nao sao idéntcas! Eu faco questio de dizer, logo de saida, que nessa noite s6 fala- rei bem de Jacques Ranciére, Falei mal dele o suficiente no passado, minha reserva esgotou-se, Sim, sim, nés somos irmios, todo mundo © percebe, ¢ eu também, no final Falar somente bem de Jacques Ranciére nio é coisa ficil, na po sige que ambos ocupamos. Pois nio seria ele capaz de pensar que se ver assim constantemente elogiado por mim seja 0 pior destino que Ihe possa ser reservado? De sorte que a decisio de falar bem dele nio seria jo o modo mais astuto de Ihe fazer mal. Em particular, se anuncio \imero de pontos importantes estamos de acordo, como ele que num vai tomar isso? Nio ira ele 0 quanto antes modificar sua perspectiva sobre todos esses pontos de acordo e me deixar s6 com cles? © principio ético que me cabe colocar em primeiro plano € de evitar toda comparagio comigo. Nada dizer sobre mim, Nem acordo nem desacordo, nada. Somente sobre 0 puro Rancitre, integralmente clogiado. E, no mais, para partir do mais distante de mim que escolhi ntrar em sua obra pelo que parece pertencer a outro: a relago entre saber € poder. Essa dialética do saber e do poder € hoje efetivamente academicizada por uma referéncia sistematica, ¢ sem divida unilateral, a Foucault. Na realidade, sob sua forma vulgar (“Todo saber € um poder, abaixo a autoridade erudita!”), ela langou uma expécie de lugar comum do fim dos anos 1960 ¢ do inicio dos anos 1970. Afirmemos \dicar 0 desenvolvimento conceitual {que se alguém pode disso 1 maior e melhor que Foucault é mesmo Ranciére, de quem foi a pro: posta inaugural, como esta claro desde o titulo de seu primeito lio} La Leson d’Althusser [A ligio de Althusser], de meditar sobre 0 las entre o “teoricismo” de Althusser, sua apologia da ciéncia, ¢ a autor dade politica reativa do Partido Comunista francés, Entre o saber d intelectual ¢ 0 poder do Partido do qual ele é 0 companheiro, de rot ou de derrota Para compreender isso de onde ele retorna, é preciso voltar 20 contexto dos anos 1960 ¢, singularmente, & sequéncia crucial que vai Ge 1964 2 1968, culminando em 1966. Pois esse contexto & absoluta- mente paradoxal sobre a questio que nos ocupa: ele prepara ¢ organiza a piscula, a partir de 1968, de uma posigfo cientista, que fetichiaa os 2 oeetitos, a uma posigio praticista, que fetichiza a agio ¢ as ideiss sondiatas de seus atores. Nao esquecamos que este contexto fos © dos fe formacio de Rane eee corno dos anos 1966-1967. © reino O motivo disso m cientificis nal. Esse neocien- ‘da formalizacio, colocando-se larmente da fonolo- do estrutura &profundo, pois n30. tificismo estd centrado sobre © motivo linguistica estrutusel, singu jominantes das ciéncias humanas,.o na escola dos éxitos da gia. Ele rmarxismo-ea psicandlise. ceorias veladas d forma: aparelhos psiquicos | para a segunda, que sio formas do Sujeito; madas de produsio para 0 primeiro, que sio formas da Historia Aly Lacan, cada qual aseu.modo, colocam-se ness ideal de forma! stéria da deologia, © ‘om para distinguir radicalmente a ciéncia da ‘outro para fazer dessa formaliza¢ao, num texto candnico. 0 ideal da propria psicanlise, Estamos, pois, num contexto em que a questio} do saber. em sia modalidade mais tigida, mais dura, 2 das ciéncias formalizadas como a lingoistcs, ¢paradigmitica (Ora, eis que se instala, no cora¢io € no fim dos anos 1960, uma disposigio totalmente contriria. Tal € 0 paradoxo inicial que nos cabe considerar para ter um entendimento fundado da trajetoria de Rancigre. Esse paradoxo € efetivamente talvez o exemplo originario ¢ subjetivamente decisive do que ele nomeari mais tarde (¢ sio, para cle, categorias capitais) a relagio de uma aio relacio, ou a nio relagio pensada como relagio. Relembremo-nos que na China, a Revolugio Cultural se de- senrola entre 1965 ¢ 1968 em seu periodo de intensa atividade € que cla traz precisamente, em seu coragio, a questio das formas de ridade do saber. A revolta estudantil se faz contra 0 que os guardas vermelhos chamam de “pedantes académicos”, dos quais reivindicam 4 destituigio que no hesitam em maltratar cruelmente, Temos, em {grandissima escala, uma revolta antiautoritiria que visa a derrubada das hierarquias fundadas sobre a detengio de um saber. As revoleas de fSbrica, que encontram sua forma politica precisamente em janeiro de 1967, em Shanga1, sio igualmente revoltas anti-hicrirquicas que questionam a autoridade dos engenheiros e dos chefes fundada sobre 6 saber técnico-cientifico. A ideia & que a experimentacio opersi direta tery uma importincia pelo menos tio grande. Eis uma seques cia que vai ser referencial para muitos jovens filbsofos, Rancidre ¢ eu entre outros, no exato momento em que estivamos engajados numa apologia do conceito cientifico e de sua autoridade hiberadora. A ques~ tio de saber se estavamos certos ou errados em estar fascinados pela Revolugio Cultural é um debate marginal, © fato € que um imenso fendmeno politico parece polarizado sobre a questio da clenegagio ou da contestagio revoltada do conjunto das autoridades fundadas sobre [LAN BOIOU 4 NENTURE OA SORA FRANEESA rrr i a detencio de um saber. Assim, ele constitui, para os cientistas revolu- jonarios que tendiamos a ser, o mais violento dos paradoxos intimes. Mas retornemos a Franga. A partir de 1967 ocorre toda uma serie de revoltas operarias de fibrica, que comegam antes de 1968 © prosseguem em seu comeco antes do més de maio. Essas revoltas si0 de upo novo, porque, organizadas por niicleos de jovens operirios, frequentemente nio sindicalizados, elas se propdem também abalar as hierarquias internas da usina, © que toma a forma primeiramente de uma reticéncia, até mesmo de uma franca oposigio com relagio a0 ‘enquadramento sindical dos movimentos, ¢ em seguida de uma von- tade bem sistemitica de humithagio das autoridades. Nos meses que se seguirio, essa vontade culminara na gener: aagio de uma pricica bem violenta, © sequestro dos patrBes. Indico a todos uma espécie de resumo estilizado de tudo 190 no filme de Godard, Tout va bien, que se pode considerar como um documento a consciéneras se educam precisamente pela experiéncia de uma relagio transtornada entre saber € poder. Enfim, preparada igualmente a montante por varios movimentos de dissidéncia, notadamente sobre a segregac20 sexual e social, a revolta estudantil de Maio de 68 ¢ dos anos que se seguitio esta explicitamente dirigida contra a organizacio vertical da transmissio do saber. Bla incide efetivamente sobre a questio das autoridades académicas, da escolha das formacées, das etapas do curso, do controle dos conhecimentos, da powsibilidade de uma autoformacio dos grupos estudantis, que se orga~ iizariam para fazé-lo na avséncia de toda figura do professor-sapiente Esses acontecimentos organizam o paradoxo: a biscula entre uma espécie de tdeologia filoséfics dominante sob 0 paradigma do absolutismo dos saberes cientificos ¢ uma série de fendmenos politico- 1s que, em sentido contririo, desenvolvem a conviccio de que a conexio entre saber e autoridade é uma constru¢ao pol que deve ser desfesa, se preciso pela forsa Dai decorre que para Ranciére como para mim ¢ para muitos ou- tos, que praticamos 0 paradoxo de modo diferente mas com que todos nos deparamos, val surgir uma questio consyferivel: como desligat, ‘co sobre 0 modo como as ideo desfazer as figuras existentes de relagio entre o saber e a autoridade, entre 0 saber © 0 poder? Essa questio emerge como que naturalmente no contexto do qual falava, a partir do gomento em que se coloca do ldo do movimento, © que é na época nosso gesto inaugural de ao professores. Mas eu penso que a questio se desenvolve sob uma forma mais complexa em torno do problema seguinte: se cabe destituir a autoridade do saber, estabelecido como fungio reaciondria nas figuras, opressivas pelas quais 0 saber se encontra monopolizado, como, entio, -vai se transmitir a experiéncia? A questio da transmissio se torna uma ‘questio particularmente aguda. Se 0 conceito nao tem a primazia, sea pritica, a experigncia efetiva sio as verdadenras fontes da emancipagio, como essa experiéncia se transmitiria? E, de saida, é claro, a propria experiéncia revolucionaria. Quais sio 0s novos protocolos de trans- missio, uma vez que se desfez, desligou-se, suprimiu-se a candmica autoridade do poder ¢ do saber conjugados que servia institucional mente de lugar para essa transmissio? O que € uma transmissio que no é uma imposigio? Pode-se também perguntar: qual é a nova figura do Mestre, se se exclui toda validagio pela autoridade institucional? Haveria mestres fora da instituigio, ou ndo hé mais mestre algum? Essa questio do mestre, vocés conhecem sua importincia na obra de Ranciére, mas ela é também absolutamente crucial na obra de Lacan. Ela emerge contextualmente nao somente da questio abstrata ou genealogica das relagdes entre saber e poder, mas também, mas sobretudo, do que nos é imediatamente legado pelo engsjamento no movimento de massa ‘mundial dos jovens e dos operirios entre 1965 ¢ 1975, pelo menos. Eu assinalo que desde a origem da Revolugio Cultural Mao havia formulado essa questdo crucial da transmissio fora das instituiges sob a forma: 0 que se deu com os sucessores da causa do proletariado? E como ele proprio concedia seu apoio 4 revolta estudantil, em seguida as revoltas operérias,ficava claro que essa questio da transmissio nio podia passar pelos canais da autoridade estabelecida, nem mesmo pelos canais do Partido Comunista no poder, Partido que, depositirio da auroridade e concentrado suposto da experiéncia, tornava-se a cada dia © alvo principal em todo esse negécio. O resultado fo1 a eregio pelo movimento de Mao em figura de mestre absoluto. A questo: hi mestres fora da instituigdo, a resposta foi: o mestee desligado da instituicio € © préprio mestre do movimento, Ele € 0 mestre paradoxal, visto que ele é o.mestre do movimento que destitui os mestres. Mas o que era Mao? Um nome préprio. © que propuseram os guardas vermelhos era tuma subsuncio da revolta, estilhacada, infinita, pela transcendéncia de um nome préprio. A autoridade do nome singular substituia a das ALAM BADIOU A AYNTURA DA FOSOFA RANCESA a1 { | _prapsio.delum micsize em excegioldas formas inst inseituigdes disparatadas e burocratizadas. Transmitir queria dizer: ¢s- tudar coletivamente 0 que se encontra & altura do nome. Tal é ¢ papel do Livemho vermelho dos pensamentos de Mao: dar forma, no calor da expenéncia, a isso do que 0 nome € 0 guardiio. Nio mais temos sequer uma ideta do entusiasmo dessa doagio de forma, da exaltacio que reinava, entio, em corne do tema do estudo, tanto ela estava ligada _erajeros politicos inéditos, a agSes sem precedentes. ‘Ali se encontra um exemplo caracteristico dos problemas e das splugdes transitérias da epoca, O proprio Lacan afrontou pessoalmente a questio da mestna, Ele no apenas produziu um matema do discurse do mestre, como também meditou acerca da relacio entre mestria transmussio einstituicio. Ela avancau particularmente a ideia notivel de uma expsue de : 2 lugares de cransmussao de sua expeniéncia, entre, Se segunrmos a génese, em Lacan, de tatamos de saida que claseencontsawubayannia rdicaldesm nome fama mesire em exces idas de mes waht cambém, “Lacan”, tal como “Mao”, diz-se de uma condigio de transmissio), E vé-se em seguida que, para que ela ndo fara “eferto de cola” & possa, todavia, assegurar a transparéncia de ama transmissio, de sua propria dissolugio. co e subjenivo, é nossa por ela deve estar dia apos dia na bs “Todo este contexto, como paradoxo his origem, origem de nds, a "geragio", como se diz, que for Mato de 68 como que por um raio, E essa origem esclarece 0 trajeto do pensamento de Ranciére, ela o esclarece no longo curs, pela simples Fazio de que, diferentemente de tantos outros, Ramcigseqamaisanegor ‘que ela esclarece também meu proprio trajeto, De 1 E pela mesma razio fal modo que renegando, eu proprio, 0 mnicio dessa exposi¢50, vejo-me SSbrigado a fazer ainda assim um certo uso da comparagio de Ranciére comigo mesmo. Recaio evidentemente em 0 nha dafic como fazer a comparagio de Ranciére comigo sem revelar imed Rancitre esta errado, € €¥ estou com a tazio? Em meios rest porem internacionais e, sesamos despudorados, sigmficativos, a com- paragio Ranciére/Badiou esté se fornando pouco a pouco canénica Nibs disso nao extraimos, tanto um quanto outro, nenhum orgulho particular, Cheto de bom senso, Jacques dasse-me um dia: “Voc sabe, hos avangamos 4 antiguidade”. E verdade, mas podemos nos gabar de mente que 182 na rE enema - _——, - amos, que horror, acre sim, sim, viva a demo-cracta! spositivo critico, colocando-nos um contra 0 outto, a proposito de objetos © jlarme oF ou Straub, ou Godard. Por vezes eli serve d inte despercebido, mas ma supostai a serve de nento positive sobre © trabalho de um dentre nds. E essa terceira fungio que vou assum, tentando a cada ver, de modo menos desastrado, dar-me 0 papel ei nterel © ax vente falar bem de Ranciere’ a que seja ao prego de so falar mal de do contexco 4 Quanto ao problema que se e! der e sabe poremt ose destae o hago g-saber eo pod Jss0 em.uasio-deuima bipotesr democriues qu: eum jio_de novo spo. Eu ch hipotese irapgio, 30 mov Ianeinante, E gambém.auma dis reurisncia, combi 0 gnuteu fegimc de \do, encontra-se a correlaga sua articul: ‘Minha primeira observacio & que essa hipatese o a operar mediagdes de cariter histérico, Bterivamente, democratica assim concebida apoia-se em observaydes que respeito 20 desfuncionamento de ¢ Por meio desse desfuncionamento possibilidade de partilha diferente do poder, dos saberes, dos cor pos ativos e finalmente do inteirame LAM SAD}U A AVENTURA EA HOSOFAFaMNCESA 83 az luz uma modalidade nova da transmissio, modalidade frigil, transitéria, que nio passa mais de modo algumn pelos canais do saber insttuide, mas que se inscreve precisamente ali onde muda a distri- buigio das insignias do saber-poder. Ali onde se realiza a inscricio de uma parte do que, na antiga distribuicio, era sem-parte. Essa transmissio é realmente democratica, porque se articula diretamente sobre um diferencial com relagio ao regime de partilha instituido. {Ela incide no ponto onde a polis, a Cidade virtual do coletive dos euaLS, Separa-se Tepentinamente, a0 mesmo tempo que permanece contato, da “policia”, regime das par idas, e das par~ (tes desigualmente distribuidas, incluindo © sem-parte como fi Jobrigatoria de toda re-particio, Eu invisto sobre 0 fato de que 0 balango de epoca de Ranciere niza as consequéncias de ipotese no & a dele {G0 4 endossar © papel ruim, creio go simp pos-acontecimentual dos efeitos de um corpo heterogéneo. Ora, esse corpo heterogéneo encontra-se numa disnensio nio imediatamente democritica, porque sua heterogeneidade aieta de modo imanente, mas separador, a mul diante desse jogo formal cuyas regras estio inteiramente expl onde tudo esti inscrito € nada esti oculto? E bem por essa ra7J0 que lo-Ihe 0 estatuto de vestibule obrigatorio da dialética, ualdade. Tal é seu demo- cressada € a sua colocagio a servigo do universal de todas as suas capacidades nao deixem myargem para divida. deswa constatapdo, ou dese paxadiy cia profunda, que Platio ie localizado do fora-de-lugar. Ela prescreve 0 que Ihe importa & po que as que ratificam sua ngualdade radi ng senile que lala de wma aritocracta di cransnis “Somunssa® cwo problema hoje em dia é que cla deve se ge ‘o_mais proximo. to das formas estabel ‘da transi do € nag se preo- westigagio dos meios de uma organizagio material das consequltet Fis a forma mals condensada de nossa diferenga: ¢ginos day ° Ode Ranciére ¢0 met ignovante, o meu uma ‘aatotmca poleina. Evidentemente, em certosaspecto tnoros, que sf0 duas maximas do juizo, io bem préximos. Visto dz Iqnige,é mesma cota, Mas vito de perto,éextremamente dilezente Por qué? Atemo-nor ali a uma questio filoséfica que se pode dizer precisa, bem formada, Por que seri que “mestre ignorante” permanece Insubstituivel, como balango do paradoxo dos anos 1960 € 1970, pela “aristocracta proletiria © oximoro do mestre ignorante ativa seu lugar, que é o lugar do _nio lugar, nos coletivos contingentes. Ele ali opera uma transmissao sem garantia nenhumade wdo que osorts,¢.quc.cle homologs de tal mado. (© mestre ignorante é uma ativagio, disposta numa espécie de univer sahdade potencial, do que esta ali, do que ali se tornou. © fenémeno historico dessa transmussio ¢ ao mesmo tempo imediato ¢ sequencial © aue chamo de arstocracia probes mente contingente, mas que miunha democraucamente as poténcias da ocorréncia (avorr-leu}, do Sragsm/te, ea também. sem agahuma garantia, Mas ela transmaite por 7 incorporaco de sua pripria duracio, 0 que é um modo totalmente diferente da transmissio, Eu apenas o introduzo aqui para esclarecer 0 oximoro do mestre ignorante-e para dizer que sio dois nomes acasalados € novos, destinados a nomear no pensamento um certo balango do contexto paradoxal de que falava ainda ha pouco. Essa dualidade conduz a usos partilhados mas ao mesmo tempo diferentes de todas as espécies de coisas. Por exempl , Platio, ‘AUN ANDION A AENTURA DL FLOSOFK FRANCES as NEE eee Cree rE tere CS SESE do que a dletes din ado micraveis paginas sobre a proposigio segundo 2 qual pentre oF protocolos da agu ssi do saber ea iburgauidos lugares de poder, a entio, uma projegao dessa ignorante, que organiza o pensamento do lado da univoc: “social” € de seu lado insuportavelmente an € creio que andamos sobre a mesma ¢1 jar do mesmo lado. rvarem a construgio da Ri se-1a hoye, sguaepncentrando a aten¢: No primeiro caso, chega-se a concle edo poder nao conduz de forma al , tragamn espécies de diagonais no esquema de sshecemepaderes E chegado o momento de sustentar que Ranci posicio absolutamente ori ‘em razio do sistema de formalizagio gue ele pouco a pouco extraiu da experienc Ha uma circulagio de Rancidre cuja paradoxal donde eu parti igularidade merece que se ura organiza entre as origens notadamente Jo XIX, as teses dos indada pela convic¢io de que aquele que é di as fizer. Para 0 artesanato tome a medida, circulagio que sua es propriamente filosoficas da das experiéncias e das inscrigdes operirias do contempordneos, particularmente as de Fouc: dos socidlogos e dos finalmente 0 cinema. Se observarem essa ¢ ato. BR la possibilita uma formalizagio do que podia ser n (came. contexto dos anos 1960/1970. O material heterogéneo da Ranciére prepara, em mi da experiéncia paradoxal origin: Em se tratando do problema da educagio, pode-se re, se des-loca}. considera-se jetonimia da Somanidade pohwvalente te E que ha coexisénera, nos : vce te he Beaters ‘te peaseuopolitice, Nesse sentido, ele nig valida.a conchusio platdnica Mas 10, a saber: que a educagdo é uma su- alvez a _capitalista e imperialista, mas wuéssemos também contra a.partido ‘decerto derrubar 0 | jgmatizando a cumplicidade do social-imperialismo sovi Para resumir; uma verdadeira esquerda revolucionaria combate dire E afl ‘e muito amplo que se manteve até o inicio dos anos 1980, que estruturava a ideia de uma luta em dois fronts. 1 Sobre os pontos tedricos que ainda nos interessam hove, bavia ambém uma usa em dass fants, Havia a luta contra a idea de que a P% ‘ser dependente de uma ciéncia, ¢ logo de uma trans~ ma espontaneidade cee, ‘eiramente absorvivel nO a de que ap al extrangenra a0 cone ‘io ha o Partido sapiente por cima do movimento, ista vital de tal sorte que-o-gesto dade da substancia politica "ro font, Rranciere deverd, assum como eu nos mesmos sere excrsvor La Lec dalthusyer. E que pasa Abhuser a ngnca permanecia sendo.o panto fixe com 0 qual se ga~ ss Fa leaual hse rantia a divisio das ideologies, raz arto por um tempo extremamente longo, bem apésa consequéncia ass ran da qual eu filo. E preciso levar em consideragdo que detris de Alth aque é 2 figura do mestee sapiente, pode-se encontrar o que os maoistas da época chamavam de “Ieninismo ossificado”. Era a convic¢io, de tacada de todo movimento, de que a consciéncia chega s08 opeririog de fora, que cla nio € imanente a um saber operirio qualque ca tsse de fora € a ciéncia positiva da hist6ria das sociedades, o marxismo| Mas é preciso nio esquecer que ha um novo front. Rancitredsye jy - degtacat a politica de toda identificagio vitalista ¢ manter firmemente ar} « 0 de declaragio, a consistencia discursiva, a figura da exceci0C ‘nio faz 0 prolongamento ativo das formas de vida tais quais Sua tese & pois, que se 2 front, ela nem por isso deixa de ser produtora de saberes multsfo que sio pecs ' nfo é transitiva 4 ciénci primeiro estejam no coragio dessa parte capital da obra de Ranciére que for- ‘maliza sua experiencia original, Essa dialética se resume, a0 que me parece, nas duas teses sutilis- { sinas, sc | ainda sua conjugacio. Formalizando a forma- lizagio de Rancitte, cis como escrevo suas duas teses 2) Sob a condigio de igualdade declarada, a ignorincia ¢ 0 ponto | onde pode nascer um novo saber. 'b) Sob a autoridade de um mestre ignorante, 0 saber pode ser igualdade. F Reter-se-4, bem entendido, um ponto essencial que se tornou como uma aquisigio comum da obs de Ranciére: a igualdade € de- clazada ¢-aioé jamais programatica, sso talver seja evidente para os rancetianos convietos que somos, mas & preciso ver que se trata de um aporte maior de seu empreendimento. E ele que instaurou no campo conceitual contemporineo a ideia de que a igualdade € declarada a. E uma reversio fundamental, ¢ eu desde muito meu acordo absoluto para com essa tese, que cabe conceder a seu autor. tam lugar para [ \ Ainda uma pequena sequéncia comparativa. Examos deacordo a respeito da dimensio declarativa da igualdade, mas ainda no temos, dessa dimensio, amesmabermenéutica Para mim, que a igualdade seja declarada € no programitica, isso sis ye a igualdade seja na realidade litica de mancipagiy, Eve axsoms & (Fe)declarado a cada vez que, por razes acontecimentunis, abre-se uma sequéncia nova da politica de eman- capacio. E 0 que ey bavia chamadoem 1975, num periodo ainda contemporineo do contexto inicial, de as “invariantes comunistas" A invartante comunista por exceléncia € 0 axioma igualitério como axsoma de uma sequéncia. A gualdade, como declarada, é a mixima) de 0 as voltas com uma forma expecificada| ou singular de desigualdade. Aristocracia politica contingente que é ol corpo ativo que porta a maxima numa sequéncia singular ¢ que nio tem por tarefa senio desdobri-lana medida dos possiveis da situacio. abiolutaments om Sp iden icavel unicamente porque ela ¢ as eletividade do corpo da mixima numa dada sequéncia [As coisas se passam de outro modo para Ranciére, que desconfia dos principios ¢ ainda mais do que pode haver de prescritivo na relagio dos principios a uma sequéncia. Eu diria que para ele a iguaklade é simyitaneamente condici: ducio. Tal é 0 sentido profundo das ‘duas teves que eu formalizava ainda hi pouco, Por um lado, a gualdade € a condigio de uma figura nova do saber e da transmissio. Por outro, essa nova figura, que esti sob 0 signo do mestre ignorante, alimenta por sua vez a igualdade, cria um lugar ou um espagamento novo na sociedade para a igualdade. ‘A igualdade & condigio na medida em que sua declaragio insti- tui uma nova relayio para com o saber, criando a possibilidade de um saber ali onde a distribuigio dos lugares ni Essadristocracly E por isso que © mestre de tal saber apenas pode se declarar ignorante. Nesse movimento de condigio, a prescrigao igualitina instieui um novo regime do saber e de sua transmissio & guisa de uma det io amprevista entre sab ‘Agiadate pr saber fa P : Bendiz-se a bela formula segundo a qual gaubia existéncia uma parte dosemeparte Ela me parece, todavia, umpouco demasiado estrutural pata Fecaprtular convenientemente © pensamento de Ranciére, Pots ess0, advento, ampejo do sentido. E, nesse process, digio e de producig, £ esse enlayamento de duas fungdes que faz da | i aconiecimento por exceléncia] £ © que me conduz novamente 4 comparacio proibida Si pode-se dizer que a declaragio da igualdade ¢ para Ranciére v proprio acontecimento, © acontecimento aa medida em que vai dar lugar a ‘rao inapagavel. Em minha visio das coisas da politica adeclaracio ‘gualitinia é tomada posivel pelo acontecimento, nio se confunde co le. Ela é 0 que organiza um corpo, mas sob uma condicio aconteci- mentual que nao ¢ homogénea 3 declaracio. ‘Tecer a comparagio leva a discussdes bem complicadas. concer- y= nentes a0 fato de que nio temos 2 mesma x despedir do Partido, como a isso nos obriga nossa comum experiéncia origindria __Adespedida que Ranciére anuncia 20 Partido é uma despedide que rio mantém, como tal, o motivo da organizacio, ele 0 deixa em suspen- so. Se eu decidisse nesse minuto mudar o titulo de minha conferéneia eu divi: “Ranciére ou a organizacia em suspenso”. Nee a despedia anunciada € bem atenta quanto a permanecet no ponto mars proximo da inscrigio. Iso no quer dizer que ele esta ¢-contra 0 Partide, ele quer estar no ponto mais préximo da insericio, Ponto supranumeririo, inscrigio inapagivel, 160 numa distancia, numa relagio no relacionada, iso, disso estamos certo, isso ex Por vezes a historia disso di testemunho, pode-se, pois, homologé-to. Eu sigo, mais do que Ranciéte, na preocupagio, na dificuldade de me despedir do Partido de tal modo que no seja sa evidéncia: a continuidade politica € necestariamente organizada, O que é um corpo politico heterogéneo, aristocraticamente portador de igualdade, que nao seja herdeiro ow imitador do partido sapiente pos- leninista, do partido dos peritos? Filosoficamente, essa diterenga entre ‘a colocacdo em suspenso do principio organizacional e sua manutengio no centro das preocupaySes politicas tem repercussdes consideriveis no tratamento da relagio entre acontecimento, inscricio, corpos © consequéncias, Chegamos finalmente a duas definigées filossficas da politica que sio vizinhas, mas também suficientemente distintas para rem sempre serem a De fato, a nteligéncta completa das duas teres de Ra a dupla ocorréncia da igualdade) supde que se possa concluir quanto ibre Gobre ALAM BROIU A NENTURA OA OBOE FAMNCESA a algumas defunigdes concernentes a politica. A dificuldade de extrair de um texto de Ranciére algumas definigées precisas nio tem ongem tedmica. Nio creio que seja porque sua incliaagio anuplaténica é tal que cla o conduziria a recusar as defimgSes, supostamente inadequadas & 1 das Idetas, Pelo contririo, sua prosa é bem definicional, mula bem-cunhadas que se parecem com definigdes, 850 a0 ponto de por vezes eu me dizer que ele € demasiado definicional e nio saficientemente axiomitico e que, pois, ele talvez esteja do lado de Aristoteles... Mas isso é para mim uma acusagio tio grave que eu a retro imediatamente! Sem divida caberia antes pensar que a dificuldade concernente 3 precisio seja uma dificuldade formal, ligada ao estilo filos6fico de Ranciere Esse estilo € bem singular. Ele € violento e compacto e nio decerto, de nos encantar, Nao obstante, para um platénico como sofia 0 encanto é sempre equivoco, Mesmo e sobretudo em 30! Quando ele nos encanta, o que Ihe acontece frequentemente, € que ele busca passar de cravés um equivoco. © estilo de Ranciére tem trés caracteristicas. Ele € assertivo, encadesa as afirmagdes, mas numa espécie de fluidez singular que faz com que a assersio seja conduzida pelo estilo, Seria bem interessante ‘compariclo detalhadamente ao estilo de Deleuze, que € igualmente um estilo assertivo, mas de outro apo. Em segundo lugar, é um estilo sem descontinuidade argumentativa. Nao hi momentos em que le proponha uma demonstracio separada, apoiada numa cese idenuificivel, E entim, um estilo que busca um enrolamento conceitual em torno dos ‘exemplos, com o objetivo de criar certas zonas de indecidibilidade entre fo efetivo € 0 concerto, Nao se trata de modo algum de um empirismo. Muito antes, que Jacques me perdoe, de uma inflexio hegeliana: trata- se de mostrar que 0 conceito esté ali, no real das urrupcées historicas como na eieuvidade de sua conduta prosédica. Evidentemente, meu estilo proprio € certamente mais axiomitico e formular e contém mais dimensSes argumentativas separadas, Em todo caso, 0s procedimentos estilisticos de Kanciéee, afirmagdes fluidas, sgm descontinuidades ar- icante, tornam dificil extrair do gumentativas, enrolamento exempl texto definigSes precisas Fu gostaria de fazé-lo ouvir, esse ewilo. Tomemos uma passagem famosa, que justamente se aproxima da definigio da politica e rearticula 1 quase codos 05 temas que rogamos essa noite. E 0 inicio do fim de Le Mésentente (O dissenso} A politica existe als onde a conta das partes e das partigSes da so- ciedade é perturbada pela inscrigio de uma parse dos sem-parte Ela comeca quando a igualdade de seja quem for com quem quer aque seya se inscreve em liberdade do povo. Essa hberdade de povo uma propriedade vazia, uma propriedade impropria pela quai os {que nio sio nada colocam seu colesivo como adéntice #0 todo da comunidade. A politica existe desde que formas de subyetivacio singuiares renovem as formas de inscrigio primeira da ideutidade entre 0 todo da comunidade ¢ o nada que a separa dela propria, ‘ou seja, a nica conta de suas partigSes. A politica deixa de exsstit ali onde essa separagio no tem mais lugar, onde o todo da comu- nnidade € conduzido sem resto i soma de suas partigSes (p. 163 £ o que chamo de estilo violento e compacto. A inteligibilidade do movimento esta inteiramente construida pela sintaxe. Digamos que estilo de Ranciére seja um estilo essencialmente sintitico, com uma distribuigdo semantica singular da relacio entre conceito e exemplo. E pois dificl excraur desse texto definigdes precisas de coisas como a politica, @ igualdade, 0 mestre, o saber... Mas eu gostaria de fazé-lo ainda assim, Comecemos por uma defini¢io bem singular. © que se pode chamar de o “fim” de uma politica, e mesmo o fim da existéncia, numa conyuntura dada, da atividade politica? Trata-se aqui das sequéncias, fem que existe uma politica de emancipagio. A politica cessa, diz-nos Ranciére, quando 0 conjunto (0 coletivo) é conduzido sem resto a soma de suas partes, Com relagio a esse ponto, eu observaria uma diferenga bem sugestiva entre Ranciére ¢ eu, uma diferenga um pouco mais esotérica que outras, porque ela é de natureza ontologica, Essa historia da soma das partes supde uma ontologia do muluplo que Ranciére nio nos oferege verdadeiramente, Porque na realidade, se formas nigorosos, simplesmente um conjunto nio pode ser conduzido a soma de suas partes. Ha sempre algo que, na conta das partes, excede o proprio conjunto, E precisamente esse excesso que nomeei de estado, 0 estado do méluplo, 0 estado da situario. O momento em que ury.goletwwo nada mais € do que afgestauyda soma de suas partes, é 0 que Rancigre ick AMT TE TIT] Mas tio logo a frente 4 coisa bifurca, Para Ranciére, © protocols de cessagio da politica é 0 ALAM ARDIOU A AENTURA OA LOS RANE 193 eee eee Sea momento no qual se restaura o estado do coletivos s palicia dis paz) E entdo que para nim nio poderia ter cessagio da politica neste sentido, pela razio de que 0 excesso do estado ¢ irredutivel. Hi sempre algo no estado cuja poténcta excede a apresentacio pura do coletivo. Ha algo. ‘nfo apresentado no estado. Nao se pode pois imaginar que a politica cesse na figura de um conjunto conduzido a soma de suas partes. Nio ‘rei mais longe, mas isso significa que, para mim, nio hi descrigio es- trutural possivel disso que € a cessacio da politica. E por isso que nio tenho em geral o mesmo diagnéstico que Ranciére sobre sua existéncia Porque nao temos os mesmos protocolos de diagnéstico quanto a0 que | € a cessagio. Hi, para ele, uma forma estrutural designdvel do firm da politica, € 0 momento em que o supranumerario se encontra abolido em proveito de uma restauraga0 sem resto da totalidade como soma de suas partes. Dispondo de um protocolo de cessagio da politica, ele pode designar seu absenteismo, seu fim. Como nig me sirvo desse -otocolo, a questio da politica permanece, estruturalmente a6 menos,| sempre aberta. E provavelmente o lugar puramente ontol6gico de uma diferenca no diagnéstico que porta sobre a conjuntura. E, sem divida, sso € a raiz de uma diferenga empirica: Ranciére, contranamente a) mim, no faz mais, ha muito tempo, politica organizada. ‘Agora, pode-se definir a igualdade? A igualdade é uma declaragio, decerto situada num dado regime de desigualdade, mas que afirma que tem lugar um tempo de aboligio desse regime, Nao é 0 programa da aboligio, é a afirmagio de que essa aboligio fem lugar. Estou pro- fundamente de acordo com esse gesto essencial. Vé-se, entio, que © exercicio da igualdade é sempre da ordem das consequéncias e jamais da ordem do que persegue um fim, Causalidade, ou consequéncias, ¢ nio finalidade. E essencial. O que se pode ter, ¢ que se trata de orga- itar, s30 a8 consequéncias da declaragao igualitaria, € ndo os meios da igualdade como fim. Nesse ponto também estou absolutamente de acordo. Na conceitualizagio de Ranciére, segue-se que a igualdade nio @ jamais uma ideia, Ela no é suscetivel de sé-lo, visto que ela é um regime da existéncia coletiva num dado tempo da historia, A declaragio cujo contetido (as formas mudam) £ "somos iguais" € um termo situado, ainda que historicamente supranumerario, que se tor~ na real em suas consequéncias, Tal é a visio de Ranciére. Para mim, fundamentalmente, a igualdade uma Idaia, num sentido bem parti- cular, Ela é uma Ideta porque é uma invariante de declaracio politica rue 198 tal como ela se constitui nas sequéncias da politica de emancipagio: Ela 4, pois, eterna em seu ser, ainda que sua constituicio local num mundo determinado seja a tinica forma possivel de existéncia, Falando de eternidade e de diferenca entre “ser” € “existir", assumo uma vez mais, vocés convirio, 0 papel do retardado dogmitico. E sem divida aqui que opera, no coracio mesmo da ago politica, uma separacio entre platonismo e no platonismo ou antiplaconismo: o estatuto ideal ou nfo ideal da igualdade. Ao mesmo tempo, concordaremos em dizer que o exercicio da igualdade é sempre da ordem das consequéncias. Seri que esse acordo pratico bastaria para contrabalancear o desacordo ontolégico? Sem divida que no, ou sem diivida localmente, em certas circunstancias, mas jamais na continuidade. Muito simplesmente porque a eternidade do axioma igualitirio se engaja num upo de continuidade que Raniciére nio pode assumir como «al Sobre essas bases ~ politica. igualdade — pode-se empreender, © € a terceira definicio, uma critica da figura do mestre. Seria, a interessante fazer um levantamento das figuras do mestre na filosotia francesa contemporinea. A critica da mestria em seu sentido estabele- cido propée uma figura nova que Ranciére descreve de uma maneira refinada, Essa figura, na parelha mestre ignorante/comunidade de iguais, tem 0 poder de desfazer 0 laco instituido por Platio entre mestres dos saberes e 0 dirigente da Cidade, entre saber ¢ poder. Na linguagem de Lacan, isso significa pdr fim 4 confusio entre 0 discurso do mestre € © da universidade, Creio que foi sobre esse terreno que Ranciére dew prova da fecundidade dos recursos que extrait na invengio operiria € revolucioniria do século XIX. Cabe saldar esse gesto extraordina~ rio, que € um gesto de ativagio dos arquives, na minha opiniio mais eficiente, menos melancélico, que © gesto foucaultiano. O arquivo operirio, tal como se expde remexido e reativado por Ranciére em. textos magnificos, mostrou sua fecundidade especulaniva precisamente no ponto de wma figura absolutamente original da transimissio, de una verdadeira substituigio das questées origindrias da qual falava Eu diia, em minha linguagem, que Ranciere encontrou de eternizagio conceitual de nossos paradaxos natwwos Ele produzy uma Ideta nova da transmissio fora da instituicio. Tudo isso, enfim, reage sobre 0 que & um saber O saber se encontra sob condigdo da maxima igualitaria, numa nova a ignordncia,¢ elaborando, por sua vez, um novo lugar p: sdo.com idade, [MAN ANDOU AAIENTURA DA OS FRANCE 35 saber evider nente deslocado com relagio ao saber instituido, meu proprio Jargio, € © mesmo que dizer que obtemos um sa ber que se encontra d al dade. Para Raneiére, eu penso que um saber, um verdadeiro saber, é 0 que a declaracio de Jade esclarece ou dispSe num regime de desigualdade, O que uma gnorinca presumida, nomeada como tal num regime de desigualdade, Produz, desde que seja submetida a autoridade da declaragio igual Carla, como novidade no discurso, Ter-se-ia dito outrora: é um saber Fevolucionario ow emancipador, um verdadeino saber, no sentido em que Nietasche fala de um ga saber. Pode-se dizer também que um tal saber € 0 que pre stre ignorante. E ah estamos, aliés, bem préximos do que Ranciire de efeito sobre uma conseiéneia 0 encontro real de um sderava como 0 “bom” Plato. Porque evidentemente, como todo antiplatSmico, ele tem seu bom Platio. E 0 Platio que encontrou, ou ante O pi corsa que sei é que nada sei”, a0 ser apresentado ¢ talvez inventou, © mestre i iro a ter dito: “a tinica no © mestre 1gno- rante, ¢ Socrates, O que produz na conser cra das jovens pessoas esse encontro de rece 0 nome de nove saber, ou de verdadeiro saber vu ie apenas a pon mestre ignorante, eis 0 que vez que se tem tudo isso em mis, ¢ estou dando evide erg, pode-se retornar para a educacio. Creio ondue 0} a em que saber e nio saber se equ modo que todo mundo educa todo guém educa ninguém. E um exemplo candmeo de Nio devemos acestar nem 0 Um do mestre sapiente assungio o inconsistente dos saberes espontineos. A 4 a Universidade ¢ o Partido, mas também contra os esponta~ istas, 08 partidarios do movimento puro, ou da mulndio 4 Negri A nova concepcio do lago entre saber e politica nio valida 10 dos partidos esclarecidos, que é despétca, nem a visio anarquizante, que € submetida a opiniio e se tarna cada vez mass ou 1c de desigualdade, Nos dois casos, rere. a polis desaparece sob a policia cess9 aprimo da educagao & a cons- ias de uma declarardo igualitéria sitwada run E isso, uma educacio emancipadora, A questio "Quem educa quem? desaparece. Tudo que se pode dizer é “Nés, nés nos educamos no stando entendido q singulares, mas a cada vez reafirmam em situagio que a igualdade é a nica maxima universal. Assim concebida, a educa¢io nio é uma con- digio da politica, como é 0 caso em Platio, no leninismo ossificado ou em Althusser. Mas ela tampouco ¢ indiferente 4 politica, como 0 € nos espontaneismos ou nos vitalismos da criagio amanente do movimento, rornos do “nds” sio a cada vez 0801 Caberia dizer, mas tenho a consciéncia de propor com Ranciere, ou em seu nome, uma expressio dificil: « educa é un fiagmente da po Um fragmento igual aos demais fragmentos Meu acordo formal com tudo isso nio deixa davida. A di de, 0 lugar do litigio, €a definicio ou a delimitacio do “nds” anénimo, 158 nos educamos no process Ranetére quanto a esse ponto, nio hi abertura verdadeira, por causa da na formula Nio hi prescrigio em democracia. O democricico, num certo sentido, toma por precausio fundamental nio cireunscrever 0 “nés”, mesmo no conceito, Decerto, cle fala abundantemente do motivo central dos comunismos utepicos 4 comunidade dos iguais. Mas ali vé claramente um mito regulador, que além disso € um resultado social, ¢ ndo um instrumento do pro~ cesso politico, Digamos que nio haya, em Ranciére, figura estabelecida do militante, Em sentido contrario, na filtagio platénica que chames de aristocritica, 0 “nds” & 0 corpo da igualdade, 0 corpo da maxima num momento dado de seu processo. Certamente, € uma aristocracia contingente, © “nds” nio tem outra fungio senio tratar a relugio da aguahtiria o mas longe possivel em suas consequéncias, Ele €, p detinido por um conyunto de militantes, os militantes que se 20 corpo situado das consequéncias do Verdadeiro. Ser miltante, isso quer dizer fazer trajetos. mudar de lmuares, definir conexdes improvavels... Ora, a conexio improvivel maior, no contexto do qual saimos, era a conexio entre intelectuais ¢ operi- ros. No final das contas, toda essa historia é também a histéria dessa conexio, Falamos nesta noite, sem muuto parecer toci-la, da historia filoséfica ou especulanva da conexio entre intelectuais € operarios como possivel ou impossivel, como uma relacio ou uma nio relacio, como um distanciamento, ete. E 0 que no elemento maoista da epoca cchamava-se a ligagdo de massa, mas a ligagio de massa € dialeticamente [ALAIN BADIOUAAENTURA DA FOSOFA FRANCA 17 Te Ld 4 poténcia do desligado, £ num desligamento originério em processo ue surge, como uma novidade incrivel, a possibilidade dessa ligacio, Mas essa possibilidade ndo constréi sua propria temporalidade senao ‘uma organizagio politica, Sejamos um pouco mais conceituais. Pode-se recapitular Ran- cléte assim: o que tem valor é sempre a inscrigio fugaz de um termo supranumerério. E, quanto a mim: 0 que tem valor é a disciplina de fixagio de um excesso. Para Ranciére, 0 termo supranumeririo se deixa descrever num regime dado da desigualdade, como parte do sem-parte. Para mim, 0 resultado da disciplina de uma verdade se deixa descrever como multiplicidade genérica, subtraida a todo predicado Para Ranciére, nio hi excecio senio de época, ou hist6rica, Para mim, somente ha excecio eterna Isso me di ocasifo de termanar, para que uma ponta de ironia fa¢a consistir minha ética do elogio, por uma observagio critica agu- da. Ela concerne a Richard Wagner e esti em relagio com tema da poténcia deshgada, ou do genérico, tal qual a arte disso pode produzir 2 encarnacio milupla, Num de seus livros, Ranciére propde uma interpretagio do terceiro ato dos Mestres cantores. © tema dos Mestes cantores & a necessidade de uma recomposigio da rela¢io entre 0 povo € a arte. Os mestres cantores si uma corporagio artistica de artesios que perpetua ensina uma certa tradi¢io do canto, O personagem- chave dessa instituici0 esta no mais baixo grau do artesanato, pots ele € sapateiro, est4 quase numa funio de intocavel, no sentido indiano. Mas eis que chega 0 tempo em que vai se propor a necessidade de instituir como relagao, entre 0 povo e arte, uma nao relagio. © que evidentemente esclarece que essa fabula seja exemplar para Ranciére, como ela o é para mim. Sempre nossos imperativos originarios. Por~ que chega, na figura de um jovem aristocrata, Walther, um artista novo, uma nova arte, um novo canto. Walther, que se pode entender como Wagner, vem participar do concurso de canto organizado pe- los mestres. © prémio desse concurso é uma jovem para se esposar, a bela Eva. Que uma jovem seja a recompensa da nova arte convém perfeitamente a Wagner, € a muitos outros artistas. Conduzidos pelo medonho Beckmesser, que se pode entender como Meyerbeer, os Tepresentantes mais obstinados da tradicio se opdem evidentemente a esse nove canto. O personage central, g sapateito Hans Sachs, sera © mediador da reconstrugio de uma telagio em que a dimensio do 138 me Ele vai se sereir io relacionado do novo canto poderi se inscrev de ardis, intrigar, tudo isso é bem complicado no de ie, para que o Jovem senhor possa finalmente concorrer, ganhar 0 p € deme io interna A arte entre a tradigio, 0 povo ea novidade. O objetivo "militante” de Sachs é que a novidade artistica seja articulada 4 tradicio, de tal modo ue © conyunto seja constitutive de uma nova relagio fundamental entre 0 povo e sua historicidade, no meio da arte. © episédio do qual propomos, Ranciére e eu, interpre pouco diferentes € aquele no qual, vencendo todos os obsticulos, 0 modo que se tenha a construcio publica de uma nova rel cavaleiro chega a0 concurso, canta sua nova iia e subjuga 0 povo. Se Ihe diz, entio: agora, vocé vai se incorporar aos mestres cantores. Mas, nauseado pelas humilhagdes que teve de sofrer, org como um maldito romintico que ele é, Walther recusa. E, entio, que intervém uma grande declara¢io do sapateiro. Ele explica a seu jovem Protegido que ele deve aceitar, porque € somente se a no relagio se constitui como relagio que ele tem a possibilidade de ser novamente 0 Instrumento do coletivo. © povo somente seri configurivel pela arte se ani relagio entre a tradigdo € a novidade for, de uma maneira ou de outa, praticivel como relacio. Esse longo aparte explica, que o destino da Alemanha esteja ali em jogo. Hans Sac efetivamente uma tese particular e, na minha opiniio, bem ade que o destino Pode ser senio a arte alemi, Finalmente, 0 cavaleiro aceita. O povo no grita, todavia, “viva Walther!", mas “vi 050 € solitario jem disso, fa, que verdadeiro” ou seja, universal, da Alemanha nao sapateiro que se di, sob os aplausos, a coroa de louros. Em suma, 0 povo Feconhece que o mestre de rodo 0 processo é 0 miserivel sapateiro © que Rancigre diz é que tudo iso é perteitamente meiancoli- c0, porque a época da possibilidade de uma relagio verdadeira entre a ova arte ¢ 0s sapateiros jé se foi. Quando Wagner termina sua opera ela deriva da pura fic¢io nostélgica ~ a nostalgia do jovem Wagner que subia a Dresden, em 1848, sobre as barricadas ~ de coroamento piiblico do sapateiro como soberano es da arte, Ja estamos, Wagner € disso ciente, num processo de dis completa entre as artes de vanguarda ¢ 0s coletivos poy onto que marco meu diferendo. Essa cena enuncia que se 3 reconcilia, na travessia da nao relagio, com um potente assent popular, ela se tornara insignificante e se vers em todo lugar subs » ADIOUA KENTURADAPLOSCPAFRANCISA pete fea - a + pelt sonsumivel, do esterestipo dla Beckmesser Hans Sachs dé Bgura teatral e muucal a uma ideva antecipante, hoje n SNPenso, Pergue o “realisme socialista” que a retomou nie Pode se impor: a [deta de uma grande arte que no fique restrta aos burgueses educados nem degradada em cantarolas estrondosas, Uma Brande arte de massa, como pode ser hoje, por vezes, de Chaplin « ontra-se, desde 0 século XIX, no tuoso de sua etermdade efetwva, Coroat o sapateiro Sachs pot zado sobre a cena ui yustiga fevta, mi Kitano, 0 cinema, Essa dei enc: ae terre a [deta em vias de se tornar eterna é uma smo se as dificuldades historicas de seu devir sejam Patentes ha um século meio, Isso teria sido talvez mais convincente se. no lugar de cantar uma nova cancio, Walther tivesse vindo can- tando: “tenho wma cimera, eu inventei o cinema, E verdade que ele iv chega propondo uma arte que seja ao mesmo tempo herdeira das cSes populares e uma intensa novidade artistica, Ele nada mais faz lo que cantar um canto algo novo. Na verdade, uma das mais belas areas de Wagner, Mas, entim, 0 real da cena esti no que ela afirma, jo nO que ela depiora, Nem a area de Walther nem a declaragio de Sachs estio, musi mente, dominadas pela melancoha. Artisticamente, ssa Opeta ¢, desde a arquitetura primaveril de sua abertura, a Gpera da alegria construtiva, E interessante ver que se ha bem uma rendincia de Sachs (cle sabe que © novo canto é 0 de Walther, que ele proprio nada mais ¢ do que um mediador e que, consequentemente, embora ele ali estesa como 0 Pai simbélico € amoroso de Eva, € 0 jovem homem que deve esposi-la), essa rentincia, como as docuras vivas do tema da noite de verio, invengio sonora do perfume das tihas, esta absorvida na cnengia geral da histérsa popular, nos modos de uma algazarra cSmica no segundo ato, de uma manifestagio patritica e operaria no terceiro, Donde se mostra que a miisica cria por si mesma uma figura ge~ nérica da disesplina artistica, como analogia da disciplina politica, que, por sua vez, apos 1848, permanece ainda suspensa e permaneceré, apés 0 esmagamento da Comuna, até Lénin e a revolugio de 1917. Esse diferendo mo & interessante, porque toca na relagio para com a historia, Ranciére incorpora a contemporaneidade efetiva 26 julgamento que ele traz sobre essa alegoria. E é verdade que as esperancas das revolugées de 1848 sio facticias desde 1850, Mas eu ractocino em senudo inverso. Sustentogue a alegoria artistica seja Prospectiva, antecipante, baliza temporal do devir-eterno da Ideia. O i mao desmentido circunstancial da historia obry 1g ndo i melancolia, mas antes a0 desenvolvimento da id na tensio de seu devir, ainda que foe um devir de longuissimo alcance. E bem assim que o entende Wagner nas fanfarras arcistcas do coroamento de Hans Sachs, 0 sapateiro. E, efeivamente, a questio wagneriana “Quem é 0 mestre das artes?" for constantemente apresentada em nossos trabalhos em torno da obra de Ranciére, singularmente no que foi dito do cinema, As ideias que se tornam nos mundos disparates devem ser julyadas rnio pelo que determinou as circunstincias de seu fracasso aparente em tal ou qual sequéncia da Histéria, mas pelo devir ponto por ponto, em travessia de imprevisiveis novos mundos, de sua imposi¢io universal

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